SOCIEDADE ANÓNIMA
ADMINISTRADOR
PENSÃO DE REFORMA
FUNDO DE PENSÕES
REMUNERAÇÃO
PENSÃO COMPLEMENTAR DE REFORMA
ABUSO DO DIREITO
AÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
ENCARGOS
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
SOCIEDADE COMERCIAL
Sumário


I - O art. 402º do CSC prevê a possibilidade de o contrato da sociedade anónima estabelecer um regime de reforma para os seus administradores, com os limites fixados no nº 2: a pensão de reforma a cargo da sociedade e da pensão recebida do sistema contributivo da segurança social não pode ultrapassar a remuneração do administrador em funções mais bem pago.
II - Este regime é ainda aplicável quando a pensão não constitui um encargo directo da sociedade, mas sim de um fundo de pensões criado e financiado pela própria sociedade.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




FUNDO DE PENSÕES DOS ADMINISTRADORES da TRANQUILIDADE, representado pela sua entidade gestora GNB – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE PENSÕES, S.A. – agora denominado FUNDO DE PENSÕES DOS ADMINISTRADORES DAS SEGURADORAS GNB , propôs acção declarativa comum de simples apreciação contra:

1ª. GNB COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.,

2ª. GNB COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A.,

. AA,

. BB,

. CC,

6º. DD,

tendo peticionado que seja declarado o seguinte: 

1. A inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade de receberem ao abrigo desse plano uma pensão ou complemento de pensão, cuja determinação não observe o limite previsto no art. 402º, n.º 2 do CSC, independentemente de as entidades associadas solicitarem essa aplicação;

2. A inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade de receberem ao abrigo desse plano uma pensão ou complemento de pensão, cuja determinação não observe o limite previsto no art. 402º, n.º 2 do CSC, não obstante a circunstância de o financiamento desse pleno de plano de pensões e a responsabilidade do pagamento dos benefícios se encontrarem transferidos para o Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade;

3. A inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade receberem ao abrigo desse plano uma pensão, ou complemento de pensão, cujo valor não observe, a todo o tempo durante o período do respectivo pagamento, o limite correspondente ao valor da remuneração do administrador efectivo em funções com maior remuneração;

4. A inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade receberem ao abrigo desse plano uma pensão, ou complemento de pensão, sem que o respectivo montante se encontre sujeito ao limite correspondente à diferença entre o valor total ilíquido da soma das prestações de pensão de reforma e/ou complementares de reforma do ex-administrador (caso existam) e a remuneração ilíquida do administrador efectivo em funções com maior remuneração;

5. A inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade receberem ao abrigo desse plano uma pensão, ou complemento de pensão, sem que na soma das prestações de pensão de reforma e/ou complementares de reforma do ex- administrador prevista no pedido anterior, para apuramento do limite peticionado também no pedido anterior, se considerem todas as prestações de pensão de forma, prestações complementares de pensão de reforma ou equiparadas, que o participante ou beneficiário receba, ao abrigo de qualquer sistema previdencial, plano de reforma ou mecanismo equivalente, público, semi-público ou privado, português ou não;

6. A inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade receberem ao abrigo desse plano uma pensão, ou complemento de pensão, sem que a remuneração de referência do administrador no activo melhor remunerado seja a sua remuneração fixa mensal ilíquida;

7. A inexistência do direito dos cônjuges ou filhos ou equiparados a auferir ou reclamar pensões de sobrevivência, porquanto são inválidas, porque contrárias a disposições imperativas, as cláusulas do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade, nomeadamente o ponto 4.2.5. do contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade, que estipulam benefícios aos familiares dos administradores, seja na modalidade de pensão de sobrevivência imediata, seja na modalidade de pensão de sobrevivência diferida.»

Para tal alegou, em síntese, que é entidade gestora a quem incumbe a definição e cálculo das prestações emergentes do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade e que, nessa incumbência, deve adequar as cláusulas do contrato constitutivo desse Fundo de Pensões ao regime consagrado no artigo 402º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), designadamente o seu n.º 2, o qual tem natureza imperativa e determina, em síntese, que as pensões  reforma e complementos dessas pensões não podem exceder, no seu quantitativo, o valor da remuneração em cada momento atribuída a cada administrador no activo ou, havendo remunerações diferentes, a maior delas. Assim, fazendo valer esta disposição normativa, deve ser clarificada a definição e cálculo daquelas pensões, por forma a dissipar as dúvidas sérias que existem sobre esta matéria – quer por forma a adequar o respectivo valor a este preceito, limitando tais pensões, como pretende a Autora, quer concluindo-se que não é aplicável qualquer limite. Para além disso, a procedência total ou parcial desta acção determinará a restituição de todos os montantes pagos em excesso, pelo que, existindo incertezas objectivas, reais e sérias no apuramento dos direitos ao abrigo do plano de pensões do Autor, existe também interesse em obter uma declaração judicial da existência ou inexistência de tais direitos que ponha termo a tais incertezas.


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Apenas os 3º a 6º Réus contestaram, o que fizeram, quer por excepção, quer por impugnação.

Os 3º e 5º Réus (AA e CC) deduziram excepções de ilegitimidade processual, alegando, para tal, que no processo deveriam figurar, nomeadamente, por um lado, o cônjuge do Réu CC e, por outro lado, todos os participantes e beneficiários do Fundo de Pensões já que, caso a acção seja procedente, todos eles verão os seus direitos e expectativas restringidos, da forma proposta pela Autora. Alegaram a inconstitucionalidade da norma ora em questão, por violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica. Invocaram, ainda, o abuso de direito por parte da Autora, na medida em que esta assume uma postura de “venire contra factum proprium”, por alterar a sua conduta de forma injustificada e inesperada, agindo apenas de acordo com os interesses da sociedade sua gestora.

Em reconvenção, pediram a declaração de que a aplicação do limite estabelecido pelo artigo 402º, n.º 2 do C.S.C. apenas poderá ocorrer quando o participante, verificados os pressupostos para o efeito, passa a beneficiário, com direito ao pagamento efectivo de uma pensão; que seja o Autor condenado a efectuar aos Réus o pagamento da pensão de reforma por velhice, calculada nos termos ora expendidos; a declaração de que, para aplicação do limite estabelecido pelo artigo 402º, n.º 2 do C.S.C., deverá ser considerada a retribuição média mensal ilíquida do administrador em exercício de funções melhor remunerado, retribuição mensal essa que integra a retribuição fixa e a retribuição variável; a condenação do Autor a informar os Réus dos exactos termos em que procedeu ao cálculo da sua pensão de reforma, com a documentação comprovativa necessária, e a pagar aos Réus a pensão de reforma por velhice, calculada nos termos ora expendidos; a declaração da inexistência do direito à pensão de sobrevivência, nos exactos termos definidos no Contrato Constitutivo e Plano de Pensões do Fundo.

Terminam pedindo a procedência das excepções de ilegitimidade, da excepção de abuso de direito, ou a improcedência da acção, e a procedência dos pedidos reconvencionais.

O 4º Réu pugnou, fundamentalmente, pela não aplicabilidade à situação dos autos do artigo 402º, n.º 2 do C.S.C., nos termos expendidos na sua contestação, tendo terminado pedindo a improcedência da acção e o integral cumprimento do plano de pensões previsto pelo Fundo de Pensões, sem qualquer limite previsto naquela norma.

Quanto ao 6º Réu, para além das excepções de ilegitimidade passiva, arguidas em termos idênticos ao que fizeram os 3º e 5º Réus, alegou a ilegitimidade activa na medida em que, para o Autor, sendo apenas um património autónomo criado pelo contrato constitutivo do Fundo, não advirá qualquer vantagem ou utilidade na decisão que vier a ser proferida, já que tal vantagem ou utilidade apenas poderá existir para os associados do Fundo, que não estão na acção. No mais, invocou o abuso de direito do Autor, bem como um conflito de interesses, na medida em que a sua entidade gestora só muitos anos depois, do estabelecimento do Fundo de Pensões, vem alegar incertezas no apuramento dos direitos ora em discussão e, ainda, que, ao defender a posição que defende nos autos, obterá um favorecimento das Associadas pertencentes ao mesmo grupo económico dessa entidade gestora, assim violando as normas disciplinadoras dos conflitos de interesses. Impugnou, também, parte da factualidade alegada na petição inicial e terminou pedindo, além da procedência das excepções e da improcedência dos pedidos, a declaração de existência dos direitos emergentes do Fundo de Pensões, em questão nos autos.

O Autor deduziu incidentes de intervenção provocada dos cônjuges e filhos ou equiparados de cada um dos 3° a 6° Réus, em cujo benefício podem reverter as pensões de sobrevivência a que os primeiros tenham direito, quer de forma imediata, quer diferida, o que foi deferido.

Houve réplica, e o autor apresentou articulado superveniente.

Realizada a audiência prévia, foi proferido saneador-sentença que decidiu julgar “a presente acção de simples apreciação negativa totalmente improcedente, declarando, em consequência, a existência dos direitos enumerados pelo Autor no pedido que formulou.”


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O interpôs recurso de apelação, com parcial sucesso, pois que o Tribunal da Relação ….. decidiu julgar parcialmente procedente a apelação nos seguintes termos:

A - à luz dos artº/s 576 nº2 e 579 ambos do CPC, os RR AA, BB, CC e DD são absolvidos do pedido, por procedência da excepção peremptória de abuso de direito.

B - Sem prejuízo do que acima se decidiu:

1 - declara-se a inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade de receberem ao abrigo desse plano uma pensão ou complemento de pensão cuja determinação não observe o limite previsto no art. 402º, n.º 2 do CSC, independentemente de as entidades associadas solicitarem essa aplicação e da circunstância de o financiamento desse pleno de plano de pensões e a responsabilidade do pagamento dos benefícios se encontrarem transferidos para o Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade.

Porém, a observância do limite previsto no artº 402 nº 2 CSC apenas contemplará as atribuições de pensões de reforma e respectivos complementos, tal como é estabelecido no nº 1, 2 e 4 da mesma norma, independentemente do beneficiário receber ao abrigo de qualquer sistema previdencial público, semi-público ou privado, português ou não, um plano de reforma ou mecanismo equivalente,

2 - Declara-se a inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade receberem ao abrigo desse plano uma pensão, ou complemento de pensão, cujo valor não observe, a todo o tempo durante o período do respectivo pagamento, o limite correspondente ao valor da remuneração do administrador efectivo em funções com maior remuneração;

3 - Declara-se a inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade receberem ao abrigo desse plano uma pensão, ou complemento de pensão, sem que o respectivo montante se encontre sujeito ao limite correspondente à diferença entre o valor total ilíquido da soma das prestações de pensão de reforma e/ou complementares de reforma do ex-administrador (caso existam) e a remuneração ilíquida do administrador efectivo em funções com maior remuneração;

4- Declara-se a inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade receberem ao abrigo desse plano uma pensão, ou complemento de pensão, sem que a remuneração de referência do administrador no activo melhor remunerado seja a sua remuneração fixa mensal ilíquida

5 - Declara-se a inexistência do direito dos cônjuges ou filhos ou equiparados a auferir ou reclamar pensões de sobrevivência, porquanto são inválidas, porque contrárias a disposições imperativas, as cláusulas do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade, nomeadamente o ponto 4.2.5 do contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade, que estipulam benefícios aos familiares dos administradores, seja na modalidade de pensão de sobrevivência imediata, seja na modalidade de pensão de sobrevivência diferida.


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Do acórdão, interpuseram recurso de revista o Autor e os RR, tendo sido admitidos, além do recurso do Autor, as revistas interpostas por CC, apenas quanto à decisão que lhe foi desfavorável, atento o pedido reconvencional, por EE, pelas intervenientes FF e GG, e admitida a ampliação do objecto do recurso requerido pelos RR DD e BB nas contra alegações ao recurso do Autor.

Os Recorrentes finalizam as respectivas alegações com as seguintes conclusões:

O Autor Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade (suprimem-se as atinentes à tempestividade do recurso e inexistência de dupla conforme, por não estarem em causa nem a tempestividade do recurso nem a recorribilidade da decisão):

(…)

D) Sobre a parte decisória do acórdão segundo a qual “a observância do limite previsto no artº 402 nº 2 CSC apenas contemplará as atribuições de pensões de reforma e respectivos complementos, tal como é estabelecido no nº 1, 2 e 4 da mesma norma, independentemente do beneficiário receber ao abrigo de qualquer sistema previdencial público, semi-público ou privado, português ou não, um plano de reforma ou mecanismo equivalente” (segundo parágrafo do n.º 1 do ponto B) da parte decisória do acórdão).


5. Conforme já se refere nos art.º 74.º a 78.º da p.i., o Autor entende que o limite do art.º 402.º, n.º 2, do CSC, deve ser aplicado considerando o somatório de todas as prestações de pensão de reforma, prestações complementares de reforma ou equiparadas que o participante ou beneficiário receba, ao abrigo de qualquer sistema previdencial, plano de reforma ou mecanismo equivalente, público, semi-público ou privado, pois tanto o elemento literal do 402.º, n.º 2, do CSC, como o seu elemento teleológico apontam nesse sentido.


6. Com o disposto no art.º 402.º, n.º 2, do CSC, pretende-se, que o ex-administrador, após o apuramento do somatório de todas as prestações inerentes à sua situação de reformado, possa ainda, eventualmente, aceder a uma pensão complementar, mas apenas até ao referido limite do administrador no activo melhor remunerado.


7. Assumindo natureza excepcional a atribuição de pensões ou complementos de pensões de reforma a administradores de sociedades anónimas, a lei teve o cuidado de limitar a contribuição máxima desta, não permitindo que, pelo jogo das várias fontes de rendimento associadas à reforma, a adição do complemento a cargo da sociedade levasse o administrador reformado a ter uma pensão global agregada superior à remuneração do administrador em funções melhor remunerado, por não fazer sentido que um administrador reformado possa, à custa da sociedade, receber mais do que aqueles que estão no activo.


8. Saliente-se que os complementos de pensão para administradores surgem num momento no tempo em que as contribuições dos administradores para a Segurança Social estavam limitadas a uma base de incidência de oito salários mínimos, assim como as respetivas pensões – instituir um complemento de pensão, visava, desde logo, complementar a pensão da Segurança Social, para que o rendimento na reforma atingisse um patamar equilibrado com o nível de rendimento auferido enquanto administrador, tendo a lei salvaguardado que isso aconteceria, mas não podendo exceder a remuneração dos administradores em exercício de funções.


9. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.02.2014 - proc.º 500/12.0TVLSB.L1.7, – amiúde citado e seguido pelo acórdão ora recorrido – pronuncia-se expressamente sobre esta problemática no sentido preconizado pelo Autor (conforme transcrição constante do n.º 30 das alegações supra).


10. Não nos conformamos, assim, com o entendimento do douto acórdão recorrido, o qual – afastando-se neste caso particular do entendimento do acórdão de 04.02.2014 – se limita a discordar que, para efeitos da interpretação da parte final do n,º 2 do art.º 402.º do CSC, se deva considerar o somatório de todas as pensões auferidas (da Segurança Social e da sociedade), porque “a lei societária ao estabelecer aquele limite no art.º 402.º, n.º 2 não dispõe sobre a articulação das duas matérias” (pág. 39 do acórdão recorrido).


11.  Acresce que o Plano de Pensões dos Administradores da Tranquilidade – inserto no Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade (Doc. 5 da p.i.) sob a epígrafe “4 – Plano de Pensões” – prevê expressamente que, no cálculo do valor do benefício “reforma por velhice”, se deve levar em consideração a soma de todas as pensões anuais, nomeadamente pagas por regime de Segurança Social, português ou estrangeiro, conforme resulta expressamente do ponto n.º 4.2.1. e cujo teor também transcrevemos no n.º 32 das alegações).


12. Entendemos que, por referência ao segundo parágrafo do n.º 1 do ponto B) da sua parte decisória, o recurso recorrido interpreta erroneamente o art.º 402.º, n.º 2, do CSC.


13. Assim, requer-se que o segundo parágrafo do n.º 1 do ponto B) da parte decisória do acórdão recorrido seja eliminado, e que seja acrescentado o seguinte texto (correspondente ao pedido n.º 5 da p.i.), ao n.º 3 do ponto B) da parte decisória do acórdão (que se reporta ao pedido n.º 4 da p.i.): “e sem que na soma das prestações de pensão de reforma e/ou complementares de reforma do ex-administrador, para apuramento do referido limite, se considerem todas as prestações de pensão de reforma, prestações complementares de pensão de reforma ou equiparadas, que o participante ou beneficiário receba, ao abrigo de qualquer sistema previdencial, plano de reforma ou mecanismo equivalente, público, semi-público ou privado, português ou não”.


E) Sobre a parte decisória do acórdão que absolve os 3.º, 4.º, 5.º e 6.º Réus do pedido por procedência da excepção peremptória de abuso de direito (ponto A) da parte decisória da sentença).


14. A procedência da excepção peremptória de abuso de direito é surpreendente, do nosso ponto de vista, uma vez que:

i) quanto aos Réus AA, CC e DD, não é possível concluir dos factos invocados pelo acórdão recorrido – os factos provados 10 e 13 a 27 – que o Autor agiu com abuso de direito;

ii)   quanto ao Réu BB – que nem sequer deduziu a excepção ou invocou quaisquer factos nesse sentido – o acórdão recorrido não invoca um único facto dado como assente – repetimos, um único facto dado como assente – do qual se pudesse extrair a conclusão, eventualmente, de que o Autor agiu com abuso de direito.


15. O acórdão recorrido alicerça a decisão de absolvição do pedido dos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º Réus, por alegado abuso de direito do Autor, na seguinte factualidade (e somos exaustivos):

15.1. Facto relativo aos 4 Réus: Facto provado n.º 10;

15.2. Factos relativos ao 3.º Réu, AA: Factos provados n.º 13 a 16.

15.2. Factos relativos ao 5.º Réu, CC: Factos provados n.º 17 a 19.

15.3. Factos relativos ao 6.º Réu, DD: Factos provados n.º 20 a 27.

15.4. Factos relativos ao 4.º Réu, BB: Nenhum facto.


16. Elencados os factos em que assenta a sua decisão de direito, indaga o acórdão recorrido logo a seguir:

“O que concluir?” (pág. 45 do acórdão), para logo concluir:

“À data em que os RR assumiram a posição de pensionistas tinham a legítima expectativa de que o plano de pensões seria gerido e cumprido fora do âmbito normativo do artigo 402º do C.S.C. O que significa que, à data em que lhes foi atribuída a pensão de reforma, os RR calculavam e previam que os efeitos jurídicos dessa atribuição se manteriam” (pág. 45 do acórdão).

17. Salvo o devido respeito, é manifesto que dos referidos factos invocados no acórdão recorrido (e que se transcrevem no n.º 37 das alegações) não se pode retirar a referida conclusão:

17.1. O facto provado n.º 10, relativo aos 4 Réus, é absolutamente irrelevante sobre a expectativa que os Réus teriam ou não sobre a forma como o plano de pensões seria gerido.

17.2. Os factos provados n.º 13 e 15, relativos ao Réu AA; n.º 17, relativo a CC; e n.º 20 a 27, relativos a DD, convenhamos, também são absolutamente irrelevantes acerca da expectativa que estes Réus teriam ou não sobre a forma como a o plano de pensões seria gerido.

18. Constatamos, então, desde já, salvo melhor opinião e ressalvando, mais uma vez, o maior respeito que o Tribunal da Relação …… nos merece, o seguinte: não há um único facto dado como assente e invocado pelo acórdão recorrido com base no qual se possa concluir qual a expectativa que os Réus BB e DD tinham sobre a forma como o plano de pensões seria gerido.

19. Quanto aos Réus AA e CC, importa averiguar se dos factos provados 14 e 16, 18 e 19 se pode concluir – como o acórdão recorrido conclui – que “à data em que os RR assumiram a posição de pensionistas” (respectivamente Março de 2007 e Agosto de 2015, conforme factos provados n.º 13 e n.º 17) “tinham a legítima expectativa de que o plano de pensões seria gerido e cumprido fora do âmbito normativo do artigo 402º do C.S.C. O que significa que, à data em que lhes foi atribuída a pensão de reforma, os RR calculavam e previam que os efeitos jurídicos dessa atribuição se manteriam” (pág. 45 do acórdão).

20. Entendemos que dos factos provados 14 e 16, 18 e 19 não se pode concluir como conclui o acórdão recorrido, conforme passamos a demonstrar.

21. A conclusão extraída pelo acórdão recorrido assenta, desde logo, no seguinte equívoco: a atribuição da pensão de reforma do Réu AA, no valor de € 15.993,35, em Março de 2007 e a atribuição da pensão de reforma do Réu CC, no valor de € 8.505,03, em Agosto de 2015, não levariam em consideração o disposto no art.º 402.º, n.º 2, do CSC, disposição legal que o Autor só teria decidido aplicar a partir de 2017 … como se estivesse provado nos autos que nos anos anteriores a 2017 se impunha limitar o valor das pensões de reforma dos Réus AA e CC, ao abrigo do disposto no art.º 402.º, n.º 2, do CSC, e o Autor não o tivesse feito.

22. Assim, entendemos que para que se pudesse concluir que os Réus AA e CC tinham a “expectativa que o plano de pensões seria gerido e cumprido fora do âmbito normativo do artigo 402º do C.S.C.”, teria que se dar como provada factualidade de onde resultasse que nos anos anteriores a 2017 o plano de pensões foi gerido e cumprido fora do âmbito normativo do artigo 402.º do CSC, nomeadamente em que anos os valores das pensões de reforma dos dois Réus deviam ter sido limitadas e relativamente a que valores, sem que tal tivesse acontecido, nomeadamente em face dos valores de remuneração, também dados como provados, auferidos pelos administradores efectivos.

23. Só se poderia concluir, eventualmente, que os Réus AA e CC tinham a expectativa que poderiam auferir pensões de reforma, ao abrigo do plano de pensões dos autos, que excedessem a remuneração em cada momento percebida por um administrador efectivo ou, havendo remunerações diferentes, a maior delas, se da matéria de facto dada como assente constassem factos comprovativos de que, ao longo dos anos, tal viria a suceder ou que tal sucedeu, efectivamente.

24. Cremos, consequentemente, que não está dado como assente qualquer facto a partir do qual se possa concluir que os Réus AA e CC (e ainda menos os Réus BB e DD, como vimos) tinham a “expectativa que o plano de pensões seria gerido e cumprido fora do âmbito normativo do artigo 402º do C.S.C.”

25. Mas suponhamos, sem prescindir, apenas por facilidade de raciocínio, que da matéria de facto dada como assente se poderia concluir que qualquer um dos Réus AA, BB, CC e DD tinha a “expectativa que o plano de pensões seria gerido e cumprido fora do âmbito normativo do artigo 402º do C.S.C.”

26. Então a questão que se impõe colocar é a seguinte: seria tal expectativa legítima, conforme sustenta o acórdão recorrido? Ou seja: seria merecedora de tutela jurídica a expectativa dos Réus de que o plano de pensões fosse gerido à margem da lei?

27. Não temos dúvidas que a resposta a esta questão terá que ser negativa, sendo chocante, do nosso ponto de vista – salvo melhor opinião e ressalvando novamente o respeito que nos merece o TR…. – que se considere legítima a expectativa que os Réus pudessem ter de receber pensões de reforma, ao abrigo do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade, à margem de uma disposição legal aplicável a esse plano de pensões, ou seja, à margem do disposto no art.º 402.º, n.º 2, do CSC, sendo o tribunal inequívoco no sentido da aplicação desse normativo legal.


28. Importa salientar, a propósito da suposta legítima expectiva dos Réus, as seguintes circunstâncias:

Está provado que:

- o Réu AA foi ... do Conselho de Administração da Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., entre Janeiro de 1984 e Março de 2007 (facto n.º 13);

- o Réu CC também foi ... do Conselho de Administração da Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., em período(s) concretos(s) não apurado(s) (facto n.º 17);

- o Réu DD foi ... da GNB – Companhia de Seguros de Vida, S.A., entre Abril de 2002 e Setembro de 2016, tendo sido também ... da Companhia de Seguros Tranquilidade Vida, S.A., por um período (não concretamente apurado) iniciado em 01.04.2002 (factos provados n.º 22, 23 e 26);

- o Réu BB é participante e beneficiário do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos ... da Tranquilidade (facto provado n.º 10), pelo que há-de ter sido necessariamente administrador de alguma(s) das sociedades associadas do Fundo (conforme Doc. 3 a 5 da p.i.).


29. Assim, qualquer destes quatro réus foi parte activa, enquanto administrador de sociedades associadas do Fundo de Pensões, na elaboração e na alteração do Fundo de Pensões e, consequentemente, no respectivo Plano de Pensões, e na sua forma de gestão, pelo que tem que se concluir necessariamente que qualquer um dos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º Réus não é um terceiro de boa fé relativamente à elaboração e à gestão do Plano de Pensões de que são beneficiários, sendo todos parte activa na criação da eventual expectativa de usufruírem de pensões de reforma … contra disposições legais aplicáveis, concretamente, contra o disposto no art.º 402.º, n.º 2, do CSC.

30. O acórdão do TRL de 04.02.2014 – por diversas vezes invocado pelo acórdão recorrido – debruça-se sobre o alegado abuso de direito, numa situação similar à destes autos (conforme transcrição feita no n.º 57 das alegações), concluindo pela não verificação do abuso de direito.

31. Também nos presentes autos não se alcança – à semelhança do que sucede no acórdão do TRL de 04.02.2014 – como é que uma alegada conduta anterior da Ré (se fosse provada) poderia validar uma conduta inválida e ferida de vício irreparável, justificando-a e eternizando-a na ordem jurídica.

32. O acórdão recorrido, transcrevendo um excerto de um acórdão do STJ de 12.11.2013, discorre, ainda, sobre o a excepção peremptória do abuso de direito, a pág. 40 a 42, nos termos que ficam transcritos no n.º 59 das alegações.

33. Mas eis que, quando seria expectável que o acórdão recorrido verificasse, um a um, se no caso sub judice ocorrem os pressupostos do abuso de direito elencados no transcrito acórdão de 12.11.2013 do STJ, o acórdão recorrido limita-se a concluir, com base nos factos provados supra transcritos, aprioristicamente, que os Réus tinham a legítima expectativa de que o plano de pensões seria gerido e cumprido fora do âmbito normativo do artigo 402º do C.S.C., não cuidando de aquilatar da verificação concreta de cada um dos pressupostos invocados.

34. Percorramos nós, então, agora, cada um dos pressupostos do abuso de direito elencados no acórdão do STJ de 12.11.2013 e transcritos no acórdão recorrido.

35. Primeiro pressuposto: a existência de um comportamento anterior do agente (o ‘factum proprium’) que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança.

36. Este pressuposto não se verifica no caso sub judice.

37. O acórdão recorrido parte do princípio que o Autor no passado geriu e cumpriu o plano de pensões à margem do art.º 402.º do CSC – mas, como já vimos, não existe qualquer facto provado a partir do qual se possa retirar tal conclusão.

38. Não está provado, nomeadamente, qualquer facto de onde resulte que em datas anteriores a 2017 o Autor devia ter limitado as pensões de reforma de cada um dos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º Réus, de acordo com o art.º 402.º, n.º 2, do CSC, e que não o fez.

39. Segundo pressuposto: quer a conduta anterior (‘factum proprium’), quer a actual (em contradição com aquela) devem ser imputáveis ao agente.

40. Também não está provado qualquer facto que aponte neste sentido, pelo que este pressuposto também não se verifica.

41. Terceiro pressuposto: a pessoa atingida com o comportamento contraditório deve estar de boa fé.

42. Também não está provado qualquer facto de onde resulte a actuação de boa fé de cada um dos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º Réus.

43. Acresce que não é possível qualificar como de boa fé a eventual expectativa de cada um daqueles Réus de que o Autor gerisse e cumprisse o plano de pensões à margem das disposições legais aplicáveis e, em concreto, do disposto no art.º 402.º, n.º 2, do CSC, tendo os Réus a obrigação de saber que o art.º 402.º, n.º 2, do CSC se aplica ao plano de pensões dos autos, tal como confirmado pelo acórdão recorrido do Tribunal da Relação …….

44. Quarto pressuposto: tem que haver um “investimento de confiança”, traduzido no facto de o confiante ter desenvolvido uma actividade com base no ‘factum proprium’, de modo tal que a destruição dessa actividade pela conduta posterior, contraditória, do agente (o ‘venire’) traduzam uma injustiça clara, evidente.

45. Ora, tal “investimento de confiança”, a existir, teria que assentar em factos concretos, provados – e também não existe um único facto provado de onde se conclua que os Réus procederam a um “investimento de confiança”.

46. Quinto e último pressuposto: o referido “investimento de confiança” tem que assentar numa confiança subjectiva, objectivamente fundada; terá que existir, assim, causalidade entre, por um lado, a situação objectiva de confiança e a confiança da contraparte, e, por outro, entre esta e a “disposição” ou “investimento” levado a cabo que deu origem ao dano.

47. Não se descortina, também, um único facto provado do qual se possa retirar a conclusão de que se verifica no caso sub judice este derradeiro pressuposto.

48. Face ao exposto, conclui-se que no caso sub judice não se verifica nenhum dos pressupostos em que assenta o instituto do abuso de direito – a verificar-se algum abuso será o de o os Réus receberem pensões de reforma por valores calculados à margem do disposto no art.º 402.º, n.º 2, do CSC.

49. Entendemos que, por referência ao ponto A) da sua parte decisória, o recurso recorrido interpreta erroneamente o art.º 334.º do Código Civil.

50. Assim, requer-se a substituição do ponto A) da parte decisória do recurso, que absolve os 3.º, 4.º, 5.º e 6.º Réus do pedido, por procedência da excepção peremptória de abuso de direito, por uma decisão que considere não provada e improcedente a excepção peremptória de abuso de direito invocada pelos 3.º, 5.º e 6.º Réus (posto que o 4.º Réu – BB – nem sequer invocou a referida excepção).


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Conclusões dos Recorrentes CC e EE:

II - Da nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia

II-a. Do não conhecimento da excepção peremptória de abuso de direito quanto à Chamada EE

c)  Em Resposta ao Recurso de Apelação, o ora Recorrente CC, subsidiariamente, sem conceder, e apenas caso fosse concedido provimento ao Recurso sob Resposta, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC, requereu que o Tribunal da Relação …… conhecesse da Excepção de Abuso de Direito, que oportunamente havia invocado na sua Contestação (artigos 155. e seguintes), e da qual o Tribunal de Primeira Instância não conheceu.

D. Ora, caso a Apelação interposta pelo Fundo (ali Recorrente) fosse julgada procedente, o conhecimento da aludida excepção de Abuso de Direito voltaria a ter toda a pertinência, porquanto, tratando se de uma excepção peremptória, imporia a improcedência da acção e consequente absolvição integral do pedido, conforme dispõe o artigo 576.º, n.º 3, do CPC.

E. E assim, decidiu, bem, o Tribunal da Relação ….. absolver do pedido os Réus AA, BB, CC e DD, por procedência da excepção peremptória de abuso de direito.

F. Mas, ao conhecer da excepção de abuso de direito – excepção de conhecimento oficioso –, deveria o Tribunal da Relação ….. ter conhecido e decidido pela procedência da mesma excepção, com a consequente absolvição do pedido, quanto à aqui Recorrente, EE.

G.  Ao conhecer da excepção peremptória de abuso de direito, deveria o Tribunal da Relação ….. ter extraído todas as consequências da procedência de tal excepção, absolvendo os Réus, Cônjuges e Filhos, todos intervenientes na Acção.

H. O Tribunal da Relação analisou bem a situação de facto, e procedeu ao correcto enquadramento jurídico da mesma, mas pecou por defeito, omitindo pronúncia quanto a um aspecto, também ele, essencial: a questão da pensão de sobrevivência a favor de cônjuge ou filhos ou equiparados.

I. É evidente que, à semelhança da questão do valor da pensão, também o Fundo criou, ao longo de muitos anos, nos Recorrentes, a legítima expectativa – séria, de boa-fé e merecedora da tutela do Direito – de atribuição de uma pensão de sobrevivência à Recorrente, EE, caso o seu marido falecesse antes daquela.

J. E foi com base nessa expectativa, legítima, adquirida de boa-fé, em resultado da conduta reiterada do Fundo, que os Recorrentes planearam e organizaram a sua vida familiar, profissional e económica ao longo de muitos anos, nunca esperando – porque nenhuma razão existia para colocarem em crise a expectativa adquirida – que, já depois da passagem à reforma, lhes fosse retirado tal direito, que é adquirido.

K. Todos os fundamentos invocados pelo Tribunal da Relação …… para julgarem procedente a excepção de abuso de direito, a favor dos Réus AA, BB, CC e DD, com a consequente absolvição dos mesmos do pedido, são plenamente válidos e aplicáveis ao direito adquirido dos ora Recorrentes: (i) o Recorrente CC tinha a legítima expectativa de, falecendo antes da sua mulher, assegurar à mesma uma pensão de sobrevivência que lhe permitisse manter a sua vida, nos termos em que, precisamente tendo por base a legítima expectativa de recebimento, haviam planeado e organizado a sua vida familiar, profissional e económica; e (ii) a Recorrente EE tinha a legítima expectativa de, sobrevivendo ao seu marido, passar a receber uma pensão de sobrevivência que lhe permitisse manter a sua vida, nos termos em que, precisamente tendo por base a legítima expectativa de recebimento, o casal havia planeado e organizado a sua vida familiar, profissional e económica.

L. Deveria o Tribunal da Relação ….. ter conhecido destas duas questões e, julgando procedente a excepção peremptória de abuso de direito, deveria ter decidido absolver os Recorrentes – ambos, CC e EE – do pedido de declaração de inexistência do direito da Recorrente de vir a auferir ou reclamar pensão de sobrevivência.

M. É quanto a esse aspecto, fulcral, que os Recorrentes entendem que, tendo existindo omissão de pronúncia, o Acórdão do Tribunal da Relação …… está ferido de nulidade, pelo que se requer a este Supremo Tribunal que, julgando procedente a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, aplicável ex vi artigo 666.º, n.º 1, ambos do CPC, mande baixar o processo, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, conforme preceitua o artigo 684.º, n.º 2, do CPC.

II.b. Da questão de inconstitucionalidade suscitada nos Autos.

N. Em Resposta ao Recurso de Apelação, o ora Recorrente, CC, sustentou que, “Aplicar agora o artigo 402.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais consubstanciaria uma violação clara e flagrante dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, princípios basilares do nosso Estado de Direito, ancorados nos artigos 2.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa. Ou seja, estaríamos perante óbvia e manifesta inconstitucionalidade, invocada pelo Recorrido na sua Contestação, e reconhecida pelo Tribunal a quo na Sentença proferida.”.

O.  Todavia, pese embora a questão da inconstitucionalidade tivesse estado na base da Sentença do Tribunal de Primeira Instância, que depois veio a ser impugnada pelo Fundo no Recurso de Apelação; e pese embora tal questão de inconstitucionalidade tivesse sido também suscitada pelos então Recorridos; o Tribunal da Relação …. não a apreciou, sobre a mesma não se pronunciou nem proferiu decisão.

P. O que constitui também nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia, conforme previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, aplicável ex vi artigo 666.º, n.º 1, ambos do CPC, requerendo-se a este Supremo Tribunal que, julgando procedente a nulidade, mande baixar o processo, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, conforme preceitua o artigo 684.º, n.º 2, do CPC., pois, o Recurso de Apelação ser julgado totalmente improcedente.

III - Da declaração de inexistência de direitos dos participantes, beneficiários, cônjuges ou filhos ou equiparados [Ponto B), 1. a 5. do segmento decisório do Acórdão Recorrido].

Q. O Tribunal de Primeira Instância decidiu julgar “a presente acção de simples apreciação negativa totalmente improcedente, declarando, em consequência, a existência dos direitos enumerados pelo Autor no pedido que formulou nos autos”.

R. Decidiu bem o Tribunal de Primeira Instância, pelo que o Tribunal da Relação ….., ao reverter a primeira decisão, declarando a inexistência dos direitos elencados no Ponto B), 1- a 5- do Acórdão sob recurso, fez uma errada aplicação da lei.

S. O Fundo Recorrido é um fundo fechado, com autonomia patrimonial, que “tem como objectivo exclusivo garantir o pagamento de pensões de reforma por velhice, invalidez, reforma antecipada e de sobrevivência, de acordo com o plano de pensões definido no número 4”.

T. O património do Fundo Recorrido integra bastante mais que o financiamento dos associados, tendo também como receitas tudo quanto se encontra previsto e estabelecido no artigo 66.º do DL 12/2006.

U. A pretensão do Fundo Recorrido assenta, exclusivamente, na aplicabilidade in casu do limite previsto no artigo 402.º, n.º 2 CSC.

V.O contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade não alude às regras e limites do art.º 402 CSC”; e “o D.L. n.º 12/2006, de 20 de Janeiro de 2006, que regula a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões, não remete para o art.º 402 CSC, não se articula com esta disposição legal”. O que basta para fazer soçobrar a tese do Fundo Recorrido e do Tribunal da Relação …..

W. Improcedência reforçada pela interpretação do artigo 402.º CSC que, nos n.ºs 1 e 2, regula situações jurídicas completamente distintas e autónomas entre si.

X. O n.º 1 prevê o estabelecimento, por parte da Sociedade, através da respectiva previsão do Contrato de Sociedade, de “um regime de reforma por velhice ou invalidez dos administradores”, sem aplicação de qualquer limite.

Y. O n.º 2 permite que, sem necessidade de previsão em Contrato de Sociedade, e com a aplicação de um limite, a Sociedade atribua aos Administradores “complementos de pensões de reforma”, desde que não seja excedida a “remuneração em cada momento percebida por um administrador efectivo ou (…) a maior delas”.

Z. O legislador prevê e regula situações distintas: um regime de reforma (402.º/1 CSC), que obriga à respectiva previsão em Contrato de Sociedade, sem obrigatoriedade de imposição de limite máximo quantitativo; e um complemento de reforma (402.º/2 CSC), que pode ser atribuído sem necessidade de previsão estatutária, o que justifica que seja fixado um limite máximo.

AA. No caso da Associada Seguradoras Unidas, S.A. (anteriormente denominada Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.), Associada originária única do Fundo, estamos perante uma situação jurídica que se enquadra na previsão do artigo 402.º, n.º 1 CSC.

BB. Com a constituição do Fundo, a Associada transferiu a responsabilidade integral de pagamento das pensões para o Fundo, que ficou vinculado ao RJFP (DL 415/91, entretanto revogado pelo DL 475/99, este posteriormente revogado pelo DL 12/2006, actualmente em vigor).

CC. O RJFP sempre estabeleceu direito subsidiário aplicável: (i) o DL 415/91 remetia para as regras da actividade seguradora; (ii) o DL 475/99 remetia para as regras da actividade seguradora; e (iii) o DL 12/2006 remete para as normas relativas à actividade seguradora, o regime geral de segurança social e a legislação laboral.

DD. O legislador afastou sempre a aplicação das normas relativas às sociedades comerciais, ficando obviamente afastada a aplicação do artigo 402.º do Código das Sociedades Comerciais, ainda que a título subsidiário ou analógico.

EE. O legislador remeteu para as normas relativas à actividade seguradora, o regime geral de segurança social e a legislação laboral, porquanto: (i) à semelhança do contrato de seguro, está em causa a  transferência de responsabilidades (da Associada perante os seus Administradores) para um terceiro (o Fundo); e (ii) à semelhança da relação laboral stricto sensu, estão em causa direitos indisponíveis, e constitucionalmente protegidos, como é o caso do direito ao salário e regalias a ele inerentes, com a proibição de redutibilidade da retribuição.

FF. O legislador protegeu os direitos e expectativas adquiridos, por via do disposto no artigo 56.º do DL 475/99, e no artigo 100.º, n.º 2, do DL 12/2006.

GG. O legislador foi muito claro na intenção de evitar situações como a que o Fundo suscita nestes Autos, e que, a vingar, se traduziriam em efectiva diminuição dos direitos adquiridos dos Participantes e Beneficiários do Fundo.

HH. O RJFP (actual e anteriores) é taxativo, em matéria de Direito Subsidiário: apenas as normas da actividade seguradora, o regime geral da segurança social e a legislação laboral.

II. Nunca o legislador pretendeu socorrer-se, ainda que a título subsidiário, das normas do Código das Sociedades Comerciais.

JJ. A redução das pensões, por força da aplicação do artigo 402.º, n.º 2, CSC, constituiria manifesta violação do disposto no artigo 24.º, n.º 5 do DL 12/2006.

KK. É inquestionável a inaplicabilidade in casu do artigo 402.º CSC, por prevalência da lei especial vigente (RJFP), e da lei subsidiária prevista em tal lei especial.

LL. Ainda que assim não fosse, a equacionar-se ser aplicável o artigo 402.º CSC, sempre estaríamos perante uma situação jurídica subsumível à previsão do artigo 402.º, n.º 1, CSC, sem imposição de qualquer limite quantitativo e/ou qualitativo às pensões, para além dos que resultem do Contrato de Sociedade e/ou do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões.

MM. E, mais, também ainda que assim não fosse, sempre se considera absolutamente abusiva a interpretação de que o artigo 402.º, n.º 2, CSC contempla uma proibição “oculta” de estabelecimento de pensões de sobrevivência nos Planos de Pensões constantes de Contrato de Sociedade, Regulamento ou Contrato Constitutivo de Fundo de Pensões.

Acresce ainda que,

NN. A transferência de responsabilidade para o Fundo importou: (i) entrega de montante que passou a constituir o património inicial do Fundo; (ii) entrega anual de uma contribuição expressa em percentagem dos salários dos Participantes; (iii) responsabilidade exclusiva das Associadas pelo financiamento do Plano de Pensões, não recaindo sobre os Participantes qualquer obrigação de contribuição.

OO. Durante cerca de 30 (trinta) anos, todos cumpriram com as suas obrigações: os Participantes prestaram o seu trabalho e, com base na retribuição auferida pelos mesmos, a Associada entregou anualmente a contribuição prevista no Contrato Constitutivo, destinada exclusivamente a financiar o Plano de Pensões.

PP. Durante todos os anos em que se manteve em exercício de funções, o Recorrido – à semelhança dos demais Administradores – teve a expectativa, legítima, de vir a auferir uma pensão de reforma, de montante a apurar nos termos que se encontram – há muito – definidos no Contrato Constitutivo do Fundo.

QQ. O Recorrente decidiu integrar a Administração das diversas entidades, naturalmente, ponderando todos os benefícios e regalias que adviriam do exercício de tais funções. Em que se incluem os benefícios previstos no Plano de Pensões do Fundo, benefícios que, legitimamente, o Recorrente aspirou vir a receber e que, em caso de seu falecimento, passariam a ser recebidos pela sua mulher, através da pensão de sobrevivência.

RR. E, na verdade, foi nesse contexto que, a partir de Agosto de 2015, quando, tendo preenchido os requisitos necessários, o Recorrente passou a receber a pensão de reforma por velhice, calculada de acordo com a fórmula fixada no Ponto 4 do Contrato Constitutivo.

SS. Ou seja, durante todos os anos em que se manteve em exercício de funções, o Recorrente – à semelhança dos demais Administradores – teve a expectativa, legítima, de vir a auferir uma pensão de reforma, de montante a apurar nos termos que se encontram – há muito – definidos no Contrato Constitutivo do Fundo.

TT. E, também durante todos os anos em que o seu marido se manteve em exercício de funções, a Recorrente EE teve a expectativa, legítima, de, caso o seu marido falecesse antes de si, vir a auferir uma pensão de sobrevivência, de montante a apurar nos termos que se encontram – há muito – definidos no Contrato Constitutivo do Fundo.

UU. E foi nesses termos, respeitando essas regras, que, a partir de Agosto de 2015, o Recorrente passou a receber a sua pensão de reforma por velhice, calculada tendo em consideração a remuneração (fixa e variável) por si auferida no período de referência, e sem qualquer indexação à retribuição auferida pelo Administrador em exercício de funções com retribuição mais elevada.

VV. Que sentido faria que o Recorrente recebesse do Fundo uma pensão calculada nos termos por este pretendidos, quando, na verdade, a Associada sempre entregou as contribuições previstas no Ponto 6. do Contrato Constitutivo, tendo por referência a retribuição efectivamente auferida pelo Recorrente, na altura Participante do Fundo, e actualmente, seu Beneficiário?

WW. Seria injusto, desproporcionado, e totalmente infundado, para todos: (i) para o Fundo, que receberia contribuições excessivas; (ii) para a Associada, que entregaria ao Fundo contribuições excessivas; e, por fim, (iii) para os Participantes e Beneficiários, que receberiam pensões de valor inferior ao devido, considerando o trabalho prestado e consequente retribuição auferida, e tida em conta para efeitos de cálculo das contribuições a entregar pela Associada ao Fundo.

XX. E que sentido faria que, tantos anos após a constituição e vigência do Fundo, em termos que prevêem expressamente o pagamento de pensão de sobrevivência a cônjuge sobrevivo, se determinasse agora que afinal tal direito não existe?

YY. Sustenta o Tribunal da Relação …. que não inexiste o direito à pensão de sobrevivência, ancorando-se no artigo 402.º, n.º 3, do CSC.

ZZ. Não lhe assiste razão!

AAA. O Contrato Constitutivo do Fundo prevê expressamente a existência da pensão de sobrevivência, os requisitos de que depende o recebimento de tal pensão. Aliás, como exige o Regime Jurídico dos Fundos de Pensões.

BBB. Manter o entendimento de que inexiste o direito à pensão de sobrevivência, por força do estatuído no artigo 402.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, conduz a uma flagrante violação dos mais elementares princípios de certeza e segurança jurídica, inerentes à boa-fé exigível às Partes.

CCC. Sublinhemos, em suma: (i) o Plano de Pensões está financiado, e totalmente provisionado, junto do Fundo Recorrido; (ii) os Recorrentes têm as suas expectativas e direitos adquiridos e consolidados, sendo os mesmos insusceptíveis de redução e/ou eliminação, conforme previsto no Contrato Constitutivo e no RJFP; (iii) a redução operada pelo Fundo é uma alteração, infundada, ilegítima e ilegal, das regras definidoras do Plano de Pensões.

DDD. Aplicar agora o artigo 402.º, n.º 2 CSC consubstanciaria uma violação clara e flagrante dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, princípios basilares do nosso Estado de Direito, ancorados nos artigos 2.º e 18.º CRP.

EEE. Estaríamos perante óbvia e manifesta inconstitucionalidade, invocada pelo Recorrente na sua Contestação, reconhecida pelo Tribunal de Primeira Instância, e que os ora Recorrentes novamente invocam de forma expressa.

Em suma, e em conclusão,

FFF. O Tribunal de Primeira Instância decidiu bem, interpretando e aplicando o Direito como se impunha, e a sua Sentença, por não merecer qualquer reparo ou censura, deveria ter sido confirmada pelo Tribunal da Relação …...

GGG. Não o tendo sido, e ao decidir nos termos em que o fez, e que constam do Acórdão sob Recurso, o Tribunal da Relação ….. aplicou erradamente a Lei, devendo este Supremo Tribunal de Justiça revogar parcialmente tal decisão, no Ponto B), 1- a 5-, declarando a acção improcedente, com a consequente manutenção da existência de todos os direitos ali elencados, por inaplicabilidade in casu do disposto no artigo 402.º do Código das Sociedades Comerciais.

Nestes termos deve o recurso ser julgado procedente.


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Conclusões das Recorrentes FF e de GG:

A. O presente recurso tem por objeto o Acórdão recorrido, na parte B dessa decisão, que julgou parcialmente procedente o recurso, declarando, entre outras, a inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Plano de Pensões receberem ao abrigo desse plano, uma pensão ou complemento de pensão cuja determinação não observe o limite previsto no artigo 402.º do CSC.

B. Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 666.º, n.º 1, o Acórdão recorrido é nulo porquanto o Tribunal da Relação, tendo concluído pela aplicação do disposto no regime no artigo 402.º do CSC in casu, às pensões ou complementos de reforma pagos ao abrigo de um plano de pensões a cargo do Fundo de Pensões dos Administradores das Seguradoras GNB, não cuidou de conhecer da invocada inconstitucionalidade, de violação direta do princípio geral da proteção jurídica dos direitos adquiridos e em formação, previsto no artigo 20.º e 86.º da LBSSS [Lei de Bases do Sistema de Segurança Social], o que determinaria uma situação de interpretação inconstitucional (ou melhor, de ilegalidade), por aplicação de norma em violação de lei de valor reforçado (cfr. artigo 280.º, n.º 2, alínea a) e d) da CRP), suscitada pela Sentença revogada, pelo ora Recorrente DD, em sede de contra-alegações (bem como pelo Autor-Recorrente de apelação), padecendo o acórdão da Relação ….. recorrido, de nulidade por omissão de pronúncia.

C. A interpretação e a aplicação, levadas a cabo pelo Tribunal da Relação …., do regime do artigo 402.º do CSC, a pensões de reforma que constituem encargos de planos de pensão de Fundos de Pensões, viola o princípio da autonomia dos Fundos de Pensões, designadamente, o disposto no artigo 8.º da Diretiva (UE) 2016/2341 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Dezembro de 2016 e nos artigos 2.º, al. c), 11.º, 30.º, n.º 2 e 81.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, na versão atualmente em vigor, republicado pelo Anexo III, a que se refere o artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 147/2015, de 09 de Setembro (RFP).

D. A total autonomia entre os patrimónios societário e o Fundo de Pensões resulta de diversas disposições legais, nomeadamente, artigos 11.º, 30.º, n.º 2 e 81.º do RFP.

E. Acresce à autonomia dos Fundos de Pensões, como garantia da tutela patrimonial dos mesmo, conforme resulta expressamente do artigo 11.º do RFP, a diversidade de receitas dos Fundos de Pensões, e a sua política de investimento e capitalização, resultantes do artigo 6.º da Diretiva (UE) 2016/2341 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016, e dos artigos 12.º e 66.º do RFP, determinando que o valor da contribuição das sociedades associadas sejam substancialmente inferior ao valor que constituirá o património do fundo de pensões, resultado da sua política de capitalização. O mecanismo de capitalização dos Fundos de Pensões é absolutamente estranho ao artigo 402.º do CSC, pelo que, não será lógico aplicar este regime a um instituto jurídico [Fundo de Pensões] absolutamente distinto do pagamento direto, “a cargo” [n.º 1 do 402.º] da sociedade.

F. A aplicação do limite previsto no artigo 402.º, n.º 2 do CSC às pensões ou complementos de reforma de um plano de pensões de um Fundo de Pensões, para além de violar a autonomia patrimonial dos Fundos de Pensões e ignorar o mecanismo da sua capitalização, constitui uma ablação intolerável dos direitos adquiridos dos participantes e beneficiários, protegidos nos termos do disposto no artigo 9.º do RFP, e uma violação manifesta do disposto no artigo 24.º, n.º 5 do RFP, na medida em que este normativo impede, em qualquer caso, que qualquer alteração [in casu, por efeito da aplicação do n.º 2 do artigo 402.º do CSC] implique uma redução nas pensões a pagamento ou nos direitos adquiridos.

G. Acresce ainda que a decisão do Tribunal da Relação ....., no acórdão recorrido, viola manifestamente o disposto no artigo 6.º, n.º 4, al. b) do RFP, assim como a cláusula 4.2.5. do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões dos Administradores das Seguradoras GNB, ao declarar a inexistência do direito dos cônjuges ou filhos ou equiparados a auferir ou reclamar pensões de sobrevivência.

H. O Tribunal da Relação ....., no acórdão recorrido, ao decidir pela inexistência do direito de os participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores das Seguradoras GNB de receberem ao abrigo desse plano uma pensão ou complemento de pensão sem observação do limite previsto no artigo 402.º, n.º 2 do CSC, violou os artigos o artigo 8.º da Diretiva (UE) 2016/2341 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Dezembro de 2016 e os artigos 2.º, al. c), 6.º, n.º 4, al. b), 9.º, n.º 1 e n.º 2, 11.º, 24.º, n.º 5, 30.º, n.º 2, 66.º e 81.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, na versão atualmente em vigor, pelo que não deveria ter aplicado o regime do artigo 402.º do CSC às pensões ou complementos de pensões a cargo de planos de pensões de Fundos de Pensões.

I. Mantendo-se a interpretação do Acórdão Recorrido, este Supremo Tribunal de Justiça deverá suscitar junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, as seguintes questões:

a) Interpretar extensivamente o disposto no artigo 402.º, n.º 2 do Código das Sociedade Comerciais, no sentido de não poderem as pensões ou os complementos de reforma pagos a um administrador, ao abrigo de um plano de pensões de um Fundo de Pensões, excederem a remuneração em cada momento percebida por um administrador efetivo, ou havendo remunerações diferentes, a maior delas, viola o princípio da autonomia e da separação jurídica dos Fundos de Pensões, previsto no 8.º da Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, e no artigo 8.º da Diretiva (UE) 2016/2341 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Dezembro de 2016?

b) Interpretar extensivamente o disposto no artigo 402.º, n.º 2 do Código das Sociedade Comerciais, no sentido de declarar a inexistência do direito de os Participantes e Beneficiários do Plano de Pensões de um Fundo de Pensões de receberem ao abrigo desse plano uma pensão ou complemento de pensão, cuja determinação não observe o limite previsto no artigo 402.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, independentemente de as entidades associadas solicitarem essa aplicação e da circunstância de o financiamento desse plano de pensões e da responsabilidade do pagamento dos benefícios se encontrarem transferidos para o Fundo de Pensões viola o princípio da autonomia e da separação jurídica dos Fundos de Pensões, previsto no 8.º da Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, e no artigo 8.º da Diretiva (UE) 2016/2341 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Dezembro de 2016?

c) Interpretar extensivamente o disposto no artigo 402.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do Código das Sociedade Comerciais, no sentido de declarar a inexistência do direito dos cônjuges ou filhos ou equiparados a auferir ou reclamar pensões de sobrevivência ou orfandade, ao abrigo das cláusulas do Plano de Pensões de um Fundo de Pensões, viola o princípio da autonomia e da separação jurídica dos Fundos de Pensões, previsto no 8.º da Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, e no artigo 8.º da Diretiva (UE) 2016/2341 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Dezembro de 2016?

J. A interpretação e aplicação do regime do artigo 402.º do CSC a pensões ou complementos de pensão, suportadas por Fundos de Pensões, regulados pelo Regime dos Fundos de Pensões, constante do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro, sustentada pelo Acórdão recorrido, está ferida de ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado (em concreto, por ser incompatível com normas e princípios de valor legal constitucional superior), designadamente, por violação dos artigos 5.º, 20.º e 86.º n.º 2 da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases dos Sistema de Segurança Social).

K. A interpretação normativa sustentada pelo Acórdão recorrido viola diretamente o princípio constitucional da proteção da confiança e da segurança jurídica, extraído do conceito de Estado de Direito Democrático, a que alude o artigo 2.º do Constituição, porque frusta as expetativas das pessoas (beneficiários) com direitos em formação e com direitos adquiridos, princípios esses protegidos não só pelo artigo 2º da CRP, mas também pelos artigos 20.º e 86.º n.º 2 da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro.

L. A interpretação normativa do Acórdão recorrido viola ainda o princípio da proporcionalidade, que decorre explicitamente do artigo 18.º n.º 2 da Constituição, enquanto restrição desproporcional do direito fundamental a uma pensão de reforma (complementar), permitindo que uma pensão atribuída por um Fundo de pensões e em pagamento, possa ser reduzida ou anulada, o que constitui uma restrição desproporcional e arbitrária desse direito fundamental, que não pode estar na disponibilidade dos particulares.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. (…) mui doutamente suprirão, deve o recurso interposto ser julgado procedente e, consequentemente, ser anulado o acórdão do Tribunal da Relação ......


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Contra alegações:

O Recorrente Autor respondeu ao recurso interposto pelo Réu CC e pela chamada EE, tendo concluído como segue:

1. O recurso do Réu CC não deve ser admitido, por falta de legitimidade deste réu para recorrer, ao abrigo do disposto no art.º 631.º, n.º 1, do CPC, porquanto, tendo sido absolvido do pedido, por procedência da excepção peremptória de abuso de direito, não é parte vencida.

2. O recurso da Chamada EE apenas deve ser admitido relativamente à invocação da nulidade do acórdão recorrido e à impugnação do n.º 5 da alínea B) da parte dispositiva do acórdão, pois as decisões a que se referem os n.º 1 a 4 da alínea B) não afectam a Chamada EE nem lhe são desfavoráveis, dizendo respeito apenas aos participantes e beneficiários do Plano de Pensões dos autos (que não é o caso da Chamada EE).

3. Quanto à arguição da nulidade do acórdão recorrido por alegada falta de pronúncia sobre a excepção peremptória de abuso de direito relativamente à Chamada EE, esta não contestou a presente acção judicial, nem aderiu à contestação do Réu CC ou à de qualquer outro réu, tendo-se limitado a requerer a junção aos autos de uma procuração, conforme requerimento de 24.06.2019, com a referência ….; ou seja, a Chamada EE não alegou a excepção de abuso do direito, pelo que, conforme a jurisprudência do STJ supra invocada, o acórdão do TR....... recorrido, embora podendo fazê-lo, não tinha que se pronunciar sobre a excepção peremptória de abuso de direito, relativamente à Chamada EE, não se verificando, consequentemente, a invocada nulidade do acórdão.

4. Quanto à arguição da nulidade do acórdão por suposta falta de pronúncia sobre a questão da inconstitucionalidade, a mesma também não se verifica, uma vez que a Chamada EE não suscitou tal questão.

5. Quanto ao decidido sob o n.º 5 da alínea B) da parte dispositiva do acórdão recorrido, a Chamada EE não adianta qualquer argumento novo no sentido da não manutenção do decidido pelo douto acórdão recorrido, não se descortinando qualquer erro de julgamento, em razão do que esse segmento decisório deve ser mantido.

Nestes termos, o recurso de revista interposto pelo Réu CC não deve ser admitido; o recurso de revista da Chamada EE deve ser admitido por referência apenas à arguição da nulidade do acórdão e ao decidido sob o n.º 5 da alínea B) – mas tal recurso deve ser julgado improcedente.


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O Réu AA respondeu ao recurso do Autor, pugnando pela sua improcedência, ampliou o objecto do recurso tendo formulado as seguintes conclusões:

X. Caso este Supremo Tribunal decida que, do elenco dos factos provados, não é possível extrair a conclusão de que o Recorrente actuou em abuso de direito – no que não se concede –, requer-se, ao abrigo do disposto nos artigos 636.º, n.º 1, 682.º, n.º 3, e 683., do Código de Processo Civil, que este Supremo Tribunal, depois de definir o direito aplicável, ordene a baixa do processo ao Tribunal da Relação que, por sua vez, deverá ordenar a baixa do processo à Primeira Instância, para ampliação da decisão da matéria de facto, incluindo todos os factos que constituam base suficiente e necessária à decisão de direito.

Y. A Primeira Instância entendeu que “Considerando os fundamentos supra expendidos, perde utilidade a apreciação da restante matéria aduzida pelos Réus nas respectivas contestações, designadamente, a excepção de abuso de direito”.

Z. Neste contexto, o TR....... – único a apreciar a invocada excepção de abuso de direito – laborou tendo por base apenas a matéria de facto considerada provada pela Primeira Instância, não tendo tido considerado todos os factos – relevantes in casu – alegados pelos Réus, designadamente, a propósito do abuso de direito.

AA. Tendo a Primeira Instância decidido de mérito no Saneador, sem que os Autos tenham sido submetidos a julgamento, ficou por considerar – e por produzir prova sobre –, designadamente, a matéria alegada pelo Recorrido CC nos artigos 151.-179. da sua Contestação, que aqui se dão por reproduzidos, por economia processual.

BB. Todos estes factos, alegados pelo Recorrido, assumem relevância e essencialidade para a apreciação da excepção de abuso de direito.

CC. Nesse sentido, caso este Supremo Tribunal considere que os factos constantes da matéria de facto provada na Sentença da Primeira Instância – que, recorde-se, foram os considerados pelo Tribunal da Relação ..... quando, pela primeira vez, apreciou a excepção – são insuficientes para apreciar a excepção, sempre deverá ordenar a baixa do processo ao Tribunal da Relação que, por sua vez, deverá ordenar a baixa do processo à Primeira Instância, para ampliação da decisão da matéria de facto, incluindo todos os factos que constituam base suficiente e necessária à decisão de direito.

DD. Mais, não tendo a Primeira Instância apreciado a matéria aduzida pelos Réus a este respeito nas suas contestações, deverá este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 682.º, n.º 3, e 683.º, do CPC, ordenar a baixa do processo ao Tribunal da Relação que, por sua vez, deverá ordenar a baixa do processo à Primeira Instância, para que se proceda ao julgamento da causa, com a consequente ampliação da decisão da matéria de facto, incluindo todos os factos que constituam base suficiente e necessária à decisão de direito.

EE. É o que, subsidiariamente, se requer, no caso de procedência do Recurso relativo à excepção de abuso de direito.


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Conclusões da resposta do Réu DD, com ampliação do objecto do recurso:

1. Não merece censura o douto acórdão recorrido quanto aos fundamentos invocados pelo Recorrente em sede de recurso.

2. Entende o Recorrido que improcedem as conclusões 5 a 13 do Recurso do Autor Recorrente, pois andou bem o douto Tribunal a quo, ao decidir, em tese geral, pela aplicação do limite previsto do n.º 2 do artigo 402.º do CSC única e exclusivamente às pensões ou complementos de reforma suportados pela sociedade (ou por um Fundo de Pensões), excluindo as pensões recebidas através de um sistema previdencial público, semi-público ou privado, português ou não, ou de um plano de reforma ou mecanismo equivalente.

3. A pensão a que o 6.º Réu tem direito é a que resulta da aplicação da fórmula prevista na cláusula 4.2.3. do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões dos Administradores das Seguradoras GNB, a qual já considerará o valor pago por outros sistemas de segurança social. Só essa posição continua, coerentemente, a defender a verdadeira autonomia jurídica e financeira do Plano de Pensões suportado pelo Fundo de Pensões dos Administradores das Seguradoras GNB, bem como a natureza complementar de tal sistema de segurança social.

4. Entende o Réu-Recorrido que a posição sustentada no recurso levaria à aplicação de uma dupla limitação no cálculo da pensão, por um lado, o cálculo da pensão de acordo com o contrato constitutivo já contempla o valor das pensões pagas por outros sistemas, e por outro lado seria desconforme com o teor literal e sistemático do artigo 402.º n.º 2 do CSC, sujeitar o cálculo de tal limitação à contabilização do valor pago pelo sistema público.

5. A posição sustentada pelo Autor Recorrente nas conclusões 5 a 13 violaria não só a previsão do artigo 402.º n.º 2 do CSC, mas também dos artigos 8.º da Diretiva (UE) 2016/2341 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Dezembro de 2016 e artigos 2.º, al. c), 6.º, n.º 4, al. b), e 9.º, n.º 1 e n.º 2, 11.º, 24.º, n.º 5, 30.º, n.º 2, 66.º e 81.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, na versão atualmente em vigor.

6. Entende o Recorrido que improcedem as conclusões 14 a 50 do Recurso do Autor Recorrente, pois não merece censura a decisão do Tribunal da Relação ....., que nos termos do disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC, conheceu a questão do abuso de direito invocado e decidiu pela procedência da exceção perentória de abuso de direito do Autor.

7. Vem o Recorrente alegar que, dos factos provados 10 e 13 a 27 não é possível concluir que o Autor agiu com abuso de direito. Em concreto, e no que se refere especificamente ao ora Recorrido DD, alega o Recorrente que dos factos provados 10 e 20 a 27 não é possível concluir que, ao pretender aplicar o regime do artigo 402.º do CSC, agiu com abuso de direito, o que não é correto e resulta de uma incorreta interpretação de tais factos.

8. Além do mais, o Recorrente impugna a existência de uma legítima expetativa do Recorrido, pelo facto de ter sido administrador de uma sociedade participante, invocando incorretamente que participou na constituição do fundo, conclusão que não resulta assente em qualquer facto provado nos autos. Bem ao invés, os factos provados demonstram que o Réu Recorrido (6.º Réu) apenas foi administrador de uma das Associadas entre 2002 e 2016, ou seja, muito depois da data da constituição do Fundo de Pensões (1989 e 1997), conforme resulta dos Factos n.º 22, 23 e 26.

9. Á data da constituição deste Fundo de Pensões da Tranquilidade (1989) e à data da constituição do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade – 31 de Dezembro de 1997 -, eram aplicáveis os regimes previstos nos artigos 9.º do Decreto-lei n.º 396/86, de 25 de Novembro, e 18.º do Decreto-Lei n.º 415/91, de 25 de Outubro, que faziam intervir a entidade gestora na constituição do Fundo, e na definição dos respetivos planos de pensões e exigiam um controlo de legalidade do Instituto de Seguros de Portugal.

10. Foi com base no decurso do tempo, bem como nos sucessivos controlos de legalidade, assegurado quer pela intervenção da Entidade Gestora, quer pelo Instituto de Seguros de Portugal, aquando da constituição e das sucessivas alterações contratuais, que se constituiu na esfera jurídica dos Recorridos, a legítima expetativa de que o contrato de constituição do Fundo de Pensões, onde se encontra previsto o plano de pensões, seria cumprido.

11. Improcede ainda o recurso do recorrente, quanto à alegada não verificação dos pressupostos do instituto do abuso de direito, previsto no artigo 334.º do Código Civil, o que está demonstrado nos autos.

12. Entende o Réu Recorrido, na esteira do que tem sido defendido por este Supremo Tribunal de Justiça, designadamente, nos Acórdãos de 11-12-2013, Proc. n.º 629/10.9TTBRG.P2.S1, Relator Fernandes da Silva e de 05-09-2018, Proc. n.º 64/13.7T2SNS.E1.S1, Relator Ribeiro Cardoso que estão verificados os pressuposto de tal instituto, para considerar-se que é ilegítimo o exercício do direito do Autor, quando o Autor excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, pelo que devem improceder as conclusões 14 a 50.

13. O Réu Recorrido requer ainda a ampliação do recurso do Autor, nos termos do artigo 636.º n.º 1 do CPC, na hipótese de este Supremo Tribunal vir a entender que os factos fixados pelas instâncias não são suficientes para a decisão de direito sobre a exceção de abuso de direito.

14. Com efeito, se acaso o douto Supremo Tribunal de Justiça reconhecer razão aos argumentos invocados pelo Recorrente, isto é, considerar que do elenco dos factos provados, não era possível concluir-se que a sua atuação constituiu abuso de direito – o que só por mero dever de patrocínio se equaciona – cumpre determinar a baixa do processo ao Tribunal da Relação ..... (e, por determinação desta, ao Tribunal da Primeira Instância) para ampliação da decisão da matéria de facto, em ordem a mesma constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do disposto no artigo 682.º, n.º 3 do CPC.

15. Especificamente, no que concerne ao 6.º Réu Recorrido, deverá ordenar-se a baixa dos autos para julgamento da matéria facto alegada nos artigos 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 69.º, 70.º, 71.º, 73.º, 74.º, 80.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 86.º, 87.º, 88.º,90.º, 91.º, 92.º, 93.º, 94.º, 95.º, 96.º, 97.º, 98.º, 99.º, e 100.º da Contestação.

Nestes termos (…) deve o recurso interposto ser julgado improcedente e, consequentemente, ser confirmado o douto Acórdão recorrido.

Caso assim não entendam, deverá ser ordenada a baixa do processo (…).


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Conclusões da resposta dos Réu CC e da chamada EE ao recurso do Autor:

II - Da Resposta ao Recurso | Termos de aplicação do limite previsto no artigo 402.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais

D. Discorda o Recorrente da interpretação do Tribunal da Relação ..... quanto à abrangência do limite do art. 402.º, n.º 2, do CSC.

E. A ser aplicável tal limite – no que não se concede –, faz sentido que o mesmo se restrinja à pensão auferida através do Fundo, e não ao somatório desta com qualquer outra(s), auferida(s) através de sistema previdencial, seja de que natureza for.

F. Desde logo, porque o artigo 402.º, n.º 2, do CSC nada estabelece quanto à articulação entre as várias pensões que o beneficiário eventualmente receba.

G. O que faz sentido, por estarmos no escopo societário, pelo que a sua aplicação deve restringir-se a tal sede, não extravasando para matérias de índole não societária, a saber, as pensões auferidas por via de sistema previdencial, público, privado, misto, português ou não.

H. Realce-se que, cf. Contrato Constitutivo, o cálculo do valor da pensão a ser paga pelo Fundo já considera, na sua fórmula, a (in)existência de pensões auferidas por outras vias.

I. Assim, caso o valor da pensão a ser pago pelo Fundo, calculado através de tal fórmula, sofra depois nova limitação, por via da aplicação do artigo 402.º, n.º 2 do CSC, os beneficiários serão duplamente penalizados, o que não é admissível, nem encontra suporte legal.

            J. A autonomia jurídica e financeira do Plano de Pensões, a cargo do Fundo de Pensões, impõe a óbvia conclusão de que o limite do artigo 402.º, n.º 2 do CSC, a ser aplicável – no que não se concede – sempre teria a sua aplicabilidade restrita ao valor devido pelo Fundo, não podendo estender-se à pensão auferida por outra via.

K. Não assiste razão ao Recorrente, devendo o Recurso ser julgado improcedente.

L. O Recorrente discorda da decisão do TR......., por considerar que não é possível concluir dos factos invocados pelo acórdão recorrido – os factos provados 10 e 13 a 27 – que o Recorrente agiu com abuso de direito. Não tem razão!

M. Desde logo, os factos provados 17., 18. e 19. impõem a conclusão de que o Recorrido CC tinha a legítima expectativa de receber a sua pensão sem aplicação de qualquer limite, designadamente, o previsto no artigo 402.º, n.º 2 do CSC.

N. Ora, (i) a sua pensão foi calculada segundo a fórmula estabelecida no Contrato Constitutivo, considerando já a dedução dos montantes recebidos a título de pensão paga pela Segurança Social, sem aplicação de qualquer limite; (ii) CC começou a receber a sua pensão de reforma, no valor mensal assim calculado, a partir de Agosto de 2015, e assim continuou a receber até Outubro de 2017, inclusive; (iii) apenas em Novembro de 2017, sem que nada o fizesse esperar, o Fundo passou a aplicar o limite previsto no artigo 402.º, n.º 2 do CSC, e reduziu o valor mensal da pensão.

O. É por demais evidente – resulta da experiência comum – que o Recorrido organizou a sua vida no pressuposto de que receberia uma pensão de reforma por velhice, calculada segundo a fórmula prevista no Contrato Constitutivo, como efectivamente veio a passar a receber a partir de 2015.

P. É evidente que se criou uma expectativa legítima de tal recebimento, e que tal expectativa legítima decorreu da conduta da própria Recorrente que, em momento algum, até Novembro de 2017 – quando a pensão já se encontrava a pagamento – aplicou o limite previsto no artigo 402.º, n.º 2 do CSC.

Q. É quanto basta para a improcedência do Recurso.

R. E não pode o Recorrente sustentar que a expectativa do Recorrido não pode ser considerada legítima, pelo facto de – em período concreto não apurado – ter sido Presidente do Conselho de Administração da Companhia de Seguros Tranquilidade!

S. Desde logo, porque não existem quaisquer factos provados nos Autos (nem tão pouco alegados), dos quais resulte que o Recorrido foi “parte activa, enquanto administrador de sociedades associadas do Fundo de Pensões, na elaboração e na alteração do Fundo de Pensões e, consequentemente, no respectivo Plano de Pensões, e na sua forma de gestão”.

T. Depois, porque certamente não ignorará o Recorrente a intervenção – essa sim, activa e determinante, e decorrente de imperativo legal – da entidade gestora na constituição do Fundo, e na definição do Plano de Pensões. Bem como não ignorará que o Contrato Constitutivo do Fundo (e respectivas alterações) foi sempre objecto de sindicância por parte da entidade supervisora, a quem competia controlar a respectiva legalidade.

U. O que reforçou e consolidou a legítima expectativa que foi criada no Recorrido, de auferir uma pensão de reforma por velhice, calculada de acordo com a fórmula constante do Contrato Constitutivo, que não prevê a aplicação do limite previsto no artigo 402.º, n.º 2 do CSC.

V. Estão manifestamente preenchidos os pressupostos do abuso de direito: (i) a conduta anterior do Fundo, que foi susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança: ao pagar ao Recorrido apensão de reforma, sem aplicação do limite do artigo 402., n.º 2 do CSC, o Fundo consolidou a legítima expectativa que este há muito tinha de vir a receber a pensão de reforma por velhice, calculada de acordo com a fórmula constante do Contrato Constitutivo, que não prevê a aplicação do limite previsto no artigo 402.º, n.º 2 do CSC; (ii) a conduta do Fundo – anterior e posterior – foi consciente, a ele sendo totalmente imputável: (a) primeiro, o pagamento da pensão de acordo com a fórmula constante do Contrato Constitutivo, sem aplicação de qualquer limite; (b) depois, a partir de Novembro de 2017, o pagamento da pensão, de valor mais reduzido, em consequência da aplicação do limite previsto no artigo 402.º, n.º 2 do CSC; (iii) o Recorrido sempre esteve de boa-fé, confiando plenamente que o Fundo, quando chegasse a idade da reforma, (a) passaria a pagar-lhe a pensão, calculada de acordo com a fórmula constante do Contrato Constitutivo, o que o Fundo fez, a partir de Agosto de 2015; e que (b) manteria tal pagamento, o que o Fundo não fez, pois procedeu à redução do valor da pensão, por aplicação do limite, a partir de Novembro de 2017; (iv)o Recorrido conduziu a sua vida, programou o seu futuro, tendo por base a expectativa, legítima, de vir a receber a pensão de reforma de reforma por velhice, calculada de acordo com a fórmula constante do Contrato Constitutivo, que não prevê a aplicação do limite previsto no artigo 402.º, n.º 2 do CSC.

W. Decidiu bem o Tribunal da Relação ....., ao julgar verificada a excepção peremptória de abuso de direito e, consequentemente, absolver os Recorridos do pedido.

Da Ampliação do Âmbito do Recurso

X. Caso este Supremo Tribunal decida que, do elenco dos factos provados, não é possível extrair a conclusão de que o Recorrente actuou em abuso de direito – no que não se concede –, requer-se, ao abrigo do disposto nos artigos 636.º, n.º 1, 682.º, n.º 3, e 683., do Código de Processo Civil, que este Supremo Tribunal, depois de definir o direito aplicável, ordene a baixa do processo ao Tribunal da Relação que, por sua vez, deverá ordenar a baixa do processo à Primeira Instância, para ampliação da decisão da matéria de facto, incluindo todos os factos que constituam base suficiente e necessária à decisão de direito.

Y. A Primeira Instância entendeu que “Considerando os fundamentos supra expendidos, perde utilidade a apreciação da restante matéria aduzida pelos Réus nas respectivas contestações, designadamente, a excepção de abuso de direito”.

Z. Neste contexto, o TR....... – único a apreciar a invocada excepção de abuso de direito – laborou tendo por base apenas a matéria de facto considerada provada pela Primeira Instância, não tendo tido considerado todos os factos – relevantes in casu – alegados pelos Réus, designadamente, a propósito do abuso de direito.

AA. Tendo a Primeira Instância decidido de mérito no Saneador, sem que os Autos tenham sido submetidos a julgamento, ficou por considerar – e por produzir prova sobre –, designadamente, a matéria alegada pelo Recorrido CC nos artigos 29.-33. e 155.-182. da sua Contestação, que aqui se dão por reproduzidos, por economia processual.

BB. Todos estes factos, alegados pelo Recorrido, assumem relevância e essencialidade para a apreciação da excepção de abuso de direito.

CC. Nesse sentido, caso este Supremo Tribunal considere que os factos constantes da matéria de facto provada na Sentença da Primeira Instância – que, recorde-se, foram os considerados pelo Tribunal da Relação ..... quando, pela primeira vez, apreciou a excepção – são insuficientes para apreciar a excepção, sempre deverá ordenar a baixa do processo ao Tribunal da Relação que, por sua vez, deverá ordenar a baixa do processo à Primeira Instância, para ampliação da decisão da matéria de facto, incluindo todos os factos que constituam base suficiente e necessária à decisão de direito.

DD. Mais, não tendo a Primeira Instância apreciado a matéria aduzida pelos Réus a este respeito nassuas contestações, deverá este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 682.º, n.º 3, e 683.º, do CPC, ordenar a baixa do processo ao Tribunal da Relação que, por sua vez, deverá ordenar a baixa do processo à Primeira Instância, para que se proceda ao julgamento da causa, com a consequente ampliação da decisão da matéria de facto, incluindo todos os factos que constituam base suficiente e necessária à decisão de direito.

EE. É o que, subsidiariamente, se requer, no caso de procedência do Recurso relativo à excepção de abuso de direito.


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Conclusões da Resposta do Recorrido BB:

I. Sobre se a observância do limite previsto no artigo 402.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (doravante designado de CSC) apenas contemplará as atribuições de pensões de reforma e respetivos complementos, tal como é estabelecido no n.º 1, 2 e 4 da mesma norma, independentemente do beneficiário receber ao abrigo de qualquer sistema previdencial público, semi-público ou privado, português ou não, um plano de reforma ou mecanismo equivalente.

1. A natureza excecional na atribuição de pensões ou complementos de uma pensão de reforma a administradores de sociedades anónimas não permite ao administrador reformado auferir uma pensão global, i.e.: proveniente de diferentes fontes, superior à remuneração do administrador em funções melhor remunerado.

2. O caráter de excecionalidade se relaciona com a possibilidade de as sociedades anónimas estabelecerem regimes de reforma para os seus administradores e que este direito lhes é reconhecido no respetivo contrato de sociedade, não sendo suficiente, contudo, a sua mera previsão em termos genéricos «o art.º 402 do CSC é norma excepcional por não estar previsto na lei o estabelecimento de reforma para os administradores nos outros tipos de sociedades e a cargo destas e o n.º 1, do art.º 402, do CSC, exige que o regime de reforma conste do contrato de sociedade não sendo lícita uma cláusula social que apenas preveja a possibilidade de o regime de reforma vir a ser criado […]».

3. Efetivamente, «I - O direito à pensão complementar de reforma não é um direito cuja consagração decorra de imposição da lei, resultando antes do que foi, e nos termos em que o foi, previsto no plano de pensões aplicável.», conforme sumário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.07.2014 proc. n.º 1417/09.0TTPRT.P1 in www.dgsi.pt

4. Parece-nos evidente que a lei quis balizar os montantes das pensões ou complementos de reforma pagos pela própria sociedade anónima aos seus ex-administradores.

5. No entanto, este normativo não é vinculativo quanto às pensões rececionadas ao abrigo de um sistema previdencial público, português ou não, porque nenhuma palavra adianta quanto a esta outra realidade que é distinta na sua génese, finalidade e previsão legal.

6. Tanto a pensão de reforma como o complemento de pensão atribuída por um regime previdencial não estatal assume sempre um caráter complementar, entendido em sentido amplo, uma vez que a reforma da Segurança Social é uma forma de segurança de caráter universal para proteção dos cidadãos, de acordo com o previsto no artigo 63.º da CRP.

7. O sentido de complementaridade não significa que a pensão de reforma só deva ser atribuída se a reforma paga pela Segurança Social não atingir o valor do rendimento que o beneficiário auferia enquanto administrador no ativo, como parece fazer querer transparecer o Recorrente nas suas alegações de recurso.

8. Submeter o total resultante da soma de todas as pensões auferidas por um beneficiário ao regime previsto no artigo 402.º, n.º 2 do CSC é subverter a natureza, ratio e fundamentação legal de cada uma das duas pensões auferidas pelo pensionista.

9. Por um lado, temos umregime privado de atribuição de reforma que através da criação de um plano privado de pensões – independentemente da discórdia associada ao apuramento do valor das pensões com base nos limites previstos no artigo 402.º do CSC – que visa proporcionar ao beneficiário um nível de vida equivalente ao que detinha enquanto se encontrava em efetivo de funções.

10. Para além disso, conforme adianta o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.12.2016, in www.dgsi.pt: «a razão de se assegurar aos administradores o pagamento, pela empresa, de uma pensão vitalícia de reforma a vencer, mensalmente, e a contar do mês seguinte a que por qualquer motivo os administradores cessem as suas funções no CA da Ré, pensão essa independente e qualquer outro benefício que o administrador tenha a receber da Segurança Social ou de qualquer outro sistema de previdência, prende-se com a “especial importância e dignidade, no âmbito da empresa, do cargo de administrador e das elevadas responsabilidades inerentes ao cargo e com a necessidade de se assegurara aos administradores a estabilidade e a segurança decorrentes de um regime de reforma que lhes assegure após a cessação do cargo, a manutenção de um nível e vida aproximado ao que a actividade exercida na empresa lhes propiciava”.»

11. Nos termos do artigo 3.º da Lei 27/2020, de 23 de julho, num sistema de previdência privado baseado na constituição de um Fundo de Pensões cabe a uma entidade que não é pública fazer a gestão dos fundos de pensões em Portugal, que podem ser sociedades constituídas exclusivamente para esse fim, ao abrigo daquele regime ou empresas de seguro com sede em Portugal que explorem legalmente o ramo Vida.

12. Este diploma é omisso quanto à dependência do apuramento do valor de pensão que deve, efetivamente, ser pago a um ex-administrador à remuneração que lhe é paga pela Segurança Social a título de reforma.

13. O diploma no seu artigo 11.º define quais os tipos de planos que podem ser criados para definição das contribuições e cálculo das mesmas, todavia não os submete em estreita ligação com as remunerações suportadas pelas Segurança Social.

14. Por outro lado, temos um regime previdencial público, previsto no artigo 63.º da CRP, cabendo ao Estado organizar, subsidiar e coordenar  um sistema de segurança social unificado e descentralizado, como medida de protecção universal transversal e generalizada a todos os cidadãos.

15. Para além das diferenças em cima elencadas, as quais diferenciam dois sistemas previdenciais, temos ainda a circunstância de o Código das Sociedades Comerciais previr os limites previstos no artigo 402.º apenas para sistemas previdenciais privados, não dispondo nunca sobre as duas matérias.

16. Para além disso, o Recorrido sempre baseou a sua tese na efetiva inaplicabilidade do artigo 402.º aos planos de pensões previstos num Contrato Constitutivo de um Fundo de Pensões, cuja procedência demoveria o raciocínio adiantado pelo Fundo de Pensões quanto à sujeição da soma das duas pensões aos limites previstos no artigo 402.º, n.º 2 do CSC.

17. No entendimento do Recorrido, a aplicação do artigo 402.º só faria sentido nos casos em que é apenas o associado quem assume a responsabilidade pelo pagamento das pensões, não sendo este o caso.

18. Para além das contribuições das próprias sociedades associadas, um Fundo também tem outras fontes de receita.

19. De acordo com o artigo 66.º do DL n.º 12/2006 de 20 de janeiro: «Constituem receitas de um fundo de pensões:

As contribuições em dinheiro, valores mobiliários ou património imobiliário efectuadas pelos associados e pelos contribuintes;

Os rendimentos das aplicações que integram o património do fundo;

O produto da alienação e reembolso de aplicações do património do fundo;

A participação nos resultados dos contratos de seguro emitidos em nome do fundo;

As indemnizações resultantes de seguros contratados pelo fundo nos termos do artigo 16.º;

Outras receitas decorrentes da gestão do fundo de pensões.»

20. O património de um Fundo também é constituído pela totalidade do rendimento líquido dos valores de investimento, em resultado da política de investimento executada pela entidade gestora do Fundo.

21. À entidade gestora do Fundo que cabe rentabilizar as receitas que constituem o seu património, facto que parece estar a ser ignorado pelo Recorrente.

22. Se assim não fosse, não se justificaria sequer a constituição de um Fundo de Pensões, já que seria a própria sociedade a estabelecer um plano para pagamento das prestações aos seus ex-administradores, bastando para o efeito a elaboração de um plano de pensões.

23. Contrariamente ao que acontece no caso de criação de um Fundo de Pensões, uma vez que o plano de pensões vem contemplado no seu Contrato Constitutivo, conforme aconteceu no caso em apreço, comprovado pelo documento n.º 3 junto pelo Autor à sua petição inicial.

24. No entender do Recorrido, a aplicação do artigo 402.º do CSC só mereceria aprovação nos casos em que o plano de pensões tenha sido definido aquando da constituição de um contrato de sociedade.

25. Segundo o acórdão datado de 4.4.2014 do Tribunal da Relação de Lisboa, «O art. 402.º do C.S.C surge como uma faculdade à disposição da sociedade anónima para os seus administradores, mas reveste-se de caráter imperativo no que respeita à forma de constituição desse direito».

26. A extinção da sociedade comercial tem como consequência a cessação do direito dos ex-administradores a auferirem pensões de reforma ou complementares pagas por aquela entidade (cf. n.º 3 do artigo 402.º do CSC).

27. A realidade é outra quando nos encontramos perante um Fundo de Pensões que foi criado com o objetivo único de pagar as pensões aos ex-administradores de uma sociedade anónima.

28. Nunca a norma do n.º 3 serviria para o caso específico de um Fundo de Pensões, porque é seu objetivo primordial a garantia do pagamento, ad eternum, das pensões, pelo menos até à data do falecimento do beneficiário.

29. A extinção do próprio Fundo nunca determinaria a extinção do direito a receber uma pensão.

30. Entendimento semelhante está vertido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17.09.2008. Citando o referido acórdão:

«III mesmo que a entidade empregadora proceda à extinção do Fundo de Pensões que garantia o regime complementar de reforma que criara, não pode considerar, unilateralmente, extintos os direitos aos aludidos complementos.

31. Admitirmos que a extinção da sociedade implica, pelo menos de forma mediata, a cessação do direito dos administradores às pensões de reforma, face ao não pagamento das contribuições societárias para o Fundo é o mesmo que admitirmos que as legítimas expectativas dos beneficiários que, durante anos, acreditaram que as suas reformas seriam geridas fora do âmbito do artigo 402.º do CSC, ficaram frustradas e que o direito ao recebimento de uma pensão pode ficar precludido.

32. Os Fundos de Pensões visam garantir um estilo de vida equivalente ao que os beneficiários tinham antes da sua integração num dos planos de pensões previstos.

33. Devem os Fundos ser geridos com a finalidade de capitalização das receitas que compõem o património do Fundo, de modo a garantir a mesma qualidade de vida que qualquer um dos seus beneficiários tinha anteriormente à data da ocorrência do evento.

34. «Se as contribuições se vierem a revelar insuficientes, terá de haver um reforço de contribuições, pelo que o risco de investimento dos ativos é suportado pelos instituidores do plano.» - “FUNDOS DE PENSÕES: O PROBLEMA DA ALTERAÇÃO AO PLANO E NECESSIDADE DE TUTELA DOS TRABALHADORES”, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses, sob a orientação da Professora Doutora Milena da Silva Rouxinol Coimbra, 2015, p. 14.

35. Pensar que a aplicação do 402.º, n.º 2, do CSC não constitui qualquer alteração a um plano de pensões associado a um Fundo de Pensões, mas antes um limite e regra injuntiva que precede e vigora durante a vigência de um qualquer plano, é relegar o objetivo primordial de um Fundo de Pensões e toda a intenção subjacente à sua criação.

36. Dar um sentido ou interpretação diferente ao plano primordialmente previsto–o constante do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões - colide com o próprio regime da constituição e funcionamento dos Fundos de Pensões, nomeadamente no que respeita ao artigo 24.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20.01, atentando contra a própria noção de direitos adquiridos, para além de gerar uma inconstitucionalidade por violação dos direitos fundamentais como o da protecção da confiança e da segurança previstos nos arts. 2º e 18º da CRP.

37. O Recorrido confiou no cumprimento de um plano de pensões previsto no Contrato Constitutivo de um Fundo de Pensões e na sua natureza distinta, porque também sujeito a um regime diferenciado, que se relaciona com o seu modo de constituição e objetivos de prossecução.

38. Sobre a decisão de absolvição do pedido dos Réus AA, BB, CC e DD, por procedência da exceção perentória de abuso de direito.

39. Veio, o Recorrente impugnar da decisão de absolvição do pedido de todos os réus por procedência da exceção perentória de abuso de direito.

40. O 4.º Réu, ora Recorrido é um verdadeiro beneficiário e já o era antes da apresentação da ação declarativa de simples apreciação.

41. Num dos quadros elaborados pelo Recorrente o Recorrido faz parte do grupo dos “beneficiários com pensões complementares em pagamento”, ao invés de o enquadrar no grupo de beneficiários sem pensões a pagamento na data da propositura da ação.

42. Também não podemos ignorar que a ação intentada pelo Recorrente foi apresentada em 17 de novembro de 2017 e que só poucos dias antes é que o mesmo avisou que os pagamentos seguintes seriam efetuados ao abrigo dos limites impostos pelo artigo 402.º, n.º 2 do CSC, com efeitos nas prestações referentes a Novembro de 2017.

43. A seguinte redação «Os 3.º a 6.º Réus são participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo Autor, tendo o 6.º Réu, DD, passado a ter a qualidade de beneficiário do Fundo a partir de 29.07.2018.» coloca de um lado quem já tinha adquirido a qualidade de beneficiário à data da propositura da ação declarativa de simples apreciação a quem era reconhecido o pagamento de valores de pensão fora do âmbito do artigo 402.º, n.º 2 do CSC, e de outro lado quem ainda não tinha aquela qualidade naquele momento específico, nomeadamente o 6.º réu.

44. Também não podemos ignorar o facto de o Recorrente pedir a devolução de valores pagos em excesso e, assim, admitindo que foram pagos valores em excesso, i.e.: pagos fora dos limites previstos no artigo 402.º, n.º 2 do CSC.

45. A lógica do pedido efetuado pelo Autor na sua petição inicial não pode agora ficar subvertida com este seu novo entendimento para reverter a decisão de procedência da exceção de abuso de direito.

46. Não podemos entender que inexistem factos necessariamente comprovantes das legítimas expectativas do Recorrido     ao recebimento de pensões fora dos limites previstos no artigo 402.º, n.º 2 do CSC i.e.: não persistem dúvidas quanto à realidade de pensionista do Recorrido e o contrato constitutivo a que se encontrava sujeito não sugeria os limites previstos no artigo 402.º, n.º 2 do CSC.

47. Só recentemente é que a discussão sobre a aplicação do artigo 402.º, n.º 2 surgiu, pelo que o Recorrente não tinha obrigação alguma de saber, contrariamente ao que adianta o Recorrente.

48. Para além disso, aquando da constituição do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade de 31 de dezembro de 1997, eram aplicáveis os regimes previstos nos artigos 9.º do Decreto-Lei n.º 396/86, de 25 de novembro e 18.º do Decreto-Lei n.º 415/91, de 25 de outubro. As normas mencionadas preveem a intervenção de uma entidade gestora na constituição do Fundo e na definição dos planos de pensões. Entidade esta diferente da sociedade anónima.

49. Além do mais, a dúvida sobre a aplicação do artigo 402.º, n.º 2 do CSC foi lançada pelo próprio Recorrente na sua petição inicial que assumiu ter incertezas quanto à sujeição aos limites previstos naquele artigo para pagamento dos valores de pensão pelo Fundo de Pensões, pelo que a argumentação adiantada pelo Recorrente, neste ponto, também não pode prosseguir quando afirma que os Réus tinham a obrigação de saber que as suas pensões estão subjugadas aos limites previstos naquele normativo legal.

50. O sentido de “investimento de confiança” perdurou até ao início da discussão iniciada com a petição inicial apresentada pelo Fundo de Pensões para clarificação das incertezas enumeradas no seu pedido inicial.

51. Até então, a postura do Recorrente nunca tinha sido contrária ao efetivamente previsto no plano de pensões do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade.

52. Quanto à confiança subjetiva que deve estar objetivamente fundada, crê o Recorrido que a mesma se deve coadunar com a confiança que o beneficiário tinha na não sujeição das pensões a qualquer limite de valor.

53. À data em que o Recorrido assumiu a posição de pensionista tinha a legítima expectativa de receber pensões segundo o cálculo aritmético constante do plano de pensões definido no Contrato Constitutivo de 31 de dezembro de 1997, porque a) a aplicação do artigo 402.º, n.º 2 do CSC é uma realidade distinta da dos Fundos de Pensões; b) o Recorrente aceitou a elaboração de um plano de pensões que não contemplasse qualquer limite aos valores pagos a título de pensão; c) até ao momento da propositura da ação nunca, o Recorrente tinha invocado as incertezas que descrimina no seu petitório inicial, tendo admitido a existência de valores que, utilizando as suas palavras, foram pagos em excesso, i.e.: fora do âmbito da norma do 402.º, n.º 2 do CSC.

54. Caso assista alguma razão aos argumentos aduzidos pelo Recorrente conducentes à revogação da decisão do Tribunal da Relação …. quanto à procedência da exceção de abuso de direito, deverá o Digníssimo Supremo Tribunal de Justiça determinar a descida dos autos para ampliação da matéria de facto, nos termos do disposto nos artigos 682.º, n.º 3 e 636.º, n.º 1, todos do CPC.

55. Ora, com relevância para a questão decidenda, é inegável que o Recorrido participante e beneficiário do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade, de acordo com facto apurado n.º 10 do acórdão recorrido do Tribunal da Relação ....., conforme também é adiantado pelo Recorrente nas suas alegações de recurso: «O Réu BB é participante e beneficiário do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade (facto provado n. 10), pelo que há-de ter sido necessariamente administrador de alguma(s) das sociedades associadas do Fundo (conforme Doc. 3 a 5 da p.i.).»

56. Resulta que o Recorrente foi administrador de uma das sociedades associadas do Fundo, que foi participante do Plano de Pensões dos Administradores da Tranquilidade e que é beneficiário desse mesmo plano.

57. O Tribunal de Primeira Instância decidiu a causa por saneador- sentença, pelo que foram considerados assentes os factos até então alegados, nomeadamente na petição do Autor e nas contestações dos Réus.

58. Após a audiência prévia não foi possível a junção de novos elementos de prova que, necessariamente, seria reproduzida se a apreciação da causa chegasse à fase da audiência de discussão e de julgamento.

59. O Tribunal de Primeira Instância não julgou a exceção perentória do abuso de direito, pelo que não houve a necessidade de impugnar a matéria de facto considerada assente.

60. O Tribunal de Primeira Instância fundamentou a sua decisão de improcedência da ação com base nas legítimas expectativas dos beneficiários, formadas pelo decurso de muitos anos em que o plano de pensões foi gerido e cumprido fora do âmbito normativo do artigo 402.º do CSC e que uma mudança de comportamento constituiria uma agressão injustificada e imprevista dos seus direitos, já consolidados na ordem jurídica.

61. Embora não tenham sido contemplados no saneador-sentença proferido pelo Tribunal de Primeira Instância, os seguintes factos relevam para que o douto Supremo Tribunal de Justiça mantenha a decisão de procedência da exceção de abuso de direito, face ao alegado pelo          Fundo  de Pensões dos Administradores da Tranquilidade no seu recurso de revista. São eles:

a) «Com a projectada extinção e liquidação da quota-parte afecta à associada Seguradoras Unidas, S.A., os participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo de Pensões do Administradores da Tranquilidade serão os seguintes: Participantes ou Beneficiários com Pensões Complementares em Pagamento: AA, BB, CC; Participantes em Benefícios em Pagamento, mas com Direitos Adquiridos: DD.» (artigo 15.º da Petição Inicial).

b) «Por ocasião da propositura da presente acção e com efeitos nas prestações referentes a Novembro de 2017, a GNB FP informou todos os participantes e beneficiários das quotas-partes das associadas GNB Companhia de Seguros de Vida, S.A. e GNB Companhia de Seguros, S.A., com complementos de pensões de reforma em pagamento, ao abrigo do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade, do recálculo do valor das prestações à luz das interpretações infra referidas e consequente conformação dos respectivos direitos.» (artigo 37.º da petição inicial).

c) «A procedência total ou parcial da presente acção determinará a restituição de todos os montantes pagos em excesso.» (artigo 38.º da petição inicial).

d) «O Réu, na sua qualidade de beneficiário, não mantém qualquer relação jurídica com a sociedade.» (artigo 13.º da Contestação do Recorrido).

e) «A definição e conformação os benefícios emergentes do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade, à luz do entendimento do Autor e que se encontra vertido de forma decomposta nos sucessivos pedidos da presente acção, traduz-se, em síntese, e com referência a Novembro de 2017, nos seguintes montantes pensões ou complementos de pensões para cada um dos Réus participantes e beneficiários:» (artigo 91.º da petição inicial)

62. Na petição inicial do Autor estão elencados3 quadros, cada um dos quais para os seguintes beneficiários: BB, AA e CC, nos quais consta informação relativa ao recebimento de pensões ao abrigo do artigo 402.º, n.º 2 do CSC. A informação relativa ao Recorrido BB deverá incorporar nova matéria de facto assente, na sequência da ampliação do objeto do recurso.

63. Está comprovada a situação de beneficiário do Recorrido.

64. As pensões do Recorrido foram, antes da propositura da ação, geridas fora do âmbito do 402.º do CSC, conforme sua inclusão no grupo dos beneficiários com pensões a pagamento e descriminação de valores reconhecidos/pagos sem a aplicação do artigo 402.º, n.º 2 do CSC e quadro discriminativo dos valores reconhecidos sem a aplicação do artigo 402.º, n.º 2 do CSC.

65. A pensão do recorrido foi recalculada, conforme adiantado pelo próprio Autor na sua petição inicial que avisou, por carta, todos os beneficiários com pensões em pagamento, já com efeitos nas prestações referentes a Novembro de 2017, poucos momentos antes da propositura da ação que deu início a este processo.

66. O Recorrido defendeu, sempre, a tese da inaplicabilidade dos limites definidos naquela norma.

67. Assim sendo, os autos deverão baixar ao Tribunal da Relação ..... e, por sua vez, ao Tribunal de Primeira Instância, caso o doutro Supremo Tribunal de Justiça considere que os factos considerados assentes por aquelas instâncias não sejam suficientes à manutenção da decisão de procedência da exceção de abuso de direito.

68. Assim, caso o douto Supremo Tribunal de Justiça considere não existir base factual assente considerada suficiente para a decisão de direito, deverá ordenar a baixa do processo para ampliação da decisão de facto e incorporação dos factos mencionados nesta Secção C, ora citados em itálico e transcritos da petição inicial do Autor e da Contestação do Réu, na matéria de facto assente.


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Nas revistas está em causa, no essencial, a apreciação das seguintes questões:

- Se as pensões de reforma de que beneficiam os RR, a cargo do Autor, estão sujeitas aos limites previstos no nº 2 do art. 402º do Código das Sociedades Comerciais (CSC);

- Se uma resposta afirmativa constitui violação dos princípios constitucionais de segurança jurídica e da confiança, e da autonomia dos Fundos de Pensões;

-Abuso de direito e eventual necessidade de ampliação da matéria de facto;

- Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.


     Colhidos os vistos, cumpre decidir.


Fundamentação de facto: 

1. A GNB – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A. (de ora em diante designada abreviadamente por “GNB FP”) é uma sociedade que tem por objecto a gestão de fundos de pensões, constituída nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 38.º e seguintes do DL 12/2006, de 20 de Janeiro, na sua redacção actual – cf. certidão fls. 21 e seguintes.

A GNB FP beneficia de autorização de constituição concedida pela ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (anteriormente ISP – Instituto de Seguros de Portugal).            

3. De entre os fundos de pensões administrados e geridos pela GNB FP encontra-se o Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade, ora Autor.

4. Autor foi constituído por escritura pública outorgada em 1 de Junho de 1998, tendo sido objecto das seguintes alterações, a saber: alteração de 2 de Abril de 2007, publicada no sítio na Internet da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões; alteração de 1 de Novembro de 2013, publicada no sítio na Internet da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.

5. O   Autor foi ainda sujeito à alteração de 17.05.2018, nos termos da qual os associados GNB – Companhia de Seguros, S.A., e GNB – Companhia de Seguros de Vida, S.A., e a entidade gestora GNB – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., acordaram na extinção da quota-parte do Fundo afecta às Seguradoras Unidas, S.A., tendo esta prestado o seu consentimento à referida extinção e tendo os associados do Fundo passado a ser, apenas, exclusivamente, a GNB – Companhia de Seguros, S.A., e GNB – Companhia de Seguros de Vida, S.A. – cf. doc. fls. 425-431.

6. O Autor reveste a natureza de fundo fechado, nos termos do D.L. n.º 12/2006, de 20.01, e tinha originariamente um único associado, a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., actualmente designada por Seguradoras Unidas, S.A., como consequência do processo de fusão operada em 30.12.2016, com a Seguros Logo, S.A. e a T-Vida Companhia de Seguros, S.A.

7. Subsequentemente, e porque integravam o mesmo grupo empresarial, juntaram-se como associados no Autor as seguintes entidades: (i) Em 2007, com efeitos a 31 de Dezembro de 2005, a ora Ré GNB - Companhia de Seguros de Vida, S.A. (anteriormente designada por Companhia de Seguros Tranquilidade Vida, S.A., e posteriormente BES Vida, Companhia de Seguros, S.A., designação esta que vigorou até 18.12.2014); (ii) Em 2007 com efeitos a 31 de Dezembro de 2005, a ora Ré GNB - Companhia de Seguros, S.A. (anteriormente designada por Espírito Santo, Companhia de Seguros, S.A., e posteriormente por BES Companhia de Seguros, S.A., até 9.12.2014); (iii) Em 2013, a T-Vida, Companhia de Seguros, S.A.

8. Na sequência da aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. (BES), em 03.08.2014, e da saída do Grupo Tranquilidade do universo Grupo Espírito Santo (GES), em Janeiro de 2015, deixou de se verificar entre as associadas do Fundo Autor o elemento de conexão previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 13º do D.L. n.º 12/2006, de 20.01.

9. O plano de pensões vertido no Fundo Autor está previsto no n.º 4 do respectivo contrato constitutivo, cuja última alteração ocorreu em 01.11.2013.

10. Os 3º a 6º Réus são participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo Autor, tendo o 6º Réu, DD, passado a ter a qualidade de beneficiário do Fundo a partir de 29.07.2018.

11. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) remeteu à sociedade gestora do Autor o ofício datado de 28.07.2017, com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, conforme consta de fls.

68-69: «Assunto – Aplicação dos limites previstos no artigo 402º do CSC aos fundos de pensões geridos pela GNB – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A. (...) A aplicação dos limites do artigo 402º do CSC encontra-se fora do “escopo” da ASF, pelo que o entendimento assumido por V.Exas. não merece desta Autoridade particulares comentários (...). Todavia, salientamos, a este propósito, que a entidade gestora, nos termos dos artigos 33º a 35º do D.L. n.º 12/2006, deve agir de modo independente e equidistante da posição de tais associados, participantes e beneficiários, o que implica a obrigação de actuar de modo coerente e, consequentemente, que a mesma interpretação, aos limites do artigo 402º do CSC, deva ser aplicada a todos os fundos de pensões geridos pela GNB FP que financiem planos de pensões dos administradores».

12.       O Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade prevê direitos adquiridos para os participantes do mesmo que cumpram os respectivos critérios de elegibilidade, isto é, benefícios que não se extinguem em virtude da cessação de funções como administrador executivo dos participantes e que se vencerão com a passagem à reforma dos mesmos, bem como pensões de sobrevivência imediatas e diferidas em benefício de cônjuges e filhos ou equiparados.

13.  O 3º Réu, AA, tendo exercido as funções de Presidente do Conselho de Administração (anteriormente designado Conselho de Gestão) da Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., entre Janeiro de 1984 e 31 de Março de 2007, encontra-se reformado desde 31 de Março de 2007, tendo-lhe sido atribuída uma pensão de reforma, no valor mensal de 15.993,35 €.

14. A pensão de reforma foi calculada segundo a fórmula estabelecida no Contrato Constitutivo (versão vigente à data da passagem à reforma, e à presente data).

15.       Posteriormente, tal pensão foi recalculada, passando a considerar a dedução dos montantes recebidos pelo Réu a título de pensão paga pela Segurança Social, pelo que passou a ser no valor mensal de 13.207,05 € e foi conferida pela entidade gestora, ESAF – Espírito Santo Fundos de Pensões, S.A. (actualmente, denominada GN13 – Sociedade Gestora de Fundo de Pensões, S.A.).

16.  Posteriormente, através de Carta datada de 09.11.2017, a entidade gestora, GN13 – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., comunicou ao Réu que, com efeitos a partir de Novembro de 2017, iria passar a proceder ao pagamento da pensão mensal de 10.603,90 €, por aplicação do limite previsto no artigo 402.º do Código das Sociedade Comerciais, mais informando, além do mais que ora também se dá por reproduzido: «(...) uma vez obtida a desejável clarificação judicial definitiva, a GNB FP, em função do sentido da decisão, promoverá os acertos que se mostrem devidos, designadamente: (a) Pedido de restituição de valores pagos em excesso; ou (b) Pagamento, com efeitos retroactivos, dentro dos limites da capacidade financeira do respectivo fundo, dos valores em falta (...)» – cf. doc. fls. 386.

17. O 5º Réu, CC, tendo exercido as funções de Presidente do Conselho de Administração da Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., encontra-se reformado desde Agosto de 2015, tendo-lhe sido atribuída uma pensão de reforma por velhice, no valor anual de 119.070,36 €, a ser paga em 14 (catorze) mensalidades, no valor unitário de 8.505,03 €.

18. A pensão de reforma por velhice foi calculada segundo a fórmula estabelecida no Contrato Constitutivo (versão vigente à data da passagem à reforma, e à presente data), considerando já a dedução dos montantes recebidos pelo Réu a título de pensão paga pela Segurança Social, e foi conferido pela entidade gestora, ESAF – Espírito Santo Fundos de Pensões, S.A. (actualmente, denominada GN13 – Sociedade Gestora de Fundo de Pensões, S.A.) – cf. doc. fls. 353.

19. Posteriormente, através de Carta datada de 09.11.2017, a entidade gestora, GN13 – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., comunicou ao Réu que, com efeitos a partir de Novembro de 2017, iria passar a proceder ao pagamento da pensão mensal de 6.810,74 €, por aplicação do limite previsto no artigo 402.º do Código das Sociedades Comerciais, mais informando, além do mais que ora também se dá por reproduzido: «(...) uma vez obtida a desejável clarificação judicial definitiva, a GNB FP, em função do sentido da decisão, promoverá os acertos que se mostrem devidos, designadamente: (a) Pedido de restituição de valores pagos em excesso; ou (b) Pagamento, com efeitos retroactivos, dentro dos limites da capacidade financeira do respectivo fundo, dos valores em falta (...)» – cf. doc. fls. 354.

20. O 6.º Réu, DD, foi admitido em 08.11.1993, com a categoria profissional de Director Coordenador, de nível XVI, do Contrato Colectivo de Trabalho à época em vigor, pela Companhia de Seguros Tranquilidade Vida, S.A

21.   A partir de 01.01.1994, o 6.º Réu DD passou a exercer funções de Director Geral da GN13 Vida (à época denominada de Companhia de Seguros Tranquilidade – Vida, S.A.), mantendo a categoria profissional de Director Coordenador, de nível XVI, do Contrato Colectivo de Trabalho à época em vigor.

22. Desde Abril de 2002, essa relação laboral suspendeu-se, porquanto o 6.º Réu DD foi nomeado e exerceu consecutivamente o cargo de administrador na GN13 – Companhia de Seguros de Vida, S.A. e em outras sociedades anónimas cujo objecto social se relacionava com a actividade seguradora, integradas no Grupo BES e, posteriormente, após a aplicação da medida de Resolução ao BES, em 3 de Agosto de 2014, integradas no Grupo Novo Banco.

23.   A partir de 30 de Setembro de 2016, a referida relação laboral deixou de estar suspensa, porquanto o 6.º Réu DD cessou funções de administrador na GNB – Companhia de Seguro de Vida, S.A.

24.    Tendo sido suprimida a posição de Director-geral em Abril de 2002, o 6.º Réu DD foi reintegrado, em 01.10.2016, com a função de assessor do Conselho de Administração, com a categoria profissional de Director- Coordenador, inexistindo outro posto de trabalho compatível com a categoria do R. e que lhe pudesse ser cometida.

25.    Quando o 6.º Réu DD integrou os quadros da Companhia de Seguros Tranquilidade Vida, S.A., em 1993, ficou também abrangido pelas regalias estipuladas no Contrato Colectivo de Trabalho de Seguros, entre as quais, abrangido pelo Fundo de Pensões da Tranquilidade.

26. O 6.º Réu foi nomeado membro do conselho de Administração da Sociedade Companhia de Seguros Tranquilidade Vida, S.A., na reunião da Assembleia Geral Ordinária realizada no dia 28/03/2002, tendo iniciado o mandato em 01 de Abril de 2002.

27. Pelo que, a partir de Abril de 2002, o 6.º Réu passou, consequente e simultaneamente, a ser Participante do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade.

28.   A ASF emitiu a nota informativa datada de 05.11.2015, da qual consta o seguinte, além do mais que ora se dá por reproduzido, conforme cópia de fls. 194-195:

«Assunto: Esclarecimento sobre a posição da ASF relativamente ao pagamento de pensões pelo Fundo de Pensões BES (...) Em Setembro de 2014 a GNB Pensões informou a ASF do seu entendimento de que o n.º 2 do artigo 402º do CSC não permitia a redução das pensões em pagamento pelo Plano dos Administradores Executivos do Fundo de Pensões do BES. (...) Posteriormente, em agosto de 2015, a GNB Pensões informou a ASF de que, não obstante a decisão anterior, acabou por anuir a uma solicitação do Novo Banco em “se diferir o processamento dos valores em falta até ao dia 15 de Outubro de 2015, esperando que, até essa data, seja possível esclarecer de vez os efeitos da medida de resolução do BES nas responsabilidades emergentes do Plano de Pensões”, tendo solicitado esclarecimento à ASF sobre esta matéria. Neste contexto, a ASF transmitiu àquela sociedade gestora que, tendo em consideração a legislação em vigor sobre os fundos de pensões, entende não ser admissível, depois desta ter decidido pelo pagamento das pensões, diferir-se o pagamento da totalidade ou de parte do seu valor.»

29.   O Presidente do Conselho de Administração da Associada GNB – Companhia de Seguros de Vida, S.A., era a mesma pessoa que desempenhou o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Entidade Gestora do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade, GNB – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., ou seja, o Exmo. Senhor Dr. HH, até 28/02/2018, data em que renunciou ao cargo nesta última.

30. A sociedade gestora do Fundo Autor tem também sob sua gestão os seguintes Fundos de Pensões fechados, que abrangem administradores: o Fundo de Pensões Haitong Bank  e o Fundo de Pensões dos Administradores e/ou Directores da Robbialac.

31. O 4º Réu, BB, é casado com II e tem duas filhas: JJ, nascida em 05.09.2006, e LL, nascida em 27.02.2018.

32. O 5º Réu, DD, é casado com FF e tem duas filhas, MM, nascida em 13.03.1993, e GG, nascida em 23.01.1997.

33. O 6º Réu, CC, é casado com EE.

O direito.

Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

Defendem as Recorrentes EE por um lado e FF e GG por outro, que o acórdão incorreu em omissão de pronúncia por não ter conhecido da excepção do abuso de direito invocado nas contra alegações.

É sabido que na sentença, ou no acórdão, o juiz deve “conhecer de todas as questões que devesse apreciar” (art. 615º/1, d), ex vi do art. 666º do CPC), sob pena de a decisão estar ferida de nulidade. Não se verifica, no entanto, a apontada nulidade. O acórdão recorrido fez apelo à excepção do abuso de direito para negar a pretensão do Autor relativamente aos 3º, 4º, 5º e 6º RR, mas julgou a acção procedente quanto às intervenientes, num juízo, implícito, de que não existia quanto, a elas, qualquer abuso de direito. A conclusão a retirar é que o abuso de direito, que é de conhecimento oficioso, não deixou de ser ponderado pelo acórdão recorrido.

Com o que improcede este fundamento do recurso.


A questão essencial a decidir é a de saber se o regime do art. 402º do CSC é aplicável aos 3º a 6º Réus, que são participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo Autor.

Reza o citado art. 402º, sob a epígrafe “Reforma dos Administradores”:

1. O contrato de sociedade pode estabelecer um regime de reforma por velhice ou invalidez dos administradores, a cargo da sociedade.

2. É permitido à sociedade atribuir aos administradores complementos de pensões de reforma, contanto que não seja excedida a remuneração em cada momento percebida por um administrador efectivo ou, havendo remunerações diferentes, a maior delas.

3. O direito dos administradores a pensões de reforma ou complementares cessa no momento em que a sociedade se extinguir, podendo, no entanto, esta realizar à sua custa contratos de seguro contra esse risco, no interesse dos beneficiários.

4. O regulamento de execução do disposto nos números anteriores deve ser aprovado pela assembleia geral.


Prevê a norma a possibilidade de as sociedades atribuírem aos seus administradores pensões de reforma por velhice ou invalidez (nº 1) e complementos de pensões de reforma (nº 2) – prestações pecuniárias complementares, não de pensões de reforma atribuídas pela sociedade, mas de outras pensões, nomeadamente as do regime geral de segurança social (pública), como se observa no Código das Sociedades Comerciais Anotado, Volume VI, pag. 374, coordenado pelo Professor Jorge Coutinho de Abreu.


Nos termos do nº 4 do art. 402º, o regulamento de execução do disposto nos nºs 1 (pensões de reforma), 2 (complementos de reforma) e 3 (contratos de seguro), “deve ser aprovado pela assembleia geral”, sendo, pois, competência exclusiva deste órgão.


Embora não isenta de controvérsia a natureza destas prestações - atribuições gratuitas para uns, remuneratórias para outros - é maioritária na doutrina e na jurisprudência a segunda tese, que vê nesta faculdade uma contrapartida (diferida) do trabalho prestado pelo administrador, “um acto de justiça em reconhecimento de serviços relevantes prestados”, como se disse no Acórdão do STJ de 29.01.2005, CJ, Ac.STJ, III, p. 140. Neste sentido decidiram ainda os Acórdãos do STJ de 01.03.2007 (João Camilo) da Relação de Lisboa de 20.01.2005 (Tibério Silva), CJ.I, pag. 78, de 05.03.2020 (Carla Mendes), sendo também a opinião do Autor e obra citada.


Como escreve Paulo Olavo e Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 6ª edição, “…considerando que a situação remuneratória em caso de reforma – baseado nas contribuições efectuadas durante a vida activa – a cargo sistema geral da segurança social, não proporciona  ao administrador reformado condições equivalentes ou sequer aproximadas às que ele desfrutava no activo a lei societária admite que o contrato preveja, em acumulação com o regime geral de previdência, um regime de reforma a cargo da sociedade, ou inclusivamente a constituição de um Fundo de Pensões, sendo possível fazer aprovar pela assembleia  geral ou pelo conselho geral de supervisão um regulamento aplicável (…).


A possibilidade de o contrato de sociedade prever a possibilidade de estabelecer um regime de reforma, ou atribuir complementos de reforma, é, por razões compreensíveis, matéria delicada, por poder representar encargo significativo para a sociedade e por uma questão de justiça para com os administradores em funções. Daí o limite imposto pelo nº 2 aos montantes das pensões de reforma. 

Como refere Ilídio Duarte Rodrigues, A Administração das Sociedades Por Quotas e Anónimas, 1990, “é obvio e compreensível intenção do legislador: o administrador reformado não deve receber importância superior àquela que é auferida pelo administrador em exercício melhor remunerado.” (pag. 170).


Limite que vale para as situações contempladas nos nºs 1 e 2 do art. 402º, por não haver razões para distinguir as duas situações, “pensões de reforma” e “complementos de pensões de reforma.”


Aliás, observa Paulo Olavo e Cunha, obra citada, pag. 842, que o número 2 do art. 402º constitui uma mera especificação do disposto no número 1, e não um preceito complementar, conclusão que retira da sua parte final “que estabelece um limite às reformas a atribuir pela sociedade”.


Com pertinência escreve:

Sendo excepcional, no regime dos órgãos societários a atribuição de uma pensão a cargo da sociedade, compreende-se que a lei tenha tido o cuidado de limitar a contribuição máxima desta – não autorizando que a soma do complemento de pensão a cargo da sociedade e da pensão recebida do sistema contributivo da segurança social ultrapasse a remuneração do administrador em funções mais bem remunerado, por não fazer sentido que um administrador reformado possa, à custa da sociedade, receber mais do que aqueles que estão no activo e asseguram os meios indispensáveis ao pagamento da sua reforma complementar.”


Assim também Coutinho de Abreu, obra citada, p. 378: “(…) parece razoável concluir que também o valor das pensões de reforma concedidas pela sociedade (nº 1 do art. 402º) não pode exceder aquele limite.


Carvalho Fernandes e João Labareda, “Do regime Jurídico do Direito à Reforma dos Administradores Judiciais, in Revista do Direito das Sociedades, ano II, 3/4 pag. 552, com uma perspectiva diversa, autonomizando os dois preceitos, não deixam de equiparar os dois regimes, afirmando em relação ao nº 2: “(…) Embora este limite esteja diretamente fixado para os complementos de reforma, afigura-se, contudo, razoável sustentar a sua aplicação à reforma regulado no nº 1 (…). Prevalecem, na verdade, análogas razões de decidir. Na sua aplicação correspondente à reforma dos administradores, este limite significa que não pode verificar-se a atribuição de um valor que leve o beneficiário a auferir, em cada momento, a título de reforma, mais do que o montante da remuneração máxima praticada na sociedade para os administradores no activo, com qualidade e funções equivalentes.”


A violação do nº 2 do art. 402º implica a nulidade da atribuição na parte que exceder o valor permitido pela norma, por contrária a disposição legal imperativa (art. 294º do CCivil).


Posto isto, importa saber se este regime imperativo é também de aplicar às pensões atribuídas aos RR, participantes e beneficiários do Plano de Pensões do Fundo de Pensões dos Administradores da Tranquilidade, criado por escritura pública outorgada em 01.06.1998.


Questão que as instâncias ajuizaram de modo diferente.


Decidiu a sentença da 1ª instância que não, por o “Fundo de Pensões Autor, da forma como está constituído, não constitui um encargo da sociedade, mas sim do próprio Fundo” (…)  um património autónomo, e que “pretender-se aplicar ao Fundo de Pensões as limitações legalmente consagradas para as sociedades (…) seria modificar, sem qualquer fundamento, a própria natureza do Fundo enquanto património autónomo.”


Diferentemente entendeu o acórdão recorrido: 

Concordamos que o Fundo de Pensões Autor tem a natureza de património autónomo e como tal afecto ao cumprimento do plano de pensões: o pagamento das pensões de reforma.

É essa a sua essência, ou o núcleo da sua concepção.

Contudo, a matriz da atribuição da pensão de reforma está na própria sociedade, ou seja, no contrato de sociedade e no regulamento de execução (artº 402 CSC). É nesta esfera societária que se decide se há lugar à pensão da reforma e como é que esta se executará.

Por isso, o Fundo de Pensões é apenas um instrumento que irá concretizar o que a sociedade decidir, nos moldes acima referidos, obviamente, dentro do enquadramento legal dado pelo seu contrato constitutivo.

No mesmo sentido, cf. o Acórdão desta Relação de 5/3/2020:

“…face ao exarado neste nº 4 entendemos ser da competência exclusiva do órgão deliberativo (Assembleia Geral) a aprovação do regulamento de execução, estando-lhe vedado delegar tais poderes numa comissão especialmente direcionada para pensões e complementos de reforma….”

Assim, afigura-se-nos que o raciocínio explanado na decisão incorre num vício, ou seja, o Fundo garante o pagamento das pensões, estas são o seu encargo, sem qualquer dúvida. Mas, para que tal suceda, previamente, é a sociedade que tem que definir o regime de reforma e a sua execução.

Podemos, pois concluir que sendo da competência da sociedade, contrato societário e assembleia geral, o estabelecimento da pensão de reforma e respectivos complementos, qualquer cláusula que atribua ao Fundo de Pensões a fixação dos valores para a atribuição da pensão, por violar o artº 402 nº 1 e 2 do CSC é nula, por contrária à lei.


Os RR/recorrentes insurgem-se contra este entendimento defendendo que deve ser repristinada a decisão de 1ª instância uma vez que: i) o pagamento das pensões não é um encargo da sociedade; ii) os Fundos de Pensões estão sujeitos a um regime jurídico próprio, actualmente plasmado no DL nº 12/2006, com autonomia patrimonial; iii) diferente interpretação está ferida de inconstitucionalidade, por violadora dos princípios constitucionais de segurança jurídica e da confiança.

Vejamos.


Os fundos de pensões, como esclarece o Prof. Bernardo da Gama Lobo Xavier,   (“Problemas jurídico-laborais dos fundos (fechados) de pensões. Direitos dos Trabalhadores”, in Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Coimbra Editora, Edição Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, pág. 181), “são um património autónomo, estabelecido e principalmente realizado no domínio financeiro por um associado (empregador), exclusivamente afecto à realização do programa que titula o recebimento de uma pensão pelos respectivos trabalhadores (plano de pensões). Os fundos são periodicamente alimentados pela empresa associada (…) em regime de capitalização, do qual saem futuramente de acordo com um plano de pensões estabelecido as complementações de pensões de reforma, de invalidez ou de sobrevivência (…). Esse património é gerido por uma entidade profissional alheia aos financiadores.»


Ao tempo em que foi criado o Fundo Autor estava em vigor o DL nº 451/91 de 25.10, que visou regular a criação dos fundos de pensões como um sistema de financiamento de previdência privada, um complemento da segurança social, que os definiu “patrimónios exclusivamente afectos à realização de um ou mais planos de pensões” (nº 2 do art. 1º)


Este diploma foi revogado pelo Decreto-Lei nº 475/99 de 09.11., alterado pelos DL nºs 292/2001 de 20.11 e 251/2003 de 14.10., que veio a ser revogado pelo DL nº 12/2006 de 20.01, em vigor à data da propositura da acção, que visou rever o regime geral dos fundos de pensões, na sequência da transposição da Directiva nº 2003/41/CE do Parlamento Europeu.


Nos termos do art. 2º do DL nº 12/2006 considera-se:

“Planos de pensões” o programas que define as condições em que se constitui o direito ao recebimento de uma pensão a título reforma por invalidez, por velhice ou ainda em caso de sobrevivência ou qualquer outra contingência equiparável, de acordo com as disposições do presente diploma; (al. a).

“Fundo de pensões”: o património autónomo exclusivamente afecto à realização de um ou mais planos de pensões e ou planos de benefícios de saúde; (al. c).

“Associados” a pessoa colectiva cujos planos de pensões ou de benefícios de saúde são objecto de financiamento por um fundo de pensões; (al. d).

“Participantes” a pessoa singular em função de cujas circunstâncias pessoais e profissionais se definem os direitos consignados no plano de pensões ou no plano de benefícios de saúde, independentemente de contribuir ou não para o seu funcionamento; (al. e).

“Contribuinte” a pessoa singular que contribui para o fundo ou a pessoa colectiva que efectua contribuições em nome e a favor do participante; (al. f).

“Beneficiário” a pessoa singular com direito aos benefícios estabelecidos no plano de pensões ou no plano de benefícios de saúde, tenha ou não sido participante. 


Os fundos podem ser de tipo aberto ou fechado, sendo inquestionável que o Autor é um fundo fechado, nos termos definidos pelo artigo 13º, n.º 1, a): “considera-se que um fundo de pensões é fechado quando disser respeito a um associado ou, existindo vários associados, quando existir um vínculo de natureza empresarial, associativo, profissional ou social entre os mesmos e seja necessário o assentimento destes para a inclusão de novos associados no fundo.”

Num quadro em que o financiamento do plano de pensões está totalmente a cargo dos seus associados – sem contribuições dos participantes – conforme consta da cláusula 6. do contrato constitutivo, um plano não contributivo, portanto (artigo 7º, n.º 2, b) do DL nº 12/2006), não vemos razões válidas para subtrair as pensões de reforma dos RR ao regime do art. 402º.

O facto jurídico determinante para a atribuição das pensões de reforma é a qualidade de ex-administradores da sociedade associada.

O Fundo autor não passa de um instrumento criado pela Companhia de Seguros Tranquilidade SA (actualmente Seguradoras Unidas SA), para efectuar o pagamento das pensões aos seus administradores. Aquela foi até 2007 o seu único associado – o financiador do Fundo – qualidade que passaram também a ter a partir de então outras entidades do mesmo grupo (Companhia de Seguros Vida S.A., Espírito Santo, Companhia de Seguros S.A., e a T-Vida, Companhia de Seguros S.A.), como provado nos pontos 6 e 7 da matéria de facto.


As razões que justificam o regime restritivo para as pensões a cargo da sociedade valem de pleno aqui pela razão simples de ser a entidade pagadora um fundo criado e financiado pela própria sociedade. A autonomia financeira de que gozam os fundos de pensões, a gestão própria e especializada, e a possibilidade de poderem ter outras fontes de receitas para além das contribuições dos associados (art. 66º do DL 12/2006) visam assegurar a sua sustentabilidade - as suas responsabilidades podem abranger “planos de benefícios de saúde (art. 2º) - não para tornear as rígidas regras que o legislador fixou para a possibilidade de as sociedades anónimas atribuírem pensões de reforma aos seus administradores.


Se esta interpretação está ferida de inconstitucionalidade, por violadora dos princípios constitucionais de segurança jurídica e da confiança, como defendem os RR.


A este propósito, decidiu o Acórdão do T.C. nº 556/2003, de 12 de Novembro (DR, II série, de 07.01.2004):

“No princípio do Estado de direito democrático contido no art. 2º da CR está, entre o mais, postulada uma ideia de protecção de confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas. Por isso, a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva aqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica.

Ainda segundo o Tribunal Constitucional, há dois critérios, que se complementam para determinar se ocorre uma afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas jurídicas:

a) Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dele constantes não possam contar; e ainda

b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no nº 2 do art. 18º CR.

Mas aqueles dois critérios, atinentes à existência de uma afectação de expectativas constitucionalmente inadmissível, por ser arbitrária ou demasiadamente onerosa, assentam justamente num pressuposto: o pressuposto da consistência das expectativas sobre que incide a controvertida alteração legislativa. Sem expectativas consistentes desqualifica-se o problema da protecção da confiança.

(…).

É que não há um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados.

(…).  Não basta a frustração de expectativas jurídicas para que, automaticamente, se considere violado o referido princípio da confiança jurídica. É necessário, por outro lado, que essas expectativas sejam consistentes de modo a justificar a protecção da confiança e, por outro, que na ponderação dos interesses públicos e particular em confronto aquele tenha de ceder perante o interesse individual sacrificado, o que acontecerá sempre que as alterações não forem motivadas por interesse público suficientemente relevante face à Constituição (cf. o art. 18º, nºs 2 e 3), caso em que deve considerar-se arbitrário o sacrifício excessivo da frustração de expectativas.

À luz dos princípios expostos, não vemos, sem quebra do respeito por diferente opinião, fundamento para taxar de inconstitucional a interpretação a que chegamos. Como refere o Tribunal Constitucional “não basta a frustração de expectativas” para que seja violado o princípio da confiança jurídica. É necessário que as expectativas sejam consistentes, legalmente fundadas, legítimas, o que não sucede no caso em análise. Acresce, não estar em causa a supressão do direito a uma pensão de reforma, mas apenas adequar o respectivo valor a parâmetros que o legislador entendeu como razoáveis e justificados.

Não há, por conseguinte, qualquer inconstitucionalidade.


Do abuso de direito.

A excepção do abuso de direito é suscitada na revista do Autor (conclusões 14ª a final), e pelos RR em contra-alegações, defendendo que a pretensão do Autor é ilegítima, por constituir um abuso de direito.

Vejamos.


Estatui o art. 334º do CCivil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito.”

Como referido no Acórdão da Relação de Lisboa de 04.02.2014, P. 500/12, várias vezes invocado nos autos, citando Ana Prata, “a ilegitimidade em que se traduz o abuso de direito não resulta da violação de qualquer violação formal de um preceito legal em concreto, mas da utilização manifestamente anormal, excessiva do direito, cuja existência em si não é questionada, mas cujo exercício, por circunstâncias concretas, se tornou inadmissível. Daí que a verificação em concreto do abuso de direito legitime a oposição ao seu exercício.

Ora, não se alcança como, na situação sub judice, a conduta anterior da Ré pudesse validar uma conduta inválida e ferida de vício irreparável, justificando-a ao longo dos anos e eternizando-se na ordem jurídica. Ademais, a própria Ré confiou ao longo dos anos na validade das cláusulas que regulavam o regime de reforma dos seus administradores e por isso se reconheceu na obrigação de pagar a pensão de reforma ao Autor.”


Ou como decidiu no Acórdão do STJ de 11.02.2014, P. 184/05, Sumários, 2014 pag. 107, “a protecção da confiança, para merecer tutela jurídica, tem de se mostrar legítima e objectivamente justificada, havendo de tratar-se de situações que pela sua grave injustiça ou anti juridicidade que revelam, o próprio legislador lhe preveniria as consequências se as tivesse previsto (…). O venir contra factum proprium terá que ter por base uma contradição directa, relevante e fundamental entre a actuação revelada numa primeira conduta e o segundo comportamento observado, uma contradição de tal modo grave que seja susceptível de configurar uma violação qualificada do princípio da confiança, também ela modalidade de abuso de direito.”


Dito isto, afigura-se-nos que assiste razão ao Autor, e não aos RR/recorrentes, não se vendo motivo para determinar a ampliação da matéria de facto.


A acção é de simples apreciação negativa, um tipo de acção previsto no art.10º, nº 3 alínea a) do CPC, em que se visa unicamente obter a declaração de inexistência de um direito e de onde está ausente qualquer pretensão condenatória.

Da mera circunstância de o Autor ter vindo a pagar aos RR pensões de reforma com determinado quantitativo não decorre nenhum direito daqueles à imutabilidade da pensão, não constituindo nenhum acto antijurídico a propositura de uma acção que visa apenas obter uma clarificação quanto ao valor máximo da pensão a que os RR, enquanto ex-administradores de uma sociedade anónima, têm direito. Não ocorre abuso de direito, relativamente a qualquer dos RR.


Assiste ainda razão ao Autor quando se insurge contra a decisão plasmada no segundo parágrafo do nº 1 do ponto B) do dispositivo.

O limite do nº 2 do art. 402º, como vimos, significa que na reforma dos administradores não pode verificar-se a atribuição de um valor que leve o beneficiário a auferir, em cada momento, mais do que a remuneração máxima praticada na sociedade para administradores no activo, com a qualidade e funções equivalentes.

Como já vimos, esclarece Paulo Olavo Cunha, obra citada, pag.843, que a lei não autoriza “que a soma do complemento de pensão de reforma a cargo da sociedade e da pensão recebido do sistema contributivo da segurança social ultrapasse a remuneração do administrador em funções mais bem remunerado (…).”

Por conseguinte, e contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, a referência há de ser a soma das pensões auferidas. (neste sentido o supra citado Acórdão da Relação de Lisboa de 04.02.2014).


Por último, vejamos a questão suscitada no recurso das intervenientes que se arrogam um direito à pensão de sobrevivência.

É manifesto o carácter de liberalidade das pensões de reforma, em que o direito de que se arrogam tem como único fundamento a prática que vinha sendo seguida, o que, com o devido respeito, não faz nascer o dever de as pagar no futuro.

O art. 402º não prevê um direito a pensão de reforma dos cônjuges e descendentes dos administradores.

O direito à reforma é de carácter pessoal, ainda que patrimonial, que não se transmite mortis causa.

O direito à pensão de reforma extingue-se com a morte do (ex)-administrador beneficiário (Jorge Coutinho de Abreu, obra citada).

É um direito com estreita conexão entre a prestação do trabalho e a reforma do administrador, que se justifica pelo risco de diminuição abrupta dos rendimentos daquele e como compensação pela fidelização à empresa, circunstâncias que não ocorrem com as Recorrentes.

Além de que, como observado no Acórdão da Relação de Lisboa de 05.03.2020, P. 10071/13, “a atribuição do benefício do direito de reforma a outrem que não o administrador traduzir-se-ia num acto gratuito/liberalidade, acto esse vedado à sociedade face ao seu escopo traduzido no lucro (arts. 160º, 980º CC e 6º do CSC).” – cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pag. 549.

Nesta parte, confirma-se o acórdão.

Sumário:

I - O art. 402º do CSC prevê a possibilidade de o contrato da sociedade anónima estabelecer um regime de reforma para os seus administradores, com os limites fixados no nº 2: a pensão de reforma a cargo da sociedade e da pensão recebida do sistema contributivo da segurança social não pode ultrapassar a remuneração do administrador em funções mais bem pago.

II - Este regime é ainda aplicável quando a pensão não constitui um encargo directo da sociedade, mas sim de um fundo de pensões criado e financiado pela própria sociedade.


Decisão.

Pelo exposto, decide-se:

- Negar provimento às revistas dos Réus, confirmando-se os segmentos decisórios 1 (1º parágrafo), 2, 3, 4 e 5 da alínea B) do dispositivo do acórdão recorrido;

- Conceder provimento à revista da Autora, revogando o acórdão na parte em que absolveu do pedido os RR AA, BB, CC e DD, revogando-se igualmente o 2º parágrafo do nº 1, alínea B) do dispositivo.

Custas pelos Réus.


Lisboa, 14.09.2021


Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A de 13.03, aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Ex.mºs Conselheiros Manuel Capelo e Tibério Nunes da Silva que com o relator compõem este colectivo.


José Maria Ferreira Lopes (relator)