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PRISÃO PREVENTIVA
Sumário
A aplicação de uma medida de coação não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão só a continuação a actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
O arguido B….., recorre do despacho do Ex.ma Juíza de Instrução Criminal que, após primeiro interrogatório de arguido detido, lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, formulando na motivação as seguintes conclusões que se transcrevem:
O douto despacho recorrido sofreu uma alteração na sua amplitude e apreciação que agora tem de ser valorado e reapreciado à luz dos factos que agora se encontram no processo.
A medida de coacção aplicada é agora desajustada e pesada face ao cinscunstancialismo superveniente que se verificou e está patente nos autos.
Mesmo mantendo-se como de início as exigências cautelares que o caso requer, e atenta a gravidade dos crimes indiciados, já provou o aqui recorrente que deles é parte directa mas passiva.
Serão certamente diferentes as sanções que previsivelmente virão a ser aplicadas ao arguido.
Pelo que se tem como medida desajustada e pesada a medida anteriormente aplicada face às circunstâncias actuais.
Pelo que se tem como medida ajustada e suficiente a substituição da prisão preventiva pela medida de obrigação de permanência no domicílio, ou a medida de vigilância electrónica, vulgo pulseira electrónica.
E é uma destas medidas que o agora recorrente pede.
Comprometendo-se a sempre colaborar com a justiça quando for preciso e quando a isso for chamado.
E não seria de espantar que até a medida de coacção de o arguido ficar em liberdade mediante apresentações periódicas semanais fosse a escolhida, pois em nada chocava com o sistema judicial, com o que diariamente os nossos tribunais decidem e com o objectivo a que se propõe o apuramento da verdade e a estreita colaboração do arguido aqui recorrente.
Pelo que deverá a medida aplicada de prisão preventiva ser substituída por outra, que se reputa mais adequada e proporcional aos factos de que o arguido vem acusado, medidas essas quais sejam a de obrigação de permanência no domicílio, ou a vigilância electrónica ou a simples e mera liberdade com obrigação de apresentação periódicas.
Admitido e instruído o recurso, o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência. Já nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pelo não provimento do recurso.
Cumprido o disposto no art.º 417º n.º 2 do Código Processo Penal, efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência.
O despacho recorrido:
«Resulta dos elementos que constam nos autos fortemente indiciada a prática pelo arguido, em co-autoria material, com os demais indivíduos de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art.º 210º nºs 1 e 2, al. b) do Código Penal e art.º 204º, n.º2 al. f) do mesmo diploma legal.
(...)
A forma de actuação do arguido e dos outros indivíduos revela uma premeditação das suas condutas, pois os dois roubos foram efectuados em zonas onde o arguido já tinha trabalhado e conhecia bem os caminhos e as ruas o que lhe facilitaria sempre a fuga.
Os crimes indiciados com recurso a uma arma de fogo criam um grande alarme social na comunidade uma vez que põem em perigo a integridade física das pessoas, perturbando assim a ordem e a tranquilidade pública.
Este crime é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos o que revela a gravidade dos factos.
(...) existe o perigo de continuação da actividade criminosa. (...) O arguido não identificou de forma completa os outros indivíduos nem indicou o paradeiro deles, existindo o perigo de perturbação do inquérito.
A única medida de coacção que responde de forma adequada a estes perigos e que é proporcional aos crimes fortemente indiciados é a prisão preventiva pois atendendo à elevada moldura penal destes crimes existe em concreto o perigo de fuga por parte o arguido. O que significa que a medida de apresentações periódicas não seria capaz de obstar a este perigo. (...) Assim (...) decido aplicar ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva (...).
O Direito:
O direito à liberdade é um direito fundamental e tem assento constitucional, art.º 27º n.º 1 da Constituição. A lei só pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, art.º 18º n.º 2 da CRP. Do mesmo modo o legislador consagrou o princípio da presunção de inocência do arguido, art.º 32º n.º 2 da CRP, com uma multiplicidade de conteúdos. Uma das excepções a este princípio, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, foi estabelecida pela Constituição: a prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, art.º 27º n.º 3 al. b) da CRP. Esta restrição tem por fim acautelar o normal desenvolvimento do procedimento penal e uma boa administração da justiça, interesse potencialmente conflituante com o direito à liberdade. Por sua vez o procedimento penal visa, nesta perspectiva, a satisfação e/ou reposição de uma multiplicidade de interesses encabeçados pelo direito à segurança. É a conhecida dialéctica liberdade segurança. Neste contexto pode afirmar-se que a prisão preventiva está sob o fogo cruzado de dois deveres estaduais antagónicos: o dever de perseguir eficazmente o autor de um delito e o dever de assegurar o direito à liberdade.
A prisão preventiva tem assim natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei, art.º 28º n.º 2 da CRP. A excepcionalidade da prisão preventiva significa que no nosso ordenamento durante a pendência do processo penal a regra é sempre a liberdade e a excepção a privação da liberdade.
Explicitando o princípio da legalidade ou da tipicidade das medidas de coacção diz a art.º 191º n.º 1 do Código Processo Penal, que a liberdade das pessoas só pode Ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei.
As medidas de coacção estão ainda subordinadas aos princípios da adequação e da proporcionalidade, art.º 193º n.º 1, não devendo ser aplicada qualquer medida de coacção quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção de responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal, art.º 192º n.º 2. A prisão preventiva tem natureza residual só podendo ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção, art.º 193º n.º 2 do Código Processo Penal. Acresce que para aplicação desta medida extrema é ainda necessário haver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, art.º 202º n.º 1 al. a) do Código Processo Penal.
Finalmente a medida de coacção prisão preventiva, não pode ser aplicada se em concreto se não verificar:
Fuga ou perigo de fuga;
Perigo de perturbação do decurso do inquérito e nomeadamente, perigo para aquisição, conservação ou veracidade da prova;
Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa, art.º 204º do Código Processo Penal.
Volvendo a nossa atenção ao caso dos autos verificamos que ao arguido B….., foi imposta a medida de coacção de prisão preventiva.
No despacho recorrido a Ex.ma Juíza entendeu:
Que estava fortemente indiciada a prática pelo arguido, em co-autoria material, com os demais indivíduos de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art.º 210º nºs 1 e 2, al. b) do Código Penal e art.º 204º, n.º2 al. f) do mesmo diploma legal.
Que os crimes indiciados criavam um grande alarme social na comunidade, perturbando a ordem e a tranquilidade pública.
Que existia o perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação do inquérito.
Que existia em concreto o perigo de fuga por parte o arguido.
Sindicando o despacho recorrido, com os elementos com que os presentes autos se mostram instruídos, conclui-se que nos autos se encontra indiciada a prática pelo recorrente de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art.º 210º nºs 1 e 2, al. b) do Código Penal e art.º 204º, n.º2 al. f) do mesmo diploma legal.
Quanto ao perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa, art.º 204º al. c.) do Código Processo Penal, diremos que a função cautelar da medida de coacção é atinente ao próprio processo, e não pode revestir a natureza de medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada . Assim o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa, há-de resultar das circunstâncias do crime imputado ao arguido ou da sua personalidade. A aplicação de uma medida de coacção não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão-só a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado. É que nem a lei substantiva permite aplicação de medidas de segurança a qualquer pessoa com o fim de prevenir a sua eventual actividade criminosa, mas apenas medidas cautelares para prevenir a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está já indiciado. Pois, como justamente observa Maria João Antunes [O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coacção, Liber Discipulorum, p. 1253.], a natureza processual das exigências cautelares (...) não permite que, à luz da alínea c.) do art.º 204º do Código Processo Penal, seja afirmada a possibilidade de aplicação de uma qualquer medida de coacção sempre que nesse sentido apontar uma ideia de prevenção geral de intimidação ou de prevenção especial, sendo dado a estas expressões o conteúdo que encontramos em matéria de fina das penas.
Contrariamente ao que se expendeu no despacho recorrido entendemos que não se mostram concretamente evidenciados nos autos os invocados perigos de continuação da actividade criminosa e perturbação da ordem e da tranquilidade públicas.
A existência em concreto do perigo de fuga por parte do arguido, deriva segundo o despacho recorrido da circunstância de o crime em causa ser punido com pena de prisão de 3 a 15 anos. Importa lembrar a propósito que a lei não presume o perigo de fuga, exige que esse perigo seja concreto, não basta a mera probabilidade de fuga deduzida de abstractas e genéricas presunções, v.g. a gravidade do crime – assim acentua o Acórdão do TEDH de 17.3.97, caso «Muller c/França» o risco de fuga não pode decorrer apenas da gravidade da pena [Gil Moreira dos Santos, O Direito Processual Penal, 281 (355)] – mas em elementos de facto que indiciem concretamente aquele perigo, nomeadamente porque revelam a preparação da fuga. Ora isso não ocorre no caso, nada indicia o perigo de fuga. Importa também não olvidar que a fuga, por aquilo que representa em termos económicos, não está à disposição de todos; pressuposto normal para se poder falar em perigo de fuga - salvo casos de estrangeiros, pessoas com familiares noutro país, etc. - é ter o arguido capacidade financeira para tal.
Não relevam as considerações expendidas a propósito de o arguido não ter demonstrado nenhum arrependimento nem sequer a interiorização que a sua conduta foi perigosa e desadequada aos valores sociais e que o arguido não identificou de forma completa os outros indivíduos de forma completa.... A medida de coacção é uma medida cautelar e não a priori sancionatória. Não recai sobre o arguido o dever de colaborar com as autoridades; assim, a falta de colaboração do arguido para a descoberta da verdade não pode ser fundamento para a prisão preventiva.
Já o perigo de perturbação do decurso do inquérito [O perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo tem um significado alargado não só o inquérito e a instrução propriamente dita, mas toda a actividade de recolha e produção de prova no processo, quer decorra na fase do inquérito, quer no julgamento, quer no recurso, como realça Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 266, sendo esse perigo, em regra, maior nas fases preliminares do processo e sobretudo na fase de inquérito], mostra-se indiciado. Há perigo – pelo menos existia à data em que foi aplicada a medida de coacção – para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; o perigo de o arguido combinar com os outros arguidos uma determinada versão, falsos alibis.
Agora, segundo diz o arguido nas suas alegações de recurso, nem esse perigo subsiste, porque entretanto prestou declarações complementares, onde colaborou com a justiça na descoberta da verdade e mostrou o seu arrependimento...
A alegação do recorrente merece o seguinte esclarecimento:
O presente recurso foi interposto do despacho que, em primeiro interrogatório, aplicou ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva. Se, como informa o recorrente, entre a data da interposição do recurso e a junção das alegações, a situação factual se alterou no sentido alegado, não se percebe então a subsistência do presente recurso. O mais curial seria requerer no processo a alteração da medida de coacção e depois, consoante o decidido, acatar ou recorrer.
Destinando-se o presente recurso a sindicar o despacho recorrido, com os elementos carreados para o inquérito até à data da sua prolacção, importa vincar que os alegados desenvolvimentos factuais não constam do presente apenso o que inviabiliza que sejam considerados. Acresce, até para não sacrificar ao arguido um grau de recuso, que a primeira apreciação dessa realidade cabe ao tribunal de primeira instância.
De tudo o que vem referido, conclui-se que a prisão preventiva foi aplicada dentro dos respectivos pressupostos legais – verifica-se pelo menos o perigo de perturbação do decurso do inquérito – pelo que improcede a pretensão do recorrente.
Saber se, entretanto, se alterarem as necessidades adjectivas do processo é questão que não pode ser aqui decidida pelas razões expostas, cabe em primeira linha ao tribunal de 1ª instância e o presente apenso não documenta essa realidade.
Decisão:
Mantém-se o despacho recorrido, negando-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.
Porto, 22 de Março de 2006.
António Gama Ferreira Ramos
Alice Fernanda Nascimento dos Santos
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho