RÉPLICA
ADMISSIBILIDADE
CONTRADITÓRIO
Sumário

I - De acordo com os nºs 1 e 2 do art. 584º do CPC, a réplica é um articulado que tem natureza eventual, pois a sua apresentação é limitada a dois casos: por um lado, para defesa do autor perante o pedido reconvencional; por outro, nas acções de simples apreciação negativa; fora destes casos é inadmissível.
II - Deve, no entanto, admitir-se o articulado ou o requerimento em que o autor exerce por iniciativa própria o contraditório referente às excepções invocadas na contestação, quando, numa visão retrospectiva sobre o mesmo, o juiz deva entender que se não fora essa livre iniciativa do autor, sempre lhe teria facultado tal possibilidade, ao abrigo do poder/dever de gestão processual e da flexibilização ínsita à adequação formal.
III - Embora a invocação na contestação de uma excepção por parte da Ré e a invocação de contra-excepção por parte do Autor através do articulado referido em II) possam alargar o âmbito da discussão fáctica que irá ser produzida, a verdade é que tal alargamento não contende com qualquer alteração do objecto do processo, mantendo-se este com a configuração que lhe foi dada na petição inicial (quanto à causa de pedir e o pedido formulado), inexistindo, assim, nestas situações qualquer violação do princípio da estabilidade de instância (art. 260º do CPC)”.

Texto Integral

APELAÇÃO Nº 1385/20.8T8OVR.P1
Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):
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Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro- Juízo Local Cível de Ovar
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
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I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - B…, Limited – Sucursal em Portugal;
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Inconformada com o despacho datado de 1.2.2021, proferido pelo tribunal recorrido veio a recorrente apresentar o presente recurso.
É a seguinte a decisão que aqui constitui o objecto do recurso:
“Requerimentos de 11.12.2020 e 04.01.2021:
A questão suscitada na contestação, de a indemnização pretendida pelo autor dever ser calculada de acordo com a tabela de desvalorização constante das condições especiais do contrato (e não a tabela nacional de incapacidades, como referido na petição inicial), constitui matéria de excepção. Efectivamente, a circunstância de o contrato de seguro incluir condições especiais contendo uma tabela de desvalorização a usar para o cálculo que o segurado tem direito a receber, em caso de sinistro coberto pelo contrato, constitui um facto novo, que modifica o direito invocado pelo autor – cf. o n.º 2 do artigo 571.º do Código de Processo Civil.
Essa questão é uma excepção peremptória, pois constitui uma questão prejudicial relativamente ao objecto do processo definido na petição inicial, no sentido de a resposta do tribunal ao pedido deduzido pelo autor dever ser precedida do exame daquela questão – cf. José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 120.
Ou seja, não assiste razão à ré, quanto à inadmissibilidade da resposta do autor à matéria de excepção vertida na contestação, atinente à dita tabela de desvalorização incluída no contrato.
Importa também referir que, ao contrário do que sustenta a ré, o autor não ampliou o seu pedido nem a causa de pedir, limitando-se a arguir a invalidade das condições especiais do contrato de seguro referidas na contestação (nas quais se inclui a tabela de desvalorização), o que pode fazer, no exercício do direito de contraditório – cf. o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, bem como o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 358/17.2T8OVR.P1, em 11.07.2018.
Sem prejuízo disso, não é admissível a resposta escrita do autor à matéria de excepção vertida na contestação em requerimento avulso, depois da notificação da contestação. Efectivamente, o momento processual próprio para o autor responder às excepções alegadas na contestação é a audiência prévia ou, não havendo lugar a esta, a audiência de julgamento – cf. o n.º 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil.
Assim, o autor não deveria ter exercido o contraditório relativamente à matéria de excepção vertida na contestação em requerimento, como o fez.
Todavia, porque o desentranhamento do dito requerimento implicaria que o teor do mesmo fosse reiterado noutro acto processual, a fim de evitar a prática de actos inúteis (cf. o artigo 130.º do Código de Processo Civil), determino que se mantenha nos autos a resposta do autor à matéria de excepção vertida na contestação e apenas condeno o autor nas custas do incidente a que deu causa, com a prática de um acto não previsto na lei (que fixo no mínimo legal previsto no Regulamento das Custas Processuais) – sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo beneficia.”.
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A recorrente concluiu as suas alegações da seguinte forma:
“CONCLUSÕES
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca a seguinte questão que importa apreciar:
- Saber se a decisão recorrida não devia ter admitido o articulado apresentado pelo Autor de resposta à contestação apresentada.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Como factualidade relevante interessa aqui ponderar apenas os trâmites processuais constantes dos autos e os atrás consignados no relatório do presente Acórdão e o teor da decisão proferida, que atrás se transcreveu na integralidade e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como supra se referiu, a única questão que importa apreciar e decidir consiste em saber se a decisão recorrida não devia ter admitido a resposta escrita apresentada pelo recorrido à contestação apresentada pela Ré.
Julga-se que a recorrente não tem razão.
Como é sabido, o nº 1 do artigo 584º do CPC dispõe que “só é admissível réplica para o Autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção”.
Nessa medida, é pacífico o entendimento de que, de acordo com o nºs 1 e 2 do citado preceito legal, “a réplica é um articulado que tem natureza eventual, pois a sua apresentação é limitada a dois casos: por um lado, para defesa do autor perante o pedido reconvencional; por outro, nas acções de simples apreciação negativa”[1], fora dos quais é inadmissível.
No caso de reconvenção, a contestação funciona como uma petição inicial, cumprindo a réplica a função da contestação. Neste quadro, o reconvindo pode defender-se da reconvenção tanto por impugnação como por excepção (art. 571º)[2].
Assim, decorre do art. 584º do CPC que, quando o réu se defenda por impugnação, não há direito de resposta e quando se defenda por excepção, sem ser nos casos de apresentação de réplica para os fins indicados naquele artigo, o autor, em princípio, não dispõe de articulado próprio para responder às excepções deduzidas (salvo o caso consagrado no art. 103º, nº 2 do CPC, referente a resposta à excepção da incompetência relativa), embora possa responder a questões como, por exemplo, referentes a impugnação de documentos (art. 444º do CPC) e sempre fique assegurado ao Autor o exercício do contraditório quanto à matéria de excepção, designadamente na audiência prévia (art. 3º, nº 4 do CPC), podendo, contudo, até, o juiz decidir facultar ao autor o exercício do contraditório por escrito, ao abrigo do disposto no nº 2, do art. 6º e do art. 547º (princípio da adequação formal).
Sucede que, ainda no âmbito da réplica, e prevendo acerca da posição do autor quanto aos factos articulados pelo réu, prescreve o art. 587º do CPC que:
“1 - A falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574.º.
2 - Às excepções deduzidas na réplica aplica-se o disposto na alínea c) do artigo 572.º”.
Ora, tratando-se de um articulado eventual, que só pode ter lugar nas duas situações atrás referidas, constata-se que, mesmo “quando o réu se defenda por excepção, o autor não dispõe de articulado próprio para responder às excepções deduzidas. Daqui decorre que, nesses casos (tal como quando o réu se limita à defesa por impugnação), a etapa inicial do processo fica reduzida a dois articulados”.
Todavia, apesar da inexistência de um articulado próprio para responder às excepções deduzidas pelo réu, “sempre fica assegurado ao autor o exercício do contraditório quanto a tal matéria, mais exactamente na audiência prévia, tal como estabelece o nº 4 do art. 3º. Só não será assim se o juiz decidir proporcionar ao autor o exercício do contraditório por escrito, caso em que determinará a notificação do autor para esse fim”[3].
Efectivamente, conforme dispõe o nº 4 do art. 3º, do CPC, “às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.
Ou seja, em determinadas situações, em vez de aguardar pelar audiência prévia, nomeadamente quanto está em causa a invocação de excepções dotadas de alguma complexidade jurídica, pode o juiz, fundado no prescrito nos artigos 6º, nº 2 e 547º, ambos do CPC, decidir facultar ao autor o exercício, por escrito, do contraditório.
O que deve fazer ao abrigo do poder de adequação formal, ou seja, “conceder o direito à réplica para resposta às excepções sempre que as especificidades da causa (nomeadamente, a complexidade das excepções arguidas ou a conveniência da apresentação da resposta antes da audiência prévia) o aconselhem”[4].
Surge, assim, claro que a réplica, no vigente sistema processual, não se destina ao exercício do contraditório quanto às excepções invocadas pelo réu na contestação.
Porém, nas situações em que é admissível a apresentação de réplica, para os fins indicados no art. 584º do CPC, isto é, nos casos em que exista dedução de reconvenção ou se esteja perante acção de simples apreciação negativa, o autor tem o ónus de responder à matéria deduzida das excepções deduzidas pelo réu na sua contestação.
A presente solução é defendida por Paulo Pimenta[5] mencionando que tal parece resultar “das disposições conjugadas dos arts. 3º, nº 4 (a contestação não é o último articulado admissível), 572º c) e 587º 1.”.
No que é acompanhado por Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[6], ao defenderem que “quando haja lugar a réplica nos termos do nº 1, o articulado deve, em homenagem ao princípio da economia processual, servir também para o autor responder às excepções arguidas. Esperar para tanto pela audiência prévia, ou pela audiência final, quando de qualquer modo o articulado vai ser apresentado, não faria sentido. Está, por isso, o autor neste caso onerado com a impugnação dos factos impeditivos, modificativos e extintivos alegados pelo réu, bem como com a resposta às excepções dilatórias que ele haja arguido na contestação, como mostram os arts. 572-c e 587-1; se o não fizer, os factos alegados pelo réu ter-se-ão por provados, em termos idênticos e com as mesmas excepções do art. 490º (…). O autor está, pois, nesse caso, sujeito ao ónus da impugnação (art. 505), sem prejuízo de não se poderem dar como provados, por falta de impugnação na réplica, os factos constitutivos de excepções, já negados na petição inicial”.
Se a necessidade de simplificação processual justifica que a possibilidade de dedução da réplica seja restringida, a economia processual justifica que, quando haja lugar a este terceiro articulado, o autor nele deva concentrar a sua posição sobre toda a matéria da contestação, evitando-se a controvérsia (e a instrução) sobre os factos não impugnados.
Esta solução deve ainda ser aplicável, não só nas situações em que é admissível o terceiro articulado réplica, como ainda nas situações em que a apresentação deste decorre do enunciado impulso ou determinação judicial, por observância do citado poder de adequação formal.
Com efeito, a doutrina está de acordo quanto a esta possibilidade do juiz proporcionar ao autor o exercício do contraditório por escrito, caso em que notificará o autor para esse fim, opção que fundamentará no disposto no art 547º CPC, falando-se a este respeito de réplica «judicialmente admitida», sendo talvez preferível falar-se de réplica “judicialmente estimulada” [8].
Situação diferenciada – que é a do caso concreto - é aquela que ocorre quando nem sequer existe qualquer despacho de adequação formal, mas, por iniciativa do autor, ou seja, de motu próprio, este vem, mediante articulado avulso, responder por escrito às excepções invocadas pelo réu na contestação.
A questão que se coloca é a de saber se, independentemente das regras processuais atrás salientadas, ainda assim, a posição processual assumida pelo Autor (apresentação, por iniciativa própria e de uma forma antecipada, da resposta às excepções deduzidas) é admissível à luz dos princípios processuais gerais.
Ora, como referem os Profs. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[9] o entendimento de que, quando seja apresentada réplica fora dos casos previstos no art. 584º do CPC, não pode ser-lhe atribuído o efeito de antecipar a resposta admitida pelo art. 3º, nº 4 (posição da recorrente), é “dificilmente compreensível: nada impede a antecipação da prática dum acto de parte que não tenha de ser precedido de outro acto processual, ainda não praticado, com influência no exame ou decisão da causa (art. 195º-1); é, aliás, contrário ao princípio da economia processual eliminar do processo, sem qualquer vantagem, um acto que mais tarde será repetido. Entendemos, portanto, que é admissível que a parte antecipe a resposta às excepções, desde que tal não complique a tramitação do processo e não sejam praticados antes da resposta, no processo concreto, actos que possam influenciar a sua existência ou conteúdo (nomeadamente, um acto de aperfeiçoamento do articulado a que se responde). Depois, das duas, uma: ou o juiz, na audiência prévia, decide, por despacho de adequação formal, que haja réplica e até, eventualmente, tréplica (art. 591-1-e), valendo o articulado apresentado como tal (…); ou o articulado constitui a mera resposta admitida pelo art. 3º-4, como tal admitida pelo juiz na própria audiência”.
Ness sentido se pronunciou justamente o ac. da RL de 26 de Outubro de 2017 (relatora: Maria Teresa Albuquerque) [10], acórdão onde se defendeu que, nestas situações em que ocorreu o exercício espontâneo do contraditório por parte do Autor, que este “devia ter sido aproveitado como manifestação de economia processual, tanto mais que não pôs em causa a celeridade que o legislador pretendeu conferir à fase dos articulados que já se mostrava ultrapassada, fazendo todo o sentido que a A. tivesse concentrado no referido requerimento para além da sua posição no referente à inicialmente requerida inspecção judicial, também a sua posição relativamente à excepção arguida na contestação
Entende-se, aliás, em termos gerais, que se deve admitir o articulado ou requerimento – como foi o caso dos autos - em que o autor exerce “sponte sua” o contraditório referente às excepções, quando, numa visão retrospectiva sobre o mesmo, o juiz deva entender que se não fora essa livre iniciativa do autor, sempre lhe teria facultado tal possibilidade ao abrigo do poder/dever de gestão processual e da flexibilização ínsita à adequação formal”.
Ora, foi justamente esta a conduta processual assumida pelo tribunal recorrido, em termos que se julga não merecer qualquer critica a decisão recorrida, pois que a mesma, não só seguiu o assinalado melhor entendimento, como ao aplicá-lo, o fez de uma forma justa e adequada, tendo em conta o cumprimento dos princípios processuais da economia processual, da igualdade das partes e, principalmente, do contraditório.
Senão vejamos.
Na contestação apresentada pela Ré não foi deduzida reconvenção, nem estamos perante uma acção de simples apreciação negativa, pelo que inexistia, em termos gerais, lugar ao articulado réplica.
No entanto, a Ré invocou matéria que constituía inequivocamente defesa por excepção (impeditiva do efeito jurídico pretendido pelo Autor)[11], pelo que este sempre teria a faculdade de responder-lhe em sede de audiência prévia ou, inexistindo esta, no início da audiência final – cfr. o nº 4, do art. 3º CPC.
Com efeito, tendo a Ré apresentado um articulado de contestação em que aduz matéria de excepção (quando[12] invoca o clausulado do contrato de seguro e a exclusão da indemnização tendo em conta a cobertura de invalidez permanente parcial e a não aplicabilidade do regime geral de incapacidades – a tabela nacional de incapacidades - que fundamentava, na petição inicial, o cálculo da indemnização peticionada pelo Autor)– art. 571º, nº 2, última parte, e 576º, nº 1 e 3 do CPC – não existem dúvidas que essa alegação, traduzindo-se defesa por excepção[13], impunha que o tribunal recorrido, em sede de Audiência prévia, fizesse cumprir o princípio do contraditório (art. 3º, nº 4 do CPC)[14].
Isso resulta, de uma forma evidente, do próprio facto de, tendo sido invocada a aludida excepção por parte da Ré, nunca o Autor poderia ficar impedido de, no exercício do princípio do contraditório, poder defender que “as condições especiais (invocadas pela Ré na contestação deverem…) ser consideradas inexistentes, nos termos do art. 8º do RCCG e, como resultado, serem expurgadas do contrato de seguro celebrado… (em virtude de…) “… a Ré ter violado as disposições dos nºs. 5º e 6º do RCCG do arts. 18º, als. b) e c) e 21º, nº 1 da LCS e do art. 8º da LDC… E consequentemente ser indeferida a excepção invocada na contestação pela Ré, aplicando-se a Tabela Nacional de incapacidades, única e exclusivamente como referência para atribuição do valor percentual de IPP sofrida pelo Autor. Se assim não se entender … deve a Tabela Nacional de incapacidades ser aplicada subsidiariamente à tabela prevista nas condições especiais em tudo quanto não previsto na mesma, ou seja, em todas as patologias/lesões que merecem tutela e não se encontram descriminadas na dita… (…) Reiterando-se o alegado na petição inicialconclui-se como na mesma peticionado”.
É certo, no entanto, que o tribunal recorrido não teve a iniciativa de, em observância do poder de adequação formal, notificar, de uma antecipada, o Autor no sentido de responder por escrito à excepção invocada pela Ré na contestação, mas, como já referimos, isso não significa que, verificando-se essa situação (mesmo que em termos retrospectivos), o Autor não pudesse, por iniciativa própria, ter apresentado a sua posição por escrito de uma forma antecipada (em relação à audiência prévia).
Ora, dentro desta ordem de ideias, não podemos deixar de concordar com o Tribunal Recorrido quando, efectuando o aludido juízo retrospectivo e fazendo apelo ao princípio da economia processual, decidiu pela aceitação/aproveitamento de tal articulado, por observância do princípio do contraditório, nos termos do nº 4, do art. 3º, do CPC (tanto mais que tal resposta, sempre seria de aceitar, se viesse a ser apresentada na audiência prévia, sendo, por isso, também perfeitamente tempestiva).
Ou seja, se o Autor poderia responder, na Audiência prévia, à excepção deduzida no articulado contestação, a aceitação de tal pronúncia por escrito, apresentada de uma forma antecipada em relação ao aludido momento processual (Audiência prévia), afigura-se-nos perfeitamente admissível e aceitável.
Uma última nota para referir que também não se verifica qualquer violação do princípio da estabilidade da instância (como resulta também evidente da transcrição atrás reproduzida: “Reiterando-se o alegado na petição inicial… conclui-se como na mesma peticionado”).
Como é sabido, o princípio da estabilidade da instância previsto no art. 260º do CPC significa que a citação do réu tem como efeito adjectivo essencial a estabilização da instância no que concerne aos seus elementos subjectivo e objectivo - ainda que logo a seguir se prevejam diversos desvios relativamente a ambos os elementos (arts. 261º a 263º- modificações subjectivas; arts. 264º e ss. – modificações (objectivas) relativas ao pedido e à causa de pedir).
Sucede que, no caso concreto, contrariamente ao defendido pela recorrente, a resposta escrita apresentada pelo Autor (a contra-excepção deduzida) não pretendeu alterar (nem alterou) qualquer um desses elementos processuais que se devem manter estáveis ao longo do processo, nem, nessa medida, a decisão sob recurso permitiu a violação deste princípio da estabilidade da instância.
Com efeito, compulsados os articulados apresentados (e em especial confrontando a petição inicial com a posição vertida na resposta escrita), podemos concluir que o Autor se manteve sempre no âmbito da mesma relação jurídica material controvertida que pretendeu introduzir em tribunal, ou seja, manteve-se no âmbito da mesma causa de pedir[15] que fundamentava o pedido que deduziu contra a Ré.
A pronúncia que efectuou em sede de resposta escrita em relação à defesa por excepção deduzida pela Ré, moveu-se apenas no âmbito do enquadramento jurídico daquela inicial relação material controvertida que se manteve inalterada, seja em termos de causa de pedir, seja em termos de pedido.
Assim, a resposta escrita apresentada pelo Autor não pode constituir qualquer violação do princípio da estabilidade de instância (art. 260º do CPC), pois que a mesma, pronunciando-se apenas sobre a qualificação jurídica da relação jurídica material controvertida (e sobre a excepção deduzida pela recorrente), não implica qualquer alteração da causa de pedir invocada ou do pedido que havia sido formulado na petição inicial (ou seja, qualquer alteração no objecto do processo)[16].
Importa, de facto, não confundir esta situação de modificação ou alteração da causa de pedir ou do pedido (invocada pela recorrente) com aquela que resulta da invocação da matéria de excepção pela Ré (e com a matéria relativa às contra-excepções invocadas, por sua vez, pelo Autor contra aquela defesa de excepção)[17].
Na verdade, como esclarece o Prof. Lebre de Freitas[18], segundo a teoria da substanciação (inequivocamente consagrada pelo nosso legislador), a afirmação da situação jurídica que se pretende submeter em juízo tem de ser fundada em factos (factos principais que constituem a causa de pedir) que exercem a função de individualizar a pretensão, para o efeito de conformação do objecto do processo.
Como é sabido, a nossa lei define a causa de pedir como facto jurídico constitutivo do efeito pretendido pelo autor (art. 581º, nº 4), sendo tal conceito, como tal, contraposto aos factos impeditivos, modificativos e extintivos desse mesmo efeito.
Ora, “ao contrário dos factos que integram a causa de pedir, os factos em que se fundam as excepções não conformam o objecto do processo; com a sua introdução na causa, alarga-se a matéria de facto, mas não o objecto do processo”.
Nesta conformidade, contrariamente ao defendido pela recorrente, a dedução da contra-excepção por parte do Autor (invocação da nulidade das condições especiais que constituíam o fundamento da defesa por excepção deduzida pela Ré) não configura qualquer alteração ou modificação ao objecto do processo, tal como o mesmo foi delineado na petição inicial pelo Autor.
Ou seja, embora a invocação da excepção por parte da Ré (exclusão do âmbito de cobertura fundado nas condições especiais do contrato) e a invocação da contra-excepção por parte do Autor possam alargar o âmbito da discussão fáctica que irá ser produzida, a verdade é que tal alargamento, conforme se julga decorrer do exposto, não contende com qualquer alteração do objecto do processo, mantendo-se este com a configuração que lhe foi dada na petição inicial (quanto à causa de pedir e o pedido formulado).
Podemos, assim, concluir que a decisão recorrida não merece as criticas que a recorrente lhe dirige, pois que a mesma, ao admitir a resposta antecipada do Autor, se conformou com o princípio da estabilidade de instância.
Finalmente, também não pode ser imputada à decisão recorrida qualquer violação do princípio do contraditório previsto no nº 3 do art. 3º do CPC[19].
Trata-se, como é sabido, de um princípio basilar do nosso processo civil que manda que seja observada uma estrutura dialéctica, excepto nos casos de manifesta desnecessidade
Assim, o nº 3 do art. 3º do CPC impõe ao juiz um especial cuidado, determinando que ele deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Como é sabido, “… os nºs 3 e 4 (do art. 3º) … consagram o princípio do contraditório, o primeiro em geral e na vertente proibitiva da decisão-surpresa e o segundo no aspecto da alegação dos factos da causa.
Resultam estes preceitos duma concepção moderna do princípio do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior à sua introdução no nosso ordenamento jurídico. Não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” [20].
Ora, como decorre do já exposto, a decisão recorrida não violou este princípio, pois que o tribunal, em cumprimento também do princípio da igualdade das partes (art. 4º do CPC), cumpriu o princípio contraditório em toda a sua plenitude, designadamente, permitindo às duas partes a participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio.
Nesta conformidade, e por todo o exposto, só nos resta concluir pela total improcedência do recurso.
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III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
- o Recurso interposto pela Recorrente improcedente, com a consequência da decisão recorrida ser integralmente confirmada.
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Custas pela recorrente (art. 527º do CPC).
Notifique.
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Porto, 6 de setembro de 2021
(assinado digitalmente)
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia cunha
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[1] Paulo Pimenta, in “Processo Civil Declarativo”, 2ª Edição, Almedina, pág 666.
[2] Ibidem, pág 666
[3] Paulo Pimenta, in “Processo Civil Declarativo”, pág. 223.
[4] Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 608.
[5] Ob. cit., pág. 223, nota 510.
[6] Ob. cit., pág. 605.
[7] Posição dos Profs. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “Código do Processo Civil anotado”, Vol. II, pág. 607. No mesmo sentido, v. os Acs. da RL de 26 de Outubro de 2017 (relatora: Maria Teresa Albuquerque) e de 11 de Dezembro de 2019 (relator: Arlindo Crua), in dgsi.pt.
[8] Paulo Pimenta, in “Processo Civil Declarativo”, pág. 207. Cfr. também Paulo Ramos Faria/Ana Luísa Loureiro in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil- os Artigos da Reforma”, pág. 501.
[9] Ob. cit., pág. 607.
[10] Tal como o Ac. da RL de 11 de Dezembro de 2019 (relator: Arlindo Crua) já citado em cima.
[11] V. o ac. da RP de 20.2.2020 (relator: Amaral Ferreira) - 358/17.2T8OVR.P2 – de onde decorre a decisão que foi proferida num primeiro recurso nesse mesmo processo (acórdão que revogou a decisão que considerou, em situação idêntica em termos processuais à dos presentes autos, que a R. não havia apresentado defesa por excepção e que o A. havia ampliado o pedido) -, decisão essa que, apesar de ter sido invocada pelo tribunal recorrido, não logramos encontrar – pesquisa correspondente ao invocado ac. da RP proferido no processo n.º 358/17.2T8OVR.P1, em 11.07.2018.
[12] Entre outras excepções – por ex. invoca também a extinção da obrigação pelo pagamento (ponto III da contestação)
[13] Sobre a distinção entre a defesa por impugnação e a defesa por excepção, v. por exemplo, Lebre de Freitas, in “A acção declarativa comum à luz do CPC de 2013”, págs. 95 e ss.
[14] V., por exemplo, o ac. da RG de 17.5.2018 (relatora: Maria João Matos), in dgsi.pt onde se admitiu essa invocação da nulidade das cláusulas em sede de resposta: “I. Sendo um contrato de seguro de danos um contrato de adesão (por as suas «Condições Gerais» não terem resultado de negociação entre as partes, antes se caracterizando pela sua generalidade ou pré-elaboração, pela sua rigidez, e pela sua indeterminação), é-lhe nessa parte aplicável o regime legal previsto para as cláusulas contratuais gerais (no Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro). II. Invocando a seguradora, na sua contestação, uma cláusula de exclusão da cobertura contratada, constante das «Condições Gerais» do contrato de seguro, e respondendo o segurado desconhecer estas condições, e nunca lhe ter sido explicada aquela cláusula, teria a seguradora de impugnar aqueles desconhecimento e falta de comunicação/informação pela sua parte (nos termos dos arts. 5º e 6º, ambos do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro). III. Deixando a seguradora de impugnar aquela alegação do segurado -nomeadamente, em sede de audiência prévia realizada, ou no início da audiência de julgamento, na falta daquela primeira (nos termos do art. 3º, nº 4 do C.P.C.) -, ficaram os respectivos factos admitidos por acordo, devendo oficiosamente o Tribunal da Relação reconhecê-lo e considerá-lo (art. 662º, nº 1 do C.P.C.). IV. Não tendo sido comunicada, pelo respectivo proponente ao aderente, uma cláusula contratual geral excludente de uma das coberturas contratadas num seguro de danos, nem informado este, por aquele, de aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justificava, pelo seu pendor eminentemente técnico, tem-se por excluída do dito contrato de seguro (art. 8º, als. a) e b), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro). V. O contrato de seguro assim atingido mantém-se, por não ter sido alegado e demonstrado que sem a dita cláusula de exclusão ocorreu uma indeterminação insuprível de um seu aspecto essencial, ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé (art. 9º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro)”.
[15] Que, no caso concreto, se consubstanciava na alegação dos pressupostos da responsabilidade contratual (e alegação da celebração do contrato de seguro de cobertura de acidentes pessoais e seu incumprimento por parte da Ré).
[16] Como refere, o Prof. Lebre de Freitas, in “Introdução ao processo civil –Conceitos e princípios gerais à luz do Novo Código”, págs. 72: “Externa ao conceito de causa de pedir é, de qualquer modo, a qualificação jurídica desse facto (constitutivo que constitui a causa de pedir)”
[17] Estas contra- excepções são, no fundo, excepções às excepções deduzidas pela parte contrária na contestação, alegando o autor, por sua vez, os factos que impeditivos, modificativos ou extintivos dos efeitos alegados pelo réu em sede de excepção – v. Prof. Lebre de Freitas, in “A acção declarativa comum à luz do CPC de 2013”, pág. 136; e “Introdução ao processo civil –Conceitos e princípios gerais à luz do Novo Código”, pág. 42, em especial nota 42.
[18] In “Introdução ao processo civil –Conceitos e princípios gerais à luz do Novo Código”, págs. 66 e 67.
[19] Sobre este princípio, v. por exemplo, o ac. da RG de 10.7.2019 (relatora: Eugénia Cunha), in Dgsi.pt.
[20] Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, pág. 7.