EXECUÇÃO
PENHORA DE SALÁRIO OU CRÉDITO EQUIPARADO
PENHORABILIDADE
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Sumário

I - A regra geral da impenhorabilidade da parte líquida de dois terços dos rendimentos periódicos da pessoa singular executada, consagrada no nº1, do art. 738º, do CPC, que tem como pressuposto a realização da subsistência do executado, encontra limites máximo e mínimo - os consagrados no nº3, do referido artigo.
II - É o princípio da dignidade humana que impõe o limite mínimo impenhorável, sendo ele o equivalente a um salário mínimo nacional (este visto como o estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna, ‘o mínimo dos mínimos’ que não pode ser, de todo em todo, reduzido).
III - Embora quantias correspondentes a subsídio de férias e de Natal possam ser objeto de penhora, apenas sendo impenhorável o montante equivalente a um salário mínimo nacional, nenhuma prova existindo de factos a densificar um contrato de trabalho e de que a executada auferira o que quer que seja a exceder o equivalente àquele salário, nenhuma importância das 12 prestações mensais que recebe no ano, pelos serviços de gerente que presta à sociedade, pode ser penhorada.

Texto Integral

Apelação nº 3235/18.6T8AGD-C.P1

Processo do Juízo de Execução de Águeda
Acordam na 3ª Secção Cível
do Tribunal da Relação do Porto

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: a executada B…

B…, executada nos autos, interpôs recurso do despacho que indeferiu o seu requerimento para levantamento da penhora efetuada sobre o seu vencimento pela Agente de Execução, no âmbito das diligências de penhora que a mesma realizou, pugnando por que seja revogada tal decisão e substituída por outra que determine o levantamento da penhora, ilegalmente efetuada, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
A. “A Mma juiz profere despacho que ora se recorre que determina a penhora dos subsídios de natal e férias.
B. A Executada, ora Recorrente não perfilha do mesmo entendimento, devendo o douto despacho ser revogado e substituído por outro que considere que o vencimento da executada é impenhorável e que tendo em conta que a executada não recebe qualquer subsídio de férias e de natal, não há lugar a qualquer penhora.
C. A Executada é gerente da sociedade C… Lda.
D. No âmbito das diligências de penhora, a Sra. Agente de Execução notificou a entidade patronal da executada para proceder à penhora do salário.
E. Em resposta, a ENTIDADE patronal informou que a Executada aufere o valor correspondente ao salário mínimo nacional.
F. Posteriormente, a Sra. Agente de Execução volta a notificar a entidade patronal para proceder à penhora dos subsídios de natal e férias.
G. Em resposta à referida notificação, a executada e a entidade patronal informaram que a executada é gerente e não aufere subsídio de férias e/ou Natal, sendo apenas remunerada 12 meses por ano.
H. A executada é apenas remunerada 12 vezes por ano, não recebe qualquer subsidio de natal e / ou férias.
I. Nada impede que a gerente seja remunerada apenas 12 meses por ano.
J. A executada é apenas gerente da sociedade - não é sócia gerente, não tem qualquer relação de subordinação, nem vínculo laboral.
K. Não há qualquer subordinação jurídica à sociedade e, portanto, inexiste contrato de trabalho entre executada e sociedade de que é gerente.
L. O gerente que não é trabalhador subordinado da sociedade não está sujeito ao regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.
M. Deste modo não pode entender-se que o vínculo que liga a executada à sociedade tem a natureza jurídica de um contrato de trabalho, mas antes de um contrato de prestação de serviços na modalidade de mandato.
N. Apenas o contrato de trabalho dá direito à atribuição de subsídio de Natal e de férias, nos termos da nossa lei laboral, e portanto à sua compensação, enquanto a retribuição num contrato de mandato é o resultado do serviço prestado.
O. Poderá até o beneficiário receber o mesmo valor de remuneração dividido em 14 meses ao ano, como acontece com os trabalhadores subordinados, mas essa forma de retribuição apenas resulta do acordado entre ele e a sociedade, não definindo ou caracterizando a natureza jurídica do seu vínculo contratual, nem podendo os 13.° e 14.° meses caracterizar-se como subsídio de férias e de Natal”.
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Não foram apresentadas contra alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Da ilegalidade da penhora de prestações auferidas pela executada.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, acrescentando-se, ainda, os seguintes, que resultam das vicissitudes processuais:
1. A “notificação para penhora – artigo 779º CPC” foi efetuada pela Agente de execução nos seguintes termos “Fica(m) V. Exa(s), pela presente notificado(s), nos termos e para os efeitos do art. 779º do Código de Processo Civil (C.P.C.), na qualidade de entidade patronal/entidade pagadora, para a penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado adiante indicado, … até atingir o limite previsto também adiante indicado. (…)
Nos termos do artigo 738º do CPC são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado. Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
A impenhorabilidade atrás referida tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.”;
2. A sociedade C…, Lda, por carta registada de 30 de setembro de 2020 apresentou-se a declarar que a executada aufere o valor correspondente ao salário mínimo nacional - 635,00€ -, juntando, para prova, um recibo, e afirma impenhorável a prestação que paga mensalmente;
3. Após, a Agente de execução efetuou à mencionada sociedade notificação para penhora, designadamente, dos subsídios de férias e de Natal;
4. A referida sociedade apresentou-se, em 22 de outubro de 2020, a reafirmar o já informado e a esclarecer que a executada lhe presta serviços como gerente, com a referida remuneração mensal, de apenas 12 meses no ano, nenhum subsídio de férias ou de Natal auferindo;
5. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“Veio a executada requerer que fosse levantada a penhora que recai sobre o seu vencimento, por o mesmo ser impenhorável, atento o disposto no artigo 738/3 do Código de Processo Civil.
Compulsados os autos, verificamos que o vencimento líquido mensal da executada ascende a 565,15€ mensais, o qual é impenhorável nos termos do disposto no artigo 738/3 do Código de Processo Civil, caso a executada não disponha de outros rendimentos.
No entanto, tanto o subsídio de férias como o de Natal são prestações que acrescem à retribuição habitual e, por isso, prestações penhoráveís - vide nesse sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional n°770/2014 de 12 de novembro de 2014, publicado no DR, 20 Série, em 6 de fevereiro de 2015.
Com efeito, aquele Acórdão decidiu não julgar inconstitucional a norma extraída ‘da conjugação do disposto na alínea b) do n°1 e no n°2 do artigo 824 do Código de Processo Civil, na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou pensão, cuja valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e o subsídio de natal ou de férias se penhore. somando as duas prestações, na parte que excede tal montante.”
Assim, a remuneração auferida pelo executado, acrescida de subsídio de férias ou de natal, será penhorável na proporção de um terço, nos termos do artigo 738/1 do Código de Processo Civil, desde que esteja garantida a perceção do valor mensal correspondente ao salário mínimo nacional, como resulta do disposto no n.°3 do citado normativo legal - vide o recentíssima Acórdão da Relação do Porto de 26.10.2020. relatado por José Eusébio Almeida e disponível em www.dgsi.pt.
Em face do exposto, indefiro a requerido pela executada, dada a possibilidade de penhora quer do seu subsidio de Natal, quer do subsídio de férias.
Notifique”.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da ilegalidade da penhora de prestações auferidas pela executada
Insurge-se a executada contra a decisão recorrida por entender que, auferindo, apenas e tão só, o equivalente ao salário mínimo nacional, por mês, impenhorável, nenhum valor da remuneração lhe pode ser descontado, pois que não é trabalhadora subordinada, não auferindo subsídio de férias e de Natal, mas mera prestadora de serviços, sendo que a forma de retribuição resulta do acordado entre ela e a sociedade, que gere e não do regime jurídico do contrato de trabalho, por nenhum ter sido celebrado.
Sendo pacífico entre as partes e a sociedade em causa que as prestações, sempre não superiores ao salário mínimo nacional, apenas são pagas 12 meses, nos termos acordados entre a apelante e a referida sociedade, nenhum subsídio de férias e de Natal tendo sido acordado ser pago pelos serviços prestados, nada permite concluir pela existência de obrigação de proceder ao seu pagamento, desde logo por se não poder, sequer, qualificar o contrato celebrado como um contrato de trabalho, para daí extrair a obrigatoriedade imposta por lei.
Vejamos.
Na verdade, conforme vem sendo referido, repetidamente, pelo Tribunal Constitucional (v., designadamente, acórdão 96/2004, de 11/02/2004, publicado no DR, II série, de 04/04/2004), “o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como ‘o mínimo dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo”. E, no seguimento da lei constitucional, estatui o artigo 738.º, do Código de Processo Civil, com a epígrafe “Bens parcialmente penhoráveis”:
“1. São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
2. Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
3. A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
(…)
8. Aos rendimentos auferidos no âmbito das atividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, aplica-se o disposto nos n.os 1 a 4 deste artigo, com as seguintes adaptações:
(…)”
Assim, o nº1 consagra a “regra geral da impenhorabilidade da parte líquida de dois terços dos rendimentos periódicos do executado (pessoa singular), no pressuposto de que realizam uma função alimentar (“subsistência do executado”). Na falta de prova de outros rendimentos ou bens, parte-se do princípio de que o executado só tem esse salário ou pensão (RP 23-2-12, 1218/08)”[1].
Determina, pois, o nº1, que a impenhorabilidade se afere com referência à parte líquida das prestações aí mencionadas, devendo, nos termos do nº2, para se apurar tal montante ter em conta apenas os descontos legalmente obrigatórios, e o nº 3 consagra os limites máximo e mínimo da impenhorabilidade prescrita no n.º 1, sendo aquele “o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão” e este, “quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional”.
A fixação do limite mínimo impenhorável é tributária da jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, nessa conformidade e na medida em que se exceda o equivalente ao salário mínimo nacional, penhoráveis as quantias referentes aos subsídios de férias e de Natal (RP 8-3-16, 4462/09 e RG 18-4-13, 537-A/2002).[2]
Esclarece o Exmo Sr. Desembargador Dr. Carlos Gil, em anotação ao referido artigo, “Sobre os nºs 1 e 3 deste preceito, bem como o nº 8 do mesmo, no dia 08 de Outubro de 2018, no blogue do IPPC foi inserido o seguinte “post”: “Penhora; rendimentos de pessoas singulares; limites”, sendo o sumário do Ac. da RP 10/5/2018 (380/14.0TBFLG-A.P1) o seguinte: “I - A opção do legislador em estabelecer um limite para a penhora dos valores pagos a título de salário, pensão, prestação social ou outra prestação de natureza semelhante que assegure a subsistência do executado, encontra-se contemplada no art.º 738.º do C.P.C. num acolhimento do princípio da dignidade da pessoa humana inerente a um Estado de Direito, como consagrado constitucionalmente.
II - Com a alteração do art.º 738.º do C.P.C. introduzida pela Lei 114/2017 de 29 de Dezembro, Lei do Orçamento do Estado de 2018, concretizada apenas no aditamento de um n.º 8 àquele artigo, passou a ficar contemplado expressamente um valor mínimo de existência impenhorável também com referência aos rendimentos das pessoas singulares que exercem as actividades previstas no art.º 151.º do IRS, assim se lhes estendendo a possibilidade de redução da penhora dos créditos por elas auferidos no exercício de tais actividades, quando os rendimentos dela resultantes se destinam a assegurar a sua subsistência, à semelhança do já previsto no n.º 1 para outras prestações.
III - Mesmo antes de tal alteração, considera-se que os limites da impenhorabilidade previstos no art.º 738.º n.º 1 e n.º 3 do C.P.C. aplicar-se-ão não apenas aos créditos que são enumerados expressamente, mas antes a todos os créditos que apresentem as mesmas características daqueles quanto ao seu destino, ou seja, relativamente aos quais se possa formular um juízo idêntico ao que orientou o legislador, no sentido de se referirem a prestações destinadas a assegurar o sustento do devedor que não disponha de outros rendimentos.
IV - O crédito da Executada pela remuneração de serviços prestados no exercício da sua actividade profissional, quando a mesma não tem outra fonte de rendimentos, não pode deixar de ser considerado como uma prestação destinada a assegurar a sua subsistência, devendo ficar sujeito ao regime da impenhorabilidade consagrado no art.º 738.º n.º 1 e n.º 3 do C.P.C”.
E, no contrato de trabalho, tanto o subsídio de férias como o de Natal são prestações que acrescem à retribuição habitual, sendo a remuneração auferida pelo executado, acrescida de subsídio de férias ou de natal, penhorável, na proporção de um terço, nos termos do n.º 1 do artigo 738 do CPC, desde que esteja garantida a perceção do valor mensal correspondente ao salário mínimo nacional, como resulta do disposto no n.º 3 do citado artigo 738 do CPC[3].
Na verdade, “tendo em atenção o conjunto dos preceitos legais acima citados e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, numa interpretação sistemática, teleológica e conforme à Constituição da República Portuguesa, consideramos que da quantia de 1/3 da parte líquida da remuneração mensal (…), incluindo-se aqui o subsídio de Natal na parte duodecimal respetiva, apenas é efetivamente penhorável a parte que exceder o valor do salário mínimo nacional à data”, sendo que: “I. Para efeitos do disposto no art. 738.º do CPC, o subsídio de Natal integra o conceito de vencimentos ou salários em sentido amplo ou, pelo menos, quando o executado aufira o salário mínimo nacional, o conceito de “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”, sendo, em regra, impenhorável 2/3 da parte líquida do rendimento a que se refere esse artigo.
II - Ademais, atento o limite previsto no n.º 3 desse artigo, o rendimento mensal líquido ou disponível do executado, incluindo, quando seja caso disso, o valor duodecimal do subsídio de Natal, não pode nunca ficar abaixo do montante equivalente ao salário mínimo nacional ilíquido, à data da (pretendida) penhora; se isso acontecer, não pode ser efetuada a penhora (a menos que o executado tenha outra fonte de rendimento)”[4].
E “Para aferir da impenhorabilidade das verbas atinentes a subsídios de férias e de Natal que são recebidas pelo executado, que aufere uma pensão de montante inferior ao salário mínimo nacional, teremos que considerar o montante global dos seus rendimentos, onde se incluem tais subsídios, e dividi-lo por doze”, sendo que “Se o montante apurado com tal divisão for inferior ao salário mínimo nacional tais subsídios de férias e de Natal também serão impenhoráveis”[5].
A “natureza e origem dos subsídios de férias e de Natal fazem com os mesmos sejam entendidos como um complemento ou acréscimo – mesmo que obrigatório – à retribuição mensal e a sua definição no Código do Trabalho (artigos 264, n.º 1 e 263, n.º 1) é reveladora dessa natureza. (…) Valor esse que se afere à remuneração globalmente entendida, mas mensal, e que tem a sua razão naquilo que, no valor que o legislador considera como mínimo indispensável ao sustento e sobrevivência condigna do executado. E, sem qualquer ironia, sempre se diga que, pela própria natureza das coisas, nos 13.º e 14.º meses, porque inexistentes na realidade do calendário, não se colocam quaisquer questões de sustento ou sobrevivência. (…) entendemos que – e citamos Marco Carvalho Gonçalves [4] - “os subsídios de férias e de Natal constituem prestações penhoráveis, razão pela qual a remuneração auferida pelo executado, acrescida de subsídio de férias ou de natal, será penhorável na proporção de um terço”, sem embargo de se garantir “a perceção, por parte do executado, do montante correspondente ao salário mínimo nacional”, como resulta do disposto no n.º 3 do citado artigo 738 do CPC”[6].
Assim, independentemente da qualificação de 13º e 14º meses ou de subsídio de férias e de Natal e de se tratar de contrato de prestação de serviços ou de contrato de trabalho, aquelas, se auferidas, estão abrangidos pela penhora do vencimento/salário/prestação que assegure a subsistência do executado. Sendo impenhorável o montante equivalente a um salário mínimo nacional, penhorável é, contudo, 1/3 da parte líquida das “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado” que o excedam (cfr. nº3 e 1, do referido art. 738º), irrelevante sendo a sua qualificação jurídica do contrato celebrado e a das prestações.
Sendo admissível a penhora de 1/3 do subsídio de férias e de Natal (13º e 14º mês), para que possa ser licitamente efetuada tal penhora necessário é, desde logo, que estejamos perante um contrato em que essas prestações tenham sido acordadas entre as partes que a ele se vincularam ou que lhes sejam impostas por disposição legal.
No caso, nada permitindo afirmar a existência de obrigação contratualmente assumida de as pagar ou que estejamos perante obrigação imposta por lei – por nada resultar naquele sentido e não resultarem assentes factos que permitam qualificar o contrato como de trabalho -, tão só estando afirmada, pacificamente, a obrigação de pagamento de importância mensal, pelos doze meses do ano, de montante equivalente ao salário mínimo nacional (€635,00 em 2020, nos termos do DL nº 167/19, de 21/11), mostra-se a penhora efetuada ilegal, por violar o nº3, do art. 738º, do CPC, impondo-se o seu levantamento.
Em conclusão:
- A regra geral da impenhorabilidade da parte líquida de dois terços dos rendimentos periódicos da pessoa singular executada, consagrada no nº1, do art. 738º, do CPC, que tem como pressuposto a realização da subsistência do executado, encontra limites máximo e mínimo - os consagrados no nº3, do referido artigo. É o princípio da dignidade humana que impõe o limite mínimo impenhorável (o equivalente a um salário mínimo nacional).
- Embora quantias correspondentes a subsídio de férias e de Natal possam ser objeto de penhora, apenas sendo, em cada um dos 12 meses do ano, impenhorável o montante equivalente a um salário mínimo nacional, nenhuma prova existindo de factos a densificar um contrato de trabalho e de a executada auferir montante a exceder o equivalente àquele salário, nenhuma importância das 12 prestações mensais que recebe no ano pelos serviços de gerente que presta à sociedade pode ser penhorada.
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Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, ocorrendo a violação do referido normativo, devendo, por isso, a decisão recorrida ser revogada.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e, na procedência do requerimento apresentado pela executada, ordenam o levantamento da referida penhora, efetuada no âmbito das diligências levadas a cabo por Agente de execução.
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Sem custas.

Porto, 6 de setembro de 2021
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
[1] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 105
[2] Ibidem, pág. 106
[3] Ac. da RP de 26/10/2020, proc. 2165/10.4TBGDM-B.P1, in dgsi
[4] Ac. da RL de 21/5/2020, proc. 41750/04.6YYLSB-A.L1-2, in dgsi
[5] Ac. RP de 24/9/2020, proc. 1571/17.8T8AGD-H.P1, onde se refere “não concordamos com a posição defendida, em primeira linha, no Acórdão da Relação do Porto de 28.6.2017 e também por Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro na obra atrás citada, que encaram as prestações correspondentes aos subsídios de férias e de Natal com natureza plenamente autónoma e, por isso, sempre impenhoráveis desde que inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional, … Entendemos, contudo, que para aferir da impenhorabilidade das verbas atinentes a subsídios de férias e de Natal que são recebidas pela executada, a qual aufere uma pensão de montante inferior ao salário mínimo nacional, teremos que considerar o montante global dos seus rendimentos, onde se incluem tais subsídios, e dividi-lo por doze.
Se o montante apurado com tal divisão for inferior ao salário mínimo nacional tais subsídios de férias e de Natal também serão impenhoráveis. Já se esse montante for superior ao salário mínimo nacional nada obsta a que se proceda à penhora dos subsídios na parte em que se exceda esse valor”.
[6] Citado Ac. da RP de 20/10/2020, proc. 2165/10.4TBGDM-B.P1.