INVENTÁRIO NOTARIAL
INCIDENTE DE DISPENSA DE SIGILO BANCÁRIO
DECISÃO
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DA 1ª INSTÂNCIA
TEMPESTIVIDADE
Sumário

1–No âmbito do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, o notário tem competência para tramitar e instruir o processo, decidir todos os incidentes e demais questões incidentais que possam colocar-se, assim como lhe cabe promover a realização das diligências probatórias requeridas pelas partes e, simultaneamente, o juiz tem competência para intervir em situações pontuais e expressamente previstas na lei, reservando-se o direito de acção judicial relativamente às questões que, pela sua natureza ou complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário.

2–No âmbito da apreciação da reclamação deduzida contra a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, a notificação do Banco de Portugal para a prestação de informações sobre a existência de contas bancárias tituladas por um dos cônjuges não constitui competência do juiz, incumbindo ao notário ordenar tal diligência, se assim se impuser, para efeitos de proferir decisão sobre a existência dos bens e pertinência da sua relacionação, nos termos dos art.ºs termos dos artigos 35º, n.º 3 e 17º do Regime Jurídico do Processo de Inventário.

3–O notário pode e deve suscitar junto dos Tribunais questões que ultrapassam a sua competência regular, pelo que, não obstante a letra da norma do artigo 16º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, podem, no contexto da remessa dos autos a juízo, ocorrer duas situações: a questão colocada dever ser apreciada no âmbito do processo de inventário mas dizer respeito a matérias que constituem reserva da competência do juiz, caso em que o notário poderá remeter o processo ao juiz para apreciação da concreta questão colocada; ou a questão dever ser apreciada em acção própria a instaurar para resolução do litígio, caso em que as partes serão remetidas para os meios comuns.

4–O segredo de supervisão imposto ao Banco de Portugal tem sido configurado por uns como modalidade de segredo bancário e, por outros, como modalidade autónoma de segredo profissional, tem por sujeitos passivos as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções no Banco de Portugal, bem como as que lhe prestem ou tenham prestado serviços e as autoridades, organismos e pessoas que participem na troca de informações prevista no artigo 81.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e por sujeitos activos, as instituições de crédito supervisionadas e, indirectamente, os clientes bancários dessas instituições, abrangendo o seu âmbito objectivo, informações sobre factos cujo conhecimento advenha, aos sujeitos passivos do dever, exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços no Banco de Portugal, no contexto do exercício, por este Banco, das respectivas atribuições de supervisor do sistema bancário e financeiro.

5–O bem jurídico protegido pelo dever de segredo de supervisão continua a ser o direito à reserva da intimidade da vida privada, sobretudo nas zonas de sobreposição, quanto à informação abrangida, com o segredo bancário, mas também o interesse público na efectividade ou eficácia da supervisão, essencial à salvaguarda da estabilidade do sistema financeiro.

6–O dever de segredo de supervisão, tal como o sigilo bancário não é um dever absoluto, pelo que pode ceder perante a necessidade de salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos, tal como o direito de acesso à justiça e à tutela efectiva, previstos no artigo 20º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

7–A dispensa do dever de segredo no âmbito do processo civil segue a tramitação prevista no artigo 135º do Código de Processo Penal, de acordo com a qual, nas situações de legitimidade da escusa, não existindo autorização por parte do titular da conta, a obtenção das informações bancárias implica a ponderação dos interesses enunciados em 6-, que haverá de ser realizada pelo tribunal imediatamente superior àquele onde a escusa tiver sido invocada.

8–A quebra do dever de segredo é, por opção legislativa, necessariamente da competência de um tribunal superior, o que de modo algum foi afastado ou se pode considerar afastado pelo Regime Jurídico do Processo de Inventário.

9–O tribunal de 1ª instância é incompetente, em razão da hierarquia, para apreciar o pedido de dispensa do dever de segredo, o que determina a sua incompetência absoluta, dando lugar à remessa do processo ao Tribunal da Relação para a respectiva apreciação, impondo-se a revogação da decisão que apreciou tal pedido.

10–O exercício do poder/dever de adequação formal conferido ao juiz pelo artigo 547º do Código de Processo Civil permite a adaptação de aspectos parcelares e pontuais da tramitação legal, onde se inclui a dispensa da prática de actos que se revelem concretamente desnecessários ou a sua substituição por outros tidos por mais adequados.

11–Nos termos do artigo 135º, n.º 3, in fine do Código de Processo Penal, o Tribunal pode desencadear o incidente de quebra do dever de segredo, oficiosamente, a todo o tempo, até ao encerramento da audiência de julgamento, razão pela qual, mesmo quando deduzido pelas partes, não se lhe aplica o prazo geral previsto no artigo 149º do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I–RELATÓRIO


A, residente à Rua do ... A S... M..., n.º ..., Lisboa intentou, em 30 de Julho de 2014, no Cartório Notarial de C..., do Exmo. Sr. Dr.
LB, processo de inventário para partilha subsequente a divórcio, decretado no âmbito da acção n.º 575/05.8TBCSC, produzindo efeitos a 11 de Janeiro de 2005, que corre termos sob o n.º 3173/14, sendo interessada no inventário, para além do requerente, o seu ex-cônjuge, B, residente à Avª F..., n.º ..., M... E..., que corre.
Em 8 de Setembro de 2014 o senhor notário ordenou a notificação do requerente, como cabeça-de-casal, para prestação das declarações nessa qualidade, nos termos do art.º 24º e seguintes do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março[1], conforme despacho registado sob a Ref. 78276[2].
Em 3 de Março de 2015 o requerente apresentou relação de bens, conforme requerimento registado sob a Ref. 171405.
Em 11 de Março de 2015 o senhor notário ordenou a citação da requerida para os termos do inventário e para facultar o acesso do requerente aos bens que estão em seu poder a fim de serem relacionados, conforme despacho registado sob a Ref. 177838.
No âmbito do mencionado processo, a requerida/recorrida apresentou, em 10 de Setembro de 2015, conforme requerimento registado sob a Ref. 280233, reclamação contra a relação de bens junta pelo cabeça-de-casal, impugnando os valores atribuídos aos bens relacionados, acusando a falta de relacionação de bens móveis comuns, depósitos de valores monetários em contas sedeadas em offshore, valores transferidos para contas titulados pelo filho do cabeça-de-casal e bem assim, a existência, à data da propositura da acção de divórcio, de diversas contas bancárias e activos financeiros titulados pelo cabeça-de-casal, que referiu não estar em condições de identificar, porque tal informação lhe era ocultada pelo requerente, solicitando que se oficiasse ao Banco de Portugal no sentido de “identificar todas as contas, à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e quaisquer activos financeiros titulados ou co-titulados pelo cabeça-de-casal à data da instauração da acção de divórcio […] e identificar a instituição bancária em que as mesmas estão sedeadas”, após o que tais instituições bancárias deverão ser notificadas para indicar os saldos existentes nas contas bancárias e cotação de todos os activos existentes, tendo, a final, requerido a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial onde se discute a natureza de bem comum de um imóvel.
Em 29 de Dezembro de 2015, o cabeça-de-casal respondeu à matéria da reclamação onde, para além de refutar a impugnação dos valores que indicou na relação de bens e a falta de relacionação de bens comuns (aceitando a relacionação de alguns deles), referiu não existirem quaisquer saldos de contas bancárias que revistam a natureza de bens comuns e que devam ser levados à relação de bens, impugnando o demais alegado, conforme requerimento registado sob a Ref. 363426.
Em 15 de Março de 2016, o cabeça-de-casal juntou nova relação de bens onde inseriu, para além das duas quotas societárias anteriormente relacionadas, vinte e oito novas verbas referentes a bens móveis comuns, conforme requerimentos registados sob as Ref. 428548 e 428734, de que a requerida foi notificada, nos termos do art. 35º, n.º 2 do RJPI, tendo novamente impugnado os valores indicados pelo cabeça-de-casal, conforme requerimento de 5 de Abril de 2016 registado sob a Ref. 445784.
Em 2 de Novembro de 2016 o senhor notário ordenou que se oficiasse ao Banco de Portugal a solicitar informação e identificação das contas e activos financeiros de que o cabeça-de-casal e a reclamante eram titulares em 11 de Janeiro de 2005, data de produção dos efeitos patrimoniais do divórcio e, em resultado das informações prestadas, que fossem notificadas as instituições bancárias para indicarem os saldos bancários das contas, na referida data, conforme despacho registado sob a Ref. 620430.
Posteriormente, este despacho foi reiterado por despacho de 11 de Outubro de 2019, registado sob a Ref. 1857431.
Por ofício de 18 de Outubro de 2019 o Banco de Portugal, em resposta ao pedido de informação sobre a existência de contas bancárias em nome do requerente e da requerida, em 11 de Janeiro de 2005, veio dar conta que essa informação se encontra abrangida pelo dever legal de segredo que impende sobre o Banco de Portugal, nos termos dos art.ºs 80º e 81º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, objecto de múltiplas alterações legislativas que aqui se dispensa de mencionar)[3], cuja violação é punível nos termos do Código Penal, sendo que apenas poderá ser disponibilizada se verificados os pressupostos que dispensam o Banco de Portugal do dever de segredo, como acontecerá se o cabeça-de-casal e a requerida transmitirem a respectiva autorização consentindo no acesso aos dados (cf. digitalização do ofício registada sob a Ref. 1879788).
Em 28 de Outubro de 2019, o senhor notário ordenou a notificação das partes do conteúdo do referido ofício e para no prazo de dez dias vierem aos dizer o que tiverem por conveniente, designadamente, se consentem que a referida instituição informe sobre a existência de contas bancárias em seu nome, conforme despacho registado sob a Ref. 1879788.
Por requerimento de 31 de Outubro de 2019, registado sob a Ref. 1884811, o requerente veio informar que não autoriza a prestação dessa informação.
Por requerimento de 25 de Março de 2020, a requerida B veio deduzir incidente de levantamento de sigilo bancário, louvando-se no estatuído no art.º 417º do Código de Processo Civil[4] e no art. 82º do RJPI, considerando o longo tempo decorrido desde a instauração do processo de inventário e a necessidade de estabilização da relação de bens, e com vista a assegurar a realização da justiça e o acesso à prova, que de outra forma não se obterá, entende que se justifica, face à falta de colaboração do requerente, que seja levantado o sigilo bancário, nos termos do n.º 4 do art. 417º do CPC e no n.º 2 do art. 135º do Código de Processo Penal[5] ex vi art. 82º, n.º 1 do RJPI, e determinado que o Banco de Portugal preste a informação solicitada (requerimento e documentos registados sob as Ref. 2033818 e 2053826).
Por requerimento de 20 de Abril de 2020 o cabeça-de-casal opôs-se ao deferimento de tal incidente argumentando que não existem quaisquer indícios de comunhão nos saldos das contas bancárias do requerente e/ou de terceiros e, além disso, tal pretensão foi requerida decorridos mais de dez dias após a notificação à requerida da não autorização por parte daquele da prestação de informação e aduziu pronúncia sobre o conteúdo do incidente, suscitando a incompetência em razão da hierarquia, por o tribunal competente para o conhecer ser o Tribunal da Relação e invocando a inexistência de motivo legal para ordenar o levantamento do sigilo bancário, pugnando pela legitimidade da escusa do Banco de Portugal (requerimento registado sob a Ref. 2062112).
Em 7 de Maio de 2020 a requerida/recorrida respondeu sustentando a inaplicabilidade ao incidente em referência do prazo geral de 10 dias mencionado no art. 149º do CPC (requerimento registado sob a Ref. 2068861).
Em 19 de Outubro de 2020 o senhor notário ordenou, nos termos do art. 135º, n.ºs 2 e 3 do CPP ex vi art. 417º, n.º 4 do CPC, a remessa do incidente de levantamento de sigilo bancário e a resposta, ao tribunal de recurso, que entendeu ser o tribunal competente da área do município do Cartório Notarial, para apreciação do pedido de levantamento do sigilo bancário (cf. despacho registado sob a Ref. 2179069).
Em 2 de Novembro de 2020, no âmbito dos presentes autos foi apreciado o incidente de levantamento do sigilo bancário, pelo Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz 2, que proferiu a seguinte decisão (cf. Ref. Elect. 127396054):
“[…] decide-se autorizar a quebra de sigilo bancário, devendo o Banco de Portugal identificar e informar as contas bancárias e ativos financeiros de que os interessados, B e A, eram titulares à data dos efeitos patrimoniais do divórcio - 11/01/2005.”

Inconformado com esta decisão, em 7 de Dezembro de 2020, o requerente dela interpôs o presente recurso, cujas alegações conclui do seguinte modo:
I–O incidente de quebra de sigilo bancário é uma reacção ao requerimento do aqui apelante de 31.10.2019 no inventário, no qual este informou que recusava a devassa de quaisquer contas bancárias próprias suas ou de terceiros, requerimento que foi notificado nessa data à aqui apelada nesse inventário, a qual nada aí disse no prazo legal de dez dias.
II–Por despacho de 3.12.2019, o Senhor Notário deu, ainda assim, à apelada dez dias para se pronunciar sobre o referido requerimento do apelante, ficando aquela com um novo prazo até 16.12.2019 para no inventário tomar uma iniciativa, se o quisesse, contra a posição expressa nesse requerimento, iniciativa que poderia ter sido requerer um incidente, também nada tendo feito nesse novo prazo.
III–Ao cabo de mais de três meses, a apelada finalmente requereu um incidente em reacção a esse despacho de 3.12.2019 e ao requerimento do apelante de trinta e três dias antes dessa data, o qual deveria ter sido promovido nos dez dias seguintes à recusa de autorização de quebra do sigilo bancário e, como o não foi, ter sido rejeitado por extemporâneo.
IV–O inventário 3173/14 visa pôr fim a uma comunhão de bens adquiridos no já findo casamento entre apelante e apelada, não tendo nem podendo ter por escopo operar a transformação do regime de bens desse casamento numa comunhão geral, nem sequer adregar para a apelada quotas em bens de terceiros.
V–À apelada nada foi (nem podia ser) jamais ocultado pelo apelante no tocante aos bens comuns de ambos, sendo certo que o apelante não tinha qualquer obrigação de pôr a apelada ao corrente do que dissesse respeito a bens que eram e são só dele.
VI–Não havendo saldos de contas bancárias que sejam bens comuns, pois os proventos comunicáveis à apelada auferidos pelo apelante advinham do seu ordenado de funcionário público, servindo esse ordenado na sua integralidade para prover ao sustento do casal, tudo o que para além disso estivesse em contas bancárias teria que vir de bens próprios do apelante.
VII–O apelante teve ocasião logo a 24.10.2019 de manifestar particularmente ao Banco de Portugal que poderia facultar informação sobre contas suas comuns com a apelada (o que está documentado no processo), porém, relativamente a outras contas, não só porque podem brigar com a privacidade de terceiros, mas porque vão introduzir a confusão no inventário, na medida em que a apelada pretende fazer passar por comuns bens próprios do apelante e/ou desses terceiros, ele não autorizou.
VIII–Antes disso, o Banco de Portugal já tinha respondido negativamente (e bem) no processo sobre o fornecimento dessas informações.
IX–O sigilo bancário é um direito legal dos clientes dos Bancos e só é de levantar quando haja motivos ponderosos, que não se vislumbram na argumentação da apelada, que não explica como, gastando o apelante tudo o que tirava de salário nas despesas comuns do casal, ainda poderia haver um imaginário dinheiro comum para alimentar supostos saldos comuns de contas bancárias.
X–A apelada joga outrossim com a evidência de o apelante ter nessa altura bens próprios seus de valor avultado, o que não é censurável nem justifica a devassa que a apelada pretende ver levada a cabo, pois não há, nem ela os alega, quaisquer indícios de comunhão que justifiquem tal devassa.
XI–A escusa do Banco de Portugal e a recusa do apelante são legítimas, à luz dos artigos 417º, nº 3, alínea c) do Código de Processo Civil e 182º, nº 1 do Código de Processo Penal, não estando preenchidos os pressupostos previstos no nº 4 do artigo 417º do Código de Processo Civil, bem assim nos artigos 182º, nº 2 e 135º, nº 2 do Código de Processo Penal.
XII–O acesso a extratos bancários de contas próprias do apelante constituiria uma intromissão na sua vida pessoal muito para além da medida do estritamente necessário mas também desproporcional em relação ao interesse de descoberta da verdade material nos autos e, sendo os verdadeiros valores em presença, de um lado, a protecção da vida pessoal do apelante e de terceiros, e de outro, o interesse da apelada em confundir o decisor do inventário relativamente à propriedade de bens próprios do apelante, não estamos perante um daqueles casos em que o interesse pela descoberta da verdade material prevaleça sobre a protecção de dados pessoais, acrescendo que o princípio da proporcionalidade plasmado nos artigos 2º e 18º da Constituição da República Portuguesa sairia aqui flagrantemente atropelado.
XIII–A apelada não apresenta (nem podia realmente apresentar, por inexistirem) factos que permitam fundadamente considerar que o apelante pudesse estar a ocultar bens, daí resultando que o que argumenta é claramente insuficiente para considerar a escusa do apelante ilegítima.
XIV–Perante esta falta de factos e de alegação por parte da apelada, o Tribunal a quo limitou-se a ditar uma decisão genérica, aliás dirigida a uma Rita ...... que não é parte nestes autos.
XV–Segundo a própria decisão recorrida é imprescindível que o acervo patrimonial comum esteja definido, donde decorre que aquilo que não é comum e que seria arrastado na voragem da violação de sigilo manifestamente tem de ser protegido, o que a decisão recorrida deixa a descoberto,…
XVI–Violando as normas ínsitas nos artigos 2º, 18º e 26º, nº 1 da Constituição, 149º, 417º, nºs. 3 e 4 do Código de Processo Civil, e 135º e 182º, nº 2 do Código de Processo Penal, e 78º a 80º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, cuja correcta aplicação redundaria no indeferimento da quebra de sigilo bancário.
Finda as suas alegações pugnando pela revogação da decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.

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II–OBJECTO DO RECURSO

Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.

Em face das conclusões do recorrente, da tramitação dos autos e da matéria de conhecimento oficioso, as questões a apreciar são as seguintes:
a)-A competência do juízo de família e menores para a apreciação do incidente de dispensa do dever de segredo;
b)-A tempestividade da dedução do incidente;
c)-A verificação dos pressupostos substantivos para o levantamento do dever de segredo de supervisão.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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III– FUNDAMENTAÇÃO

3.1.– FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra e, bem assim, a seguinte factualidade:
1.–Em 3 de Março de 2015 o cabeça-de-casal apresentou relação de bens onde inscreveu duas verbas: quota com o valor nominal de 500,00 € representativa de parte do capital social da sociedade .... – Psiquiatria e Produção Artística, Lda., sociedade comercial por quotas, cujo capital social ascende a 5 000,00 €, a que atribui o valor de 500,00 €; quota com o valor nominal de 2 500,00 € representativa de parte do capital social da Sociedade de Investimentos Imobiliários ....., Lda., sociedade comercial por quotas, cujo capital social ascende a 5 000,00 €, a que atribui o valor de 2 500,00 €.

2.–Em 25 de Março de 2020, a requerida B veio deduzir incidente de levantamento de sigilo bancário onde alegou, entre o mais, o seguinte:

I.– DA CONDUTA DO CABEÇA DE CASAL NOS PRESENTES AUTOS DE INVENTÁRIO

1.-Os presentes autos de inventário iniciaram-se com a apresentação, em 30 de Julho de 2014, do respectivo requerimento pelo posteriormente nomeado Cabeça de Casal.
2.-No dia 14 de Outubro de 2014, o Cabeça de Casal declarou que não se encontrava, naquele momento, em condições de apresentar a relação de bens comuns, requerendo a concessão de um prazo de 30 (trinta) dias para o efeito
3.-Tal facto, já por si, causa alguma estranheza à Requerida, ora Reclamante, porquanto é sua convicção que o Requerente, ao iniciar um processo desta natureza, e bem sabendo que seria nomeado Cabeça de Casal, deveria já ter diligenciado no sendo de apurar que bens integrariam a relação de bens comuns.
4.-Aliás, tendo em consideração que o Requerente tinha obtido, de modo ilícito e susceptível de gerar responsabilidade criminal, acesso à residência da Requerida e aos bens móveis aí existentes, não ocorreu à Requerida que o Requerente tivesse qualquer interesse em adiar este processo - cfr. certidão que se protesta juntar.
5.-Certo é que, findo o prazo concedido, nenhum acto foi praticado, tendo o Requerente, por despacho datado de 04 de Dezembro de 2015, sido notificado para, no prazo de 10 (dez) dias, vir esclarecer a razão de ainda não ter sido apresentada a relação de bens comuns.
6.-Ao referido despacho o Cabeça de Casal veio responder no dia 15 de Dezembro, requerendo novo prazo para juntar a relação de bens, justificando, para o efeito, que tal acto “carece de uma análise exaustiva a vasta documentação a fim de apurar a natureza de uma grande quantidade de bens móveis (nosso sublinhado) e que “ainda não foi possível, por não ser fácil reunir essa documentação, concretizar esse apuramento”.
7.-Aproveitando-se do período festivo que se avizinhava, o Requerente requereu que o prazo anteriormente concedido fosse prorrogado até ao dia 15/01/2015, ou seja, por mais 1 (um) mês.
8.-Chegada essa data, veio o Cabeça de Casal requerer novo prazo de 10 (dez) dias para proceder ao relacionamento dos bens, “em virtude de ainda não lhe ter sido possível, devido aos motivos enunciados no seu anterior requerimento [a existência de uma “grande quantidade de bens móveis’ e de “vasta documentação” que carecia de uma análise exaustiva], determinar, com rigor os bens a relacionar”.
9.-Uma vez mais, o Requerente não apresentou a relação de bens, tendo, no dia 26 de Janeiro de 2015, comunicado ao processo que “no acervo dos bens a partilhar e, consequentemente, a relacionar estão incluídos diversos bens móveis, designadamente quadros, outras obras de arte, e peças decorativas\ estando parte desses bens em poder da Requerida, a qual, alegadamente, se teria apossado dos mesmos “de modo secreto”
10.-Tal facto terá, alegadamente, impossibilitado o Requerente de proceder à sua identificação, “apesar de ter desenvolvido esforços nesse sentido”.
11.-Posto isto, o Cabeça de Casal socorreu-se do disposto no artigo 27.°, n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Inventário para requerer a notificação da Requerida para que esta facultasse o acesso aos bens móveis comuns, designadamente, “quadros, outras obras de arte e peças decorativa
12.-Em 24 de Fevereiro de 2015 foi proferido despacho de indeferimento do pedido de notificação da ora Requerente, donde consta que “não é justificável que o cabeça de casal, e entenda-se também requerente, que teve a iniciativa processual (relembre-se que o processo de inventário deu entrada neste cartório notarial no dia 30 do mês de julho de 2014) e volvidos mais de seis meses desde a interposição da acção, adiou consecutivamente a apresentação da relação dos bens que compõe o património conjugar.
13.-Em tal despacho o Cabeça de Casal foi, ainda, convidado a apresentar uma relação de bens comuns mesmo que incompleta, dado que não ficaria impedido de, em momento posterior, vir aos autos aperfeiçoa-la.
14.-Em 03 de Março de 2015 o Cabeça de Casal apresentou a sua relação de bens, ainda que esclarecendo estar incompleta, donde constavam apenas duas quotas societárias,
15.-E insiste na notificação da Requerida para que a mesma faculte o acesso “à colecção de quadros, outras obras de arte e peças decorativas que tem em seu poder,
16.-Pedido que foi objecto de deferimento pelo Exmo. Senhor Notário.
17.-Notificada de tal despacho veio a Requerida, ora Reclamante, defender-se, a fim de evitar uma pilhagem semelhante à orquestrada pelo Cabeça de Casal em 11 de Junho de 2014, e que deu origem ao processo n.° 2521/14.9TACSC, onde se investigam factos susceptíveis de integrar a prática dos crimes de violação de domicílio, dano e descaminho, pelo Cabeça de Casal — cfr. certidão que se protesta juntar
18.-No referido requerimento pela Requerida foi, ainda, referido que o património do dissolvido casal é substancialmente mais vasto do que as duas quotas societárias relacionadas pelo Requerente, esclarecendo a existência de diversos quadros, colecções de quadros, colecções de outros objectos, mobiliário e objectos decorativos que, embora sendo bens comuns do casal, estão em poder do Cabeça de Casal na sequência da sua introdução ilícita na residência da Requerida.
19.-Deu, ainda, a conhecer ao processo que são, também, bens comuns do casal os constantes do auto de arrolamento elaborado no âmbito da providência cautelar de arrolamento com o n.º 4443/04.2TBCSC, que correu termos no extinto Juízo do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais.
20.-Ora, depois da comunicação de tais factos ao processo, o Cabeça de Casal deveria ter apresentado, sem mais demoras, uma relação de bens exacta e completa.
21.-Porém, teve a ousadia de vir aos autos requerer um novo prazo de 30 (trinta) dias para apresentar “uma relação adicional de bens com base na consulta de pasta documentação existente”.
22.-No mesmo requerimento — e mesmo não tendo sido notificado para o efeito, como se reconhece no despacho de 20 de Maio de 2015 — aproveitou o Cabeça de Casal para se opor ao pedido de prorrogação do prazo de que dispõe a Requerida para reclamar da relação de bens por este apresentada, num acto de supremo descaramento!
23.-Então o Cabeça de Casal (i) não se deu ao trabalho de relacionar os inúmeros bens móveis comuns pertencentes ao dissolvido casal e, (ii), no que respeita às quotas societárias nem tão pouco cumpriu o preceituado no artigo 25.°, n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Inventário, mas exige que a Requerida consiga fazer tal trabalho, no prazo convencionado pela lei, e sem que lhe seja concedida qualquer prorrogação, quando aquele já beneficiou de diversas prorrogações do prazo para apresentar a referida relação de bens?!
24.-Quer o Requerente fazer crer o Exmo. Senhor Notário que a responsabilidade pelo protelamento do processo recai sobre a Requerida e não sobre o Cabeça de Casal, que foi quem requereu, sucessivamente e sem qualquer fundamento, a concessão de novos prazos e a sua prorrogação, com o intuito perverso de conduzir o processo a um ponto em que a Requerida se visse forçada a abrir-lhe as portas da sua residência, quando, na verdade, pouco antes de ter dado origem a este processo de inventário, o Requerente forçou a sua entrada nessa mesma residência, de forma criminalmente punível, e dela furtou tudo quanto desejou e teve oportunidade.
25.-Mais incrível é que ainda sobrou ao Requerente o atrevimento suficiente para, em 15 de Junho de 2015, vir afirmar nos autos que, afinal, e depois de reflectir sobre o assunto,
“os únicos bens que revestem a natureza de bens comuns são os que foram descritos na relação de bens já apresentada, e que “os bens existentes na ex-casa de morada de família, inclusive os que se mostram arrolados, não revestem essa natureza. E isto porque, ou foram adquiridos por terceiros, designadamente, sociedades comerciai/’ ou “já pertenciam ao cabeça de casal antes da celebração do casamento com a interessada” (!)
26.-Que o Requerente venha aos autos relacionar apenas duas quotas societárias, admitindo a existência de outros bens comuns, aos quais, alegadamente, não tem acesso — o que é falso —, ainda se poderia admitir.
27.-Agora, vir declarar que não existem, de todo, outros bens comuns que não as duas quotas societárias, quando, por inúmeras vezes, fez menção, nos seus requerimentos, à existência de “diversos bens móveis, designadamente quadros, outras obras de arte e peças decorativas”, sendo tal existência o fundamento para os sucessivos e intermináveis pedidos de prorrogação dos prazos que lhe foram sendo concedidos trespassa largamente os limite da boa-fé,
28.-Conduta que leva a ora Requerente a concluir que o Cabeça de Casal invocou a existência de bens móveis a relacionar com o exclusivo propósito de entrar na sua residência, fazendo uso ostensivamente reprovável do mecanismo contido no artigo 27.°, n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Inventário para satisfazer propósitos muito próprios e alheios a este processo.
29.-Como é evidente, e os presentes autos o documentam bastamente, o comportamento processual do Requerente tem-se pautado pelo recurso a expedientes dilatórios, pela ocultação de informação e pelo aproveitamento indevido de instrumentos legais.
30.-Tal conduta não só é demonstrativa de um absoluto desrespeito pelo processo, pela ora Requerente e pelo Exmo. Senhor Notário, como também justifica a condenação do Cabeça de Casal como litigante de má-fé, nos termos do artigo 542.°, n.º 1 e 2, al. b), c) e d) do Código do Processo Civil, por remissão do artigo 82.° do Regime Jurídico do Processo de Inventário, o que ora se requer.
31.-Devendo ser condenado em multa e no pagamento de uma indemnização à ora Reclamante, nos termos previstos nos artigos 542.° e seguintes do Código de Processo Civil. […]

III.– DOS BENS COMUNS EM FALTA NA RELAÇÃO DE BENS APRESENTADA PELO CABEÇA DE CASAL

32.-Como já mencionado, e até por várias e sucessivas vezes afirmado pelo Cabeça de Casal ao longo dos autos, pretensão que apenas abandonou quando se apercebeu que não conseguia ter acesso ao imóvel onde reside a ora Reclamante, o património do dissolvido casal é substancialmente mais vasto do que as duas quotas societárias relacionadas. […]
40.-Acresce, ainda, que à data da propositura da acção de divórcio, mais precisamente em 11 de Janeiro de 2005, faziam parte do acervo de bens comuns do casal diversas contas bancárias e activos financeiros titulados pelo Cabeça de Casal.
41.-Não está, contudo, a ora Requerente em condições de as identificar, até porque o Cabeça de Casal tinha o hábito de lhe ocultar informação relevante na constância do matrimónio, e perante a inércia e falta de cooperação deste, vem, muito respeitosamente, requerer a V.a Exa que se digne oficiar o Banco de Portugal para vir ao processo identificar todas as contas, à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e quaisquer activos financeiros titulados ou co-titulados pelo Cabeça de Casal à data da instauração da acção de divórcio, mais precisamente a 11 de Janeiro de 2005, data de produção dos efeitos patrimoniais do mesmo, e identificar a instituição bancária em que as mesmas estão sedeadas.
42.-Obtida essa informação, requerer-se a V. Exa. que sejam tais instituições bancários notificadas para indicar os saldos das identificadas contas bancárias e respectiva cotação de todos os activos existentes em 11 de Janeiro de 2005, data da produção dos efeitos patrimoniais do divórcio,
43.-Tudo informações indispensáveis para o relacionamento de todos os bens comuns do casal. [...]

Deve a presente reclamação ser julgada procedente requerendo-se a V.ª Exa. que se digne: […]
iv.- Oficiar o Banco de Portugal para que venha aos autos informar e identificar todas as contas e todos os activos financeiros, de que era titular o Cabeça de Casal à data da propositura da acção de divórcio e de produção dos seus efeitos patrimoniais, em 11 de Janeiro de 2005;
v.- Serem oficiadas todas as entidades bancárias indicadas pelo Banco de Portugal para informarem do saldo e cotação das contas e activos bancários titulados pelo Cabeça de Casal, depositados e custodiados em instituição bancária ou financeira, à data da interposição da acção de divórcio, 11 de Janeiro de 2005; […]”
3.- Por requerimento de 15 de Março de 2016 e na sequência da reclamação de bens, o cabeça-de-casal apresentou uma nova relação de bens onde, reconhecendo a existência de alguns bens móveis comuns, procedeu à sua relacionação, aditando vinte e oito novas verbas consistentes em quadros, telas, aguarelas, móveis, serviços de loiça e electrodomésticos.

*

3.2.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO

No âmbito do processo de inventário para partilha subsequente a divórcio que A intentou, em 30 de Julho de 2014, no Cartório Notarial de C..., do Exmo. Sr. Dr. LB, que ali corre termos sob o n.º 3173/14, sendo interessada, B, apresentada a relação de bens pelo requerente, nomeado cabeça-de-casal, pela requerida foi deduzida, em 10 de Setembro de 2015, reclamação contra essa relação, onde, entre o mais, acusou a falta de relacionação de contas bancárias e activos financeiros titulados pelo cabeça-de-casal, que referiu não estar em condições de identificar, tendo então solicitado que se oficiasse ao Banco de Portugal no sentido de “identificar todas as contas, à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e quaisquer activos financeiros titulados ou co-titulados pelo cabeça-de-casal à data da instauração da acção de divórcio […] e identificar a instituição bancária em que as mesmas estão sedeadas”.

Tendo sido oficiado ao Banco de Portugal no sentido de prestar a informação pretendida, este respondeu, por ofício de 18 de Outubro de 2019, que tal informação se encontra abrangida pelo dever legal de segredo que impende sobre o Banco de Portugal, nos termos dos art.ºs 80º e 81º-A do RGICSF, pelo que tal informação apenas poderia ser disponibilizada se o cabeça-de-casal e a requerida transmitissem a respectiva autorização consentindo no acesso aos dados.

Notificadas as partes para informarem se prestavam o seu consentimento à disponibilização da informação, o requerente, ora recorrente, comunicou, por requerimento de 31 de Outubro de 2019, que não a autorizava.

Em 25 de Março de 2020, a requerida B deduziu incidente de levantamento de sigilo bancário argumentando com necessidade de estabilização da relação de bens e de realização da justiça e acesso à prova, ao que se opôs o requerente, por requerimento de 20 de Abril de 2020, referindo não existirem quaisquer indícios de comunhão nos saldos das contas bancárias do requerente e/ou de terceiros; mais alegou que o incidente foi deduzido decorridos mais de dez dias após a notificação da sua não autorização e que o tribunal competente para conhecer a questão é o Tribunal da Relação e sustentou também a inexistência de motivo legal para ordenar o levantamento do sigilo bancário, pugnando pela legitimidade da escusa do Banco de Portugal.

Em 19 de Outubro de 2020 o senhor notário ordenou a remessa do incidente de levantamento de sigilo bancário e a resposta, ao tribunal de recurso, que entendeu ser o tribunal competente da área do município do Cartório Notarial, para apreciação do pedido de levantamento do sigilo bancário.

Em 2 de Novembro de 2020, pelo Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz 2, foi proferida a seguinte decisão:
I. RELATÓRIO
Pretensão: que se autorize a prestação de determinadas informações no contexto do levantamento do sigilo bancário junto do Banco de Portugal, por ser necessário ao esclarecimento da verdade sobre o exato acervo patrimonial comum a partilhar em sede de processo de inventário.
Pedido: que se proceda à partilha dos bens comuns do casal entretanto dissolvido.

II.FUNDAMENTAÇÃO
1.- Dos Factos
Além do que consta do precedente relatório, importa considerar como provados os seguintes factos:
1.-Por despacho registado sob a ref.ª 620430, em www.inventarios.pt., proferido no Processo de Inventário com o nº 3173/14 que corre termos no Notário LB, e por se considerar que no processo de inventário devem ser dirimidas todas as questões que importem à exata definição do acervo a partilhar, foi determinado que se oficiasse ao Banco de Portugal para identificar e informar as contas bancárias e ativos financeiros de que os interessados, B e A, eram titulares à data dos efeitos patrimoniais do divórcio - 11/01/2005 – e, em resultado dessas informações se notificassem as instituições bancárias que viessem a ser identificadas para informarem os saldos bancários a 11.01.2005;
2.- Em ofício registado nos autos sob o nº 1879788, veio o Banco de Portugal invocar o seu segredo ao abrigo dos artigos 80° e 81º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras para fundamentar a sua recusa em prestar as informações suscitadas no âmbito do processo de inventário;
3.-Informa ainda aquela instituição que só poderá prestar a informação requerida mediante autorização expressa dos interessados, titulares dos dados;
4.-Em requerimento junto aos autos pelo interessado A (documento registado sob o nº 1884811), o interessado informou não prestar autorização para o levantamento do sigilo bancário;
5. A interessada B, em face da recusa do interessado/cabeça de casal A em prestar o seu consentimento, suscitou o presente incidente de levantamento de sigilo bancário (requerimento registado sob as ref.ªs 2053818 e 2053826);
6.Em requerimento junto aos autos pelo interessado/cabeça de casal A (documento registado sob o nº 2062112), o interessado pugnou pelo desentranhamento do referido incidente;
7. O Senhor Notário proferiu despacho em que determinou o envio do presente incidente para o Tribunal competente da área do Município de Cascais, para apreciação do pedido de levantamento de sigilo bancário deduzido.

*

O Tribunal é competente, uma vez que se trata de um Inventário que corre termos em Cartório Notarial situado em C... e para partilha dos bens comuns de casal cujo casamento já se mostra dissolvido por divórcio decretado.
2.- Apreciação jurídica
A única questão em apreciação é a de se saber se, no caso concreto, deve ou não ser determinada a quebra do sigilo bancário, enquanto realização do interesse público da administração da justiça, face ao interesse privado da proteção dos direitos pessoais, sendo que ambos são direitos constitucionalmente protegidos.
No presente caso, a recusa de prestação de informações por parte do Banco de Portugal alicerça-se no dever de segredo previsto pelo art. 80º do RGICF (DL n° 298/92, de 31.12, versão atualmente em vigor), que abrange também as bases de dados de contas bancárias que cabe ao Banco de Portugal organizar e gerir cfr. art. 81º – A do mesmo diploma legal.
Contudo, estes elementos/dados cobertos pelo dever de segredo podem ser revelados nos termos previstos pela lei penal e processual penal, nos termos do art. 80°, nº 2 parte final do RGICF e, tratando-se, como se trata, de uma situação de natureza cível, do artigo 417 do Código de Processo Civil.
Também o art. 81º-A do RGICF prevê a possibilidade de comunicação de tais dados a qualquer autoridade judiciária e a outras, nomeadamente Autoridade Tributária e Aduaneira, IGFSS e agentes de execução.
A questão centra-se, assim, em saber se a recusa do Banco de Portugal em prestar as informações pedidas pelo Senhor Notário está ou não legitimada nos termos dos arts. 78° do DL nº 298/92 e 417, n° 3 – c) e 4 do Código de Processo Civil ou se, pelo contrário, estando as entidades bancárias também vinculadas ao dever de colaboração no âmbito da prova, deve prestar as informações solicitadas.
Enquanto princípio geral do dever de colaboração das partes na realização da justiça, cumpre ter presente que a escusa de prestação de informações não é um direito absoluto, devendo ceder nas situações em que está em causa a realização dessa mesma justiça.
É entendimento de há já longo tempo, o que se escreveu no Ac. do STJ de 14.01.1997, no BMJ 463, pág. 472: "esse direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto, de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito ao acesso à justiça (a menos que, contra o “civilizado” artigo 1.° do Código de Processo Civil, se privilegiasse a “justiça” privada) ou, por exemplo, o dever de colaboração, tradicional no processo civil português".
Importa ainda, no âmbito da interpretação do citado art. 417° e tendo em causa a natureza dos interesses em confronto, analisar se o requerido levantamento do sigilo bancário pode ou não integrar fundamento para a escusa dessa dispensa e dever de sigilo, face aos princípios norteadores do Código de Processo Penal, para que o preceito civil remete.
Analisando, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 135° do Código de Processo Penal, nomeadamente os seus nºs 1 a 3, temos que, no que ao caso dos autos importa, é permitida a requerida quebra de sigilo bancário "(...) sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos (...)"
Com as necessárias adaptações, sempre podemos afirmar que as informações que se pretendem não visam a devassa da vida económica e financeira do requerido enquanto titular ou cotitular de contas bancária, mas antes se destinam a apurar, com rigor, o acervo patrimonial comum a partilhar em sede de Inventário.
Com efeito, para a decisão da partilha a efetuar, é imprescindível que o acervo patrimonial comum a partilhar esteja definido, apurado e identificado com rigor e exatidão, sob pena de ser, o resultado final da partilha a efetuar, injusto. E todos os interessados na partilha, no caso a interessada Rita ...... tem um legítimo direito a fazer prova da existência e valor dos bens comuns que constituem o acervo comum a partilhar, nomeadamente, através de elementos que estão na posse de uma entidade bancária e que podem, de forma clara, contribuir para a justa composição da partilha a realizar. Negar-lhe tal direito seria, no caso, subverter os próprios princípios que norteiam a realização da justiça.
Essa é, aliás, a razão pela qual o citado DL. 298/92 vem afirmar, no seu art. 80º, nº 2, parte final, que os factos sujeitos a segredo sempre poderão ser conhecidos nos termos previstos na lei penal, lei processual penal, bem como do processo civil, por remissão daquele.
III.-DECISÃO
Consequentemente e de harmonia com as disposições legais citadas, decide-se autorizar a quebra de sigilo bancário, devendo o Banco de Portugal identificar e informar as contas bancárias e ativos financeiros de que os interessados, B e A, eram titulares à data dos efeitos patrimoniais do divórcio - 11/01/2005.
Sem custas.
Devolva os autos.”

Com a aprovação do novo regime jurídico do processo de inventário pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, ocorreu a desjudicialização deste procedimento (já intentada pela Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, que, porém, nunca chegou a entrar em vigor), de modo que o notário passou a assumir um papel nuclear na tramitação do inventário, que se tornou num processo essencialmente tramitado nos cartórios notariais, ainda que o mapa de partilha continue a carecer sempre de homologação judicial - cf. art.º 66º, n.º 1 do RJPI.
Tendo em conta que o presente inventário foi instaurado em 30 de Julho de 2014, aplica-se-lhe o RJPI em referência, que entrou em vigor em 2 de Setembro de 2013.
Nos termos do art. 3º do RJPI, compete aos cartórios notariais efectuar o processamento dos actos e termos do processo de inventário, estando o notário incumbido de dirigir todas as diligências do processo e de decidir todas as questões controvertidas que nele se suscitem.
A transferência de competências para os cartórios notariais visou, como é sabido, aliviar a pressão processual sobre os tribunais, libertando-os para tarefas em que a sua intervenção é essencial, conferindo maior celeridade ao procedimento, através da simplificação das regras e trâmites – cf. neste sentido, Sofia Henriques, O Regime de Impedimentos e Suspeições do Notário no âmbito do Processo de Inventário, Julgar, n.º 24, 2014, pág. 131.
No entanto, a função e a finalidade do processo de inventário não sofreram alterações, pois que se destina, como antes, a descrever, avaliar e partilhar um determinado acervo patrimonial, de tal modo que no seu decurso podem suscitar-se controvérsias de natureza privada que impõem a prolação de uma decisão jurídica dotada de autoridade.
O RJPI estabelece um “sistema mitigado”, pois atribuiu competência ao notário para tramitar e instruir o processo, que corre os seus termos no cartório notarial e, simultaneamente, atribuiu competência ao juiz para intervir no processo em situações pontuais e expressamente previstas na lei, reservando-se o direito de acção judicial relativamente às questões que, pela sua natureza ou complexidade da matéria de facto e de direito, não devam ser decididas no processo de inventário e devem ser decididas pelo juiz do tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado – cf. art.º 3º, n.º 7, na redacção anterior à Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro (com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2020) e art. 16º do RJPI.
Assim, a regra é a de que o notário tem competência para efectuar o processamento dos actos e termos do processo de inventário, cumprindo ao juiz proferir a sentença de homologação da partilha, momento em que aferirá da validade dos actos praticados e da legalidade e regularidade do processo – cf. neste sentido, Carla Câmara, Carlos Castelo Branco, João Correia e Sérgio Castanheira, Regime Jurídico do Processo de Inventário Anotado, Almedina, Coimbra 2013, pág. 35 apud acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-05-2017, relatora Ana Paula Amorim, processo n.º 271/13.2TMPRT-A.P1[6] [7].
Desde logo, o notário tem competência para decidir todos os incidentes do inventário e as demais questões incidentais que possam colocar-se - por exemplo, a arguição de nulidade de citações e/ou notificações, cuja realização é levada a cabo com observância das formalidades previstas no Código de Processo Civil – cf. art.ºs 14.º e 6.º do RJPI.
Nos incidentes do processo de inventário, ao notário cumpre promover a realização das diligências probatórias requeridas pelas partes, designadamente a inquirição das testemunhas que tiverem sido arroladas, e, finda a instrução que deva ter lugar, estabelecer as questões relevantes para a decisão do incidente (ou seja, em boa verdade, cabe-lhe julgar os factos provados e não provados) que, em princípio, lhe compete proferir – cf. art.ºs 14º, n.º 1, 15º, n.ºs 2 a 4 e 6 do RJPI.
Compete-lhe ainda apreciar as questões suscitadas no âmbito da oposição ao inventário, onde pode ter lugar a avaliação do valor indicado pelo cabeça-de-casal para cada um dos bens constantes da relação apresentada e, bem assim, a reclamação deduzida contra a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal – cf. art.ºs 33º, n.º 2 e 35º, n.º 3 do RJPI.
Quando a complexidade da matéria de facto ou de direito tornar inconveniente a decisão incidental, o notário está obrigado a abster-se de decidir e a remeter os interessados para os meios judiciais comuns – cf. art.ºs 16º, n.º 2 e 36º, n.º 1 do RJPI.
Todavia, se o notário tem uma competência genérica e ampla e o juiz apenas a possui para praticar os actos que exijam a sua intervenção, que de acordo com o RJPI são diminutos, certo é que o notário e qualquer interessado possuem o dever e o direito, respectivamente, de suscitarem a questão que entendam que sai da esfera da competência do notário, assegurando-se, desse modo, a reserva do juiz e o respeito por tal garantia constitucional durante toda a tramitação do processo – cf. art. 16º do RJPI e art.ºs 202º e 203º da Constituição da República Portuguesa.

Neste sentido, atente-se no referido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-06-2018, relator Aristides Rodrigues de Almeida, processo n.º 379/18.8T8GDM.P1:
“O juiz dispõe, por sua vez, de uma dupla competência no processo de inventário: por um lado, competência própria; por outro, competência de decisor em sede de recurso.
No exercício da competência própria, ao juiz cível territorialmente competente cabe proferir, nos termos do n.º 1 do artigo 66.º do RJPI, a «decisão homologatória da partilha constante do mapa e das operações de sorteio», decisão da qual cabe recurso de apelação para o Tribunal da Relação, nos termos do Código de Processo Civil (cf. n.º 3). Entre os actos da competência própria do juiz especificamente compreendidos na tramitação própria do processo de inventário, deve referir-se ainda a designação do cabeça-de-casal no caso de todas as pessoas referidas no artigo 2080.º do Código Civil se escusarem ou serem removidas (artigo 2083.° do Código Civil), bem como a decisão homologatória do acordo dos interessados que ponha termo ao processo de inventário na conferência, nos termos do disposto nos artigos 48.º, n.º 7, e 66.º, n.º 1, do RJPI.
A par destes actos, outros haverá que por se projectarem para lá dos interesses privados em conflito, só por um tribunal poderão ser praticados, pelo que o processo deverá ser remetido ao juiz para, ainda que por via incidental, proferir decisão no âmbito do processo de inventário (neste sentido, quanto ao levantamento do sigilo bancário ou dispensa de confidencialidade de certos dados a apresentar como meio de prova, cf. Eduardo Sousa Paiva e Helena Cabrita, Manual do processo…, cit., pág. 20, embora haja que anotar que tal referência não obsta a que a competência em razão da hierarquia para conhecimento desse incidente deva ser acatada).
Tal como tem competência para praticar determinados actos do processo de inventário, o juiz tem ainda competência para sindicar as decisões proferidas pelo notário, sempre que delas couber recurso para o Tribunal.”
Para o inventário subsequente a divórcio, para partilha dos bens comuns do dissolvido casal, como é o caso dos autos, é competente o cartório notarial sediado no município do lugar da casa de morada de família ou, na falta desta, o cartório notarial competente nos termos do art. 3º, n.º 5, a) do RJPI – art. 3º, n.º 6 deste diploma legal.
Nos termos do art. 122º, n.º 2 da Lei da Organização do Sistema Judiciário aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto[8], os juízos de família e menores exercem as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de divórcio.
O processo segue a tramitação prevista no art. 79º do RJPI, ou seja, no cartório notarial competente, podendo ser remetido, por determinação do notário, para mediação (cf. n.º 3).

Eduardo de Sousa Paiva, in O Novo Processo de Inventário – Traves Mestras da Reforma – Tutela Jurisdicional – Algumas Questões, pág. 113[9], delimita três grupos de situações em que o RJPI prevê expressamente e regulamenta a intervenção do juiz no processo de inventário:
1)-Decisão dos recursos e das impugnações dos actos do notário;
2)-Decisões de homologação de partilha; e
3)-Intervenção em matéria de custas e honorários notariais.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-05-2017, relatora Ana Paula Amorim, processo n.º 271/13.2TMPRT-A.P1 refere-se como integrando a competência do juiz das secções de família e menores, entre outros, a prática dos seguintes actos:
i.-Apreciação do recurso do despacho que indefere a remessa para os meios judiciais comuns – cf. art. 16º, n.º 2 do RJPI; cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9-01-2017, relator Jaime Carlos Ferreira, processo n.º 782/16.8T8PBL.C1;
ii.-Impugnação do despacho determinativo da forma da partilha – cf. art. 57º, n.º 4 do RJPI;
iii.-Proferir decisão homologatória da partilha constante do mapa e das operações de sorteio – cf. art. 66º, n.º 1 do RJPI;
iv.-Admitir o recurso da sentença de homologação da partilha;
v.-Decidir os incidentes suscitados ao abrigo do disposto nos art.ºs 24-B e 26º-I da Portaria n.º 278/2013 de 26/08, na redacção conferida pela Portaria n.º 46/2015 de 23 de Fevereiro; e
vi.-Apreciação de questões colocadas pelo notário ou pelos interessados e relacionadas com a natureza do inventário, ao abrigo do disposto no art.º 16º do RJPI.
Eduardo de Sousa Paiva, realçando o direito fundamental dos cidadãos de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e o direito a obter uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (cf. art.º 20º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa) considera que importa reconhecer aos interessados a possibilidade de reagirem perante outras decisões notariais, para o que refere ser necessário integrar as lacunas que se detectarem no RJPI, convocando a aplicação analógica da norma do n.º 4 do art. 16º daquele regime, de modo a aceitar a impugnação judicial de decisão notarial em situações não expressamente previstas – cf. op. cit., pág. 117.
Embora esta dificuldade se tenha colocado no contexto das competências do juiz enquanto juiz de recurso no processo de inventário, outras dificuldades são identificadas, designadamente, quanto à extensão dos poderes do notário no contexto probatório, posto que lhe incumbe decidir os incidentes que a tramitação do inventário suscita, matérias que são consideradas definitivamente resolvidas, formando caso julgado (cf. art. 17º, n.º 1 do RJPI), sendo, precisamente, a aplicabilidade do vertido no art. 417º do CPC, uma das questões inicialmente suscitadas aquando da entrada em vigor do RJPI[10].
Ora, em sede de reclamação sobre a relação de bens apresentada pelo requerente, a requerida, ora recorrida, apontou a falta de relacionação dos valores existentes em contas bancárias e, bem assim, activos financeiros, titulados pelo cabeça-de-casal, que existiriam à data do divórcio mas cuja identificação desconhece porque, segundo alega, disso o requerente nunca lhe deu conhecimento, pelo que solicitou a notificação do Banco de Portugal para identificar todas as contas, à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e quaisquer activos financeiros titulados ou co-titulados pelo cabeça-de-casal à data da instauração da acção de divórcio e identificação da instituição bancária onde estão sedeadas.
A prática deste acto – ou seja, a notificação do Banco de Portugal para a prestação de tais informações -, conforme resulta do acima expendido, não está afecta à competência do juiz, incumbindo, assim, ao notário ordenar a diligência, se assim se impuser, para efeitos de proferir decisão sobre a existência dos bens e a pertinência da sua relacionação, nos termos dos art.ºs 35º, n.º 3 e 17º do RJPI.
No caso concreto, entendeu o senhor notário – e bem, crê-se -, que as diligências requeridas pela apelada – obtenção de informações bancárias - não justificavam a intervenção do juiz, daí que tenha o próprio ordenado que se oficiasse ao Banco de Portugal para prestar tais informações, o que se deve entender constituir procedimento ainda inserido no âmbito dos poderes atribuídos ao notário para promover os termos do processo, enquanto questão/incidente próprio do processo de inventário e que nele deve ser resolvida, conforme decorre aliás de múltipla jurisprudência – cf. art.º 3º, n.º 4 do RJPI; neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22-05-2017, relatora Ana Paula Amorim, processo n.º 271/13.2TMPRT-A.P1 acima mencionado e de 21-01-2014, relator Rodrigues Pires, processo n.º 664/04.6TJVNF-C.P1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 9-07-2015, relator Manuel Bargado, processo n.º 33/08.9TMBRG-C.G1 e de 12-09-2011, relatora Ana Paula Amorim, processo n.º 3553/06.6TJVNF-D.P1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 2-02-2021, relatora Cristina Maximiano, ora primeira adjunta, processo n.º 2450/20.7T8ALM-A.L1-7.
No entanto, como se expendeu acima, o notário pode e deve suscitar junto dos Tribunais questões que ultrapassam a sua competência regular.
Por outro lado, apesar da letra do art. 16º do RJPI, podem ocorrer duas situações distintas: a concreta questão colocada deve ser apreciada no âmbito do processo de inventário mas contende com matérias que constituem reserva da competência do juiz; ou a questão deve ser apreciada em acção própria a instaurar para resolução do litígio. No primeiro caso, o notário poderá remeter o processo ao juiz para apreciação da concreta questão colocada e no segundo, serão as partes remetidas para os meios comuns.
Sucede, pois, que o Banco de Portugal se escusou a prestar as informações pretendidas escudando-se no dever legal de segredo que sobre si impende, nos termos dos art.ºs 80º e 81º-A do RGICSF, o que originou a notificação das partes pelo notário para indicarem se prestavam o seu consentimento para que a informação fosse facultada, ao que se opôs o cabeça-de-casal, ora recorrente.
Confrontada com esta não autorização, a requerida deduziu incidente de levantamento de sigilo bancário, invocando o estatuído no art.º 417º do CPC, de aplicação subsidiária ao processo de inventário, face ao disposto no art. 82º do RJPI, ao que também se opôs o cabeça-de-casal.
Assim, em 19 de Outubro de 2020 o senhor notário ordenou, nos termos do art. 135º, n.ºs 2 e 3 do CPP ex vi art. 417º, n.º 4 do CPC, a remessa do incidente de levantamento de sigilo bancário e a resposta ao tribunal de recurso, que entendeu ser o tribunal competente da área do município do Cartório Notarial, para apreciação do pedido de levantamento do sigilo bancário, na sequência do que foi proferida a decisão ora sob recurso.
A leitura da decisão permite constatar que a 1ª instância, tendo por pressuposto, ao que se depreende, a legitimidade da recusa por parte do Banco de Portugal, conheceu, desde logo, do mérito do incidente de dispensa do dever de segredo determinando a respectiva quebra e ordenando que o Banco de Portugal identificasse e informasse sobre as contas bancárias e activos financeiros de que os interessados no inventário eram titulares à data dos efeitos patrimoniais do divórcio.
Estatui o art. 78º, n.º 1 do RGICSF, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 157/2014, de 24 de Outubro, com início de vigência a 23 de Novembro de 2014, o seguinte: “Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional, não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
E o n.º 2 dispõe: “Estão designadamente sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e os seus movimentos e outras operações bancárias”.

Os sujeitos do dever de segredo são os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional.
Os sujeitos activos do dever, ou titulares do direito ao sigilo, são os clientes bancários e a própria instituição de crédito.

Tal como refere Joana Amaral Rodrigues, in Segredo Bancário e Segredo de Supervisão, pág. 63[11]:
“O âmbito subjetivo descrito relaciona-se, naturalmente, com o objeto de tutela do segredo bancário. Estão em causa informações sobre factos ou elementos respeitantes à (i) vida da instituição ou (ii) às relações desta com os seus clientes, cujo conhecimento advenha, aos sujeitos passivos do dever, exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. Assim, tais informações “só estão sujeitas a segredo se o seu conhecimento estiver intimamente ligado ao exercício da profissão”, o que significa que não relevará, para efeitos da tutela conferida por este segredo profissional, o segredo cujo conhecimento tenha sido obtido fora desse exercício – haverá, pois, que estar identificado um nexo de causalidade entre o conhecimento e o exercício da função ou serviço. Por outro lado, factos do conhecimento público, mesmo que ligados ao exercício da profissão, não se encontram abrangidos pelo dever de segredo, já que não são suscetíveis de ser considerados conhecidos exclusivamente por decorrência da função ou serviço exercidos.”
Subjacente à tutela do segredo bancário está o direito à reserva da intimidade da vida privada, como tem vindo a ser reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência.
A reserva da intimidade da vida privada constitui um primacial e fundamental bem jurídico protegido, o que significa que o segredo bancário está relacionado com direitos fundamentais com a inerente tutela constitucional – cf. artigo 26º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Os dados relativos às operações passivas e activas resultantes do movimento das contas bancárias e saldos existentes integram a esfera da reserva à intimidade da vida privada de cada pessoa.
Gomes Canotilho e Vital Moreira referem a este propósito, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 181.
“O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (n° 1, in fine, e n° 2) analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (cfr. Cód. Civil, art. 80°). Alguns outros direitos fundamentais funcionam como garantias deste: é o caso do direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência (art. 34°), da proibição de tratamento informático de dados referentes à vida privada (art. 35°-3); instrumentos jurídicos privilegiados de garantia deste direito são igualmente o sigilo profissional e o dever de reserva das cartas confidenciais e demais papéis pessoais (cfr. Cód. Civil, arts. 75° a 78°). Aliás, a Constituição incumbe a lei de garantir efectiva protecção a esse direito (n° 2), compreendendo-se essa preocupação suplementar face aos sofisticados meios que a técnica hodierna põe à disposição da devassa da vida privada e da colheita de dados sobre ela.”
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem seguido o entendimento de que as operações bancárias integram a esfera de reserva da vida privada, conforme se afere, a título de exemplo, no acórdão n.º 278/95, de 31 de Maio de 1995, processo n.º 510/91, disponível in www.tribunalconstitucional.pt:
“[…] a situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito. De facto, numa época histórica caracterizada pela generalização das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes designadamente às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido.”
No mesmo sentido, pode-se confrontar o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2005, processo n.º 514/2005, Diário da República n.º 243/2005 Série II de 2005-12-21.
E ainda, o acórdão n.º 145/2014 do mesmo Tribunal, de 14-02-2014, relator Carlos Fernandes Cadilha, processo n.º 521/2013, onde se aponta também para a restrição do sigilo em face de valores igualmente passíveis de protecção:
“[…] o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de protecção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26º, n.º 1, da Constituição da República.
Essa conclusão, assente na ideia de que a posição económica de cada um não deixa de ser uma projecção externa da pessoa, constituindo um dado individualizador da sua identidade […]
Para além disso, reconhece-se que o segredo bancário se localiza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes.
Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” (acórdão n.º 42/2007) e é mais susceptível a “restrições (impostas) pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (acórdão n.º 278/95).”
Para além da protecção de interesses de ordem individual, a instituição do segredo bancário visa ainda a salvaguarda do interesse público quanto ao correto e regular funcionamento da actividade bancária.

Como refere Joana Amaral Rodrigues, op. cit., pp. 65-66:
“Com efeito, e como se afirma no já referido Acórdão do TC n.º 278/95, “a instituição do segredo bancário contribui, assim, juntamente com outros factores, para a criação de um clima de confiança, que se revela de importância fundamental para o correcto e regular funcionamento da actividade creditícia e, em especial, no domínio do incentivo ao aforro”. Também no Acórdão do TC n.º 442/2007 se identifica esta “dupla ordem de interesses”: o segredo bancário “desde sempre esteve institucionalmente presente na actividade deste sector económico, como factor e garantia do funcionamento eficiente do sistema”. Mais sublinha o TC a dimensão pessoal, referindo-se à “recondução [da fundamentação jurídica do regime], por largos sectores doutrinais e jurisprudenciais, à tutela da privacidade”, com o que “o instituto rompeu as fronteiras da relação contratual banqueiro-cliente, para assumir uma dimensão e implicações jurídico-constitucionais” – cf. op. cit., pp. 65-66.
Note-se, contudo, que aquilo que está aqui em causa é a informação sobre a existência de contas bancárias, sua identificação e titulares e ainda sobre a existência de activos financeiros, por referência à data em que o divórcio produziu efeitos patrimoniais, sendo que no contexto do processo de inventário apenas a entidade Banco de Portugal foi notificada para prestar tais informações (a notificação de eventuais instituições bancárias para informar sobre os valores depositados ou sobre os montantes dos activos financeiros dependerá do fornecimento da informação sobre a existência de contas bancárias e onde se encontram sedeadas, pelo que a eventual necessidade de promover a dispensa de sigilo bancário relativamente a essas outras informações dependerá da eventual recusa que as instituições bancárias venham a manifestar, uma vez notificadas para tanto).
Ora, o art. 80º, nº 1 do RGICSF impõe o dever de segredo a todos os que exerçam (ou tenham exercido) funções no Banco de Portugal, bem como a todos aqueles que lhe prestem (ou tenham prestado) serviços a título permanente ou ocasional, relativamente a factos cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício daquelas funções ou da prestação destes serviços[12].
O n.º 2 desse normativo legal preceitua: “Os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados mediante autorização do interessado, transmitida ao Banco de Portugal, ou nos termos previstos na lei penal e de processo penal”.

Por sua vez, o art.º 81º-A do RGICSF, na redacção da Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio, vigente à data da reiteração do pedido e da comunicação do Banco de Portugal, estatui:
1- O Banco de Portugal organiza e gere uma base de dados relativa a contas de depósito, de pagamentos, de crédito e de instrumentos financeiros, denominada base de dados de contas domiciliadas no território nacional em instituições de crédito, sociedades financeiras ou instituições de pagamento, adiante designadas entidades participantes.
2- A base de dados de contas contém os seguintes elementos de informação:
a)- Identificação da conta e da entidade participante onde esta se encontra domiciliada;
b)-Identificação dos respetivos titulares e das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, mandatários ou outros representantes;
c)- Data de abertura e de encerramento da conta. […]”

Trata-se aqui de um outro tipo de segredo profissional ou, como se entendeu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-06-2012, relatora Maria João Romba, processo n.º 394/10.0TTTVD-A.L1-4, de uma modalidade do segredo profissional a que se refere o Capítulo III do Título VI do RGICSF, isto é, do segredo de supervisão imposto ao Banco de Portugal, configurado por uns como modalidade de segredo bancário e, por outros, como modalidade autónoma de segredo profissional – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pág. 228.
Atente-se que o art. 84º do RGICSF determina ainda que “sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, a violação do dever de segredo é punível nos termos do Código Penal”.

Sobre o segredo de supervisão do Banco de Portugal discorre Joana Amaral Rodrigues, op. cit., pp. 70-71, nos seguintes termos:
“Trata-se de um outro tipo de segredo profissional, que não se confunde com o segredo bancário, designadamente ao nível dos sujeitos passivos, do objeto, do bem jurídico tutelado e, sobretudo, das exceções legalmente previstas (cujo regime é assinalavelmente diverso).
São sujeitos passivos, ou destinatários, do dever de segredo de supervisão, nos termos do artigo 80.º, as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções no Banco de Portugal, bem como as que lhe prestem ou tenham prestado serviços a título permanente ou ocasional. São-no ainda as autoridades, organismos e pessoas que participem na troca de informações prevista no artigo 81.º do RGICSF (“Cooperação com outras entidades”) – cfr. o n.º 5.
Relativamente aos sujeitos ativos do dever, podem desde logo identificar-se as instituições de crédito supervisionadas, com deveres de informação e reporte ao Supervisor; mas também, indiretamente, os clientes bancários dessas instituições, na medida em que a informação coligida pelo Supervisor possa respeitar-lhes.
Delimitando o âmbito objetivo, podemos considerar estarem em causa informações sobre factos cujo conhecimento advenha, aos sujeitos passivos do dever, exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços no Banco de Portugal, no contexto do exercício, por este Banco, das respetivas atribuições de Supervisor do sistema bancário e financeiro. Assim, também neste caso, e como já referido a propósito do segredo bancário, factos do conhecimento público não se encontram abrangidos pelo dever de segredo (v.g. factos constantes de um Relatório e Contas de uma instituição supervisionada).
A lei não especifica, como o faz para o segredo bancário (em que inclusivamente designa), que informação está abrangida pelo segredo de supervisão. Em nossa opinião, pode entender-se que o dever de segredo de supervisão abrange informação já coberta pelo segredo bancário – factos e elementos respeitantes às relações da instituição com os seus clientes e, especialmente, factos e elementos atinentes à vida da instituição. Note-se que as instituições de crédito não podem opor ao Banco de Portugal o dever de segredo (alínea a) do n.º 2 do artigo 79.º) e estão vinculadas a estritos deveres de informação (artigo 120.º do RGICSF).
Assim, o segredo de supervisão abrange factos e elementos comunicados por instituições de crédito, ou nelas recolhidos, respeitantes em especial à sua vida interna (mas também a clientes). Há ainda que considerar, quanto a este ponto, que a autoridade de supervisão pode transformar qualitativamente a informação transmitida ou recolhida, coligindo, tratando e produzindo nova informação.”
O bem jurídico protegido pelo dever de segredo de supervisão continua a ser o direito à reserva da intimidade da vida privada sobretudo nas zonas de sobreposição, quanto à informação abrangida, com o segredo bancário, mas também o interesse público na efectividade ou eficácia da supervisão, essencial à salvaguarda da estabilidade do sistema financeiro, bem jurídico constitucionalmente previsto no artigo 101.º da Constituição da República Portuguesa, sendo o segredo de supervisão necessário ao estabelecimento da confiança.
Ao poder do supervisor de exigir a prestação de todas e quaisquer informações necessárias ao exercício da supervisão há-de corresponder o dever de manter sigilo sobre as informações assim obtidas ou recolhidas, com o que se visa assegurar o interesse da comunidade na discrição e reserva de determinados grupos profissionais, como condição do seu desempenho eficaz e salvaguarda da estabilidade do sistema financeiro.
Todavia, nem o dever de sigilo profissional nem o de sigilo bancário, assim como o dever de segredo de supervisão, são deveres absolutos, daí que possam ceder face à necessidade de salvaguardar outros direitos, nomeadamente, aqueles que contendem com o direito de acesso à justiça e à tutela efectiva que aquele visa alcançar, tal como constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
Por essa razão, o art. 79.º, n.ºs 1 e 2 do RGICSF consagra excepções ao dever de sigilo, estabelecendo, assim como o n.º 2 do art. 80º do mesmo diploma legal estabelece que “Os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados mediante autorização do interessado, transmitida ao Banco de Portugal, ou nos termos previstos na lei penal e de processo penal.”
Esta norma, ao referir-se aos termos previstos na lei penal e de processo penal, integra uma remissão para o disposto no artigo 135.º do CPP, ou seja, para o incidente jurisdicional de quebra ou levantamento do segredo nele previsto.
A revelação dos factos e elementos cobertos pelo dever de segredo bancário no âmbito do processo civil não se encontra expressamente prevista seja no art. 79º, n.º 2, seja no art.º 80º do RGICSF, mas deve ter-se por permitida em face da previsão do n.º 4 do art. 417º do CPC[13]. Logo, o tribunal superior poderá dispensar o sigilo bancário se considerar mais relevante o interesse civil a satisfazer com a sua quebra – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 227.
No contexto do direito civil e direito processual civil, o art. 2º, n.º 2 do CPC reflecte a garantia constitucional de acesso aos tribunais, pois que estabelece que a todo o direito corresponde uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.
Por sua vez, o art.º 417º do CPC prevê o dever de cooperação para a descoberta da verdade que recai sobre todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, incumbindo-lhes, designadamente, facultar o que for requisitado e praticar os actos que forem determinados – cf. n.º 1.
E ainda que a alínea c) do n.º 3 do art. 417º do CPC reconheça a legitimidade da recusa de colaboração com fundamento em violação do sigilo profissional, logo o n.º 4 vem permitir que seja deduzida escusa desse dever, mandando aplicar com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
Por força do disposto no art. 135º, n.º 3 do CPP, no que ao segredo profissional diz respeito, o tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado pode decidir a sua quebra sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante e a necessidade de protecção dos bens jurídicos em causa, sendo a intervenção suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
Neste contexto, atente-se, também, que nos termos do disposto no art.º 573º do Código Civil “A obrigação de informação existe, sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias.”
Este normativo abrange todos os casos em que uma pessoa, para definir o seu direito ou determinar o respectivo conteúdo, necessita da informação de um terceiro que esteja, por quaisquer especiais razões, em condições de a prestar, como sucede, como referem Pires de Lima e Antunes e Varela, no caso de se pretender saber de terceiro onde se encontrava certo objecto à data da morte do seu titular, para efeitos de eventual determinação de um legatário – cf. Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 589.
Assim, quem esteja em situação de prestar informação sobre a existência ou o conteúdo de um direito (seja este real, obrigacional, social, intelectual, familiar, sucessório) está obrigado a prestá-la ao alegado titular que tenha fundadas dúvidas sobre essa existência ou conteúdo.
Quando judicialmente exercido, o direito à informação pode ter lugar em sede de acção declarativa instaurada para esse efeito ou na pendência de outro processo, aplicando-se então o disposto no art. 417º do CPC, cabendo, como se disse, ao julgador verificar a ocorrência dos pressupostos do direito à informação e a necessidade ou utilidade desta – cf. neste sentido, Código Civil Anotado, Volume I, “ª Edição Revista e Actualizada, Ana Prata (Coord.), pág. 771.
A remessa legal efectuada pela lei de processo quanto ao regime da quebra do segredo profissional para o previsto no CPP justifica-se pela razão de não ser adequado prever no contexto das acções cíveis um regime mais facilitado ou menos solene de apreciação das escusas apresentadas.
Assim, o art. 135º, n.º 3 do CPP estatui o procedimento a adoptar e a competência para a decisão, nomeadamente, o critério a seguir na apreciação do pedido de dispensa de sigilo (ressalvadas as possibilidades do segredo religioso e do segredo de Estado – art.ºs 135º, n.º 5 e 137º do CPP).

Ora, suscitada a escusa, como refere Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 363, e do ponto de vista procedimental, podem configurar-se três situações:
“- invocada a escusa e havendo dúvidas fundadas sobre a invocação, é ao juiz da causa que compete proceder às averiguações necessárias e – caso conclua pela ilegitimidade da escusa – determinar a forma de cooperação requerida;
- sendo a escusa fundada em sigilo efectivamente existente, é ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver suscitado que incumbe decidir da efectiva prestação da cooperação requerida, com preterição do dever de sigilo, face ao princípio da prevalência do interesse preponderante;
- estando em causa sigilo profissional, a decisão do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão com ele relacionada, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a tal organismo seja aplicável.”
Resulta do disposto no n.º 3 do art. 135º do CPP que a escusa com fundamento em sigilo efectivamente existente deve ser suscitada junto do Tribunal de 1ª instância e cumpre ao Tribunal da Relação decidir o incidente de dispensa do sigilo, determinando qual o interesse que, em concreto, deve prevalecer, ponderando, por um lado, o interesse na realização da justiça e a tutela do direito à produção da prova pela parte onerada e, por outro, o interesse tutelado com o estabelecimento do dever de sigilo, sobremaneira o interesse da outra parte na reserva da vida privada, a tutela da relação de confiança e a dignidade do exercício da profissão.
Como se retira do texto do acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2008, de 13 de Fevereiro de 2008, publicado no DR I Série de 31-03-2008:
“Da leitura do preceito [135º do CPP] ressalta o tratamento distinto entre as situações de legitimidade e de ilegitimidade de escusa de prestação de depoimentos ou informações por parte das entidades bancárias às autoridades judiciárias.
Quando se pode afirmar que a escusa é legítima? A legitimidade da escusa não pode deixar de resultar do cumprimento de um dever legal, isto é, do cumprimento do dever de segredo a que a instituição bancária está obrigada. A medida da legitimidade da escusa é, pois, a da extensão do segredo bancário.
Em contrapartida, haverá ilegitimidade da escusa quando o facto ou elemento solicitado não estiver compreendido no âmbito do sigilo bancário (n.º 2 do citado artigo 78.º) ou tiver havido consentimento por parte do titular da conta (4).”
Assim, detectam-se duas situações distintas: as de legitimidade de escusa e as de ilegitimidade de escusa da prestação de informações por parte das entidades bancárias às autoridades judiciárias.
A escusa é legítima quando resulta do cumprimento de um dever legal, ou seja, do cumprimento do dever de segredo a que a instituição bancária está obrigada nos termos dos art.ºs 78º e 80º do RGICSF; a escusa é ilegítima quando o facto ou elemento solicitado não estiver compreendido no âmbito do sigilo bancário ou quando tiver havido consentimento do titular da conta.
O nº 2 do art. 135º do CPP reporta-se ao caso da ilegitimidade da escusa, que pode ocorrer quando os elementos pretendidos não estão legalmente cobertos pelo segredo bancário ou porque houve autorização do titular da conta, caso em que é o próprio tribunal onde ela é invocada que ordena, oficiosamente ou a pedido, a prestação das informações, não podendo a instituição bancária subtrair-se ao cumprimento do ordenado.
Nas situações de legitimidade da escusa, não existindo autorização por parte do titular da conta, a obtenção das informações bancárias implica a ponderação dos interesses acima enunciados que haverá de ser realizada pelo tribunal imediatamente superior àquele onde a escusa tiver sido invocada.
Assim, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-06-2012, relatora Maria João Romba, processo n.º 394/10.0TTTVD-A.L1-4:
“Temos, pois, que têm tratamento claramente diferenciado as situações de legitimidade e de ilegitimidade da escusa de prestação de depoimento ou informações pelas instituições bancárias, sendo evidentemente mais simples o caso de ilegitimidade, que é da competência do próprio tribunal em que a escusa tenha sido invocada, precisamente porque aí se trata apenas de constatar a inexistência de sigilo bancário e consequentemente a ilegitimidade da escusa, e consequentemente ordenar a prestação da informação (ou do depoimento).
Estando, porém, o facto coberto pelo segredo, e sendo portanto legítima a escusa, só a quebra do segredo pode obrigar a entidade bancária à prestação da informação. Mas a quebra do segredo impõe um juízo de prevalência entre os interesses em conflito, que o legislador entendeu dever deferir a um tribunal superior.
Sendo assim, temos que, quando invocado o sigilo bancário, a autoridade judiciária perante a qual tiver sido suscitada deverá decidir se essa escusa é legítima ou ilegítima. Quando conclua, após as diligências que considerar necessárias e cumprido o formalismo do n.º 5 do mesmo artigo, que a escusa é ilegítima, a autoridade judiciária ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento, não podendo então a instituição bancária deixar de cumprir o ordenado.
Se concluir que a escusa é legítima, dois caminhos estão abertos à autoridade judiciária: ou se conforma com a invocação do segredo, não podendo insistir na obtenção do depoimento, ou então suscita o incidente de quebra de segredo junto do tribunal imediatamente superior.
A quebra do segredo, pelo juízo que envolve, é, por opção legislativa, necessariamente da competência de um tribunal superior (Relação ou Supremo Tribunal de Justiça, conforme os casos). Este último não funciona, pois, como uma instância residual, quando se suscitem dúvidas sobre a legitimidade da escusa, mas sim como instância de decisão do incidente da quebra do segredo, nas situações em que a escusa é legítima.”
No mesmo sentido, encontram-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2014, relator Rodrigues Pires, processo n.º 664/04.6TJVNF-C.P1 e de 22-05-2017, relatora Ana Paula Amorim, processo n.º 271/13.2TMPRT-A.P1.
Ora, nos presentes autos, o tribunal de 1ª instância entendeu ser competente para, reconhecendo a legitimidade da escusa por parte do Banco de Portugal, ordenar a quebra do segredo de supervisão determinando a prestação por aquela entidade das informações visadas pela requerida.
Sucede que, embora o notário tenha competência, como se viu, para ordenar a notificação do Banco de Portugal para prestar tais informações, já não a tem para suscitar ou apreciar o incidente de dispensa de sigilo, incidente que foi remetido para o juízo de família e menores, tribunal com competência para apreciar a legitimidade da escusa, pois que o RJPI não atribui tais competências ao notário[14].
No entanto, aferida essa legitimidade, impunha-se à 1ª instância, suscitar perante o Tribunal imediatamente superior a apreciação do incidente de quebra do dever de segredo e não proceder, ela própria, à sua apreciação, sendo certo que, como se referiu, a quebra do segredo é, por opção legislativa, necessariamente da competência de um tribunal superior, o que de modo algum foi afastado ou se pode considerar afastado pelo regime jurídico do processo de inventário – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-03-2016, relator António Beça Pereira, processo n.º 42/16.4T8FAF-A.G1.
O Tribunal recorrido ao apreciar e decidir sobre a dispensa do dever de sigilo extravasou o âmbito da sua competência, ou seja, a 1ª instância não tinha competência funcional para se pronunciar quanto a tal matéria, sendo incompetente, em razão da hierarquia, para o efeito – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-09-2011, relatora Ana Paula Amorim, processo n.º 3553/06.6TJVNF-D.P1 – “O tribunal de 1ª instância é incompetente, em razão da hierarquia, para apreciar e proferir decisão no presente incidente (art. 71º/1 CPC). A violação das regras de competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal e tem como consequência a remessa do processo ao Tribunal da Relação do Porto, onde deve ser promovida a tramitação subsequente do incidente de dispensa de segredo bancário (art. 101º, 102º, 107º/1 CPC).”; no sentido de que o tribunal, seja o juiz da 1ª instância sejam os juízes dos tribunais de recurso, não só pode como deve suscitar ex-officio a incompetência absoluta em razão da hierarquia, Francisco Manuel Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume I, 2ª Edição, Reimpressão 2018, pág. 375, nota 759.
A decisão proferida pelo tribunal recorrido no âmbito do incidente de dispensa de sigilo, porque proferida por quem não detinha poder jurisdicional para a proferir, padece de vício gerador de inexistência jurídica.

Como se refere, ainda que a propósito de uma situação de esgotamento do poder jurisdicional, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-05-2010, relator Álvaro Rodrigues, processo n.º 4670/2000.S1:
“Tal falta de jurisdição, repetimos, por se tratar de vício essencial da sentença determinante da invalidade desta, não constitui uma nulidade mas inexistência jurídica da citada decisão […]
Na verdade, e de acordo com o ensino dos saudosos Mestres de Lisboa, Professores Paulo Cunha e Castro Mendes, embora o legislador tenha traçado um apertado numerus clausus das nulidades da sentença/acórdão, aplicáveis também, até onde seja possível, aos despachos jurisdicionais (artº 666º, nº 3), a verdade é que outros vícios podem afectar as decisões judiciais, englobando categorias diferentes, que Castro Mendes classificava como vícios de essência, de formação, de conteúdo, de forma e de limites.
O preclaro Professor denominava de vícios de essência, aqueles que, atingindo a sentença nas suas qualidades essenciais, a privam até da aparência de acto judicial e dão lugar à sua inexistência jurídica […].
O Prof. Paulo Cunha dava vários exemplos de casos de inexistência jurídica de sentenças, sendo um deles, quanto ao que ora nos interessa, o de a sentença ser proferida por quem não tem poder jurisdicional para o fazer e o de, já depois de lavrada a sentença no processo, o Juiz lavrar segunda sentença […]”
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-03-2019, relator Rodrigues Pires, processo n.º 273/14.1T8PVZ-G.P1 – “[…] o que se constata é que a decisão de indeferir o incidente de levantamento do sigilo bancário foi proferida pelo juiz de 1ª Instância que não dispunha de poder jurisdicional para o efeito, atendendo a que este cabia ao Tribunal da Relação. Essa decisão é assim inexistente, o que significa que é um mero ato material, inidóneo para produzir efeitos jurídicos, tudo se passando como se essa decisão nunca tivesse sido proferida. Deste modo, não tendo o tribunal recorrido poder jurisdicional para deferir ou indeferir o incidente de levantamento do sigilo bancário, não pode a decisão aqui sob recurso subsistir, impondo-se a sua revogação.”
Reconhecendo-se que a 1ª instância não tinha poder jurisdicional para proferir a decisão sob recurso e porque essa falta de competência funcional afecta a decisão, mais do que nulidade, mas de vício de inexistência jurídica, impõe-se determinar a sua revogação.
A revogação da decisão recorrida implicaria, no rigor, a baixa dos autos à 1ª instância a fim de dar cabal observância ao estatuído no art. 135º, n.º 3 do CPP, pronunciando-se expressamente sobre a legitimidade ou ilegitimidade da escusa do Banco de Portugal e, subsequentemente, suscitar ou remeter a apreciação do incidente a este Tribunal da Relação.
Todavia, tal como é possível extrair do conteúdo da decisão recorrida, para além de apreciar e decidir o pedido de quebra do dever de segredo, a 1ª instância não deixou de, ao menos implicitamente, apreciar e reconhecer a legitimidade da recusa do Banco de Portugal ao não fornecer as informações solicitadas, tal como se pode retirar da seguinte passagem da decisão: “No presente caso, a recusa de prestação de informações por parte do Banco de Portugal alicerça-se no dever de segredo previsto pelo art. 80º do RCICF […] que abrange também as bases de dados de contas bancárias que cabe ao Banco de Portugal organizar e gerir cf. art. 81º-A do mesmo diploma legal.”
Ora, sendo possível reconhecer que, implicitamente, a 1ª instância apreciou e aceitou a legitimidade da escusa, a remessa dos autos ao tribunal recorrido configuraria a prática de um acto inútil, pois que se limitaria a repetir aquilo que é já possível extrair do conteúdo da decisão, e, enquanto tal, legalmente proibido – cf. art. 130º do CPC.
Ademais, a boa-fé constitui uma norma de conduta que deve incidir também sobre a relação jurídico-processual que tem como sujeitos principais as partes e o tribunal, sendo invocável também relativamente ao juiz ainda que expressamente associada às partes (cf. art.º 8º do CPC).
“A boa-fé objectiva estabelece as balizas de atuação de todos os que participam na relação jurídica processual, impondo uma conduta proba e leal […] deriva de forma mediata da necessidade de proteger os direitos fundamentais da tutela efectiva, da defesa, da igualdade e de um processo com todas as garantias […] – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 35.
Acresce que o juiz deve, nos termos do art. 547º do CPC, adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
O exercício do poder/dever de adequação formal permite, para além da construção de uma tramitação alternativa, a adaptação de aspectos parcelares e pontuais da tramitação legal, onde se inclui a dispensa da prática de actos que se revelem concretamente desnecessários ou a sua substituição por outros tidos por mais adequados – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 598.
Como tal, atendendo ao princípio da adequação formal e o reforço dos poderes do juiz no campo da gestão processual (art. 6º, n.º 1 do CPC), que revelam a premência do accionamento de mecanismos de simplificação e de agilização, com vista a alcançar a celeridade da resposta judiciária, tendo ainda em atenção o critério da proporcionalidade e a necessidade de assegurar um processo equitativo, o princípio da gestão processual e utilidade dos actos, e considerando que as partes tiveram já oportunidade de esgrimir os seus argumentos sobre o deferimento ou indeferimento do pedido de dispensa de sigilo profissional, atendendo também ao facto de a 1ª instância ter validado já a legitimidade da escusa do Banco de Portugal (contra o que nenhum das partes se insurgiu), configura-se mais adequado a uma rápida solução do litígio (tanto mais que o processo de inventário está pendente desde 2014), considerar a decisão da 1ª instância apenas tão-somente quanto à apreciação da legitimidade da escusa e proceder, desde já, à apreciação do pedido de dispensa do dever de segredo – cf. no sentido de que não existe motivo algum para afastar a Relação dos mesmos objectivos que foram propostos pelo legislador quando, por exemplo, consagrou explicitamente o princípio da adequação formal, para ser usado quando a concreta situação o justifique e independentemente da fase do processo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-03-2018, relator Abrantes Geraldes, processo n.º 349/13.2TBALQ-A.L1.S3.
É o que se passa a fazer de seguida.

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Da tempestividade do requerimento de dispensa do dever de segredo
Sustenta o apelante que o requerimento de dispensa do dever de sigilo deduzido pela requerida constituiu uma reacção à sua não autorização para a prestação das informações por parte do Banco de Portugal, apresentada em 31 de Outubro de 2019 e que lhe foi notificada nessa data, sendo que esta nada disse no prazo de dez dias, assim como nada fez quando foi notificada, por despacho de 3 de Dezembro de 2019, vindo deduzir o incidente apenas decorridos mais de três meses sobre a notificação da não autorização do cabeça-de-casal, defendendo que o prazo aplicável é o prazo geral de dez dias previsto no art. 149º do CPC.
Crê-se que não assiste razão ao recorrente, ainda que, efectivamente, a dedução do incidente haja ocorrido cerca de três meses após a notificação à requerida do não consentimento pelo requerente quanto à prestação das informações.

Com efeito:
– Em 28 de Outubro de 2019, o senhor notário ordenou a notificação às partes do conteúdo do ofício remetido pelo Banco de Portugal, para no prazo de dez dias, dizerem o que tivessem por conveniente, designadamente, se consentiam que a referida instituição informasse sobre a existência de contas bancárias em seu nome;
– Por requerimento de 31 de Outubro de 2019, o requerente informou que não autorizava a prestação dessa informação;
– Por despacho de 3 de Dezembro de 2019, notificado à requerida nessa data, o senhor notário ordenou a notificação dessa não autorização;
– Por requerimento de 25 de Março de 2020, a requerida AR veio deduzir incidente de levantamento de sigilo bancário, a que o recorrente se opôs, por requerimento de 20 de Abril de 2020.

As razões para a não aplicação do prazo geral de dez dias previsto no art. 149º do CPC no contexto da invocação do dever de segredo radicam, essencialmente, na circunstância de o próprio tribunal ter a possibilidade de, oficiosamente, e, como tal, a todo o tempo e até ao encerramento da audiência de julgamento, desencadear o incidente de quebra do segredo, tal como previsto no art. 135º, n.º 3, in fine do CPP.
Ora, se assim é, e se o tribunal pode ordenar a diligência em referência quando esta se apresente como relevante para a boa decisão de causa, repugnaria admitir que, perante a necessidade dessa diligência, esta fosse rejeitada apenas pela circunstância de ter sido requerida pela parte, e tê-lo sido decorridos mais de dez dias sobre a notificação da recusa da entidade bancária ou da não autorização por parte do cliente bancário para a prestação da informação.
Na verdade, razões de justiça material justificam a opção pelo afastamento da aplicabilidade desse prazo peremptório, tanto mais que sempre seria possível ao tribunal, reconhecendo a sua utilidade, suscitar tal incidente.

Adere-se, assim, ao entendimento plasmado em diversos arestos, nomeadamente, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-02-2020, relator Jorge Seabra, processo n.º 3714/15.7T8MTS-A.P1:
“[…] do preceituado no artigo 135º, n.º 3, do CPP […] resulta em termos inequívocos que, reconhecida a legitimidade da escusa por parte da entidade bancária, dois caminhos podem ser seguidos: - o da conformação com a invocação do segredo não se insistindo na obtenção de informações; - ou o da dedução do respectivo incidente de quebra do segredo junto do tribunal imediatamente superior.
E, ainda, neste último caso, o próprio juiz do processo tem a possibilidade de «ex officio» (e, logicamente, a todo o tempo, rectius, até ao encerramento da audiência de julgamento) de desencadear tal incidente, conforme decorre do citado artigo 135, n.º 3, do CPP, onde se diz que, no caso de legitimidade da escusa, a intervenção do tribunal imediatamente superior é suscitada pelo juiz oficiosamente ou a requerimento.
Portanto, como bem se salienta no dito aresto desta Relação, “se estamos perante incidente que até poderia ser suscitado oficiosamente (a todo o tempo) pelo tribunal não se compreende que este (o incidente), sendo deduzido através de requerimento de uma das partes, ficasse sujeito ao prazo geral de 10 dias, referenciado no artigo 149º do Código de Proc. Civil, mas que não é aqui aplicável.”
Com efeito, prevendo o artigo 411º que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e prevendo, ainda, o citado artigo 135º, n.º 3 do CPP, a possibilidade de o juiz deduzir oficiosamente o incidente de levantamento de sigilo bancário (o que tem implícita a consideração de que a escusa invocada é legítima e a diligência em apreço é relevante para a boa decisão da causa), seria, em nosso ver, incongruente rejeitar o incidente em causa por intempestividade, sendo ele deduzido pela parte (por violação do prazo previsto no artigo 149º, n.º 1, do CPC) e, ao mesmo tempo, consentir, como sempre teria de suceder, à luz do aludido artigo 135º, n.º 3, do CPC, ao juiz do processo que o mesmo pudesse - como pode - desencadear oficiosamente esse mesmo incidente a todo o tempo e até ao encerramento da audiência de julgamento.
Seria, com todo o respeito, permitir entrar pela porta aquilo que se impediu de entrar pela janela, em termos contraditórios e comprometedores da lealdade e boa-fé processual exigíveis, pondo, assim, em crise a confiança das partes na equidistante decisão do pleito judicial.
Por isso, em nosso ver, esta solução defendida pela ora Reclamante, com o devido respeito, não se mostra concordante com o sentido e a interpretação que nos merecem o artigo 417º, n.º 4, do CPC, conjugado com o artigo 135º, n.º 3, do CPP, sendo, portanto, em conclusão, de admitir que o incidente de levantamento de sigilo bancário possa ser deduzido a todo o tempo, seja pela parte que nele mostre interesse, seja, ainda, pelo próprio tribunal a título oficioso, desde que, naturalmente, se mostrem reunidos os pressupostos para a sua dedução, ou seja, que, previamente, seja reconhecida a legitimidade da escusa invocada em função da cobertura das informações solicitadas pelo sigilo profissional em causa.”
No mesmo sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-03-2019, relator Rodrigues Pires, processo n.º 273/14.1T8PVZ-G.P1.
Em consonância, o facto de a requerida/recorrida ter deduzido o incidente muito para lá do prazo de 10 dias previsto no artigo 149º, n.º 1 do CPC, não determina o seu indeferimento o a sua não apreciação junto deste tribunal superior, sendo certo que se encontra ainda pendente de apreciação a reclamação deduzida quanto à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, no âmbito do processo de inventário que corre termos no cartório notarial.

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Da verificação dos pressupostos substantivos para o levantamento do dever de segredo de supervisão

Há, pois, que aferir se a dispensa do invocado dever de segredo de supervisão merece acolhimento em face do circunstancialismo do caso sub judice, devendo tal análise atender, como se referiu, ao princípio da prevalência do interesse preponderante e à necessidade de protecção dos bens jurídicos em causa.
Assim, entre os interesses em conflito figura, por um lado, o dever de sigilo, que visa quer a protecção dos direitos pessoais, como o bom nome, a reputação e a reserva da vida privada, quer a protecção das relações de indispensável confiança entre as instituições bancárias e os seus clientes e, por via disso, a confiança no sistema bancário e na entidade de supervisão, por outro, o dever de colaboração com a administração da justiça, que prossegue, naturalmente, o interesse público que é o da realização da justiça – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-03-2015, relator Falcão de Magalhães, processo n.º 561/08.6TBTND-A.C1 – “O dever de colaboração com a administração da justiça tem por finalidade a satisfação de um interesse público, que é o da realização da Justiça.”
Tenha-se presente que está em causa no contexto do processo de inventário subsequente a divórcio que corre termos junto do cartório notarial, a partilha do património comum do casal dissolvido, importando apurar a existência de outros bens comuns, à data da produção dos efeitos patrimoniais do divórcio (11 de Janeiro de 2005), em concreto, saldos bancários e activos financeiros que a requerida, ora recorrida, não consegue identificar, para o que carece da colaboração do Banco de Portugal para se poder apurar quais as contas bancárias e activos financeiros titulados pelo cabeça-de-casal por referência à mencionada data.
Como resulta do acima expendido, determinar o interesse preponderante que deve prevalecer implica o recurso aos critérios enunciados no art. 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, já acima mencionado, nomeadamente, em função do princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade, que, por sua vez, se desdobra nos subprincípios da adequação ou idoneidade, da exigibilidade ou necessidade e justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito.
Como esclarecem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pp. 491-492:
“Casuisticamente há que determinar se prevalece o direito à prova ou as razões que justificam a invocação do sigilo, sendo que tal ponderação se rege necessariamente pelo princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade (art. 18º, nº 2, da CRP), o qual se desdobra nos subprincípios da adequação ou idoneidade, da exigibilidade ou da necessidade e justa medida ou proporcionalidade em sentido. Face à existência de um interesse probatório legítimo, deve fazer-se um reequilíbrio dos valores em conflito, rejeitando uma conceção intangível das normas sobre o sigilo.”
Na situação sub judice, afigura-se que as informações pretendidas destinam-se a efectuar a prova de factos relevantes para a boa administração da justiça e o Banco de Portugal está habilitado a prestá-las, tendo a recorrida, na qualidade de interessada no processo de inventário, dúvida fundada (por falta de elementos) quanto à extensão do património comum do casal à data da produção de efeitos patrimoniais do divórcio.
Na verdade, o inventário tem por objectivo a realização da partilha de todos os bens que faziam parte do património comum do casal dissolvido, sendo que na constância do matrimónio vigorou o regime da comunhão de bens adquiridos a título oneroso, conforme indicado pelo requerente, fazendo parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges e os bens por estes adquiridos na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei, entre os quais figuram, designadamente, os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento, os que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação, os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior e ainda os sub-rogados no lugar de bens próprios – cf. art.ºs 1722º a 1724º do Código Civil.
Além disso, terão ainda a natureza de bens comuns os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns se estes revestirem a natureza da mais valiosa das duas prestações, sem prejuízo da compensação devida ao património próprio do cônjuge – cf. art. 1726º do Código Civil.
Nos termos do art. 1730º do Código Civil, os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão.
Dado que os efeitos do divórcio se produzem a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges (cf. art. 1789º, n.º 1 do Código Civil), a partilha subsequente ao divórcio implica a definição dos bens comuns existentes a essa data e operações de compensação entre os patrimónios comum e próprios dos cônjuges, em face das normas aplicáveis ao regime da comunhão de adquiridos.
Assim, para esse efeito, importa que sejam relacionados e tidos em consideração no inventário todos os bens que tenham a natureza de bem comum, onde se hão-de integrar, caso existam, depósitos bancários e outros activos financeiros cujos valores monetários tenham porventura origem no produto do trabalho de qualquer dos cônjuges na vigência do matrimónio ou por estes obtidos em virtude de actividade remunerada.
Note-se que, nos termos do art.º 1680º do Código Civil, qualquer que seja o regime de bens, pode cada um dos cônjuges fazer depósitos bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente, o que significa que a origem do dinheiro depositado pode advir de bem comum, caso em que deverá ser qualificado como tal o dinheiro ali existente.
Assim, tendo presente o regime de bens que vigorou durante o casamento dos interessados, assume pertinência para o objecto deste processo - partilha de todos os bens que faziam parte do património comum do casal - o conhecimento das contas bancárias e activos financeiros titulados pelo cabeça-de-casal à data da produção de efeitos patrimoniais do divórcio (únicas informações bancárias em causa), porquanto os bens a partilhar são, precisamente, aqueles que possam assumir a natureza de bens comuns àquela data – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-04-2012, relatora Dina Monteiro, processo n.º 2009/06.1TBAMD-D.L1-7:
Logo, a pretensão da requerida quanto às concretas informações bancárias em referência não equivale a um mero desejo de devassa da vida privada do cabeça-de-casal, posto que tem a finalidade de apurar a existência de todos os bens que integravam o património comum do casal para que sejam objecto de partilha.
E, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, tal não equivale a modificar o regime de bens que vigorou durante o matrimónio, porquanto do que se trata, por ora – e é apenas relativamente a essa informação que respeita este incidente -, é de apurar a existência de contas bancárias e activos financeiros por aquele titulados à data da produção dos efeitos patrimoniais do divórcio.
Cumprirá, posteriormente, com base nessa informação e sendo indicada a existência de contas bancárias, apurar de eventuais saldos ali existentes e determinar a sua natureza comum ou própria, o que dependerá, eventualmente, da prova a produzir (cujo âmbito e complexidade – factual ou de direito – poderá até justificar, posteriormente, a remessa das partes para os meios comuns).
Face à recusa do cabeça-de-casal em conceder consentimento para a prestação das informações, não se vislumbra de que outro modo possa a requerida obter as informações pretendidas sem a intervenção do Banco de Portugal, sendo certo que, como se viu, aquelas se apresentam como relevantes para a realização da partilha.
Por essa razão, a derrogação do dever de segredo de supervisão surge aqui como o meio adequado e proporcional para a prossecução da descoberta da verdade dos factos (que dificilmente poderia ser alcançada através de outros elementos probatórios) e do direito de a requerente vir a beneficiar de uma partilha justa, que se baseie na real composição do património comum, não se revelando excessiva se se considerar que a quebra de privacidade do cabeça-de-casal visa também satisfazer interesses legítimos da requerida, tutelados por lei[15].
Sendo legítima a escusa apresentada pelo Banco de Portugal mas efectuada por esta Relação a ponderação dos interesses em confronto, de harmonia com o princípio da prevalência do interesse preponderante e com um critério de proporcionalidade na restrição de direitos e interesses que se encontram constitucionalmente protegidos, não pode deixar de concluir-se que a quebra do dever de segredo é, no caso vertente, mais relevante do que a manutenção desse dever, sob pena de não ser permitido à requerida demonstrar os factos que alegou e comprovar a existência de bens comuns para além daqueles que foram relacionados pelo cabeça-de-casal, não se vislumbrando de que outro modo poderá efectuar tal prova, se não dispuser dos elementos que apenas o Banco de Portugal lhe poderá facultar.
Nestes termos, conclui-se pela prevalência do interesse público da administração da justiça e, por consequência, por justificado o pedido de levantamento do dever de segredo de supervisão, tal como requerido, com vista à prestação das informações pretendidas.

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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
No que concerne ao recurso interposto da decisão proferida pela 1ª instância sobre o pedido de dispensa do dever de segredo, porquanto se impõe reconhecer a sua inexistência jurídica, deve considerar-se que o apelante logrou provimento, nesse âmbito, em sede recursória.
Dado que a requerida/recorrida não influenciou a decisão recorrida nem a decisão deste recurso, não pode ser considerada vencida para os efeitos previstos no art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Por sua vez, quem do recurso tirou proveito e, por isso, seria responsável pelo pagamento das respectivas custas, seria o recorrente.
No entanto, estando paga a taxa de justiça devida pela interposição do recurso porque o recorrente procedeu ao seu pagamento (cf. Ref. Elect. 17935788) e ninguém contra-alegou, e como o recurso não envolveu a realização de despesas (encargos), não há lugar ao pagamento de custas (cf. art. 529º, n.º 4 do CPC).
Já no que diz respeito ao incidente a cuja apreciação esta Relação procedeu, dado que o cabeça-de-casal/recorrente deduziu oposição, as custas são da sua responsabilidade, nos termos do art.º 539º, n.º 1 do CPC, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art. 7º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa).

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IV– DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar o presente o recurso procedente e, em consequência, reconhecer a inexistência jurídica da decisão proferida pela 1ª instância na parte em que apreciou o incidente de dispensa do dever de segredo, aproveitando-a apenas quanto à afirmação da legitimidade da escusa e, apreciando o incidente, julgá-lo procedente e ordenar o levantamento do dever de segredo de supervisão, devendo o Banco de Portugal informar os autos sobre as contas bancárias, à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e quaisquer activos financeiros, titulados ou co-titulados pelo cabeça-de-casal, à data da propositura da acção de divórcio e de produção dos seus efeitos patrimoniais (11 de Janeiro de 2005), com indicação das instituições bancárias onde se encontravam sedeadas.
Custas do incidente a cargo do requerido no incidente.

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Lisboa, 14 de Setembro de 2021[16]



Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro



[1]Adiante designado pela sigla RJPI.
[2]Em www.inventarios.pt.
[3]Adiante designado pela sigla RGICSF.
[4]Adiante designado pela sigla CPC.
[5]Adiante designado pela sigla CPP.
[6]Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[7]No sentido de que em sede de decisão homologatória da partilha constante do mapa, o juiz apenas se deve pronunciar sobre a partilha stricto sensu e não sobre todos os actos praticados ao longo do processo, cf. Filipe César Vilarinho Marques, A Homologação da Partilha, Julgar, n.º 24, 2014, pág. 157.
[8]Adiante designada pela sigla LOSJ.
[9]In Revista Julgar, n.º 24, 2014.
[10]Nuno de Lemos Jorge, in Função do Notário e Função do Juiz no Regime Jurídico do Processo de Inventário – Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, pág. 130, Julgar, n.º 24, 2014, suscitava, precisamente, a competência do notário para exigir a colaboração das partes.
[11]E-book Direito Bancário, Fevereiro 2015, do Centro de Estudos Judiciários acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf consultado entre 15 e 16 de Julho de 2021.
[12]Nos termos do art.º 60.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pela Lei n.º 5/98, de 31 de Janeiro (com as alterações introduzidas por: Decreto-Lei n.º 118/2001, de 17 de Abril, Decreto-Lei n.º 50/2004, de 10 de Março, Decreto-Lei n.º 39/2007, de 20 de Fevereiro, Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, Decreto-Lei n.º 142/2013, de 18 de Outubro, Lei n.º 23-A/2015, de 26 de Março, Lei n.º 39/2015, de 25 de maio e Lei n.º 73/2020, de 17 de Novembro) “Os membros do Conselho de Administração, do Conselho de Auditoria, do Conselho Consultivo e, bem assim, todos os trabalhadores do Banco estão sujeitos, nos termos legais, ao dever de segredo.”
[13]Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.”
[14]Em sentido contrário, entendendo que o RJPI não prevê a possibilidade de remessa dos autos ao tribunal competente para apreciação do incidente de dispensa de sigilo, questão que deve ser resolvida com o mecanismo de remessa para os meios comuns, veja-se Carlos Manuel Rodrigues Correia de Oliveira, in Os Sujeitos do Novo Processo de Inventário - A Posição do Cônjuge do Herdeiro, Coimbra 2017 acessível em https://eg.uc.pt/bitstream/10316/83907/1/Invent%C3%A1rioEscritoFinal.pdf consultado em 15-16 de Julho de 2021.
[15]Nos termos do n.º 4 do artigo 135.º do CPP, a decisão sobre a legitimidade da escusa e a eventual decisão sobre a quebra do segredo são tomadas após pronúncia do “organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa”. Dado que na actividade bancária não existem associações deste tipo, não há lugar a pronúncia prévia de qualquer organismo – cf. neste sentido, Joana Amaral Rodrigues, op. cit., pág. 76, nota 36.
[16]Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.