SEGURO DE VIDA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CONTRATO DE SEGURO
BOA-FÉ
Sumário


I – O que se prevê numa cláusula geral que impõe à segurada sobreviva, a fim de poder beneficiar da cobertura do contrato de seguro de vida, a apresentação de documento onde se declarem as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte ao segurado, são condições de liquidação da importância segura e condições de procedibilidade respetiva, e, em caso algum, condições de exigibilidade e de verificação do direito, sendo a verificação do sinistro, in casu, o falecimento do titular do contrato, o evento de risco acionador do direito à indemnização e condição de exigibilidade do direito, tal como da própria noção legal de contrato de seguro decorre.
II - O contrato de seguro caracteriza-se pela obrigação, assumida pelo segurador, de realizar uma prestação (maxime, pagar uma quantia) relacionada com o risco do tomador de seguro ou de outrem (segurado, eventualmente, pessoa segura), sendo estes os seus elementos essenciais e constitutivos do direito.
III - Pretendendo a recorrente certificar-se das condições de liquidação das importâncias seguras, era exigível, segundo a boa fé, que solicitasse à autora a entrega dos elementos tidos como necessários a tal aferição, e não se remeter ao silêncio, escudada na interpretação de uma cláusula contratual contrária à enunciada em I, para dessa forma se eximir, sem mais, ao referido pagamento. (sumário do relator)

Texto Integral



Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
M… instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A., Banco Comercial Português, S.A, N… e Mapfre Seguros Gerais, S.A., pedindo a condenação da ré Ocidental:
«(…) a reconhecer que o contrato de seguro do ramo vida, titulado pela Apólice n.º …, celebrado com o falecido marido da autora se mantinha em vigor à data do óbito deste (30/01/2012), considerando:
1- Que não foi notificada a mora ao segurado e ao tomador do seguro, no prazo legal e contratual de 30 dias, por carta registada;
2- Que não foi regularmente notificada a resolução do contrato ao segurado nem ao tomador do seguro;
3- Que não foi regularmente notificada a ausência de pagamento do prémio de seguro vida ao beneficiário, para exercer nos termos legais o direito de manter o contrato em vigor pagando os prémios em falta;
b) E, consequentemente, pagar à Autora as mensalidades que, após a data do óbito do segurado e até ser proferida decisão final, a Autora pagar ao banco Millennium BCP, no valor de € 375,61 cada uma;
c) e a pagar ao mesmo Banco a quantia que, na data da decisão final, se encontrar em dívida relativamente ao mútuo, se ainda houver parcelas em divida;
d) a condenação cumulativa da ré Ocidental, a indemnizar a autora pelos danos morais sofridos em face da situação complicada em que ficou;
em alternativa,
e) (…), confirmando-se que houve falha dos serviços do Réu Millennium BCP conforme alegado e demonstrado, a condenação deste banco a suportar os custos dessa falha, correspondentes ao valor que este deveria receber da seguradora, caso o contrato de seguro se mantivesse em vigor e transferi-los para o património da autora, na exata medida de que esta beneficiaria, pela execução da garantia segurada;
f) em alternativa, para o caso de se demonstrar, sem conceder, que o contrato de seguro foi devida e legalmente resolvido e que não houve falha dos serviços do banco Millennium BCP, a condenação da 3.ª Ré Dr.ª N… por negligência e/ou perda de uma chance, por não ter intentado a ação a que estava adstrita, e/ou não ter rejeitado atempadamente o patrocínio judiciário para que foi nomeada;
g) solidaria e subsidiariamente a companhia de seguros Mapfre, para quem foi transferida a responsabilidade civil dos advogados, de que é segurada a terceira ré, pela sua condição de advogada;
h) Condenar-se a seguradora Ocidental a pagar alternativamente a quantia segurada, pela ocorrência do sinistro invalidez permanente do segurado homem.»
Alega para tanto, e em síntese, que:
- Em 2010, o falecido marido da autora aderiu a um seguro de grupo junto da ré BCP e subscreveu um seguro de vida cuja garantia foi o risco morte, durante o período do contrato, sendo o capital seguro em 2011 de 47.852,75 euros, tendo então sido excluída a garantia invalidez por o titular marido ter sido aposentado pela Segurança Social.
- Após o falecimento do marido da autora em janeiro de 2012, a autora foi pessoalmente informada por funcionário da ré que o seguro de vida tinha sido anulado por falta de pagamento.
- A autora e o seu falecido marido nunca foram notificados quer da mora no pagamento do seguro de vida, quer da resolução do respetivo contrato, seja pela ré Ocidental, seja pela ré BCP, sendo que quanto à alegada anulação do seguro de vida, não pode ser responsabilizado o segurado/marido da autora, quer porque o pagamento foi sempre realizado por débito em conta que o segurado detinha no banco beneficiário, a qual manteve sempre provisionada para pagamento da prestação do empréstimo e dos seguros.
- O segurado/mutuário detinha à época na ré BCP a conta família n.º …, aberta em 23-01-2009, e sobre a qual foi autorizado o débito em conta para pagamento das prestações do mútuo e dos seguros associados e onde sempre ocorreram os débitos das prestações quer do mútuo, quer do seguro de vida, quer do seguro multirriscos habitação.
- Pelo menos, no decurso da quase totalidade do ano de 2011, apesar da conta não apresentar saldo suficiente para cobrir a totalidade dos débitos, ou até apresentar saldo a descoberto, sempre foram debitadas tanto as prestações do empréstimo como as dos seguros, que posteriormente o segurado/mutuário provisionava, pagando os juros correspondentes.
- A referida conta família, também designada de cliente frequente, atribuiu na cláusula 5.ª das condições contratuais, alínea d), a facilidade de utilização da conta a descoberto até ao limite de 250,00 euros por mês, sem custos durante seis dias, nada justificando que não tivessem sido cobrados (debitados) os prémios do seguro de vida, aliás o único que parece não ter sido cobrado, precisamente nos momentos que antecederam a morte do segurado/mutuário.
- Na cláusula 11.ª, n.ºs 2 e 3, do celebrado contrato de mútuo estipulou-se que os mutuários autorizam, com expressa sub-rogação, que em caso de incumprimento de tais obrigações (seguros de vida e multirriscos), o banco as cumpra, efetuando por conta dos mutuários todos os pagamentos necessários, e, se o banco efetuar, na falta e por conta dos mutuários, o pagamento dos prémios e das contribuições em divida, os mutuários autorizam o banco a debitar os seus montantes em qualquer conta aberta em nome dos mutuários junto do banco.
- Na cláusula 12.ª das condições gerais e particulares da apólice, determina-se que o prémio é devido pelo tomador do seguro que, nos próprios termos da proposta e da apólice, é o Banco/mutuante, beneficiário e mandatário no contrato de conta corrente.
- A autora, nos meses que antecederam a morte do seu marido, que ficou hospitalizado vários meses, sempre se deslocou ao balcão da ré BCP em Portel para provisionar a conta, sempre questionando os funcionários se estava tudo bem com relação ao empréstimo, sendo-lhe invariavelmente respondido que tudo ia bem e não se preocupasse.
Quanto às rés N… e Mapfre, S.A., a autora alegou que a primeira, advogada, obrigada a intentar uma ação judicial para defesa dos interesses da autora, nada fez, tendo sido transferida para a ré Mapfre a responsabilidade civil profissional da ré N… pelo que impende sobre esta seguradora a obrigação de indemnizar a ora autora.
Contestaram todas as rés, impugnando em parte a factualidade alegada pela autora e pugnando pela improcedência da ação.
A ré Ocidental alegou ainda ser lícita a resolução do contrato de seguro por falta de pagamento do respetivo prémio, posição igualmente sustentada pela ré BCP, S.A., bem como o abuso do direito por parte da autora, pois tanto esta como o seu falecido marido sabiam que os prémios de seguro em causa não foram pagos. Mais alegou desconhecer a causa da morte do marido da autora, uma vez que a ré nunca rececionou os documentos indispensáveis à regularização do sinistro em causa.
Esta ré deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação da autora/reconvinda a pagar-lhe a quantia de € 56,15 ou, caso venha a ser condenada, a quantia de € 224,60, em ambos os casos acrescida dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal comercial, contados desde a data do vencimento até efetivo e integral pagamento.
Por sua vez, a ré Mapfre defendeu a inadmissibilidade legal dos pedidos formulados sob as alíneas f) e g), por se tratar de um caso de coligação ilegal das rés.
Houve réplica, defendendo a autora a improcedência das exceções invocadas e da reconvenção, pedindo a sua absolvição do pedido reconvencional, ou em caso de procedência da reconvenção, que seja efetuada a respetiva compensação de créditos.
Foi proferido despacho no qual se concluiu pela existência da invocada coligação ilegal das rés, tendo a autora sido notificada para indicar os pedidos que pretendia ver apreciados, com a cominação de os réus serem absolvidos da instância quanto a todos os pedidos.
Na sequência de tal notificação veio a autora reformular o pedido, excluindo do mesmo as pretensões formuladas contra as rés N… e Mapfre Seguros Gerais, S.A.
Foi proferido despacho saneador que decidiu absolver aquelas rés da instância e admitiu a reconvenção, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
A autora veio reduzir o pedido, eliminando a pretensão formulada sob a alínea h) [condenar-se a seguradora Ocidental a pagar alternativamente a quantia segurada, pela ocorrência do sinistro invalidez permanente do segurado homem].
Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, decide-se:
a) condenar a ré OCIDENTAL - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A. a reconhecer que, à data de 30 de janeiro de 2012, quanto ao contrato de seguro respeitante ao Certificado Individual n.º …, apólice n.º …, não foi comunicado ao A… para, em determinado prazo, sob pena de resolução do contrato, proceder ao pagamento dos prémios de seguro em dívida;
b) condenar a ré OCIDENTAL - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A. a reconhecer que, à data de 30 de janeiro de 2012, se mantinha em vigor o contrato de seguro respeitante ao Certificado Individual n.º …, apólice n.º …, figurando em tal seguro a ora ré BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. como beneficiária irrevogável em caso de verificação do risco e sendo a cobertura contratada apenas a morte da Pessoa Segura A…, cfr. docs. n.ºs 2 e 3 juntos com a contestação da ré Ocidental, fls. 97 a 102 (cópia das condições gerais e especiais e do mencionado certificado);
c) condenar a ré OCIDENTAL a pagar à autora M… o montante correspondente às prestações mensais respeitantes ao contrato de mútuo identificado no doc. n.º 1 junto com a p.i. (cópia da escritura pública do mútuo com hipoteca e cópia do documento complementar, fls. 25 a 31), vencidas após 30 de janeiro de 2012 e efetivamente pagas pela autora à ré BCP, relegando-se para posterior liquidação o apuramento dos respetivos montantes, até ao limite do Capital Seguro de € 47.852,75;
d) condenar a ré OCIDENTAL a pagar à ré BCP o montante correspondente ao capital ainda em dívida à mesma ré BCP, vencido após 30 de janeiro de 2012 e respeitante ao mencionado contrato de mútuo, relegando-se para posterior liquidação o apuramento do respetivo montante, até ao limite do Capital Seguro de € 47.852,75;
e) condenar a autora a pagar à ré OCIDENTAL o montante de € 224,60, respeitante aos prémios de seguro vencidos em 01-10-2011, 01-11-2011, 01-12-2011 e 01-01-2012, no montante mensal de € 56,15, a que acrescem os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa dos juros comerciais, contados desde as datas dos respetivos vencimentos até efetivo e integral pagamento;
f) condenar a ré OCIDENTAL a reconhecer e efetuar a compensação do seu crédito, discriminado na anterior alínea e), com os créditos da autora, discriminados nas anteriores alíneas c) e d);
g) absolver as rés OCIDENTAL e BCP do pedido, na parte restante;
h) na ação, condenar a autora e a ré OCIDENTAL no pagamento das custas, na proporção respetiva de 25% e 75%, tendo-se aqui em conta a desistência da demanda quanto às rés N… e MAPFRE SEGUROS GERAIS, S.A. e ainda a requerida redução do pedido [supressão da alínea h) do pedido (condenar-se a seguradora Ocidental a pagar alternativamente a quantia segurada, pela ocorrência do sinistro invalidez permanente do segurado homem)];
i) na reconvenção, condenar a autora/reconvinda no pagamento das custas.»

Inconformada com o assim decidido, apelou a ré Ocidental, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
« I. Vem o presente recurso interposto da Sentença do Tribunal “a quo” que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ora Apelante a pagar ao Banco Comercial Português, S.A. o capital em dívida no contrato de mútuo dos Autos, à data de 30.01.2012 e, ainda, a pagar à A., aqui Recorrida, as prestações mensais por esta efectivamente pagas ao Banco Comercial Português, S.A., a partir dessa data, relegando para posterior liquidação o apuramento dos respectivos montantes, até ao limite do Capital Seguro de € 47.852,75 (quarenta e sete mil oitocentos e cinquenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos), o que não se pode aceitar.
II. A questão decidenda é apenas a de apurar as consequências decorrentes do incumprimento da obrigação contratual respeitante à entrega dos documentos indispensáveis à regularização do sinistro subjudice por parte da Seguradora, nomeadamente uma declaração médica que ateste a causa e as circunstâncias da morte da Pessoa Segura.
III. O Tribunal “a quo” condenou a ora Apelante ao pagamento do Capital Seguro contratado, nos termos supra expostos, apesar de ter dado como provado (FACTO PROVADO em 69) que a Seguradora desconhece, ainda hoje, a causa e as circunstâncias da morte do Segurado António Candeias Garrido, o que não se logra compreender. (negrito nosso)
Senão vejamos,
IV. O Contrato de Seguro em causa constitui matéria aceite pela Partes e assente nos presentes Autos, sendo certo que, de acordo com a alínea c) do n.º 1 da Cláusula 14.ª das Condições Gerais, «o pagamento das importâncias seguras só terá lugar (…) mediante a apresentação dos documentos indispensáveis à sua regularização, a saber (…) atestado médico onde se declare as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte.». (negrito nosso)
V. Pelo que, para receber as importâncias seguras, a Recorrida teria de ter cumprido a obrigação estipulada no Contrato de Seguro, ou seja, apresentar, além da certidão de óbito, o atestado médico aí previsto para tanto, o que não veio a suceder. (negrito nosso)
VI. A ora Apelante nunca recepcionou a documentação que a Recorrida estava obrigada a entregar e, em função disso, como já se disse, continua sem conhecer a causa e as circunstâncias da morte do Segurado. (FACTO PROVADO em 69) (negrito nosso)
VII. O que a impossibilita de realizar os juízos de avaliação e subsunção necessários ao accionamento das garantias contratadas, nomeadamente para aferir se o sinistro é ou não subsumível aos riscos excluídos na Apólice dos Autos, o que é essencial conhecer, pois não basta invocar a morte. (negrito nosso)
VIII. Só após tomar conhecimento da causa e das circunstâncias da morte do Segurado é que a ora Apelante poderá pronunciar-se cabalmente quanto ao pagamento ou não do Capital Seguro, pelo que na ausência da entrega da documentação necessária para o efeito, esta tem o direito de recusar o pagamento do Capital Seguro contratado. (negrito nosso)
IX. O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” assim não entendeu, desde logo porquanto não resulta do Contrato de Seguro que «(…) a omissão de entrega dos documentos ali mencionados acarrete, sem mais, a exclusão da obrigação de pagamento a cargo da Seguradora (…)».
X. Contudo, daí resulta expressamente que o pagamento das importâncias seguras só terá lugar mediante a apresentação da documentação indispensável à regularização do sinistro, como é o caso do referido atestado médico em falta, o que, salvo melhor opinião, se não exclui a obrigação de pagamento a cargo da Seguradora, pelo menos, impede o seu cumprimento. (negrito nosso)
Além do mais,
XI. Nos termos do disposto no artigo 406.º do Código Civil, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, o que se aplica ao caso concreto, nomeadamente à obrigação da Recorrida entregar a documentação em questão. (negrito nosso)
XII. Logo, não tendo a Recorrida cumprido a sua obrigação, pode a Apelante, também por esta razão, recusar cumprir a sua prestação, gozando a excepção de não cumprimento prevista no artigo 428.º do Código Civil.
XIII. Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 29.05.2012 no âmbito do Processo n.º 7615/06.1TBVNG.P1.S1 e disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/eef4d56892f6b34380257a13004be1d5?OpenDocument. (negrito nosso)
XIV. Pelo que ao Decidir como Decidiu, o Douto Tribunal "a quo" violou o disposto na alínea c) do n.º 1 da Cláusula 14.ª das Condições Gerais contratadas e, bem assim, o disposto nos artigos 405.º, 406.º e 428.º, todos do Código Civil.
Acresce que,
XV. A Douta Sentença Recorrida sufraga o entendimento de que a cláusula contratual na qual a Apelante sustenta a sua alegação é nula, por inverter o ónus da prova, pondo a cargo da Beneficiária a prova de existência de facto que exclua a responsabilidade da Seguradora.
XVI. Mais afirmando que, no âmbito dos presentes Autos, a Apelante nada requereu com vista ao apuramento da existência de eventual exclusão da sua obrigação de pagamento, como lhe competia.
XVII. Porém, a Apelante não alegou qualquer exclusão mas tão-só que se encontra impossibilitada de aferir da sua existência, por desconhecer as circunstâncias e a causa da morte do marido da ora Recorrida, como acima se demonstrou. (negrito nosso)
XVIII. A ora Apelante provou que «(...) desconhece a causa da morte do marido da autora porquanto nunca rececionou os documentos indispensáveis à regularização do sinistro sub judice, a saber (...) atestado médico onde se declare as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte, cfr. n.º 1 do artigo 14.º das Condições Gerais da apólice n.º 00061190 cuja cópia consta de fls. 97 a 101.» e era tanto quanto lhe competia. (FACTO PROVADO em 69)
XIX. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, este é o facto impeditivo que a Apelante alegou e que, como tal, lhe cabia provar, não lhe podendo ser imputado o ónus da prova de uma exclusão que efectivamente não alegou. (negrito nosso)
XX. Aliás, a omissão de entrega de declaração médica que ateste a causa e as circunstâncias da morte da Pessoa Segura impede a Seguradora de aferir se o sinistro é ou não subsumível aos riscos excluídos na Apólice dos Autos, o que, por desconhecer, sequer podia alegar.
XXI. De resto, impõe o n.º 3 do artigo 342.º do Código Civil que, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
XXII. A Douta Sentença Recorrida violou, portanto, o disposto no n.º 2 e n.º 3 do artigo 342.º do Código de Civil.
XXIII. Com efeito, a causa e as circunstâncias em que ocorreu a morte da Pessoa Segura configuram um verdadeiro facto constitutivo do direito alegado pela A. agora Recorrida, pelo que, ao ignorar a repartição do ónus da prova legalmente estabelecida, o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" violou também o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil. (negrito nosso)
XXIV. A existência de Contrato de Seguro, o óbito do Segurado e a doença ou causa da morte são elementos constitutivos do direito a receber o Capital Seguro contratado, cabendo ao Beneficiário que o invoca fazer prova deles. (negrito nosso)
XXV. Porquanto não basta invocar a morte da Pessoa Segura para accionar as garantias de um Contrato de Seguro de Vida, como o dos Autos, o qual depende não só da verificação da morte mas essencialmente da ocorrência de uma morte sob determinadas circunstâncias que, no caso, permanecem por apurar. (negrito nosso)
XXVI. Com esta exigência não está a Apelante a procurar inverter qualquer ónus da prova relativamente a um qualquer direito que se arroga e que sequer alegou mas simplesmente a exigir que a Beneficiária do Seguro faça prova do seu próprio direito a receber o Capital Seguro. (negrito nosso)
XXVII. Através da cláusula em apreço a Apelante não procura obter uma qualquer vantagem ilegítima e/ou escusar-se ao pagamento do Capital Seguro, simplesmente pretende que lhe seja entregue o único meio de comprovar a verificação das condições que permitem o accionamento das garantias contratadas, uma vez que a certidão do óbito não esclarece as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte. (negrito nosso)
XXVIII. Apesar de autorizada a aceder aos dados de saúde do Segurado, a Apelante não os obtém directamente, sem recurso à Beneficiária do Seguro, por mera impossibilidade de facto, designadamente, por desconhecimento da identidade dos médicos que acompanharam o Segurado e os locais exactos em que a assistência médica teve lugar, fosse antes ou no momento do seu perecimento, não podendo, por isso, solicitá-los por si. (negrito nosso)
XXIX. Pelo contrário, são os familiares do Segurado, no caso a sua esposa, aqui Recorrida, quem acompanhou o mesmo durante a sua última fase da vida e, portanto, sabe quem foram os médicos que o trataram e em que estabelecimentos de saúde, podendo obter sem qualquer dificuldade tal documento.
XXX. Razão pela qual nos contratos celebrados está prevista a obrigação de entrega de um atestado médico onde se declarem as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte, uma vez que a Apelante não dispõe nem está em condições de obter essa informação.
XXXI. Sendo, aliás, de estranhar que, não obstante o alegado pela Apelante logo em sede de Contestação quanto ao desconhecimento das circunstâncias e causa da morte do seu marido, a Recorrida nunca se tenha pronunciado sobre esta matéria. (negrito nosso)
XXXII. O que, aliado ao facto de ter interposto esta acção mais de 7 (sete) anos após o sinistro, torna legítimo, nesta fase, desconfiar se esta terá conhecimento que a morte de A… poderá afinal não estar coberta pelo Contrato de Seguro dos Autos.
Ora,
XXXIII. Até para obviar a estas situações, Entendeu o Douto Tribunal da Relação de Lisboa, e muito bem, que «a cláusula geral e especial impondo ao Segurado, a fim de poder receber as importâncias seguras, a apresentação de documentos que ateste o carácter acidental do falecimento e determine a relação causa/efeito entre o acidente e a morte não é violadora das regras e princípios relacionados com o equilíbrio e lisura na celebração e execução do referido contrato», cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 28.06.2012 no âmbito do Processo n.º 15/10.0TJLSB.L1-6 e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/E65C52134B4D8F8E80257A6900321F2B. (negrito nosso)
XXXIV. «Essa obrigação, a cargo da Autora/Recorrida, resulta, inclusive, de um princípio de transparência e de um princípio de boa fé nas relações contratuais: a apresentação de um relatório médico onde constem as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte é uma exigência clara, transparente e de fácil obtenção e não viola qualquer das disposições da LCCG.», cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 09.07.2014 no âmbito do Processo n.º 841/10.0TVPRT.L1.S1 e disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/BF020BF003EFFE3880257D1200513B81. (negrito nosso)
XXXV. O clausulado em causa não exige o cumprimento de uma obrigação de difícil ou impossível concretização, não evidenciando uma posição de superioridade em face do consumidor, não existe um desequilíbrio significativo e/ou desproporcionalidade dos direitos e obrigações dos contraentes, nem foi colocada em crise a confiança suscitada nas partes nem houve modificação dos critérios de repartição do ónus da prova, ao ponto de tal cláusula contratual geral ser considerada proibida por violação das regras estabelecidas no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. Neste sentido, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa acima melhor identificado. (negrito nosso)
XXXVI. Com a junção do atestado médico, a Apelante apenas pretende ter conhecimento da causa da morte, porque só assim pode determinar se é responsável pelo risco ou se pode invocar cláusula de exclusão prevista no Contrato de Seguro.
XXXVII. Compulsado o clausulado em causa, dele não consta o propósito de impor à Beneficiária que faça prova de uma causa de exclusão cuja prova, esta sim, incumbirá posteriormente à Seguradora. (negrito nosso)
XXXVIII. Vale isto por dizer que a cláusula contratual colocada em crise que se reporta à necessidade de apresentação do relatório médico para o accionamento das coberturas contratadas, não é nula, uma vez que não se demonstrou que viole qualquer disposição do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, nomeadamente o disposto na alínea g) do artigo 21.º do mesmo diploma.
XXXIX. A ora Apelante tem, pois, o direito de recusar o pagamento do Capital Seguro enquanto a Recorrida não entregar um atestado médico onde se declarem as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte ao Segurado, seu falecido marido, nos termos supra expostos.
XL. Sendo o risco um elemento essencial do Contrato de Seguro é evidente que a Apelante, para liquidar as importâncias seguras, tem direito a conhecer esses aspectos (circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte), de modo a avaliar se estes se encontram dentro da delimitação do risco realizada ab initio pela Seguradora, aquando da celebração do Contrato dos Autos, daí não decorrendo qualquer inversão do ónus probatório. (negrito nosso)
XLI. Entender de outra forma e condenar a Seguradora a pagar o Capital Seguro sem que esta ou o Tribunal saibam sequer a causa da morte da Pessoa Segura é subverter todo o raciocínio subjacente à assunção do risco pela ora Apelante e admitir que todos possam exigir esse pagamento independentemente da causa do sinistro e, portanto, extrapolando o risco contratado e assumido pela Seguradora, o que desvirtua o próprio conceito de Contrato de Seguro. (negrito nosso)
XLII. Tanto assim que o n.º 2 do artigo 100.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, que é lei especial face ao regime das cláusulas contratuais gerais, estipula que na participação do sinistro «(…) devem ser explicitadas as circunstâncias da sua verificação, as eventuais causas das sua ocorrência e respectivas consequências.», o que o Douto Tribunal “a quo” ignorou. (negrito nosso)
XLIII. Mais, olvidou o disposto no n.º 1 do artigo 102.º também do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, o qual prevê expressamente que o Segurador se obriga a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências. (negrito nosso)
XLIV. Face ao que deve a Douta Sentença Recorrida ser revogada, em conformidade, absolvendo-se a ora Apelante do pedido.

A autora contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões essenciais a decidir:
- Validade ou invalidade da cláusula constante do artigo 14º, n.º 1, alínea c), das condições gerais do contrato de seguro, segundo a qual o pagamento das importâncias seguras exige do beneficiário obrigado, além do mais, a apresentação de atestado médico onde se declarem as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte, por violação do artigo 21º, alínea g), do DL n.º 446/85, de 25.10.
- Obrigatoriedade da autora/recorrida, como condição do direito ao pagamento do capital seguro, facultar à ré/recorrente o atestado médico onde se declarem as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte do marido.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1.- A autora M… e o seu marido, A…, celebraram, em 31-07-2003, com a ora ré Banco Comercial Português, S.A. um contrato de mútuo com hipoteca, cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i. cujo teor se considera aqui reproduzido (cópia da escritura pública do mútuo com hipoteca e cópia do documento complementar, fls. 25 a 31).
2.- Mediante o referido contrato, a ré BCP concedeu aos mutuários um empréstimo no montante global de € 67.500,00 para efeitos de obras de conservação em imóvel que constitui habitação própria secundária dos mutuários.
3.- Na data da celebração do contrato foi entregue aos mutuários, por crédito na conta bancária titulada pelos mesmos junto da ré e à qual corresponde o número, a primeira parcela da quantia mutuada, no montante de € 27.500,00.
4.- O remanescente de € 40.000,00 foi entregue aos mutuários nas condições acordadas entre os mesmos e a ora ré BCP.
5.- Nos termos da cláusula Primeira, ponto 3., do documento complementar que faz parte integrante da referida escritura pública, o valor dos € 40.000,00 foi entregue aos mutuários de forma fracionada e proporcional à evolução das obras de conservação.
6.- Os mutuários confessaram-se devedores de todas as quantias recebidas da ora ré BCP e obrigaram-se a aplicá-las na realização das obras, nos termos da sua proposta.
7.- Para garantia do pagamento da quantia mutuada, o mutuário António Candeias Garrido, com a autorização da ora autora, constituiu a favor da ré BCP uma hipoteca sobre o prédio urbano sito na Rua do Capitão, freguesia de Monte do Trigo, concelho de Portel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portel sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….
8.- No âmbito do contrato de mútuo celebrado, os mutuários obrigaram-se a subscrever um seguro multirriscos do imóvel hipotecado, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança da ora ré BCP, cfr. cláusula Décima, ponto 1., do referido documento complementar.
9.- E, nos termos da cláusula Décima, ponto 2., do referido documento complementar, obrigaram-se a contratar um seguro de vida, também em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança da ora ré BCP.
10.- Resulta da cláusula Sexta do aludido documento complementar que “Os pagamentos a efetuar pelos mutuários para liquidação do capital mutuado, respetivos juros ou outros encargos devidos por força do estipulado no presente contrato, serão efetuados por débito na conta de depósitos à ordem mencionada anteriormente ou em qualquer conta de que os mutuários sejam ou venham a ser titulares junto do Banco Comercial Português, S.A., autorizando, desde já, os mutuários, os débitos.”
11.- Trata-se da conta n.º …, titulada pelos mutuários junto da ora ré BCP e à qual se encontra associado o contrato de mútuo celebrado.
12.- Nos termos da cláusula Décima Primeira do referido documento complementar: 1.- Os mutuários obrigam-se a trazer pontualmente pagos os seguros referidos na cláusula anterior. 2.- Os mutuários autorizam desde já, com expressa sub-rogação, que, em caso de incumprimento de tais obrigações, o Banco as cumpra, efetuando por conta dos mutuários todos os pagamentos necessários (…). 3.- Se o Banco efetuar, na falta e por conta dos mutuários, o pagamento dos prémios e das contribuições em divida, nos termos do disposto no número anterior, os mutuários autorizam desde já o Banco a debitar os seus montantes em qualquer conta aberta em nome dos mutuários junto do Banco Comercial Português, S.A..
13.- Visando a celebração do aludido contrato de mútuo, a autora M… e o seu marido, A…, no decurso do mês de junho de 2003, propuseram a sua adesão a um contrato de seguro de grupo contributivo, do ramo vida, temporário, anual e renovável, titulado pela apólice n.º …, cfr. docs. juntos com o req. de 12-06-2020 (cópia da proposta de adesão, das condições gerais do contrato de seguro e do certificado individual de seguro, fls. 237 verso a 247).
14.- Naquela Proposta de Adesão, os Proponentes assumiram a obrigação de liquidar mensalmente os prémios do contrato de seguro em apreço, através da autorização de débito direto na conta de depósitos à ordem da sua titularidade com o n.º ….
15.- Assim, a partir de 31-07-2003, a autora M… e o seu marido, A…, tornaram-se Pessoas Seguras no âmbito daquela apólice n.º …, dada a sua qualidade de mutuários do Banco Comercial Português, S.A., que era o Tomador do Seguro, e a sua adesão à mesma para garantia do contrato de mútuo acima identificado, conforme previsto na cláusula 10.ª, n.ºs 2 e 3, do documento complementar ao mesmo contrato de mútuo.
16.- Passaram, então, a ser titulares do Certificado Individual n.º … cujo Capital Seguro inicial era de € 62.500,00 (sessenta e dois mil e quinhentos euros), aí constando a ora ré Banco Comercial Português, S.A. como o respetivo Beneficiário Irrevogável, cfr. documento intitulado “certificado individual de seguro” cuja cópia consta de fls. 246 verso e 247.
17.- A partir de maio de 2004, os prémios de seguro começaram a ser irregularmente pagos por débito direto na conta bancária associada ao contrato de seguro em questão, cfr. docs. de fls. 247 verso a 250.
18.- Até que, a partir de novembro de 2004, os recibos dos prémios de seguro retornaram sempre do Banco Comercial Português, S.A. com a informação de “conta não movimentável”, cfr. docs. de fls. 247 verso a 250.
19.- Neste seguimento, a ré Ocidental ainda efetuou nova tentativa de cobrança dos prémios em falta, tendo emitido e enviado para a morada das Pessoas Seguras os correspondentes “avisos de cobrança”, propondo o respetivo pagamento através da rede Multibanco, ou por cheque, no prazo fixado para tanto.
20.- Contudo, apenas foi pago o recibo respeitante ao período de 01-12-2004 a 31-12-2004 através do Multibanco, cfr. docs. de fls. 247 verso a 250.
21.- Daí em diante, no que respeita ao Certificado Individual n.º …, a ora ré Ocidental não conseguiu cobrar qualquer outro prémio de seguro.
22.- Assim, em 27-12-2005, a ora ré Ocidental procedeu à cessação das garantias conferidas às Pessoas Seguras no Contrato de Seguro em referência, com efeito a 01-12-2004, por falta de pagamento dos prémios de seguro desde essa data, o que foi comunicado tanto ao Beneficiário Irrevogável BCP como à Pessoa Segura António Garrido, neste caso, por carta que este recebeu, cfr. doc. de fls. 250 verso.
23.- Em 26-01-2010, foi preenchida uma proposta de adesão a contrato de seguro de Seguro de Grupo contributivo, do Ramo Vida, temporário, anual e renovável, onde figura como tomador do seguro a ora ré BCP, como seguradora a ré Ocidental e como pessoa segura, única e exclusivamente, o mutuário A…, não sendo a ora autora parte na mesma proposta, cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação da ré Ocidental (fls. 96 e verso) e doc. n.º 2 junto com a contestação da ré BCP cujo conteúdo se considera aqui reproduzido (fls. 146 e verso).
24.- A proposta de seguro em causa deu lugar à emissão do Certificado de seguro n.º …, respeitante à apólice n.º …, sendo que em tal seguro a ora ré BCP figura como beneficiário irrevogável em caso de verificação do risco e a cobertura contratada apenas a morte, cfr. docs. n.ºs 2 e 3 juntos com a contestação da ré Ocidental, fls. 97 a 102 (cópia das condições gerais e especiais e do mencionado certificado).
25.- A partir de 11-02-2010, o marido da autora, A…, tornou-se Pessoa Segura no âmbito da Apólice n.º …, passando a ser titular do Certificado Individual n.º … cujo Capital Seguro inicial era de € 51.018,82 (cinquenta e um mil e dezoito euros e oitenta e dois cêntimos).
26.- Em 18-01-2011, quanto ao identificado contrato de seguro - apólice n.º …, Certificado Individual n.º … -, o Capital Seguro era de € 47.852,75 (quarenta e sete mil e oitocentos e cinquenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos), cfr. doc. n.º 7 junto com a contestação da ré Ocidental, fls. 129.
27.- Através do referido contrato de seguro, a ré Ocidental garantiu à ora ré BCP o pagamento do capital em dívida no aludido contrato de mútuo, à data da morte de A…, e até ao limite máximo do Capital Seguro contratado, cfr. docs. n.ºs 2 e 3 juntos com a contestação da ré Ocidental, fls. 97 a 102.
28.- Nos termos da cláusula 12.ª, n.º 1, das condições gerais da Apólice n.º …, Salvo o disposto em contrário nas Condições Especiais ou Particulares, os prémios (…) e encargos legais são devidos pelo Tomador de Seguro e vencem-se na data início do período a que se referem.
29.- O marido da autora responsabilizou-se pelo pagamento do prémio de seguro, a liquidar mensalmente através de débito direto na conta de depósitos à ordem cujo NIB … indicou na Proposta de Adesão, cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação da ré Ocidental (fls. 96 e verso) e doc. de fls. 36 junto com a petição inicial.
30.- Por motivos a que a ora ré Ocidental é alheia, durante o mês de outubro de 2011 e daí em diante, não lhe foi possível cobrar os prémios de seguro na conta indicada, cfr. doc. n.º 4 junto com a contestação da ré Ocidental (fls. 103).
31.- Tentada a sua cobrança por três vezes, foi o recibo do prémio correspondente ao período de 01.10.2011 a 01.11.2011 devolvido pela ora ré BCP sempre com a informação “Conta sem saldo suficiente”, cfr. doc. n.º 4 junto com a contestação da ré Ocidental (fls. 103).
32.- O mesmo sucedeu aquando da tentativa de cobrança do recibo respeitante ao período entre 01.11.2011 e 01.12.2011.
33.- E, também, aquando da tentativa de cobrança do recibo respeitante ao período de 01.12.2011 a 01.01.2012.
34.- O Certificado Individual n.º … estatuía que o respetivo prémio de seguro se vencia no dia 1 do mês a que respeita, o que era, portanto, do conhecimento da Pessoa Segura A….
35. Tanto a ora autora como o seu falecido marido sabiam que aqueles prémios se encontravam a pagamento naquela conta, a partir dessa data, até porque isso mesmo constava da Agenda do Extrato Combinado da Conta indicada para a cobrança dos mesmos, cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação da ré BCP e ainda docs. de fls. 45 a 51 juntos com a petição inicial.
36.- Os prémios em causa, referidos em 30. a 33., nunca foram liquidados.
37.- Nos termos da cláusula 13.ª das condições gerais da apólice 00061190, O não pagamento dos prémios, dentro dos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato ou fazer cessar as garantias conferidas em relação a uma ou mais Pessoas Seguras. A utilização da faculdade concedida no número anterior não prejudica o direito da Seguradora ao prémio correspondente ao período decorrido, cfr. doc. de fls. 97 a 101 junto aos autos com a contestação da ré Ocidental.
38.- Ambas as rés Ocidental e BCP remetiam a sua correspondência para a morada da autora e do A… situada…, Monte do Trigo.
39.- Em 27.12.2011, através do envio de ficheiro (digital), a ré Ocidental comunicou à ré BCP que tinha cessado as garantias conferidas ao marido da autora através do identificado contrato de seguro - apólice n.º …, Certificado Individual n.º ….
40.- Tanto a autora como o seu falecido marido sabiam que os prémios de seguro em causa, referidos em 30. a 33., não foram pagos, sobretudo a partir do momento em que os mesmos deixaram de constar da carteira de seguros discriminada no Extrato Combinado, cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação da ré BCP e docs. de fls. 45 a 51 juntos com a petição inicial.
41.- Tanto a autora como o mutuário A… sabiam que os prémios do seguro de vida, referidos em 30. a 33., tinham deixado de ser pagos e tal informação resulta expressamente dos extratos mensais da conta bancária n.º … que sempre lhes foram enviados e de onde deixou de constar qualquer pagamento a título de seguro de vida, cfr. docs. de fls. 45 a 51 juntos com a petição inicial.
42.- O marido da autora nunca liquidou à ora ré Ocidental o prémio de seguro (mensal) respeitante ao período decorrido entre 01.10.2011 e 31.10.2011, no montante de € 56,15 (cinquenta e seis euros e quinze cêntimos).
43.- A identificada conta n.º … apresentou saldo a descoberto durante quase todo o ano de 2011, cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação da ré BCP, fls. 147 a 158 (cópia dos extratos da referida conta, correspondentes aos meses de janeiro a dezembro de 2011, cujo conteúdo se considera aqui reproduzido).
44.- Em várias ocasiões, pelo menos até ao mês de setembro de 2011, apesar da identificada conta n.º … não ostentar saldo suficiente para cobrir a totalidade dos débitos, ou até mesmo apresentar saldo a descoberto, sempre foram debitadas tanto as prestações do mútuo como as dos seguros (de vida e multirriscos), que posteriormente o segurado aprovisionava, pagando os juros correspondentes.
45.- As prestações do mútuo contratado são liquidadas aos dias 25 de cada mês, cfr. cláusula Segunda do referido documento complementar, e os prémios referentes ao seguro de vida eram pagos ao dia 1 de cada mês, cfr. consta do aludido certificado individual de seguro.
46.- No início do mês de janeiro de 2011, a conta n.º … apresentava um saldo negativo no valor de € 38,78, cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação da ré BCP.
47.- Contudo, partindo do pressuposto de que a situação em causa seria rapidamente resolvida, no sentido dos mutuários/titulares da conta regularizarem os montantes a descoberto, a ora ré continuou a debitar as prestações acordadas.
48.- Foi o que sucedeu nos meses de janeiro a setembro de 2011, cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação da ré BCP.
49.- A par do débito das prestações do mencionado mútuo, era também efetuado o débito direto do aludido seguro de vida, diretamente pela seguradora, a ora ré Ocidental.
50.- No início do mês de agosto de 2011, o saldo a descoberto da referida conta ascendia a € 430,21, sendo que, nesse mesmo mês, no dia 25, os mutuários creditaram a conta com o montante de € 450,00.
51.- Não obstante, após a concretização do débito das prestações do mútuo e dos respetivos prémios de seguro de vida, o saldo a débito na referida conta ascendia ao montante de € 436,82, cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação da ré BCP.
52.- No mês de setembro de 2011, apesar de ter sido depositado pelos mutuários, no dia 23, a quantia de € 420,00, o valor em causa era insuficiente para fazer face a todas as despesas, cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação da ré BCP.
53.- Nesse sentido, não foi nesse mês debitada a prestação correspondente do mútuo, no valor de € 375,41, por inexistência de saldo suficiente para o efeito, pelo que a referida prestação ficou, assim, em dívida, cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação da ré BCP.
54.- Em setembro de 2011, por débito na identificada conta bancária, foi paga a prestação do seguro de vida vencida no dia 1 daquele mês de setembro.
55.- No dia 25 de outubro de 2011, foi creditado na referida conta pelos mutuários o montante de € 800,00, tendo, assim, sido liquidada a prestação do mútuo correspondente a esse mês e a prestação que se encontrava em dívida do mês de setembro de 2011, bem como o prémio devido a título de seguros multirriscos.
56.- No dia 25-10-2011, a autora aprovisionou a identificada conta n.º … com € 800,00, tendo a ré BCP debitado, entre 25-10-2011 e 27-10-2011, os montantes de € 376,94 (respeitante à prestação do mútuo vencida em 25 de setembro de 2011 e não paga por falta de provisão), € 375,51 (respeitante à prestação do mútuo vencida em 25 de outubro de 2011), € 5,77 (respeitante ao pagamento mensal do seguro multirriscos habitação) e ainda diversos montantes respeitantes a diversos encargos (v.g., comissões e imposto de selo), apresentando aquela conta, entre o dia 27-10-2011 e 22-11-2011, um saldo negativo de € 89,30, cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação da ré BCP.
57.- Em 26-12-2011, na identificada conta n.º …, a ré BCP debitou a prestação do seguro Multirriscos habitação quando a conta estava a descoberto em € 7,80.
58.- Em 29-12-2011, a autora aprovisionou a identificada conta n.º … com € 450,00, tendo a ré BCP debitado no mesmo dia a importância de € 375,61, respeitante ao pagamento mensal do referido mútuo.
59.- Em 27-01-2012, a autora aprovisionou a identificada conta n.º … com € 400,00 euros, tendo a ré BCP debitado em 26-01-2012 o pagamento mensal do seguro multirriscos habitação e em 27-01-2012 a importância de € 375,61 relativa ao pagamento mensal do mútuo.
60.- Face à existência da “conta família/cliente frequente” nada justificou que, a partir de 27-10-2011, não tivessem sido cobrados pela ré BCP os prémios do seguro de vida vencidos entre 01-10-2011 e 01-01-2012 já que tal conta detinha um crédito para ser utilizado a descoberto de € 250,00, sendo certo que em 01-11-2011 se mantinha o saldo negativo de € 89,30, em 01-12-2011 apresentava um saldo negativo de € 7,80 e em 01-01-2012 apresentava um saldo positivo de € 42,03.
61.- Nos meses de outubro de 2011 a janeiro de 2012, a ré BCP não debitou na identificada conta n.º … o montante mensal de € 56,15, respeitante ao pagamento do identificado contrato de seguro (apólice n.º …, Certificado Individual n.º …).
62.- Para além da identificada conta bancária, os mutuários não eram titulares de outras contas junto da ora ré.
63.- Conforme consta do documento de fls. 43 a 44 verso, junto aos autos com a petição inicial, a autora e o seu marido A… eram titulares, desde 23-01-2009, da “conta família DDA n.º …”, tendo aceite as condições contratuais do serviço “cliente frequente”.
64.- Nos termos da alínea d) da cláusula 5.ª do aludido serviço “cliente frequente”, tal serviço incluía: Atribuição à Conta Família de uma autorização de saque a descoberto até ao limite de 250 € (duzentos e cinquenta euros) que poderá utilizar sem quaisquer custos durante 6 dias, seguidos ou alternados, todos os meses; O cliente obriga-se a não utilizar a facilidade de utilização a descoberto até 250 €, atribuída à Conta Família, por períodos superiores a 30 dias consecutivos. O não cumprimento desta obrigação implica o imediato cancelamento da facilidade de utilização a descoberto.
65.- Nos termos da cláusula 7.ª do aludido serviço “cliente frequente”, O Banco pode resolver o acordo relativo a cliente frequente, com efeitos imediatos, se (…) falta de provisão da conta depósitos à ordem acima mencionada para fazer face aos pagamentos devidos ao Banco pelos seus titulares, nomeadamente da mensalidade devida pelo serviço “cliente frequente.”
66.- Nos meses de janeiro a agosto de 2011, a ré BCP debitou na conta n.º 45237490652 o montante correspondente ao pagamento mensal do serviço “cliente frequente”, sendo de € 5,25/mês nos meses de janeiro a março de 2011 e de € 7,00/mês nos meses de abril a agosto de 2011, cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação da ré BCP.
67.- A partir do mês de setembro de 2011, a ré BCP não debitou na conta n.º 45237490652 o montante correspondente ao pagamento mensal do serviço “cliente frequente” por entender que a autora e o seu marido deixaram de beneficiar de tal serviço a partir daquele mês.
68.- O mutuário, A…, faleceu em 30 de janeiro de 2012, cfr. doc. de fls. 51 verso e 52 junto com a p.i..
69.- A ré Ocidental desconhece a causa da morte do marido da autora porquanto nunca rececionou os documentos indispensáveis à regularização do sinistro sub judice, a saber: certidão de nascimento ou bilhete de identidade da Pessoa Segura; atestado médico onde se declare as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte, cfr. n.º 1 do artigo 14.º das Condições Gerais da apólice n.º 00061190 cuja cópia consta de fls. 97 a 101.
70.- Em 22-05-2014, a autora enviou à ré BCP, e esta recebeu, a carta cuja cópia consta de fls. 118 e verso, junta aos autos com a contestação da ré Ocidental, considerando-se aqui reproduzido o respetivo teor.
71.- Em 19-06-2014, a ré Ocidental enviou à autora, e esta recebeu, a carta cuja cópia consta de fls. 120, junta aos autos com a contestação da ré Ocidental, considerando-se aqui reproduzido o respetivo teor.
72.- O A… foi reformado em 01-09-2003 por velhice, e não por invalidez, cfr. doc. junto com o requerimento de 09-11-2020 (declaração do Instituto da Segurança Social, I.P.).

E foi considerada não provada a seguinte factualidade:
1.- O identificado contrato de mútuo tem o n.º 597954573. (ver fls. 96)
2.- Da referida proposta de 26-01-2010 resulta que, em relação ao seguro de vida, o capital total a segurar era de € 67.500,00.
3.- Em 27-12-2005, a ora ré Ocidental enviou à Pessoa Segura Maria Garrido, e esta recebeu, uma carta com o teor do documento de fls. 250 verso.
4.- Quanto ao identificado contrato de seguro - apólice n.º 00061190, Certificado Individual n.º 71527693 -, a ré Ocidental ainda efetuou nova tentativa de cobrança dos prémios em falta (vencidos desde 01-10-2011) por meio do envio para a morada da Pessoa Segura A… dos correspondentes “avisos de cobrança” onde se propunha o respetivo pagamento através da rede Multibanco, ou por cheque, no prazo fixado para tanto.
5.- Quanto ao identificado contrato de seguro - apólice n.º 00061190, Certificado Individual n.º … -, Posteriormente, a ré Ocidental enviou à Pessoa Segura A… uma carta por meio da qual a avisou que: “Na sequência dos avisos de cobrança anteriormente remetidos e, não se tendo verificado até ao momento o pagamento do prémio de seguro da apólice em referência, informamos que procederemos à anulação da referida Apólice, nos termos contratuais e legais em vigor, na data acima indicada, a partir da qual deixam de ser garantidas as coberturas previstas nas Condições Gerais, Especiais se as houver, e Particulares.”
6.- Por carta de 24.12.2011, recebida pelo A…, a ré Ocidental comunicou ao mesmo A… que procedeu à cessação das garantias conferidas à Pessoa Segura na apólice n.º …, Certificado Individual n.º …, com efeitos a 01.10.2011, cfr. doc. de fls. 120 verso junto aos autos com a contestação da ré Ocidental.
7.- Nessa data - 25 de outubro de 2011 -, os mutuários foram alertados pessoalmente pelo Senhor L… - colaborador da ré BCP por quem costumavam ser atendidos quando se dirigiam ao Banco - para o facto de se encontrar em falta o pagamento do prémio de seguro e para a urgência na regularização da situação concreta, sob pena de anulação da apólice pela seguradora, pois, em face da falta de pagamento da prestação em causa, já não seria efetuado o débito direto das restantes, nos moldes em que vinha sendo efetuado até à data, sendo necessário contactar a seguradora e proceder às respetivas regularizações, ao que lhe foi respondido pelos mutuários que iam resolver a situação.
8.- A ré BCP sempre prestou aos mutuários informação clara acerca dos incumprimentos verificados, bem como das consequências associadas a tais comportamentos bancários.
9.- Após o falecimento do marido da autora, esta deslocou-se ao balcão da agência de Portel da ora ré BCP onde ela e o seu falecido marido fizeram todas as tratativas quer do mútuo quer dos seguros, e aí tentou acionar a garantia pela morte do esposo, tendo sido informada pelo funcionário do Millennium BCP que habitualmente a atendia que o contrato de seguro de vida (respeitante à apólice n.º …, Certificado Individual n.º …) tinha sido anulado por falta de pagamento.
10.- Quanto ao identificado contrato de seguro - apólice n.º …, Certificado Individual n.º … -, a autora e o seu falecido marido jamais foram notificados quer da mora no pagamento do seguro de vida, quer da resolução do contrato, seja pela ré Ocidental, seja pela ré BCP.
11.- Para pagamento do prémio mensal respeitante ao identificado contrato de seguro - apólice n.º …, Certificado Individual n.º … -, o A… e a autora mantiveram sempre aprovisionada a conta n.º … junto da ré BCP.
12.- A autora, nos momentos que antecederam a morte do marido que ficou hospitalizado vários meses, sempre que se deslocou ao balcão do BCP em Portel, para aprovisionar a conta, sempre questionou os funcionários se estava tudo bem com relação ao empréstimo, sendo-lhe invariavelmente respondido que tudo ia bem e não se preocupasse.
13.- A autora, semianalfabeta, várias vezes perguntou ao funcionário bancário presente se estava tudo bem com o empréstimo, não lhe tendo sido prestada nenhuma informação, que sequer fizesse supor qualquer incumprimento.
14.- Em 26-10-2011, a identificada conta n.º … apresentava um saldo positivo de € 286,55.
15.- Em 01-10-2011, a provisão da identificada conta n.º …, acrescida do crédito a descoberto de € 250,00, era suficiente para o pagamento
do montante mensal de € 56,15, respeitante ao pagamento do identificado contrato de seguro vida.
16.- A ré Ocidental nunca rececionou a certidão de óbito do A….
17.- A autora sofreu stress e angústia durante vários anos em consequência de várias diligencias junto de diversas entidades, sem que obtivesse qualquer efeito, fazendo perigar a sua sobrevivência, com parcos proventos e muitas despesas, a provocarem angústia, stress e um sentimento de impotência e frustração.

O DIREITO
Da validade ou invalidade da cláusula constante do artigo 14º, n.º 1, alínea c), das condições gerais do contrato de seguro.
Estamos perante questão suscitada pela recorrente, que nas conclusões imputa à sentença recorrida o entendimento de que é nula a cláusula inserta no artigo 14º, nº 1, alínea c) das condições gerais do contrato de seguro, segundo a qual o pagamento das importâncias seguras exige do beneficiário obrigado a apresentação de atestado médico onde se declarem as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte.
Mas será assim?
Escreveu-se na sentença recorrida:
«(…), dos n.ºs 1 e 2 da Cláusula 14.ª das Condições gerais do seguro não resulta que a omissão de entrega dos documentos ali mencionados acarrete, sem mais, a exclusão da obrigação de pagamento a cargo da seguradora, sendo certo que no âmbito dos presentes autos a ré OCIDENTAL nada requereu com vista ao apuramento da existência de eventual exclusão daquela obrigação de pagamento.
Cabe à seguradora pagar a importância segura ao beneficiário verificada a morte do segurado, a menos que ocorra qualquer facto que exclua a sua responsabilidade; o ónus da prova de tal exclusão recai sobre a seguradora; são nulas as cláusulas contratuais gerais pela qual a seguradora inverte esse ónus, pondo a cargo do beneficiário a prova da inexistência de facto que exclua a responsabilidade desta sob pena de não pagamento do prémio. [acórdão de 21-06-2012 do TRL, Proc. n.º 208/10.0YXLSB.L1-2].
Assim, a acusada omissão de entrega dos aludidos documentos não constitui fundamento para a pretendida exclusão da obrigação de pagamento a cargo da ré OCIDENTAL.»
Ora, contrariamente ao que defende a recorrente, em momento algum da sentença, nomeadamente na parte acabada de transcrever, se afirmou estarmos perante uma cláusula nula, defendendo-se apenas caber à seguradora o ónus da prova da exclusão de pagamento da importância segura, e serem nulas as cláusulas que invertam esse ónus, colocando a cargo do beneficiário do seguro a prova da inexistência de facto que exclua a responsabilidade da seguradora sob pena de não pagamento do prémio, citando a propósito um acórdão da Relação de Lisboa e nada mais.
Não foi por considerar a aludida cláusula nula com o referido alcance, que a sentença recorrida considerou ser devido o pagamento do prémio in casu, mas sim por entender que a mera omissão de entrega do referido atestado não constitui fundamento para a pretendida exclusão da obrigação daquele pagamento.
Torna-se assim desnecessária qualquer discussão sobre a validade ou não de uma cláusula daquele jaez, sem prejuízo de considerarmos como mais curial nessa matéria o entendimento vertido no acórdão do STJ de 09.07.2014[1], segundo a qual «[a] cláusula geral que impõe à segurada sobreviva, a fim de poder beneficiar da cobertura do contrato de seguro de vida, a apresentação de documento onde se declarem as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte ao segurado, não é violadora do art. 21.º, al. g), da LCCG, porquanto não modifica os critérios de repartição do ónus da prova».
Passemos, pois, sem mais delongas, a apreciar a segunda questão decidenda.

Da obrigatoriedade de apresentação pela autora de atestado médico.
Segundo a recorrente, para acionar o seguro de vida com a correspondente liquidação das quantias seguras não basta a comunicação da morte do cônjuge do segurado. É necessário, a par dessa comunicação, a entrega de toda a documentação prevista no artigo 14º, n.º 1, alínea c), das condições gerais do contrato de seguro, nomeadamente o atestado médico aí referido, para assim a Seguradora poder devidamente analisar o caso, com conhecimento de todos os factos e tomar deste modo a melhor decisão face ao estipulado no contrato.
Para a recorrente trata-se, pois, de uma condição de exigibilidade, constitutiva do direito à liquidação das importâncias: sem a sua verificação não podem os segurados exigir qualquer quantia à seguradora.
Entendemos, porém, que não é assim.
Desde logo, como do próprio teor da cláusula contratual em referência decorre, estipulam-se na mesma as condições de liquidação das importâncias seguras, dispondo o indicado preceito que «o pagamento das importâncias seguras terá lugar, se outro local ou outra via não forem estabelecidos pela Seguradora, nos escritórios da Seguradora, após a entrega dos documentos comprovativos da qualidade de Beneficiário, e mediante a apresentação dos documentos indispensáveis à sua regularização», entre eles o já referido atestado médico.
Trata-se, assim, de condições de liquidação da importância segura e condições de procedibilidade respetiva, e, em caso algum, de condições de exigibilidade e de verificação do direito[2], pressupondo-se, aliás, na cláusula em referência, que o pagamento terá lugar caso a tal haja direito, sendo a verificação do sinistro, in casu, o falecimento do titular do contrato, o evento de risco acionador do direito à indemnização e condição de exigibilidade do direito, tal como da própria noção legal de contrato de seguro decorre[3].
O contrato de seguro caracteriza-se «pela obrigação, assumida pelo segurador, de realizar uma prestação (maxime, pagar uma quantia) relacionada com o risco do tomador de seguro ou de outrem (segurado, eventualmente, pessoa segura)»[4], sendo estes os seus elementos essenciais e constitutivos do direito.
Nestes termos provou a autora/recorrida os elementos constitutivos do seu direito, nos termos do art. 342º do CC.
Ademais, o art. 762º, nº 2, do CC impõe ao credor e ao devedor que, no âmbito das respetivas situações jurídicas, procedam de boa fé.
Trata-se de um verdadeiro conceito jurídico, ou, se quisermos, ético-jurídico, a que não corresponde um conteúdo rígido e uniforme, antes apresentando contornos variáveis ou flexíveis, determinados em função das circunstâncias de cada tipo de situações, e que aponta para o dever social de agir com a lealdade, a correção, a diligência e a lisura exigíveis das pessoas, conforme as circunstâncias de cada ato jurídico[5].
O conceito de boa fé é uma exigência do reconhecimento de que o vínculo obrigacional não se reduz a um mero dever de prestar, a cargo do devedor, justaposto e contraposto à pretensão creditícia, conglobando antes, na sua estrutura interna, vários elementos jurídicos autónomos, que fazem de tal vínculo uma realidade composta ou complexa. Fala-se, a este respeito, da complexidade intra-obrigacional[6].
Ora, «é nessa complexidade intra-obrigacional que se situam os deveres acessórios de conduta, baseados na boa fé.
Estabelecem-se deveres que têm por objetivo assegurar que, na realização da prestação, as condutas a desenvolver não envolvam danos para o credor nem impliquem sacrifícios desmesurados para o devedor. Eles atingem ambas as posições: não apenas a do devedor, sim também, como decorre do citado art. 762º/2, a do credor, também ele adstrito a uma série de deveres - de lealdade, de esclarecimento, de colaboração, de protecção - coincidentes com os do devedor e situados para além do mero dever de aceitar a prestação»[7].
Como refere Menezes Cordeiro[8], os deveres acessórios de esclarecimento obrigam as partes a, na vigência do contrato que as une, informarem-se mutuamente de todos os aspetos atinentes ao vínculo, de ocorrências que, com ele tenham certa relação e, ainda, de todos os efeitos que, da execução contratual, possam advir.
Assim, pretendendo a recorrente certificar-se das condições de liquidação das importâncias seguras, era exigível, segundo a boa fé, que solicitasse à autora a entrega dos elementos tidos como necessários a tal aferição, e não se remeter ao silêncio, escudada na interpretação de uma cláusula contratual que, como se viu, não é a correta, para dessa forma se eximir, sem mais, ao referido pagamento.
Por conseguinte, o recurso improcede.

Vencida no recurso, suportará a autora/recorrente as respetivas custas - artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

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Évora, 9 de setembro de 2021
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto)
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[1] Proc. 841/10.0TVPRT.L1.S1, in www.dgsi.pt.

[2] Cfr., neste sentido, o acórdão da Relação de Guimarães de 26.03.2015, proc. 4975/12.9TBBRG.G1, in www.dgsi.pt.

[3] Dispõe o art. 1º da LCS: «Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente».

[4] Pedro Romano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2016 – 3ª Edição, p. 38.

[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., pp. 4/5.

[6] Cf. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. I, p. 586 e ss.

[7] Acórdão do STJ de 12.06.2003, proc. 03B573, in www.dgsi.pt.

[8] Ibidem, p. 605.