REJEIÇÃO DE RECURSO
CONTRATO DE TRABALHO
ÓNUS DA PROVA
SUBSÍDIO
PAGAMENTO
MÁ FÉ
Sumário


i) a não indicação dos pontos concretos da matéria de facto impugnada e dos concretos meios de prova que fundamentam a alteração, conduz à rejeição do recurso sobre a matéria de facto.
ii) ao trabalhador cabe alegar e provar que prestou a sua atividade e à empregadora cabe alegar e provar que pagou.
iii) o subsídio de fardamento não pode deixar de ser pago pela empregadora enquanto se mantiver a obrigação de usar farda, imposta pela empregadora.
iv) litiga com má-fé a parte que alega factos na contestação que sabe serem não verdadeiros.
v) a conduta ilícita e culposa da empregadora justifica, pela sua gravidade, a condenação no pagamento de uma compensação à trabalhadora, a título de danos não patrimoniais. (sumário do relator)

Texto Integral



Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: PMH Produtos Médicos Hospitalares SA (ré)
Apelada: M… (autora).

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Santarém, J1.

1. A autora veio propor ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a ré, pedindo que seja reconhecida a existência de fundamentos para a autora resolver, com justa causa, o contrato de trabalho que mantinha com a R., bem como ser declarada válida e lícita a aludida resolução levada a cabo pela autora e, consequentemente, a ré condenada a pagar à autora a quantia total de € 16 093,94, correspondentes aos créditos laborais seguintes e já vencidos por não pagos, a saber:
- Subsídio de Fardamento correspondente a janeiro a julho de 2017, anos 2018 e 2019: €. 175,00 (€. 5,00/mês x 35 meses);
- Horas de Formação não prestadas correspondentes a 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 (artigo 134.º CT): €. 562,28 (3.213 x 35 h. x 5 anos);
- Férias não gozadas correspondentes ao trabalho prestado durante o ano 2016 (14 dias úteis): €. 353,33;
- Férias não gozadas correspondentes ao trabalho prestado durante o ano 2017 (12 dias úteis): €. 318,28;
- Subsídio de Férias correspondente ao trabalho prestado no ano 2011: €. 255,12;
- Subsídio de Natal correspondente ao trabalho prestado no ano 2011: €. 255,12;
- Proporcionais do subsídio de natal correspondente ao ano 2019: €. 600,00;
- Proporcionais do direito a férias correspondente ao ano 2019: €. 600,00;
- Proporcionais do subsídio de férias correspondente ao ano 2019: €. 600,00;
- Vencimento correspondente ao trabalho prestado no mês de julho de 2019 (12 dias úteis de trabalho prestado): €. 342,85;
- Subsidio Refeição correspondente ao trabalho prestado no mês de julho de 2019 (12 dias úteis): €. 81.96;
- Indemnização a que alude o disposto no n.º 1 do artigo 396.º do Código do Trabalho: €. 9 450,00;
- Indemnização por danos morais: €. 2 500,00.
Em síntese, enquadrando a relação laboral estalecida com a ré, as vicissitudes da sua vigência, o contexto da omissão de pagamento dos créditos peticionados e as circunstâncias da sua baixa médica e doença profissional, a autora alegou que a ré, à revelia das recomendações médicas e em claro desprezo e desrespeito pelas limitações e doenças físicas que afetavam a autora, bem sabendo que a mesma se encontrava impossibilitada de exercer as funções correspondentes à sua categoria profissional, colocou a autora no mesmo setor e com as mesmas funções anteriores da baixa, bem sabendo que estas foram a causa determinante para o surgimento das doenças profissionais, compelindo ainda a autora a desempenhar as mesmas tarefas, facto que agravou o estado clínico daquela, daí resultando, uma vez mais, a incapacidade da autora para o trabalho, a qual, a partir de 27 de julho de 2019, ficou novamente impossibilitada para desempenhar quaisquer funções para a R.,
Mais alegou que, face à falta de pagamento dos créditos laborais devidos, perante as dores que sentia, limitações físicas decorrentes das suas doenças profissionais, dificuldades financeiras com que se deparava, aliado ao facto de a ré não ter manifestado qualquer disponibilidade para integrar a autora noutras funções ou “aligeirar” as tarefas que lhe incumbiu, a autora decidiu comunicar à ré, por via de carta datada de 13 de dezembro de 2019, a resolução, com justa causa, do contrato de trabalho que havia celebrado com aquela no dia 22.06.2011, com efeito a 23 de dezembro de 2019, mais concluindo que a conduta da R., perante a autora, também constituirá um claro exemplo de assédio moral e ofensa à integridade física e moral, honra e dignidade da mesma.
A Autora juntou prova documental e arrolou prova testemunhal.
Foi proferido despacho a ordenar a citação da ré e a designar dia para a realização de audiência de partes, a qual decorreu com inteira observância do legal formalismo como decorre da respetiva ata.
A ré, regularmente notificada, veio apresentar contestação, defendendo a inexistência de justa causa de resolução e abuso de direito da autora, a licitude do não pagamento do subsídio de fardamento, a liquidação dos créditos laborais relativos ao ano de 2011, a licitude do horário de trabalho, mais alegando desconhecer quaisquer queixas relativamente à condição física da A., (ao menos que a autora lhas tivesse manifestado) não existindo qualquer documento emitido pelo médico responsável pela área do trabalho da empresa, senão a ficha de aptidão para o trabalho, datada de 08-07-2019, e que os trabalhos que foram desde sempre atribuídos à A., não se repetiam ao longo do dia, e aquando do regresso ao trabalho da mesma, foram alterados e aliviados atendendo à condição médica da A., sendo falso, que a ré não tenha atribuído novas tarefas à autora e que por consequência esta tenha agravado o seu estado clínico, e que procedeu a uma compensação de créditos recebidos indevidamente pela trabalhadora, mais concluindo que:
- O subsídio de fardamento deixou de existir a partir de janeiro de 2017, pelas amplas razões ao longo da contestação explanadas, devido ao facto de essa prestação de serviços de limpeza do fardamento ter deixado de ser exigido, sendo abusiva a menção aos anos de 2018 e 2019, período esse que a autora se encontrou de baixa médica;
- Relativamente às horas de formação, tal como o exposto no artigo 52º desta contestação, os créditos de horas para formação continua, cessa, ao abrigo do nº 6 do artigo 132º do Código do Trabalho, passados três anos sobre a sua constituição, e relativamente ao período de 2017 a 2019, a funcionária encontrou-se de baixa médica, ficando impedida dessa forma a ré de lhe ministrar a sobredita formação, por facto que lhe não é imputável;
- Já relativamente às férias não gozadas correspondentes ao trabalho de 2016, desse ano apenas ficaram por gozar 4 dias, que a autora gozou em 2017;
- No que concerne às férias não gozadas em 2017, conforme comprova o recibo de vencimento junto como doc. 10, foram pagas em 31-07-2019, aquando do regresso da autora de baixa prolongada desde 2017, sendo falso que a ré deva qualquer montante a este título.
- O subsídio de férias e de Natal de 2011, foram ambos pagos à trabalhadora em 2012 e 2011 respetivamente, como provam os recibos de vencimento juntos como documentos 2 e 3, ora juntos.
- Relativamente ao vencimento do mês de julho de 2019, o mesmo já foi explicado no artigo 46º da contestação: o que em boa verdade, sucedeu foi que a A., em agosto de 2017, apesar de ter trabalhado apenas três dias desse referido mês, recebeu por parte da ré o vencimento do mês completo, encontrando-se de baixa o restante mês. Portanto, tal como supra se referiu, aquando do seu regresso ao trabalho em julho de 2019, viu-lhe ser descontado desse mês o valor que erradamente tinha auferido em agosto de 2017, operando-se uma compensação de créditos, que a autora sempre teve conhecimento e aceitou como correta;
- Já em relação ao subsídio de Natal e subsídio de férias de 2019, confirma-se através do recibo de vencimento do mês de julho de 2019 (doc. 10), em que a trabalhadora apenas trabalhou 12 dias no ano de 2019, o proporcional ao tempo de trabalho da A, tendo sido total e atempadamente pagos;
- Quanto ao subsídio de refeição do mês de julho de 2019, foi pago nesse mesmo mês, conforme consta do recibo de vencimento do mês de julho.
A ré veio apresentar pedido reconvencional de condenação da autora no pagamento de 1.200,00€ a título de indemnização por falta de pré-aviso, correspondente à alegação de que a autora cessou o contrato sem qualquer fundamento de justa causa e incumprindo o prazo de 60 dias de pré-aviso, consagrado no art.º 40.º do Código do Trabalho.
A autora veio apresentar articulado de resposta à contestação, impugnando os factos vertidos no pedido reconvencional e aceitando a confissão da ré quanto à falta de pagamento parcial dos créditos peticionados.
Em 30-06-2020, foi proferido despacho saneador pelo qual se determinou o objeto processual, os temas de prova e o âmbito da prova a produzir.
Foi designada data para a realização de audiência de julgamento, tendo a audiência de julgamento decorrido como consta das respetivas atas.
Nessa sequência, foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Pelo exposto, em conformidade com as disposições legais e fundamentos citados, julgo parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:
a) Declaro válida e licita a resolução do contrato por inciativa da autora Maria de Fátima Martins Antunes com fundamento em justa causa;
b) Condeno a ré PMH Produtos Médicos Hospitalares SA a pagar à autora a quantia de 8.590,11€ (oito mil quinhentos e noventa euros e onze cêntimos) por conta da indemnização prevista no art.º 396.º n.º 1 do código de trabalho;
c) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;
d) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 40 (quarenta euros) a título de subsídio de fardamento devido de janeiro a julho de 2017;
e) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 121,10€ (cento e vinte e um euros e dez cêntimos) a título de crédito de 35 horas por formação não prestada no ano de 2017;
f) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 353,33€ (trezentos e cinquenta e três euros e trinta e três cêntimos) a título de compensação por férias não gozadas do ano de 2016;
g) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 318,28€ (trezentos e dezoito euros e vinte e oito cêntimos) a título de compensação por férias não gozadas do ano de 2017;
h) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 255,12€ (duzentos e cinquenta e cinco euros e doze cêntimos) a título de subsídio de férias do ano de 2011;
i) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 255,12€ (duzentos e cinquenta e cinco euros e doze cêntimos) a título de subsídio de natal do ano de 2011;
j) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 342,85€ (trezentos e quarenta e dois euros e oitenta e cinco cêntimos) correspondente ao trabalho prestado no mês de julho de 2019, no período de 8 de julho a 26 de julho;
k) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 600,00€ (seiscentos euros) a título de compensação por férias não gozadas do ano de 2019;
l) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 600,00€ (seiscentos euros) a título de subsídio de férias do ano de 2019;
m) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 50,00€ (cinquenta euros) a título de proporcional do subsídio de natal do ano de 2019;
n) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de 76,92€ (setenta e seis euros e noventa e dois cêntimos) a título de subsídio de alimentação pelo ao trabalho prestado no mês de julho de 2019, no período de 8 de julho a 26 de julho;
o) Condeno a ré a pagar juros de mora sobre as quantias referidas, à taxa legal, contados desde a data de citação até total e efetivo pagamento;
p) Determino o desconto a favor da ré da quantia de 84,86€ (oitenta e quatro euros e cointanta e seis cêntimos);
q) Condeno a ré como litigante de má-fé na quantia de 10ucs;
r) Absolvo a ré do demais peticionado pela autora;
s) Julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional, com absolvição da autora do pedido de pagamento à ré da quantia de 1.200,00€ (mil e duzentos euros) a título de indemnização por falta de pré-aviso.
Custas pela autora e ré, na proporção de 2/10 para a autora e 8/10 para a ré, nos termos do art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC e art.º 6.º, nº 1 e Tabela I do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2004, de 26 de fevereiro.

2. Inconformada, veio a R. interpor recurso de apelação que motivou e concluiu que:
A. Quanto à matéria de facto, deve ficar assente que:
1) A ré sempre pagou a todas as trabalhadoras o subsídio de fardamento no valor mensal de 5 euros como contrapartida de exigir que as funcionárias lavassem as suas fardas – o que tendo deixado se ser exigido, deixou naturalmente de ser subsidiado em relação a todas as funcionárias;
2) Quanto à incapacidade da autora de 7% e a sua baixa no período de 20 de julho de 2017 a 6 de junho de 2019, não existem documentos nos autos datados nesse período que o atestem, nem que comprovem que a ré sabia dessa incapacidade em 2017, como alegado, só tendo tido efetivamente conhecimento dessa situação em julho de 2019;
3) Não ficou comprovado judicialmente em que se traduz a referida incapacidade de 7%, uma vez que se traduz numa capacidade de 93% para trabalhar, e por outro lado executa atualmente tarefas extremamente repetitivas e de utilização dos membros superiores – logo, das duas uma: ou esta incapacidade de 7% afinal não é … incapacitante, podendo e devendo a autora ter trabalhado nos períodos em que não o fez; ou é mesmo incapacitante, de forma a que a autora não poderia estar a fazer limpezas, como alegar estar a fazer;
4) A ré prestou sempre aos seus funcionários as formações legalmente exigíveis adequadas às funções a desempenhar, conforme os setores e os turnos, umas vezes recorrendo a empresas ou profissionais para o efeito, outras vezes sendo ministradas pelas Encarregadas de Turno, estando estas diária e constantemente a formar as trabalhadoras;
5) A partir do momento em que a ré soube da situação de incapacidade da autora em julho de 2019, deu instruções para que à autora fossem cometidas as tarefas mais leves e compatíveis com a sua incapacidade e com a atividade da empresa, não sendo verdade que a autora ou qualquer outra trabalhadora da ré faça as mesmas tarefas ou a mesma espécie durante todo o dia de trabalho, pois as mesmas estão sempre sujeitas a rotação de postos de trabalho, estando umas vezes em pé, outras sentadas, umas vezes a encaixotar e empacotar, outras a colar etiquetas ou a montar as peças (por exemplo);
6) Tendo sido dito às Encarregadas que lhe cometessem as tarefas mais leves, como “colar etiquetas”, não querendo com isto dizer que fosse exclusivamente essa específica tarefa, mas apenas tarefas desse género), não tendo esta sido colocada a manipular cargas, até porque não seria eficiente, dado que o mais certo seria que não conseguisse executá-la, tendo respeitado o mais possível as recomendações médicas relativas à incapacidade da autora;
7) Quanto ao facto de que 27 em de julho de 2019 a autora ficou novamente impossibilitada da desempenha funções para a ré, o que é certo é que a autora ficou sem trabalhar para a ré a partir dessa data, o que não significa necessariamente que tenha ficado de baixa ou que essa a existir efetivamente tenha sido provocada pelo trabalho na ré, pois como se disse, a autora desde que se reapresentou ao serviço na ré em 2019, apenas trabalhou uns dias e apenas realizou as tarefas mais ligeiras que lhe poderiam ter sido cometidas, compatíveis com a sua incapacidade de 7% e com as tarefas a desempenhar na fábrica;
8) Quanto à prestação ou não do consentimento da compensação, a verdade é que ela é neste caso irrelevante para a decisão da causa e para a descoberta da verdade material, porquanto o instituto jurídico da compensação não exija qualquer forma de consentimento para que ela se possa realizar;
9) Quanto aos factos dados como não provados, devem todos ser dados por provados, por serem verdadeiros e porque conformes aos depoimentos das Testemunhas A… e P…a, bem como com a prova documental oferecida aos autos (como atrás ficou bem claro;
10) Não agiram as Testemunhas P… e A… com reserva mental ou de forma muito interessada e pouco colaborante, não obstante trabalharem para a ré, apenas tendo dito aquilo que com conhecimento de causa sabiam ter ocorrido – que a ré apenas soube da situação da autora em julho de 2019 e que a partir daí agiu em conformidade com as recomendações médicas, cometendo-lhe as tarefas mais simples e leves.
B) Relativamente à matéria de Direito:
1) Impugna-se a obrigação de pagar o subsídio de fardamento, por ter deixado de se exigir às trabalhadoras que limpassem a sua farda, pois que apesar ter sido esse subsídio uma prestação regular e periódica, ela não consistia num “direito em contrapartida do seu trabalho”, nos termos do art.º 258.º n.º 1 do CT;
2) Impugnam-se todos e quaisquer pretensos créditos de horas para formação da autora, pois que ré sempre ministrou as formações legalmente exigidas adequadas às funções a desempenhar, conforme os sectores e os turnos, umas vezes recorrendo a empresas ou profissionais para o efeito, outras vezes sendo ministradas pelas Encarregadas de Turno, embora estas estejam diária e constantemente a formar as trabalhadoras, uma vez que as tarefas e funções a desempenhar na linha de montagem mais não exigem, não existe qualquer crédito pelas horas de formação, nem qualquer direito a retribuição com base nelas – nos termos do art.º 131.º do CT (não tendo aplicação nem cabimento ao caso o disposto nos art.º 132.º e 134.º do CT);
3) Impugna-se o crédito por subsídio de férias de 2011 no valor de 255,12 euros, pois que o art.º 337.º n.º 2 do CT estatui que “o crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo”, pelo que na falta de tal prova pela autora os mesmos não poderão ser exigidos;
4) Impugna-se o crédito pelo vencimento do mês de julho de 2019 no valor de 342,85 euros, por operação (unilateral) do instituto jurídico da compensação, cujos requisitos no caso em apreço se verificam totalmente – em parte alguma se exige o consentimento da outra parte; bem pelo contrário, a lei permite clara e expressamente que “qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação (…) mediante declaração de uma das partes à outra” (art.º 847.º n.º 1 e 848.º n.º 1 Cciv);
5) Impugna-se o crédito pelo subsídio de Natal do ano de 2019 pelo valor de 600 euros, pois que este subsídio é proporcional ao tempo de trabalho prestado nos casos de suspensão do contrato, sendo que no caso o contrato esteve suspenso no período entre 20 de julho de 2017 a 6 de junho de 2019, tendo a autora trabalhado efetivamente menos de 20 dias no ano de 2019 (entre 8 e 27 de julho de 2019), pelo que não é devido mais do que a importância já liquidada – nos termos dos art.º 263.º n.º 2 al. c) e 296.º n.º 1 CT;
6) Impugna-se a indemnização por cessação do contrato de trabalho da autora por justa causa, uma vez que não houve por parte da ré qualquer conhecimento da situação da incapacidade de 7% da autora antes de julho de 2019, bem como que depois dessa data e de adquirir esse conhecimento a ré deu instruções às Encarregadas para que fossem cometidas à autora tarefas mais leves e simples em virtude dessa situação, o que efetivamente ocorreu, não sendo a ré responsável pela cessação contratual por parte da autora, muito menos com ilicitude e culpa graves – quando muito teria incorrido numa qualquer falha negligente que justificaria um montante indemnizatório muito inferior (art.º 396.º n.º 1 CT), hipótese que não concede e que apenas se menciona por dever de bom patrocínio da causa;
7) Impugna-se a indemnização a título de danos morais, uma vez que a ré assim que soube da incapacidade de 7% da autora cumpriu as recomendações médicas e colocou-a a realizar as mais leves tarefas, compatíveis com essa incapacidade de 7% e com as tarefas a realizar na empresa, como encaixotar, empacotar, juntar peças, colar etiquetas; além de que se a autora pode realizar tarefas repetitivas e desgastante dos pulsos e membros superiores como as limpezas, também poderia realizar as tarefas que lhe foram cometidas pela PMH, tendo em conta que apenas tem uma incapacidade de 7%, o que se traduz numa aptidão de 93% para trabalhar; além de que a autora alegou ter estado com uma depressão, mas não provou a existência dessa depressão, nem o nexo causal entre a mesma e a PMH – não existindo portanto qualquer pratica de assédio para com a autora por parte da ré, nem exercendo esta o seu poder de direção de forma abusiva nem injustificada;
8) Impugna-se frontalmente a existência de litigância de má-fé por parte da ré muito menos de forma dolosa e consciente, nos termos e para os efeitos do art.º 542.º do CPC, pois que a ré não sabia da situação da autora até lhe ter sido comunicada pelo Medico de Trabalho em julho de 2019 e assim que soube cumpriu as recomendação médicas compatíveis com a incapacidade de 7% e com as atividades da ré; apenas existindo nos autos documentos relativos à incapacidade da autora datados da segunda metade de 2019; todas as trabalhadoras estão sujeitas a rotação de postos de trabalho, estando umas vezes em pé, outras sentadas, umas vezes a encaixotar e empacotar, outras a colar etiquetas ou a montar as peças (por exemplo); a ré colocou a autora a realizar as tarefas mais leves e simples após saber da sua situação em julho de 2019, como colar etiquetas, encaixotar, juntar peças – o que é compatível, pois a autora realiza presentemente tarefas de limpeza que são mais repetitivas e exigentes e implicam um maior esforço físico; a autora não provou nos autos qualquer ligação entre as novas funções cometidas e a nova baixa que alegou em julho de 2019; quanto ao consentimento da compensação, a verdade é que ela é neste caso irrelevante para a decisão da causa e para a descoberta da verdade material, porquanto o instituto jurídico da compensação não exija qualquer forma de consentimento para que ela se possa realizar, decorrendo do instituto jurídico da compensação (art.º 847.º e ss. Cciv) que esta pode ser unilateralmente realizada, verificados os seguintes requisitos: i) duas pessoas reciprocamente credoras e devedoras; ii) créditos judicialmente exigíveis e não excecionáveis; iii) fungibilidade dos objetos obrigacionais; iv) mesma natureza dos créditos impenhoráveis (montante salarial adiantado e compensado) – requisitos estes que no caso em apreço se verificam totalmente, pois em parte alguma se exige o consentimento da outra parte; bem pelo contrário, a lei permite clara e expressamente que “qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação (…) mediante declaração de uma das partes à outra” (art.º 847.º n.º 1 e 848.º n.º 1 Cciv); concluindo-se que a ré não é responsável pela cessação contratual por parte da autora, muito menos com ilicitude e culpa graves, ou com o intuito de lesar a autora e a justiça, além de que, segundo a Jurisprudência recente referida infra, a ré no caso não poderia ter sido condenada em litigância de má-fé porque a sua verdade dos factos difere da da autora, não existindo provas sólidas, manifestas e inequívocas de que tenha faltado à verdade de forma consciente e manifestamente reprovável - como bem refere a Jurisprudência recente do STJ, “a defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável”, exigindo-se sempre que tenha havido “uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação” – além de que “a condenação como litigante de má-fé não pode ser decretada sem prévia audição da parte a sancionar, sob pena de se violar o princípio do contraditório” .
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V.ªs Exc.ªs que deem como provados os factos ora alegados no presente recurso, por corresponderem à verdade e por não haver prova nos autos que a contradiga, e em consequência:
i) Dar como não existente e inexigível o subsídio de fardamento, por ter deixado de se exigir às trabalhadoras que limpassem a sua farda, nos termos do art.º 258.º n.º 1 do CT;
ii) Dar como não existentes e inexigíveis os créditos de horas para formação da autora, pois que ré sempre ministrou as formações legalmente exigidas adequadas às funções a desempenhar, conforme os setores e os turnos, umas vezes recorrendo a empresas ou profissionais para o efeito, outras vezes sendo ministradas pelas Encarregadas de Turno, nos termos do art.- 131.º do CT;
iii) Dar como não existente e inexigível o crédito por subsídio de férias de 2011 no valor de 255,12 euros, por falta de tal prova idónea pela autora, nos termos do art.º 337.º n.º 2 do CT;
iv) Dar como não existente e inexigível o crédito pelo vencimento do mês de julho de 2019 no valor de 342,85 euros, por operação (unilateral) do instituto jurídico da compensação, cujos requisitos no caso em apreço se verificam totalmente – ao invés de exigir o consentimento da outra parte, a lei permite clara e expressamente que “qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação (…) mediante declaração de uma das partes à outra” (art.º 847.º n.º 1 e 848.º n.º 1 Cciv);
v) Dar como não existente e inexigível o crédito pelo subsídio de Natal do ano de 2019 pelo valor de 600 euros, pois que este subsídio é proporcional ao tempo de trabalho prestado nos casos de suspensão do contrato, pelo que não é devido mais do que a importância já liquidada – nos termos dos art.ºs 263.º n.º 2 al. c) e 296.º n.º 1 CT;
vi) Dar como não existente e inexigível a indemnização por cessação do contrato de trabalho da autora por justa causa, não sendo a ré responsável pela cessação contratual por parte da autora, muito menos com ilicitude e culpa graves – quando muito teria incorrido numa qualquer falha negligente que justificaria um montante indemnizatório muito inferior (art.º 396.º n.º 1 CT), hipótese que não concede e que apenas se menciona por dever de bom patrocínio da causa;
vii) Dar como não existente e inexigível a indemnização a título de danos morais, uma vez que a ré cumpriu todas as recomendações médicas e não tratou a autora de forma indigna ou discriminatória – não existindo portanto qualquer pratica de assédio para com a autora por parte da ré, nem exercendo esta o seu poder de direção de forma abusiva nem injustificada;
viii) Dar como inexistente a litigância de má-fé por parte da ré muito menos de forma dolosa e consciente, nos termos e para os efeitos do art.º 542.º do CPC, porque a eé só soube da incapacidade de 7% da autora em julho de 2019 e a partir dai colocou-a a realizar tarefas simples e leves como juntar peças, encaixotar, empacotar e colar etiquetas, alternando períodos de pé e sentada, cumprindo assim as exigências médicas; quanto ao consentimento da compensação, a verdade é que ela é neste caso irrelevante para a decisão da causa e para a descoberta da verdade material, porquanto o instituto jurídico da compensação não exija qualquer forma de consentimento para que ela se possa realizar, decorrendo do instituto jurídico da compensação a declaração unilateral de uma parte à outra, verificados que estão os requisitos constantes dos art.º 847.º e ss. do Cciv – pelo que se conclui clara e assertivamente que ré não é responsável pela cessação contratual por parte da autora, muito menos com ilicitude e culpa graves, ou com o intuito de lesar a autora e a Justiça, por não existirem provas nos autos, bem como por não ter havido audiência da ré em violação do princípio do contraditório.

3. A A. respondeu e concluiu que:
a) A recorrente não terá presente o teor da matéria probatória assente em sede de Despacho Saneador, proferido em 30.06.2020, com a referência 84110865, nomeadamente a constante do ponto 4.18.,
b) A recorrente não reclamou do dito despacho ou impugnou o seu teor por via de recurso.
c) A recorrente limita-se a discordar da análise critica e rigorosa que o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” fez constar da douta Sentença, tendo por base toda a prova testemunhal e documental junta aos autos,
d) Razão pela qual se entende que a douta Sentença não merece qualquer censura, salientando que a fundamentação de facto e de direito constante da mesma é exemplar.
e) A recorrente não logrou demonstrar e provar que os direitos invocados e reclamados pela autora/recorrida, não eram devidos,
f) No que concerne à “Impugnação da Litigância de Má-Fé”, constante das alegações de recurso em causa, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 80º, que remete para o n.º 2 do artigo 79-A, ambos do Código de Processo do Trabalho, a recorrente apenas dispunha de 15 dias para recorrer da decisão que versou sobre a aplicabilidade de sanção por Litigância de Má-Fé,
h) Todavia a recorrente só deu entrada das suas alegações de recurso em 18 de janeiro de 2021,
i) Sendo assim extemporâneo o recurso que incidiu sobre a condenação da recorrente como Litigante de Má-Fé, na quantia de 10 UC´s,
j) Razão pela qual deverá operar-se a rejeição imediata do recuso da recorrente, quanto à matéria em causa, tudo com a consequente manutenção da douta Sentença recorrida.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso apresentado pela recorrente ser considerado improcedente, por não provado nem fundamentado, confirmando-se a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.

4. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.
Notificado às partes, estas não se pronunciaram.

5. O recurso foi admitido na sua totalidade.
Dispensados os vistos, por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
Questão a decidir:
1. Impugnação da matéria de facto.
2. Subsídio de fardamento, crédito horas, crédito por subsídio de férias de 2011, crédito pelo vencimento do mês de julho de 2019 e crédito pelo subsídio de Natal do ano de 2019.
3. A resolução do contrato de trabalho.
4. Os danos não patrimoniais.
5. A má-fé.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A sentença recorrida deu como provados os factos seguintes:
1. A autora foi admitida para trabalhar sob autoridade, direção e fiscalização da ré, no dia 22 de junho de 2011, para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de Operador de Máquinas, afeto à produção de tubos plásticos e montagem de sistemas de soros.
2. A ré dedica-se à produção e comercialização de produtos médico-hospitalares.
3. O referido contrato de trabalho a termo certo foi celebrado por um período de 3 (três) meses, sendo posteriormente sujeito a mais duas renovações, encontrando-se a autora a trabalhar por conta e direção da ré, de forma ininterrupta, de 22 de junho de 2011 a 23 de dezembro de 2019.
4. A autora cumpria horário semanal de 40 horas, distribuídas por cinco dias, de segunda a sexta, entre as 16h00m e as 00h30m, com pausa para jantar entre as 19h30m e as 20h00min., descansando aos sábados e domingos, e auferindo uma retribuição mensal de 485,00€, entretanto atualizada para o valor mensal de 600,00€, acrescido de subsídio de alimentação, liquidado por atribuição de um cartão “free refeição”, no valor diário de 6,41€, entretanto atualizado para o valor diário de 6,83€, bem como de um subsídio de fardamento, no montante mensal de 5,00€.
5. A Autora sempre auferiu da Ré, até fevereiro de 2017, as horas de trabalho prestadas entre as 22h. e as 00.30h, com o acréscimo decorrente do trabalho noturno, intitulado no recibo de vencimento como “Horas Noturnas”.
6. A partir do mês de janeiro de 2017 a Ré deixou de pagar à Autora o subsídio de fardamento no montante mensal de 5,00€.
7. O subsídio de fardamento visava o pagamento da prestação de serviço de limpeza de fardamento.
8. A partir de janeiro de 2017, a Ré introduziu um prémio de produtividade, de zelo e de assiduidade atribuído de acordo com o empenho e produção de cada trabalhador.
9. A partir do mês de março de 2017, a Ré, de forma unilateral e sem o consentimento da Autora, deixou de proceder ao pagamento das horas de trabalho prestadas pela Autora entre as 22h. e as 00.30h., com o inerente acréscimo de 25%.
10. A Autora esteve temporariamente incapacitada para o trabalho no período de 20 de julho de 2017 a 6 de junho de 2019.
11. Durante o período de incapacidade foi diagnosticado à Autora doença profissional de tendossinovite direta com uma incapacidade permanente parcial de 7,1%, de que a Ré teve conhecimento, pelo menos, a partir de dezembro de 2017.
12. A doença profissional de tendossinovite direta foi certificada pela Segurança Social a partir de 24 de junho de 2019.
13. Na sequência da alta clínica, no dia 8 de julho de 2019, a Autora regressou ao seu local de trabalho sito nas instalações da Ré, no Porto Alto, 28, tendo aí sido encaminhada para observação pelo Sr. Dr. J…, médico com a cédula profissional …, e responsável pela área da medicina do trabalho da Ré.
14. O qual, após ter confirmado as doenças profissionais que afetavam a Autora, bem como as incapacidades físicas da mesma, recomendou a sua aptidão condicional, mediante preenchimento de Ficha de Aptidão para o Trabalho, datada de 08 de julho de 2019 com as limitações seguintes: “Evitar movimentos repetitivos e manipulação de cargas com os membros superiores”.
15. A Ré teve conhecimento da recomendação médica da medicina do trabalho.
16. Aquando do regresso da trabalhadora em consequência de alta médica, em julho de 2019, foi feita uma adenda ao contrato de trabalho da Autora, onde se prevê a redução do horário diário de trabalho de 8 horas, para 7.30 horas, com a consequente regularização do período de descanso para meia hora.
17. A Ré retirou do vencimento correspondente ao mês de julho de 2019, a quantia de 446,24€, limitando-se a pagar à Autora, por conta do trabalho prestado pela mesma no referido mês de julho de 2019, a quantia de 84,86€.
18. A Autora enviou à Ré, por carta datada de 24 de setembro de 2019, comunicação escrita solicitando à Ré que a enquadrasse em novas funções que respeitassem as limitações físicas decorrentes das Doenças Profissionais que a afetavam, com advertência de que, caso assim não diligenciasse, equacionaria o recurso às instâncias legais e fiscalizadoras para compelir a Ré ao cumprimento das obrigações legais, mais solicitando a regularização do pagamento das horas de trabalho suplementar prestadas entre janeiro a julho de 2017, respetivo subsídio de turno, horas de formação, no prazo de 8 dias, e requerendo ainda a restituição da quantia de 446,24€.
19. Mediante carta datada de 7 de novembro de 2019, a Autora enviou à Ré a seguinte comunicação escrita:
“Ora, na sequência da alta clínica, no passado dia 8 de Julho de 2019, regressei ao local de trabalho, tendo sido encaminhada para observação pelo Sr. Dr. J…, o qual, após ter confirmado as doenças profissionais que me afectam e as minhas incapacidades físicas, recomendou a minha aptidão condicional, com as limitações melhor descritas na Ficha de Aptidão para o Trabalho, datada de 08.07.2019, nomeadamente, “evitar movimentos repetitivos e a manipulação de cargas com os membros superiores”.
Assim, à revelia das supra identificadas recomendações e em claro desprezo e desrespeito pelas limitações que afectam o meu estado de saúde, bem sabendo que me encontro impossibilitada de exercer as funções correspondentes à minha categoria profissional, V. Exas. colocaram-me no mesmo sector e a desempenhar as mesmas tarefas, sendo que, apesar das diversas queixas apresentadas e dores sentidas aquando do desempenho das ditas funções, V. Exas. não se dignaram atribuir-me novas tarefas ou funções, facto que provocou o agravamento do meu estado clínico.
Ora, as funções que me foram impostas implicam, como sabem, tarefas repetitivas e movimentação de cargas com os membros superiores, factos que me causaram, uma vez mais, uma incapacidade absoluta para o trabalho e agravam o meu estado clínico.
Ora, a conduta de V. Exas. consubstancia uma clara violação do disposto no n.º 1 do artigo n.º 155, da Lei n.º 98/2009, segundo o qual “O empregador é obrigado a ocupar o trabalhador que, ao seu serviço, ainda que a título de contrato a termo, sofreu acidente de trabalho ou contraiu doença profissional de que tenha resultado qualquer das incapacidades previstas no artigo anterior, em funções e condições de trabalho compatíveis com o respectivo estado, nos termos previstos na presente lei.”, constituindo a sua inobservância uma contra ordenação muito grave.
Face ao acima exposto, solicito a V. Exas. se dignem enquadrar-me em novas funções que respeitem as minhas limitações físicas decorrentes das Doenças Profissionais que me afectam, tudo de acordo com o teor do relatório de aptidão para o trabalho datado de 08.07.2019, sob pena, caso assim não diligenciem, ser compelida a proceder à resolução do meu contrato de trabalho por justa causa, em resultado de não conseguir desempenhar as funções que V. Exas. teimam em impor, tudo com a consequente indemnização devida, nomeadamente em resultado dos danos morais resultante da vossa conduta, uma vez que encontro-me, alem de fisicamente limitada, muito abalada, transtornada, revoltada com a vossa conduta, tendo, desde então, passado noites sem dormir, factos que se traduziram numa depressão profunda.
Por fim, adianto que a ausência de resposta à presente missiva constituirá uma clara recusa ao apelo que aqui vos faço, facto que determinará a necessidade de fazer cessar o presente contrato de trabalho com justa causa.
Por fim, tendo em conta que V. Exas. ainda não se dignaram regularizar o pagamento das minhas horas de trabalho suplementar prestadas entre Janeiro a Julho de 2017, respectivo subsídio de turno, horas de formação, entre outros, solicito que procedam ao pagamento dos supra identificados créditos laborais no prazo de 5 dias e promovam pela restituição da quantia de €. 446,24, que me fora indevida e abusivamente retirada no passado mês de Julho de 2019, conforme recibo de vencimento datado de 31.07.2019”.
20. A R respondeu à carta de 7 de novembro de 2019 por comunicação escrita de 14 de novembro de 2019 pela qual anexou cheque no valor de 131,57€ por conta das horas noturnas devidas á Autora.
21. Mediante carta datada de 13 de dezembro de 2019, a Autora enviou à Ré comunicação escrita a cessar o contrato com fundamentos nos seguintes termos:
“Mediante carta datada de 07 de Novembro de 2019, dei conta a V. Exas. que no decorrer do exercício das funções de Operadora de Máquina, desenvolvi a doença profissional de epicondilite dtª, da qual resultou uma incapacidade permanente parcial de 7,5%, bem como a doença profissional de tendossinovite dtª, que também determinou uma incapacidade permanente parcial de 7,1%, sendo que em resultado das mesmas estive incapacitada para o trabalho entre Julho de 2017 a 08 de Julho de 2019.
Ora, na sequência da alta clínica no passado dia 8 de Julho de 2019, regressei ao local de trabalho, tendo sido encaminhada para observação pelo Sr. Dr. J…, o qual após terconfirmado as doenças profissionais que me afectam e as minhas incapacidades físicas, recomendou a minha aptidão condicional, com as limitações melhor descritas na Ficha de Aptidão para o Trabalho, datada de 08.07.2019, nomeadamente, “evitar movimentos repetitivos e a manipulação de cargas com os membros superiores”.
Assim, à revelia das supra identificadas recomendações e em claro desprezo e desrespeito pelas limitações que afectam o meu estado de saúde, bem sabendo que me encontro impossibilitada de exercer as funções correspondentes à minha categoria profissional, V. Exas. colocaram-me no mesmo sector e a desempenhar as mesmas tarefas, sendo que, apesar das diversas queixas apresentadas e dores sentidas aquando do desempenho das ditas funções, V. Exas. não se dignaram atribuir-me novas tarefas ou funções, facto que provocou o agravamento do meu estado clínico.
Ora, as funções que me foram impostas implicam, como sabem, tarefas repetitivas e movimentação de cargas com os membros superiores, factos que agravaram o meu estado clinico, sendo que contínuo com dores acentuadas e, apesar de ter tentado recuperar a minha actividade profissional, a intensidade das dores impediram-me de o fazer, razão pela qual estou incapaz para o exercício das funções que V. Exas. Teimam em me atribuir.
A conduta de V. Exas. consubstancia uma clara violação do disposto no n.º 1 do artigo n.º 155, da Lei n.º 98/2009, segundo o qual “O empregador é obrigado a ocupar o trabalhador que, ao seu serviço, ainda que a título de contrato a termo, sofreu acidente de trabalho ou contraiu doença profissional de que tenha resultado qualquer das incapacidades previstas no artigo anterior, em funções e condições de trabalho compatíveis com o respectivo estado, nos termos previstos na presente lei.”.
Assim, apesar de ter solicitado que me enquadrassem em novas funções que respeitem as minhas limitações físicas decorrentes das Doenças Profissionais que me afectam, tudo de acordo com o teor do relatório de aptidão para o trabalho datado de 08.07.2019, alertando-vos que, caso assim não diligenciassem, seria compelida a proceder à resolução do meu contrato de trabalho por justa causa, em resultado de não conseguir desempenhar as funções que V. Exas. teimam em impor, tudo com a consequente indemnização devida, nomeadamente em resultado dos danos morais resultante da vossa conduta, uma vez que encontro-me, alem de fisicamente limitada, muito abalada, transtornada, revoltada com a vossa conduta, tendo, desde então, passado noites sem dormir, factos que se traduziram numa depressão profunda, até à data V. Exas. nada fizeram ou disseram.
Não obstante, apesar das dificuldades financeiras com que me tenho deparado, tendo em conta que V. Exas., apesar de devidamente notificados para o efeito, apenas se dignaram remeter em 14 de Novembro de 2019, um cheque no valor de €. 131,57, para liquidação parcial das minhas horas de trabalho suplementar prestadas entre Janeiro a Julho de 2017, todavia ainda não se dignaram regularizar o respectivo subsídio de turno, subsídio de fardamento, parte do subsídio de férias correspondente ao ano 2011, férias não gozadas e correspondentes ao trabalho prestado nos anos 2016 e 2017, horas de formação, vencimento e subsidio de refeição do mês de Julho de 2019, proporcionais do subsidio de férias e de natal correspondentes a 2019, entre outros.
Mais, conforme vos fora igualmente comunicado, V. Exas., sem que para tal estivem autorizados, retiraram do meu vencimento de Julho de 2019, a quantia de €. 446,24 conforme recibo de vencimento datado de 31.07.2019, não voltando a repor a dita quantia.
Assim, perante a falta culposa do pagamento de retribuição correspondente às horas nocturnas efectivamente trabalhadas das 22h às 24h, subsídio de fardamento, parte do subsidio de férias correspondente ao ano 2011, férias não gozadas e correspondentes ao trabalho prestado nos anos 2016 e 2017, horas de formação não prestadas desde a minha admissão, vencimento e subsidio de refeição correspondente ao trabalho prestado no mês de Julho de 2019 (12 dias), desconto não autorizado do meu vencimento da quantia de €. 446,24, bem como, apesar de conhecedores das minhas doenças profissionais e das limitações delas decorrentes e impostas pela Medicina do Trabalho, obrigaram-me a prestar as mesmas funções que foram a causa/origem das ditas doenças profissionais, violando as instruções do clinico da Medicina do Trabalho e do Médico que me acompanha, condutas que me provocaram uma grave depressão e que me impossibilitam de prestar toda e qualquer tarefa e determinaram a minha incapacidade temporária para o trabalho a partir do dia 23.07.2019, a qual se mantem até à presente data, não me resta outra solução que não a de resolver, com justa causa, o presente contrato de trabalho com efeitos à data de 23.12.2019.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 396º do CT, solicito a V. Exas. se dignem proceder ao pagamento imediato de todos os créditos laborais a que tenho direito, os quais sumariamente se descrevem, bem como indemnização prevista no nº 1 do referido artigo 396º do Código de Trabalho, além dos danos morais resultantes do assédio mora de que tenho sido alvo:
1 - Horas de trabalho nocturnas prestadas entre os meses de Janeiro a Junho de 2017;
2- Férias não gozadas correspondentes ao trabalho prestado durante o ano 2016 (14 dias úteis);
3- Férias não gozadas correspondentes ao trabalho prestado durante o ano 2017 (12 dias úteis);
4- Parte do Subsidio de Férias do ano 2011;
5-Proporcionais do subsídio de natal 2019;
6- Proporcionais do direito a férias 2019;
7- Proporcionais do subsidio de férias 2019;
8- Subsídio de fardamento correspondente aos anos 2017, 2018, 2019;
9- Vencimento correspondente ao trabalho prestado no mês de Julho de 2019 (12 dias úteis de trabalho prestado);
10- Subsidio Refeição correspondente ao trabalho prestado no mês de Julho de 2019; 11- Horas de formação correspondente aos anos 2011 a 2019, conforme o disposto no artigo 134º do Código do Trabalho;
12- Indemnização a que alude o disposto no artigo 396º do CT (8 anos de antiguidade).”
22. Na sequência da comunicação para cessação do contrato de trabalho, a Ré enviou à Autora comunicação escrita de 26-12-2019, recusando o pagamento dos créditos laborais, informando da compensação da quantia de 446,26€ e o fundamento para a cessação do contrato de trabalho.
23. Na sequência da comunicação para cessação do contrato de trabalho, a Ré procedeu ao pagamento da quantia de 131,57€, por conta do trabalho prestado pela Autora em horário noturno no período de janeiro a julho de 2017.
24. Na sequência da comunicação para cessação do contrato de trabalho, a Ré remeteu à Autora a Declaração de Situação de Desemprego, com a indicação de denúncia do contrato de trabalho/demissão, ocorrida em 23-12-2019.
25. Na sequência da comunicação para cessação do contrato de trabalho, a Ré não procedeu ao pagamento de outras quantias além da referida quantia de 131,57€.
26. A Ré não prestou formação nos anos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 enão procedeu ao pagamento à Autora do crédito reclamado pelas horas de formação não prestadas correspondentes a 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, no montante de 562,28€.
27. A Autora não gozou 14 dias úteis de férias correspondentes ao trabalho prestado durante o ano 2016 e 12 dias úteis de férias correspondentes ao trabalho prestado durante o ano 2017.
28. A Ré não procedeu ao pagamento do vencimento correspondente ao trabalho prestado no mês de julho de 2019 nem ao pagamento do direito a férias correspondente ao ano 2019.
29. As funções desempenhadas pela Autora implicavam a permanência da mesma, durante todo o período laboral, sempre de pé, e com movimentos repetitivos dos membros superiores, durante sete horas e meia.
30. A partir do inicio do ano de 2017, a Autora começou a apresentar queixas acentuadas no punho direito e, posteriormente, no punho esquerdo, na sequência dos quais foi forçada a entrar de baixa médica em julho de 2017, tendo recorrido aos serviços da Senhora Dra. I…, médica com a cédula profissional …, a qual solicitou à Autora que realizasse alguns exames médicos a fim de aferir qual, ou quais, as razões para as dores e limitações físicas sentidas por esta.
31. Em cumprimento da recomendação da aludida clinica, a Autora realizou exames vários os quais revelaram que ambos os punhos padeciam de um “espessamento, hipoecogenicidade e heteroneidade dos tendões felxores por tendinite, sem sinais de rotura ou coleções liquidas”.
32. Mercê deste diagnóstico, a Autora foi referenciada para ortopedia, da qual teve alta em 12 de setembro de 2017, com o seguinte diagnóstico: “Tenossinovite por prováveis esforços repetitivos. Trabalha com os cotovelos apoiados que podem estar relacionados com as queixas cubitais por compressão posicional na goteira cubital do nervo cubital. Deve manter cuidados na prevenção de doenças relacionadas ao trabalho nos cuidados de medicina do trabalho”.
33. A Ré, à revelia das identificadas recomendações médicas a que teve acesso, sabendo das limitações e doenças físicas que afetavam a A., e que se encontrava impossibilitada de exercer as funções correspondentes à sua categoria profissional, face às limitações e recomendações acima descritas, por intermédio da sua encarregada e com o conhecimento dos recursos humanos, colocou a Autora no mesmo sector e com as mesmas funções anteriores ao período de baixa, nomeadamente nas tarefas de encaixotamento, bem sabendo que estas foram a causa determinante para o surgimento das doenças profissionais da A., compelindo ainda a Autora a desempenhar as mesmas tarefas.
34. As tarefas desempenhadas pela Autora na sequência da alta clínica, a partir do dia 8 de julho de 2019, nomeadamente nos serviços e linhas de encaixotamento, consistiam em movimentos repetitivos e manipulação de cargas com os membros superiores.
35. Mercê do descrito, a partir de 27 de julho de 2019, a Autora ficou novamente impossibilitada para desempenhar quaisquer funções para a R., tendo permanecido
36. Por conta da prestação social pela baixa médica a Autora auferiu quantia mensal de 465,00€.
37. A Autora encontra-se atualmente a trabalhar em serviços de limpeza de instalações fabris.
38. A Autora recebeu por lapso no mês de agosto de 2017 a quantia de 446,24€, apesar de não se encontrar ao serviço da R., por estar de baixa médica.
39. A Ré instaurou à Autora processo disciplinar por factos ocorridos em 22 de setembro de 2016 referentes a uma troca de palavras entre a Autora e a encarregada Ana Fonseca, melhor descritas no relatório final e decisão junta como DOC 12 com a contestação e que aqui se dá por reproduzido.
40. A Ré, ao alegar nos termos dos artigos 28.º e 29.º, 39.º e 40.º, 43.º, e 47.º e 63.º da contestação, sabia e tinha conhecimento que tal não correspondia à verdade, nomeadamente quanto à observância da recomendação médica da medicina do trabalho e prestação de consentimento à compensação, sem que durante a audiência de julgamento tivesse retratado tais alegações.

B) APRECIAÇÃO

B1) Impugnação da matéria de facto

A ré pretende ver reapreciada matéria de facto.
Sobre esta matéria, o art.º 640.º do CPC prescreve:
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Lendo as conclusões da apelante, verificamos que não indica em concreto quais os pontos da matéria de facto da sentença que pretende impugnar, nem a prova que em relação a cada um deles impõe decisão diversa. Não basta fazer apreciações genéricas ou indicar genericamente certo depoimento testemunhal. A lei exige o cumprimento dos ónus que indica.
Estas lacunas violam a exigência do art.º 640.º n.ºs 1, alínea a) e b) e n.º 2, alínea a) (indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso) do CPC, e têm como sanção a rejeição do recurso relativamente à impugnação da matéria de facto.
Termos em que se rejeita o recurso relativamente à impugnação da matéria de facto.

B2) Subsídio de fardamento, crédito horas, crédito por subsídio de férias de 2011, crédito pelo vencimento do mês de julho de 2019 e crédito pelo subsídio de Natal do ano de 2019.

Subsídio de fardamento
Este subsídio visa o pagamento do serviço de limpeza do fardamento usado obrigatoriamente pela trabalhadora. Trata-se do pagamento de uma quantia relacionada com a limpeza do fardamento que a trabalhadora é obrigada a usar e está diretamente ligada à prestação de trabalho. Não é a prestação em si, mas é o pagamento pela empregadora de uma despesa que a trabalhadora tem que ter, uma vez que é obrigada a usar farda.
O subsídio de fardamento não constitui retribuição, à luz do art.º 258.º do CT, uma vez que visa ressarcir uma despesa da trabalhadora e não está provado que a exceda.
Todavia, tendo também em conta o disposto no art.º 260.º do CT, embora não seja retribuição, trata-se de uma despesa da trabalhadora relativa à obrigatoriedade de usar farda, que a empregadora pagava regular e periodicamente, pelo que não pode deixar de pagar tal despesa enquanto a trabalhadora for obrigada a usar farda na execução da prestação de trabalho. É uma situação idêntica àquela em que o trabalhador tem de deslocar-se para fora do seu local de trabalho por ordem da empregadora, com acréscimo de despesa, em que esta está obrigada a suportar tais despesas enquanto se verificar a deslocação (art.º 194.º n-º 4 do CT).
Não está provado que a trabalhadora deixasse de usar fardamento na execução das suas tarefas nem que o fardamento deixasse de ser obrigatório. Assim, não existe justificação legal, contratual ou outra para a retirada do respetivo pagamento.

Crédito de horas
O artigo 134.º n.ºs 1 e 2 do CT prescreve que cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação (n.º 1), sendo que o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano.
O art.º 132.º n.º 1 do CT prescreve que as horas de formação previstas no n.º 2 do artigo anterior, que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador, com a advertência de que o crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição, conforme art.º 132.º, n.º 6 do mesmo código.
Cessando o contrato de trabalho, o art.º 134.º do CT prescreve que o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação.
Está provado que a ré não ministrou a formação legal à autora. Não está provado qualquer facto justificativo da omissão, pelo que a A. tem direito ao pagamento do respetivo crédito de horas, já considerada a caducidade, como bem decidiu a sentença recorrida.

Crédito por subsídio de férias de 2011
A ré alegou mas não provou que os pagou. Ao trabalhador cabe alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e que prestou a sua atividade. À empregadora cabe alegar e provar que pagou os créditos devidos pela prestação do trabalho. A ré não provou o pagamento destes créditos, como lhe competia, pelo que a A. tem direito aos mesmos.

Crédito pelo vencimento do mês de julho de 2019
Este desconto não encontra suporte nos factos provados, uma vez que não está provado que a A. não trabalhou em julho, mas está provado que a autora recebeu por lapso no mês de agosto de 2017 a quantia de € 446,24, apesar de não se encontrar ao serviço da R., por estar de baixa médica nesse mês.
Ora, o desconto refere-se ao mês de julho, que é anterior. Está provado que a ré retirou do vencimento correspondente ao mês de julho de 2019, a quantia de € 446,24, limitando-se a pagar à autora, por conta do trabalho prestado pela mesma no referido mês de julho de 2019, a quantia de € 84,86.
Assim, não foi legítimo o desconto efetuado pela empregadora.

Crédito pelo subsídio de Natal do ano de 2019
“Como se escreveu na sentença recorrida, no que respeita ao pagamento das férias de 2019 e do subsídio de Natal e de férias de 2019, a ré limitou-se igualmente a remeter para o pagamento efetuado em julho de 2019, com o esclarecimento que se limitou a pagar o proporcional de 12 dias de trabalho (liquidando as quantias parcelares de € 50), quando sabe que o contrato foi resolvido por iniciativa da trabalhadora e com efeitos a partir de 23 de dezembro de 2019, sem que tivesse cessado o contrato por qualquer outra causa, Por outro lado, nos termos do art.º 244.º, n.º 3 do Código do Trabalho - em caso de impossibilidade total ou parcial do gozo de férias por motivo de impedimento do trabalhador, este tem direito à retribuição correspondente ao período de férias não gozado ou ao gozo do mesmo até 30 de abril do ano seguinte e, em qualquer caso, ao respetivo subsídio – e do art.º 264.º n.ºs 1 e 2 do mesmo Código, o cálculo proporcional em relação aos dias de trabalho afigura-se manifestamente contra legem, uma vez que a autora não perdeu qualquer direito ao pagamento do valor do subsídio de férias, pelo que deve a Ré ser condenada no pagamento das quantias respetivamente peticionadas de 600,00€ e de 600,00€ por conta destes créditos”.
Concordamos totalmente com o referido na sentença. A autora tem direito ao pagamento deste crédito, nos termos doutamente decididos em primeira instância.

B3) A resolução do contrato de trabalho.

O art.º 394.º n.º 1 do CT prescreve que ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
O n.º 2 do mesmo artigo, enumera exemplificativamente comportamentos do empregador que constituem justa causa para o trabalhador fazer cessar o contrato de trabalho.
A justa causa é apreciada tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que sejam relevantes no caso (art.º 351.º n.º 3, aplicável ex vi do art.º 394.º n.º 4 do CT, com as necessárias adaptações).
O art.º 395.º estabelece o procedimento a observar para o exercício deste direito.
O n.º 1 deste artigo prescreve que: o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
Os factos provados revelam um comportamento de tal modo grave e culposo por parte da empregadora que justificam a resolução do contrato de trabalho efetuada pela trabalhadora, como bem decidiu a sentença recorrida.
Termos em que se conclui que a autora teve justa causa para resolver o contrato de trabalho.

B4) Os danos não patrimoniais.
A autora peticionou o pagamento da quantia de € 2 500, a título de danos não patrimoniais.
A sentença recorrida fixou o seu montante em € 1 500.
A apelante conclui que não são devidos.
A compensação pelos danos não patrimoniais tem vindo a ganhar relevo e importância ao longo das últimas décadas, na medida em que se tem vindo a entender que a saúde não é apenas a que diz respeito ao corpo físico, mas também ao bem-estar emocional, psicológico, social, espiritual, financeiro, em resumo, diz respeito à qualidade de vida perdida em consequência do dano sofrido.
Como não é possível desfazer as dores sofridas, as angústias, as ansiedades, os medos, atribui-se uma quantia pecuniária à vítima que não é uma indemnização, mas antes uma compensação que visa minorar esses padecimentos. A atribuição de uma quantia em dinheiro permitirá ao beneficiário o acesso a bens que de outro modo não teria e dessa forma mitigar o sofrimento.
Para compensar os lesados, deverá aplicar-se o disposto nos artigos 494.º e 496.º do Código Civil.
A aplicação do artigo 494.º deve ser tido em consideração nas situações em que o responsável responde com culpa. O bom senso manda atender às circunstâncias concretas do caso. Daqui resulta que a compensação a atribuir poderá ser fixada em montante inferior ou superior àquele em que o seria normalmente, se o justificarem a situação económica do responsável e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
A primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º do CC estabelece o critério especial que deve ser aplicado para calcular o montante pecuniário da compensação pelos danos não patrimoniais, quer exista ou não fundamento para a atenuação especial prevista no artigo 494.º do CC. Os danos serão liquidados equitativamente pelo tribunal, tendo em conta a gravidade dos danos em si e as circunstâncias do caso.
Os factos provados revelam um comportamento culposo da empregadora do qual resultou o agravamento da saúde da trabalhadora.
Trata-se de um dano na saúde que merece a tutela do direito e deve ser compensado.
A quantia de € 1 500 fixada em primeira instância afigura-se-nos adequada e proporcional ao dano não patrimonial sofrido, pelo que se mantém.

B5) A má-fé

A apelante foi condenada como litigante de má-fé na multa de € 10 UC.
O tribunal ouviu as partes sobre a matéria antes da prolação da decisão, pelo que não se trata de uma decisão surpresa com violação dos princípios da audição e contraditório.
O art.º 452.º n.º 2 do CPC prescreve que diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Está provado que: a ré, ao alegar nos termos dos artigos 28.º e 29.º, 39.º e 40.º, 43.º, e 47.º e 63.º da contestação, sabia e tinha conhecimento que tal não correspondia à verdade, nomeadamente quanto à observância da recomendação médica da medicina do trabalho e prestação de consentimento à compensação, sem que durante a audiência de julgamento tivesse retratado tais alegações.
Este facto provado mostra claramente que a ré alegou factos e deduziu oposição consciente da falsidade da versão que apresentou.
Esta conduta é inaceitável e integra a previsão do artigo citado em último lugar e merece a punição aí referida.
A sentença recorrida sancionou a ré com a multa de 10 UC, a qual se mostra proporcional e adequada à ilicitude e culpa da ré.
Termos em que improcede na totalidade o recurso interposto pela ré.
Termos em que a apelação improcede e se confirma a sentença recorrida.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 09 de setembro de 2021.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço