REVISTA EXCECIONAL
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COMPETÊNCIA MATERIAL
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Sumário


I- Por acórdão proferido na 5.ª secção deste STJ, foi decidido conceder a revista e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, na sequência da interposição de recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, afirmando a oposição entre o acórdão recorrido proferido (no Processo n.º 290/07.8GBPNF-G. P1) em 25.11.2020 pelo TRP, transitado em julgado, e o acórdão do STJ proferido (no Processo nº 4154/15.3T8LSB-C. L1.S2) em 10.12.2019, também já transitado em julgado.
II- Este recurso foi admitido para este Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 2.02.2021, nos termos do disposto nos artigos 629.º, 638.º, 672.º e 676.º, todos do CPC, tendo sido, de acordo com o artigo 672.º, n.ºs 1 a 3, do CPC, remetidos à Formação constituída por três juízes conselheiros das secções cíveis, nos termos e para os efeitos de apreciação preliminar sumária do recurso de revista extraordinária interposto.
III- A Formação prolatou decisão, em 17.05.2021, admitindo a revista excepcional.
IV- E, em conferência, nesta 5.ª secção criminal, foi decidido conceder a revista e, em consequência, revogar acórdão recorrido.
V- Foi requerida a nulidade deste acórdão, por incompetência absoluta da Secção Criminal do STJ.
VI- Da factualidade provada, resulta que está em causa uma reclamação de créditos apresentada pela recorrente, apensa a uma execução para pagamento de quantia certa.
Essa execução, por sua vez, corre, por apenso, nos próprios autos do processo-crime, por se tratar de execução de sentença que condenou o arguido/executado (numa pena e) no pagamento de uma indemnização civil, enxertado no processo-crime, nos termos do artigo 71.º, do CPP.
O despacho que está na origem dos recursos para o Tribunal da Relação e para este STJ, foi um despacho proferido, na reclamação de créditos, pelo Juízo Central Criminal.
O TRP que apreciou e julgou o recurso daquele despacho foi a 1.ª Secção (criminal).
E, foi a 5.ª Secção (Criminal) deste STJ, que apreciou o recurso de revista excepcional, no qual se suscitou uma oposição com o acórdão da 1.ª Secção (Criminal) do TRP.
Ou seja, a competência, em razão da matéria, para decidir a causa, in casu, execução e respetiva reclamação de créditos iniciou-se e fixou-se, corretamente, no Juízo Central Criminal, e consequentemente, nos Tribunais de recurso, hierarquicamente superiores àquele, ou seja, as Secções Criminais da Relação e do STJ.
VII- O artigo 40.º da LOSJ estabelece a “Competência em razão da matéria”, determinando no seu n.º 2 que “A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca.”
Por sua vez, de acordo com o artigo 60.º, n.º 2, do CPC na ordem interna “a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, o valor da causa, a hierarquia judiciária e o território”. E nos termos do disposto no artigo 65.º do CPC, as leis de organização judiciária “determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.
E de acordo com o artigo 131.º, da LOSJ: “A execução das decisões relativas a multas penais e indemnizações previstas na lei processual aplicável compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido.”
VIII- No caso em apreço, estamos no âmbito de uma reclamação de créditos de uma execução para pagamento de quantia certa e líquida,relativa de uma sentença (penal) que condenou o arguido/executado no pagamento de uma indemnização, arbitrada no âmbito de pedido de indemnização civil enxertado no crime, nos termos do artigo 71.º, do CPP. A sentença foi proferida pelo Tribunal Criminal.
De acordo com o artigo 131.º da LOSJ, a execução da sentença compete, por regra, ao Tribunal que a proferiu, no caso, ao Tribunal Criminal.
O Tribunal Criminal, por força do princípio da adesão do artigo 71.º e ss. do CPP vê a sua competência, em razão da matéria, “estendida/conexa” ao conhecimento do pedido de indemnização civil fundado na prática do crime. E, por sua vez, vê, essa competência, em razão da matéria, extensível à execução da sentença que arbitrou a indemnização (líquida e certa), face ao disposto nos artigos 131.º e 129.º, n.º 2, da LOSJ.
Pelo exposto, resulta claro que as secções de competência especializada criminal do Juízo Central são competentes para a execução das suas decisões condenatórias (em indemnização líquida e certa) proferidas na sequência de pedido cível deduzido em processo-crime, por força do princípio da adesão contido no artigo 71.º e ss. do CPP. E, quando assim é, são competentes para julgar e decidir as reclamações de crédito, já que estas são autuadas/correm por apenso ao processo de execução (cfr. artigo 788.º, n.º 8, do CPC).
E as Instâncias de recurso - Secções Criminais do Tribunal da Relação (artigo 73.º, da LOSJ) e do STJ (artigo 55.º, da LOSJ), respetivamente - são as competentes, em razão da hierarquia, para conhecer da causa que seja da competência, em razão da matéria, do Tribunal Criminal (de 1.ª instância) – cfr. artigos. 38.º, 40.º e 41.º, todos da LOSJ).
O requerente entende que a competência para conhecer da revista excecional eram das secções cíveis do STJ. Contudo, a “secção cível”, nos presentes autos de revista excecional, apenas tem competência para os termos concretamente definidos pela lei, de acordo com o artigo 672.º, n.ºs 1 a 3 do CPC. A competência da formação constituída pelos 3 juízes (das secções cíveis) esgota-se na apreciação preliminar sumária quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 672.º do CPC.
Esgotando-se a competência nessa decisão, a decisão relativa ao mérito do recurso é decidida pelo Tribunal materialmente competente para decidir o recurso.
IX- De acordo com os artigos 96.º, e 97.º, n. º2, do CPC “2 - A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final”
Inexiste qualquer incompetência, em razão da matéria, das secções criminais deste STJ.
Mas, mesmo que assim não fosse, há muito que se encontra precludido o direito do Requerente de vir arguir a violação das regras de competência, em razão da matéria, dos Tribunais Criminais (para a tramitação da execução e para a consequente reclamação de créditos), conforme emerge do artigo 97.º, n.º 2, do CPC. E, nessa medida, há muito que a competência dos Tribunais Criminais ficou definitivamente fixada nestes autos.

Texto Integral





Processo n.º 290/07.8GBPNF-G. P1.S1

(reclamação)

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I.

1. Por acórdão proferido no passado dia 24.06.2021, foi decidido conceder a revista e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, na sequência da interposição por AA e outros, de recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil (CPC), afirmando a oposição entre o acórdão recorrido proferido (no Processo n.º 290/07.8GBPNF-G. P1) em 25.11.2020 pelo Tribunal da Relação do ….. (TR..), transitado em julgado, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido (no Processo nº 4154/15.3T8LSB-C. L1.S2) em 10.12.2019, também já transitado em julgado.

2. Este recurso foi admitido para este Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 2.02.2021, nos termos do disposto nos artigos 629.º, 638.º, 672.º e 676.º, todos do CPC.

3. De acordo com o artigo 672.º, n.ºs 1 a 3, do CPC “A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis.”

4. Pelo que, os autos foram remetidos à Formação constituída por três juízes conselheiros das secções cíveis, nos termos e para os efeitos de apreciação preliminar sumária do recurso de revista extraordinária interposto por AA e outros, de acordo com o disposto no artigo 672.º, do CPC.

5. A Formação prolatou decisão, em 17.05.2021, admitindo a revista excepcional.

6. E, em conferência, nesta 5.ª secção criminal, foi decidido em 24.06.2021, conceder a revista e, em consequência, revogar acórdão recorrido.

7. Notificado deste acórdão do STJ, vem o recorrido BB, requerer a nulidade do mesmo, por incompetência absoluta da Secção Criminal do STJ para prolação do acórdão.

Alega para o efeito o seguinte (transcrição):

“1. Por notificação via citius de 24.06.2021, ficou o recorrido a saber do acórdão proferido pela 5ª secção criminal desse tribunal.

2. Ignorando, por disso não ter sido notificado, as razões para a distribuição dos presentes autos a tal secção. Ora,

3. Não pode o recorrido deixar de assinalar que em causa está uma decisão que tem a ver com a rejeição de uma reclamação de crédito no âmbito de uma execução que segue os termos do CPCiv, quanto à sua espécie, regime e efeitos.

4. Logo, segundo o art.54º, da Lei 62/2013, de 26.08, que estabelece a especialização das secções do STJust., é competente para julgar o presente recurso uma das suas secções cíveis.

5. Nada disso ocorreu no vertente caso.

6. Pelo que, tendo sido designada uma secção criminal para esse efeito (por razões não conhecidas), violaram-se as regras de competência em razão da matéria (senão também o princípio do juiz natural consagrado no n°9 do art.32°, da CRPort.).

7. O que determina a incompetência absoluta que aqui expressamente se invoca, embora seja do conhecimento oficioso (n. º l do art.97°, do CPCÍV), e que deverá implicar a anulação da distribuição e a remessa do presente recurso para as secções cíveis.

8. Depois. o facto de os Ex.mos Juízes Conselheiros terem julgado um recurso que não podiam julgar implica a nulidade do acórdão, nos termos da al. d), nº1 do art.615, do CPCiv, o que aqui se invoca.

Portanto, no reconhecimento da incompetência e da nulidade ora arguidas, deverá ser proferido acórdão que declare a nulidade do acórdão em referência e ordenada a redistribuição dos presentes autos de recurso, desta vez pelas secções cíveis desse Supremo Tribunal.” (…).
8. Notificado os Recorrentes e o Ministério Público, para exercício do contraditório quanto à suscitada incompetência absoluta e nulidade do acórdão proferido, pugnaram no sentido da improcedência do requerido.

9. Efectuado exame preliminar, foram os autos remetidos para conferência.

II.
Cumpre decidir.
10. Dos Factos
Os factos que relevam para apreciação da suscitada incompetência, em razão da matéria, das Secções Criminais do STJ para decidir a causa e consequente nulidade do acórdão proferido em 24.06.2021, são os seguintes:
1. No âmbito do Processo n.º 290/07.8GBPNF, que correu seus termos no extinto Círculo Judicial de ........ (actual Juízo Central Criminal de ........), por acórdão, transitado em julgado em 10-10-2011, foi o arguido BB condenado na prática do crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art. 144.º, al. b) do Código Penal numa pena de prisão suspensa na sua execução e no pagamento de uma indemnização a CC.
2. O exequente CC, propôs, nos próprios autos do processo-crime, correndo os seus termos no Juízo Central Criminal de ........, Juiz .., uma execução para pagamento de quantia certa - Proc. n.º 290/07.8GBPNF.1 - cujo valor da execução foi a quantia líquida e certa de 344.998,36€, em que é executado BB.
3. Por despacho de 11-06-2015 do Juiz .., do Juízo Central Criminal de ........, foi decidido que a execução devia correr os seus termos na Secção de execução da Comarca de .........., tendo determinado a remessa da execução para aquela secção de execução.
4. Por despacho de 02-11-2015, do Juiz .., da Secção de execução da Comarca de .......... foi declarada a incompetência, em razão da matéria, da Instância Central - Secção de Execução, para tramitar a execução, nos termos do disposto no art.º 129.º n.º 2 e 131.º da LOSJ e art.º 82.º n.º 1 do CPP, à contrário sensu, considerando competente para conhecer daquela execução, em razão da matéria, o Juízo Central Criminal de ........
5. O Juiz .., do Juízo Central Criminal de ........ determinou o prosseguimento da execução.
6. Por apenso ao processo executivo nº 290/07.8GBPN-1, foi apresentada pelos credores AA e outros, requerimento de reclamação de créditos - Proc. n.º 290/07.8GBPNF.G -, em suporte de papel e através de envio por correio registado.
7. Notificado do referido requerimento, o executado veio, invocar, em síntese, a nulidade do acto por remessa através de correio sem invocação de justo impedimento, bem como a extemporaneidade do mesmo.
8. Os reclamantes responderam, pugnando pela sua improcedência.
9. A reclamação de créditos não foi admitida por despacho proferido pelo Juiz .., do Juízo Central Criminal de ........, por ter entendido que a apresentação a juízo dos actos processuais através do sistema Citius é obrigatória para os mandatários judiciais (cf. artigo 144.º do Código de Processo Civil, em ligação com o artigo 3.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto), com ressalva do regime do justo impedimento (artigo 144.º, n.º 8, do Código de Processo Civil), sendo que no momento da apresentação da reclamação de créditos não foi invocado qualquer justo impedimento para a não entrega daquela peça processual, através da plataforma Citius.

10. Inconformados com aquela decisão, os Recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do …...

11. Por acórdão de 25-11-2020 a ..ª Secção (criminal) do Tribunal da Relação do ….. julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

12. Inconformada com o decidido, AA e outros, interpôs recurso de revista excepcional para o STJ, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do C.P.C., afirmando a oposição entre o acórdão recorrido proferido (no Processo n.º 290/07.8GBPNF-G. P1) em 25-11-2020 pelo Tribunal da Relação do ….., transitado em julgado, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido (no Processo n.º 4154/15.3T8LSB-C. L1.S2) em 10-12-2019, também já transitado em julgado.

13. Por despacho de 2.02.2021 foi aquele recurso admitido pela ..ª Secção do tribunal da Relação do ….., para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos artigos 629.º, 638.º, 672.º e 676.º, todos do CPC.

14. O recurso de revista excecional foi distribuído à 5.ª Secção (Criminal) do STJ, sendo a relatora, a signatária.

15. Por despacho de 29-04-2021 a signatária (relatora do acórdão recorrido) determinou a remessa dos autos à Formação constituída por três juízes conselheiros das secções cíveis, nos termos e para os efeitos de apreciação preliminar sumária do recurso de revista extraordinária interposto por AA e outros, de acordo com o disposto no artigo 672.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, consignando que se aguardasse a prolação de decisão.

16. A Formação prolatou acórdão, em 17.05.2021, admitindo a revista excecional e remeteu aos autos à 5.ª Secção (Criminal) deste STJ, que proferiu acórdão em 24-06-2021.
11. Do Direito

Alega o recorrido BB que a competência em razão da matéria para decidir do recurso de revista excecional era das secções Cíveis deste STJ, e não das Secções Criminais, o que determina a incompetência absoluta (e violação do juiz natural) destas para decidir a causa e, consequentemente, a nulidade do acórdão proferido pelas Secções Criminais, nos termos da al. d), n. º1, do artigo 615.º, do CPC.

Para tal diz que, e recorda-se: “está uma decisão que tem a ver com a rejeição de uma reclamação de crédito no âmbito de uma execução que segue os termos do CPCiv, quanto à sua espécie, regime e efeitos. Logo, segundo o art.54º, da Lei 62/2013, de 26.08, que estabelece a especialização das secções do STJust., é competente para julgar o presente recurso uma das suas secções cíveis.”

12. Não assiste razão ao recorrente, como veremos.

Conforme resulta da factualidade provada, está em causa uma reclamação de créditos apresentada pela recorrente AA e outros, apensa a uma execução para pagamento de quantia certa – Proc. n.º 290/07.8GBPNF.1 - em que é exequente CC e executado o recorrido BB.

Essa execução – Proc. n.º 290/07.8GBPNF.1 - por sua vez, corre nos próprios autos do processo-crime n.º 290/07.8GBPNF - ou seja, corre os seus termos no Juízo Central Criminal de ........, Juiz .., por se tratar de execução de sentença que condenou o arguido/executado (numa pena e) no pagamento de uma indemnização civil, enxertado no processo-crime, nos termos do artigo 71.º, do CPP.

Da factualidade dada como provada, constata-se que o Juízo Central de ........ considerou que a execução deveria correr os seus termos no Juízo de execução da Comarca de ….. - Oeste, tendo remetido o processo para este.

O Juízo de Execução de …..….., por sua vez, declarou-se incompetente, em razão da matéria, para decidir a execução, tendo remetido a mesma para o Juízo Central Criminal de ........, Juiz .., que aceitou a competência, em razão da matéria, para aquela execução, mandando prosseguir a execução.

Verifica-se, assim, que a execução foi proposta e prosseguiu no Juízo Central Criminal de ........, Juiz .., que assumiu a competência em razão da matéria, para decidir aquela execução, a qual corre nos próprios autos do processo-crime. E por sua vez, a reclamação de créditos corre por apenso àquela execução.

O despacho que está na origem dos recursos para o Tribunal da Relação e para este STJ, foi um despacho proferido, na reclamação de créditos, pelo Juiz .., do Juízo Central Criminal de .........

O Tribunal da Relação do ….. que apreciou e julgou o recurso daquele despacho foi a 1.ª Secção (criminal).

E, corretamente, foi a 5.ª Secção (Criminal) deste STJ, que apreciou o recurso de revista excepcional, no qual se suscitou uma oposição com o acórdão da ..ª Secção (Criminal) do TR..

Ou seja, a competência, em razão da matéria, para decidir a causa, in casu, execução e respetiva reclamação de créditos iniciou-se e fixou-se, corretamente, no Juízo Central Criminal de ........, e consequentemente, nos Tribunais de recurso, hierarquicamente superiores àquele, ou seja, as Secções Criminais da Relação e do STJ.

13. Senão vejamos.

O artigo 40.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ)[1] estabelece a “Competência em razão da matéria”, determinando no seu n.º 2 que “A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca.”

Por sua vez, de acordo com o artigo 60.º, n.º 2, do CPC na ordem interna “a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, o valor da causa, a hierarquia judiciária e o território”. E nos termos do disposto no artigo 65.º do CPC, as leis de organização judiciária “determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.

E de acordo com o artigo 131.º, da LOSJ A execução das decisões relativas a multas penais e indemnizações previstas na lei processual aplicável compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido.

14. No caso em apreço, estamos no âmbito de uma reclamação de créditos de uma execução para pagamento de quantia certa e líquida – no valor de 344.998,36€– relativa de uma sentença (penal) que condenou o arguido/executado BB no pagamento de uma indemnização, arbitrada no âmbito de pedido de indemnização civil enxertado no crime, nos termos do artigo 71.º, do CPP. A sentença foi proferida pelo Tribunal Criminal.

De acordo com o artigo 131.º da LOSJ, a execução da sentença compete, por regra, ao Tribunal que a proferiu, no caso, ao Tribunal Criminal de ........[2].

O Tribunal Criminal, por força do princípio da adesão do artigo 71.º e ss. do CPP vê a sua competência, em razão da matéria, “estendida/conexa” ao conhecimento do pedido de indemnização civil fundado na prática do crime. E, por sua vez, vê, essa competência, em razão da matéria, extensível à execução da sentença que arbitrou a indemnização (líquida e certa), face ao disposto nos artigos 131.º e 129.º, n.º 2, da LOSJ.

Pelo exposto, resulta claro que as secções de competência especializada criminal do Juízo Central são competentes para a execução das suas decisões condenatórias (em indemnização líquida e certa) proferidas na sequência de pedido cível deduzido em processo-crime, por força do princípio da adesão contido no artigo 71.º e ss. do CPP. E, quando assim é, são competentes para julgar e decidir as reclamações de crédito, já que estas são autuadas/correm por apenso ao processo de execução (cfr. artigo 788.º, n.º 8, do CPC).

De acordo com o artigo 42.º da LOSJ, que define a “Competência em razão da hierarquia”:

“1 – Os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões. 2 – Em regra, o Supremo Tribunal de Justiça conhece, em recurso, das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais da Relação e estes das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância. 3 – Em matéria criminal, a competência é definida na respetiva lei de processo.”

E conforme estabelece o artigo 83.º do CPC sob a epígrafe “Competência para o julgamento dos recursos”: “Os recursos devem ser interpostos para o tribunal a que está hierarquicamente subordinado aquele de que se recorre.

Assim sendo, é a Secção Criminal do Tribunal da Relação a competente para decidir recurso da decisão proferida pelo Juízo Central Criminal.

E, naturalmente, a Secção Criminal do STJ a competente para julgar recurso do acórdão prolatado pela Secção Criminal da Relação.

As Instâncias de recurso - Secções Criminais do Tribunal da Relação (artigo 73.º, da LOSJ) e do STJ (artigo 55.º, da LOSJ), respetivamente - são as competentes, em razão da hierarquia, para conhecer da causa que seja da competência, em razão da matéria, do Tribunal Criminal (de 1.ª instância) – cfr. artigos. 38.º, 40.º e 41.º, todos da LOSJ).

15. É, justamente, o que sucede no caso concreto.

São as Secções Criminais deste STJ as competentes para conhecer, em sede de recurso, do acórdão da 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação.

O requerente chama à colação o artigo 54.º da LOSJ – por estabelecer que as Secções Criminais do STJ são competentes para julgar as causas de natureza penal - porém este artigo não pode ser lido isoladamente, mas de acordo com os demais normativos da LOSJ e da Lei de Processo Penal.

Numa leitura conjugada dos normativos da LOSJ e do Código de Processo Penal, podemos concluir que as Secções Criminais do STJ são competentes para julgar as causas de natureza penal, e nestas também se incluem  - como se de uma competência material por conexão/extensão se tratasse - os pedidos de indemnização civil fundados na prática do crime (artigo 71.º do CPP) e as respetivas execuções (e seus apensos de reclamação de créditos e outros) de sentenças que condenaram numa indemnização (certa e liquida), de acordo com os artigos 129.º, n.º 2 e 131.º, ambos da LOSJ, em conjugação com o artigo 82.º, n.º 1, do CPP.

O requerente entende que a competência para conhecer da revista excecional eram das secções cíveis do STJ.

Contudo, a “secção cível”, nos presentes autos de revista excecional, apenas tem competência para os termos concretamente definidos pela lei.

De acordo com o artigo 672.º, n.ºs 1 a 3 do CPC “A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis.”

A competência da formação constituída pelos 3 juízes (das secções cíveis) esgota-se na apreciação preliminar sumária quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

Esgotando-se a competência nessa decisão, a decisão relativa ao mérito do recurso é decidida pelo Tribunal materialmente competente para decidir o recurso.[3]

Conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 29.09.2020, proferido no Proc. n.º 1237/14.0TBSXL-B.L1.S1 - 6.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt “II - A Formação – Colectivo que aprecia liminarmente os pressupostos referidos no n.º 1 do art. 672.º do CPC, invocados pelas partes quando pretendem interpor revista excepcional, apenas é chamada para decidir especificamente essa matéria, não tendo outras competências nomeadamente para o julgamento do fundo da questão, sendo as mesmas deferidas a outro colectivo que irá apreciar o recurso se o mesmo vier a ser admitido: a intervenção dessa Formação é acessória, pontual e específica, apenas para a aferição dos pressupostos aludidos nas als. a), b) e c) do n.º 1 daquele mesmo normativo, não efectuando qualquer juízo ainda que meramente indiciário sobre o fundo da causa.

Também, sob este prisma, nenhuma incompetência se vislumbra, já que o exame preliminar do recurso foi feito pela Formação Cível deste STJ.

16.Sem prejuízo do que atrás se referiu, cumpre ainda realçar um ponto de especial importância.

De acordo com o artigo 96.º, do CPC “Determinam a incompetência absoluta do tribunal: a) A infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional;”

Dispõe ainda o artigo 97.º do CPC que: “1 - A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa. 2 - A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final”

Como referimos supra, entendemos que inexiste qualquer incompetência, em razão da matéria, das secções criminais deste STJ.

Mas, mesmo que assim não fosse, há muito que se encontra precludido o direito do Requerente de vir arguir a violação das regras de competência, em razão da matéria, dos Tribunais Criminais (para a tramitação da execução e para a consequente reclamação de créditos), conforme emerge do artigo 97.º, n.º 2, do CPC. E, nessa medida, há muito que a competência dos Tribunais Criminais ficou definitivamente fixada nestes autos.[4].

17.Recordemos:

Existe um despacho proferido no processo executivo, no qual o Juízo de Execução de ……….. se declara incompetente, em razão da matéria, para a execução.

Nenhum interveniente processual reagiu àquele despacho.

O requerido foi notificado do requerimento da reclamação de créditos pelo Juízo Central Criminal de ........ e apresentou impugnação à mesma e nada arguiu relativamente à (incompetência daquele Tribunal Criminal).

O despacho recorrido foi proferido pelo Juiz .. do Juízo Central Criminal de ........, o acórdão do Tribunal da Relação foi proferido por uma Secção Criminal, o requerido foi notificado do despacho da relatora (pertencente à 5.ª secção criminal deste STJ) a remeter os autos à Formação da revista excecional e em nenhum momento reagiu, colocando em causa a incompetência, em razão da matéria, dos sucessivos Tribunais Criminais, de diferentes hierarquias.

Só agora, surpreendentemente, é que se insurge, depois da prolação do acórdão deste STJ que julgou a revista excecional procedente.

18. Por tudo o exposto, concluiu-se que a 5ª Secção Criminal do STJ é competente, em razão da matéria, para decidir o recurso e consequentemente não padece o acórdão de 24.06.2021 de qualquer nulidade.

III.

19. Por tudo o exposto, julga-se:

a) Indeferir o requerimento interposto pelo recorrido BB;

b) Condenar o recorrido em custas pelo incidente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).

15 de Setembro de 2021

Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP, e assinado eletronicamente pelos signatários.

Margarida Blasco (Relatora)

Eduardo Loureiro (Adjunto)

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[1] Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e posteriores alterações, doravante designada por LOSJ.
[2] Sendo que não estamos perante uma situação enquadrável na competência dos Juízos de execução - artigo 129.º, n.º 2 da LOSJ e artigo 82.º, n.º 1, do CPP.

[3] Que conforme supra fizemos referência, são competentes as Secções Criminais.

[4] Veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2017, proferido no Processo n.º 1519/15.4T8LSB.L1. S1 - 4.ª Secção, consultado em www.dgsi.pt: “1 – Respeitando a violação das regras de competência em razão da matéria apenas a tribunais judiciais, a sua arguição apenas pode ter lugar até ao despacho saneador. 2 – Tendo sido arguida, pela primeira vez, nas alegações da revista e tendo o tribunal de primeira instância consignado, no despacho saneador, ser o tribunal competente em razão da matéria, sem que tal decisão fosse impugnada no recurso de apelação interposto daquele despacho, mas limitado à parte em que conheceu de outras exceções, a competência do juízo do trabalho ficou definitivamente fixada, não podendo o Supremo Tribunal conhecer dessa questão, apesar de ser de conhecimento oficioso.