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ESCUSA DE JUIZ
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
EXTRAÇÃO DE CERTIDÃO
INDEFERIMENTO
Sumário
1 - Quando um Juiz extrai uma certidão para ser investigado um crime de desobediência por entrega tardia da carta de condução, apenas constata que essa entrega não foi atempada. 2 - Não sabe o Senhor Juiz nomeadamente, o porquê dessa entrega tardia - nomeadamente, se por motivos de força maior como um internamento ou uma doença grave ou até se foi involuntária - ou mesmo se a conduta foi dolosa ou meramente negligente. 3 - Não pode pois, o Senhor Juiz dizer de forma séria, que já formou a sua convicção sobre o caso concreto, pois ainda não teve contacto com todos os meios de prova a produzir, sobre o eventual crime de desobediência. 4 - Assim e não ocorrendo "motivo sério e grave" que possa pôr em causa a sua imparcialidade, de uma forma objetiva ou subjetiva, deve nestes casos ser indeferido o pedido de escusa.
Texto Integral
1 – Relatório
O Senhor Juiz E. P. requereu a sua escusa de tramitação do Proc.º 4940/19.5T9BRG.G1, em que é arguido J. C..
Para tanto, invoca que:
- proferiu despacho no Processo Abreviado n.º 13/19.9GTBRG em que, tendo tido conhecimento de que o arguido não entregara a sua carta de condução no prazo fixado e não obstante ter sido notificado nesse sentido, determinou a extração de certidão contra si, para investigação da eventual prática de um crime de desobediência – não tendo referido porém, como diz agora o Senhor Juiz, que o “arguido cometeu um crime de desobediência”.
O pedido mostra-se suficientemente instruído, por certidão que contém cópias da acusação neste Proc.º pelo citado crime de desobediência, do despacho do Senhor Juiz em que o mesmo suscita o seu impedimento, cópia da nota de notificação ao arguido no referido Proc.º 13/19.9GTBRG, da ata de julgamento nesses autos que foi presidido pelo Senho Juiz bem como o pedido de escusa do mesmo, dirigido a este Tribunal.
No despacho em que determinou a extração de certidão, o Senhor Juiz começa por referir que o arguido entregou tardiamente a sua carta, para cumprimento da pena acessória de inibição, após o que refere “Assim, extraia certidão da sentença condenatória, bem como do presente despacho e entregue ao M.P. junto deste Tribunal Judicial da Comarca de Braga para a instauração de processo de inquérito pela prática de um crime de desobediência”.
A prova documental junta é suficiente para que se conheça deste incidente de suspeição, sendo pois desnecessária a produção de qualquer outro meio de prova sobre a questão.
2 – Fundamentos
As suspeições em Processo Penal vêm reguladas no art.º 43º C.P.P., sendo tal como no Processo Civil, divididas em recusas e escusas. As recusas suscitadas por qualquer sujeito processual, incluindo o M.P. (art.º 43º/3 C.P.P.); as escusas pedidas pelo próprio Juiz (art.º 43º/4 C.P.P.).
Fundamento de ambas é o facto de a intervenção do Juiz no processo se poder considerar suspeita, por ocorrer motivo sério e grave, suscetível de gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Tribunal (art.º 43º/1 C.P.P.).
Estes incidentes distinguem-se dos impedimentos, previstos no art.º 40º C.P.P. Enquanto nestes, a lei optou por uma tipicidade taxativa, nas suspeições lançou mão de uma cláusula geral ou conceito indeterminado muito amplo.
Tudo se reconduz pois, ao “motivo sério e grave”, apto a gerar desconfiança sobre a atividade do Tribunal – art.º 43º/1 C.P.P.
Esta questão é um corolário de vários princípios Constitucionais e transnacionais.
Quanto aos primeiros, citem-se o art.º 32º/1 C.R.P. que tutela as garantias de defesa por parte do arguido, os arts.º 6º C.E.D.H e 20º/4 C.R.P. que tratam do direito a uma justiça equitativa e por isso, imparcial e transparente e os arts.º 202º/1 e 205º/1 C.R.P., que determinam a aplicação da Justiça pelos Tribunais em nome do povo e a necessidade de uma especial fundamentação nas decisões.
De referir ainda que, nesta esfera, as aparências são relevantes. Nestes casos, “o ser e o parecer devem andar de mãos dadas” – Ac. Rel. Coimbra, 19/1/2 011, Pilar de Oliveira, em “www.dgsi.pt”.
A Jurisprudência tem dividido estes motivos, em dois tipos:
- os subjetivos, decorrentes de tratamentos ostensivos do Magistrado contra o sujeito processual, que o farão ter dúvidas sobre a imparcialidade do Juíz em concreto;
- os objetivos, decorrentes de especiais relações com algum dos sujeitos processuais ou de factos especiais, que podem também afetar a credibilidade na objetividade e imparcialidade do Juiz, aos olhos dos cidadãos
Estando em causa tão lídimo objetivo e pressuposto da realização de justiça, tem-se também decidido que tais incidentes devem proceder se, ao comum dos cidadãos, no caso em concreto se puderem pôr dúvidas, sobre a isenção e imparcialidade do Juiz. A referida independência dos Juízes e dos Tribunais é também garantida constitucionalmente (arts.º 203º e 216º C.R.P.).
Mas e como se disse, é necessário que o motivo que gera desconfiança sobre a imparcialidade seja “sério e grave” e apto a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Tribunal. É que só fundamentadamente se pode pôr em causa o “princípio do Juiz Natural”, também ele valor constitucionalmente protegido (art.º 32º/9 C.R.P.).
Ora, no caso dos autos está em causa uma participação criminal pelo crime de desobediência, motivada pelo facto de o senhor Juiz ter, noutro processo, participado criminalmente do arguido, por não ter entregue a carta, no prazo de que dispunha para tal.
Não sabe o senhor Juiz, a razão por que o não fez.
Desconhece se estava doente, internado ou se não entregou a carta, por algum caso de força maior. E, é isso que é investigado em Inquérito.
Aliás, limitou-se a determinar a extração de certidão “para a instauração de processo de inquérito pela prática de um crime de desobediência”, o que não constitui qualquer ato de julgamento. Quando muito, estar-se-á perante um indício de um crime público, cuja denúncia é obrigatória para si – art.º 242º/1, b), C.P.P.
Nem se entende como o requerente refere que já tomou “contacto com todos os meios de prova sobre o assunto”, quando afinal só constatou a entrega tardia da carta de condução para cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir. O Senhor Juiz ouviu o arguido nem testemunhas, não sabe a razão da entrega tardia da carta ou até se o arguido agiu dolosamente.
O que se passou é pois muito diferente de ter tido “contacto com todos os meios de prova” ou de qualquer julgamento.
Como disse e bem, o Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação, na vista aberta nestes Autos de Escusa, “não basta o mero convencimento subjetivo por parte do Ministério Público, arguido, assistente, parte civil ou do próprio Juiz para que tenhamos por verificada a ocorrência da suspeição”. É ainda necessário que os motivos sejam “sérios e graves”.
Senão e “ad absurdum”, bastava a qualquer Juiz mais ousado referir que já tinha a sua convicção formada sobre a decisão a proferir, para ser escusado do processo.
Nem se entende porque o refere o Senhor Juiz, uma vez que está longe de saber, com o que invoca, por que o arguido entregou tardiamente a sua carta de condução ou se o fez dolosamente.
Ou seja: não fez qualquer pré-juízo sobre a prática de crime e apenas disse que ele era “eventual”.
Aliás, a prova a que o Senhor Juiz teve acesso é documental e o mesmo nem sequer é testemunha dos factos.
É verdade que no sentido da escusa se decidiu já, no Acórdão da Relação de Guimarães de 18//2 018, Proc.º 138/18.8IRGMR, Fernando Pina (inédito), em caso idêntico.
Todavia, não se vê como, neste caso, se pode dizer, como aí se disse, que “não só o arguido poderá suspeitar da existência de um pré-juízo vinculativo em relação à sua culpabilidade, como a equidistância do Senhor Juiz com vista à boa administração da justiça poderá ser perturbada e a sua intervenção apreciada pela comunidade como não isenta”.
Pré-convicção porquê, uma vez que o Senhor Juiz apenas viu, documentalmente, que o arguido não tinha entregue a sua carta de condução, no prazo concedido e não sabe porquê.
Aliás, o Senhor Juiz teve o cuidado de falar na extração de certidão para a “instauração de processo de inquérito pela prática de um crime de desobediência”. O que não inculca qualquer julgamento, nem a formação de qualquer juízo prévio.
Discorda-se pois, salvo o devido respeito, da solução assumida naquele Acórdão.
Algo diferentes, poderão já ser os casos dos deferimentos de escusa nos Acórdãos proferidos nos Procs.º 48/14.8YREVR, também Fernando Pina, de 29/4/2 014, em “Coletânea de Jurisprudência on line” (em que estava em causa uma certidão por falso testemunho, mandada extrair na sentença por se entender o depoimento como falso) e no Proc.º 102/18.7YRGMR, Acórdão da Relação de Guimarães de 4/6/2 018, Laura Maurício (não publicado), em que o Juiz foi testemunha numa audiência de julgamento, de um arguido se dirigir a uma testemunha, referindo “és um mentiroso”, em que a questão já se poderá pôr.
Casos que são porém, muito diferentes do caso dos autos, pois aqui sim, o Juiz assistira a todos os factos constitutivos do eventual ilícito.
Sendo que em sentido idêntico ao nosso também foi publicado o Acórdão da Relação de Coimbra, 25/3/2 015, José Eduardo Martins, em www.dgsi.pt e decidiu o relator, nomeadamente nos Acórdãos proferidos nos Procs.º 168/17.7YRGMR e 121/19.6YRGMR desta Relação de Guimarães, sendo que neste o Senhor Juiz requerente era o dos presentes autos.
Considera-se pois, que o pedido de escusa nos nossos autos não deverá proceder.
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Termos em que,
3 – Decisão
a) se julga improcedente o pedido de escusa formulado pelo Sr. Dr. E. P., que assim continuaráa tramitar este Proc.º 4 940/19.5T9BRG.G1.
b) Sem custas.
c) Notifique e dê desde já conhecimento ao Senhor Juiz que pretendia a Escusa.