RECURSO PENAL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Sumário


O comportamento do arguido, de venda de heroína desenvolvida com regularidade num período de tempo superior a um ano, sendo o arguido o fornecedor de co-arguidos que, por sua vez, a difundiam por um número elevado de consumidores devidamente individualizados nos factos provados do acórdão, realiza objectiva e subjectivamente o tipo do art. 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, e não o crime de tráfico de menor gravidade do art. 25.º.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



1. Relatório

1.1. No Processo Comum Colectivo n.º 17/19..., do Juízo Central Criminal …. – juiz …, foi proferido acórdão a condenar o arguido AA como autor de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência às Tabelas I-A e I-B, na pena de cinco anos e três meses de prisão.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:

“1. Não se conforma o Recorrente, com a Douta Decisão proferida, no que tange à qualificação jurídica dos factos, e à pena concretamente aplicada.

2. Uma vez que, no entendimento do ora Recorrente, os factos provados integram a prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro, e não, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º nº 1 do DL 15/93 de 22 Janeiro.

3. E ainda que, assim não se entenda, questão que apenas por mera hipótese académica se coloca, entende o Recorrente, que a pena aplicada é manifestamente excessiva, tendo em conta os concretos factos valorados como provados, e o grau de culpa do Arguido. 4. Para verificação do tipo atenuado exige a lei que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

5. DAS DISPOSIÇÕES GENÉRICAS:

6. A verdade é que, os factos constantes dos pontos 2, 3 e 7 correspondem não propriamente a factos, mas antes a imputações genéricas, com utilização de fórmulas vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras, que é de evitar de todo em sede de fundamentação de facto, como vem sendo acentuado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

7. Vejamos: No âmbito dessa atividade, genericamente, o arguido BB adquiria heroína ao arguido AA e, ocasionalmente, cocaína, na morada deste, sita na Rua ..., n.º ..., e ... e, após, juntamente com a arguida CC, dividia e ensacava esses produtos em doses individuais, para efeitos de ambos procederem à venda direta, em regra, pelo valor de 10,00 € a dose individual de heroína, a clientes/consumidores que os procuravam, batendo à janela da sua residência.

8. Ocasionalmente, quando os seus clientes/consumidores lhe pediam que lhes fornecesse cocaína, o arguido BB deslocava-se ao domicílio do arguido AA e adquiria-lhe a quantidade desse estupefaciente que estes pretendiam comprar, procedendo, logo de seguida, à respetiva venda.

9. (…) O arguido AA, desde o mês de Novembro de 2018 e até ao dia 13-01-2020, cerca de uma vez por mês, deslocava-se a ... para adquirir heroína, de qualidade, características, peso e em moldes não concretamente apurados, a qual posteriormente vendia, mormente ao arguido BB.

10. O arguido por muito que se queira defender de tais imputações não consegue.

11. Adquiriu a quem? Porque Preço? Onde? Quando? Que quantidade? Que qualidade? Quantas vezes?

12. Vendeu ocasionalmente? Onde? Quando? Porque preço? Quantas vezes? Com que frequência?

13. Todas estas questões ficaram por responder, e sem essa resposta jamais o arguido se poderia defender.

14. Mas mais, tais questões ficaram por responder porque efetivamente não foi produzida qualquer prova que permitisse responder às mesmas.

15. Esta indefinição impõe necessariamente que tais “factos”, passem a constar dos factos não provados.

16. Por outro lado, não foi ouvida, uma única testemunha que haja adquirido qualquer produto estupefaciente ao arguido.

17. Ora assim sendo, o arguido jamais poderia ter sido condenado pela prática dos “factos” descritos nos pontos 2, 3 e 7, face à falta de concretização dos mesmos.

18. Mais o Tribunal também não refere em que prova se alicerçou para valorar como provado que a heroína apreendida se destinava à venda. Não refere, nem poderia referir pois não foi produzida qualquer prova nesse sentido.

19. Assim, entende o arguido que foram violadas várias normas, mormente o artigo 127º do CPP e ainda, os artigos 32º n° 1 e 205.º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa.

20. De facto, uma decisão condenatória - deve sustentar-se na necessária e indispensável concretização dos factos capazes de suportar um juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do agente, sendo, por isso, de realçar, para esse efeito, a irrelevância jurídico-penal das imputações genéricas, que não encontram no texto da decisão aquele limiar indispensável de concretização.

21. Ora, salvo melhor entendimento, a decisão recorrida não se sustenta na tal necessária e indispensável concretização dos factos concretos capazes de suportar o referido e exigido juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do Recorrente quanto à prática do crime pelo qual foi condenado, na medida em que como se já referiu supra, o Tribunal a quo, em momento algum, indica uma única prova concreta válida e admissível, da prática dos factos por parte do Recorrente.

22. O que o Tribunal a quo fez, com todo o respeito que é sempre muitíssimo, foi ajuizar primeiro pela condenação da Recorrente e depois tentar a todo o custo dar um salto lógico que permitisse tal condenação.

23. No caso em apreço o Tribunal a quo investigou o que podia e devia investigar, sem que, contudo, haja logrado alcançar aquele limiar de concretização necessário, quanto à responsabilidade do Recorrente, face a todos os elementos de prova constantes dos autos e que deveriam ter sido devidamente conjugados entre si.

24. É, pois, de concluir no sentido de se verificar, no que ao recorrente respeita, uma ausência de provas válidas e admissíveis – ausência essa impeditiva do exercício dos direitos constitucionais previstos no artigo 32º da CRP, desde logo do seu direito de defesa.

25. Por outro lado, verificando-se a ausência de tal concretização e, mesmo assim, havendo condenação do Recorrente, entende-se, com todo o respeito por melhor opinião, que o Tribunal recorrido, violou, ainda, o princípio constitucional de presunção de inocência previsto no art.º 32º, nº 2 da CRP.

26. Por último, diga-se, ainda, que com a violação de tais normativos constitucionais, o Tribunal a quo, e quanto ao ora Recorrente, fez uma interpretação inconstitucional do princípio consagrado no art.º 127º do CPP (livre apreciação da prova).

27. Interpretou-o no sentido de que apesar de não ter conseguido reunir prova suficiente, válida e admissível, de suportar um juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do Recorrente, mesmo assim, e porque o Julgador aprecia livremente a prova segundo a sua convicção e as regras da experiência, e tudo é justificado com base neste princípio aparentemente inatacável, o Tribunal condenou o Recorrente.

28. A livre convicção não significa, no entanto, apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objetivos ou objetiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica.

29. Não se analisando em liberdade não motivada de valoração, a livre convicção constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores (Cf. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág. 27).

30. O princípio, tal como está inscrito no artigo 127.º, significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na «liberdade para a objetividade» (Cf. Teresa Beleza, Revista do Ministério Público, Ano 19º, pág. 40).

31. Face ao supra exposto e sem necessidade de mais considerandos, jamais poderá o arguido ser condenado pela prática dos “factos” constantes dos pontos 2, 3, e 7 da matéria de facto provada.

32. Desde há vários anos o Supremo Tribunal de Justiça vem repetindo que, “(...) o advérbio “CONSIDERAVELMENTE”, da cláusula geral, não está lá por acaso.

33. A tipificação do referido artigo 25.º do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro, parece significar o objetivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, fica aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do artigo 21.º do mesmo diploma e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25.º.

34. Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como fatores aferidores de menorização da ilicitude do facto.

35. É, pois, a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade.

36. Descendo à factualidade provada nos presentes autos verificamos, que se verificam cumulativamente, todas as circunstâncias atrás enunciadas.

37. Não foi possível apurar as concretas ocasiões em que o arguido vendeu produto estupefaciente ao arguido BB/CC.

38. Também não resulta da factualidade apurada, quais as quantidades transacionadas.

39. Efetuou as vendas em zona geográfica delimitada.

40. O produto estupefaciente apreendido era suficiente, apenas para cerca de 59 doses.

41. As quantidades transacionadas têm de se presumir como diminutas.

42. A quantia pecuniária apreendida em pouco ultrapassa os 100,00 €. 43. Todos os arguidos, nos presentes autos são toxicodependentes.

44. As viagens a ... destinaram-se exclusivamente à aquisição e não a qualquer distribuição de produto estupefaciente.

45. Foram efetuadas pelo recorrente sem recurso a quaisquer intermediários, e com recurso a transportes públicos.

46. Não foi verificada qualquer sofisticação na atividade de tráfico desenvolvida pelos Arguidos.

47. A atividade de tráfico provada, cingiu-se à Cidade ....., ou seja, a área geográfica onde alegadamente é levada a cabo a atividade de tráfico é absolutamente restrita/ circunscrita.

48. Para além das vendas ocasionais ao arguido BB não resultaram provadas quaisquer outras vendas a revendedores ou consumidores.

49. Por último não são conhecidas quaisquer circunstâncias mencionadas no art.º 24º do Dl. 15/93 de 22 de Janeiro.

50. De facto, a tipificação do artigo 25º do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro, parece ter o objetivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade, considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e frequência desta), encontre a medida justa da punição para casos que, embora de gravidade significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do art.º 21º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no preceito em causa.

51. Ao indagar do preenchimento do tipo legal do art.º 25º haverá que proceder a uma valorização global do facto, sopesando todas e cada uma das circunstâncias aí referidas, para além de todas as demais suscetíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzem uma menor perigosidade da ação e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado.

52. Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando fatores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

53. Do que supra se deixou transcrito resulta, pois, claro ter sido decisivo para o enquadramento jurídico – penal a circunstância de a quantidade de estupefacientes em questão, assim como a sua natureza, assumir uma relevância especialmente significativa.

54. Acresce que não resulta apurado qualquer modus operandi, muito menos um modus operandi sofisticado, com recurso a meios complexos, nem se provou uma estrutura organizativa, antes resulta uma atuação desacompanhada dos arguidos– pelo menos não decorre da exígua matéria de facto provada.

55. Neste quadro, sopesando a ausência das circunstâncias referidas, a ilicitude global do facto aponta, quanto a nós sem dúvida de maior, para o tipo privilegiado do artigo 25º, punível nos termos da al. a). Efetivamente, nada aponta para que estejamos em face de um caso de grande tráfico.

56. Conclui-se, pois, ser de alterar, nesta parte, a Decisão ora Recorrida, subsumindo os factos pelos quais os arguidos foram condenados e com os quais humildemente se conformaram, no art.º 25°, do DL 15/93, de 22 de Janeiro.

57. No caso em apreço, vêm os arguidos pronunciados da prática, em co-autoria, de artigo 21.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-A anexa ao citado diploma legal. Na técnica legal temos três tipos legais fundamentais que revelam a maior ou menor gravidade desta atividade em relação ao tipo fundamental do artigo 21º, ou seja, o artigo 24º no sentido agravativo e o artigo 25º do mesmo diploma no sentido atenuativo.

58. Estamos assim perante um crime de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos e um crime comum, por contraposição aos específicos, por não se exigir que o agente reúna determinada característica ou qualidade (ainda que esta, em determinadas circunstâncias, seja agravante mas ainda assim não determinante da classificação do crime como específico, v.g. art. 24º).

59. O legislador utilizou a técnica de descrição de condutas alternativas de tal maneira que para a subsistência do delito é indiferente que se realize uma ou outra permanecendo um só delito ainda que se realizem as diversas acções descritas dada a especial estrutura deste crime. Com efeito, o crime de tráfico, como crime exaurido, consuma-se imediatamente no momento da ocorrência de um qualquer dos vários momentos ou das condutas implicados na ampla descrição típica do artigo 21 ° do Decreto-Lei n° 15/93, de 15 de Janeiro sendo, por isso, indiferente a ocorrência e a adjunção, posterior ou sequente, de um ou outro dos vários momentos de tipicidade; qualquer deles determina, por si, a consumação do crime.

60. Sendo o normativo do art.º 21º especialmente mais gravoso do que os estabelecidos nos artigos 25.º e 26.º do dito diploma legal, importa verificar da aplicabilidade daqueles, já que a respectiva aplicação, como tipos menos gravosos, excluiria a aplicação do tipo do art.º 21.º.

61. A tipificação do art.º 25.° do DL 15/93 teve o objetivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade, considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e frequência desta), encontre a medida justa da punição para casos que, embora de gravidade significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do art. 21.° e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art. 25.°.

62. No caso em apreço a atuação dos arguidos, simples de “vendedor de rua” sem qualquer sofisticação, reduzindo a sua atuação a vendas ao arguido BB e Companheira deste arguida CC, que se situam no seu espaço limitado de acção pessoal e geográfico. Estamos perante uma actuação sem recurso a qualquer a qualquer técnica ou meio especial, dando uma matriz de simplicidade que, de forma decisiva, influi na visão global do facto.

63. Como elementos coadjuvantes relevantes e decisivos surgem ainda as reduzidas quantidades transaccionadas de cada vez e o curto período de atuação destes arguidos.

64. Neste particular, as várias transacções ocorreram num espaço geográfico limitado e num curto espaço de tempo. Todavia, não é possível concretizar o número de transacções efectuadas, pelo que não poderá este ser um facto decisivo para enquadrar a sua conduta no disposto no art.º 21.º, tanto mais que os demais elementos evocam uma factualidade abrangida pela incriminação do art.º 25.º.

65. Todos estes elementos remetem-nos para uma considerável diminuição da ilicitude da conduta destes arguidos, compaginável com o disposto no citado art.º 25.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1.

66. Esta conclusão não é afastada pelo facto de estarmos perante o tráfico de heroína e cocaína, uma vez que, não estamos perante a venda de grandes quantidades, nem a mesma apresenta uma expressão geográfica significativa, antes pelo contrário estamos perante vendas de pequenas quantidades, num curto espaço de tempo de cerca de três meses, e a um grupo limitado de seis consumidores.

67. Neste sentido, foi proferido Acórdão pelo Coletivo de Juízes do Juízo Central Criminal …..., no âmbito do Processo nº 234/15…, relativamente ao Arguido DD.

68. Da conjugação destes fatores conclui-se, pela verificação do tipo privilegiado do art.º 25.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1.Face ao exposto entende a Recorrente que, O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO DEVE SER REVOGADO, DEVENDO SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE ABSOLVA OS ARGUIDOS DA PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES P. E P. PELO ARTIGO 21º Nº 1 DO DL 15/93 DE 22 DE JANEIRO, E CONDENE OS ARGUIDOS PELA PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES P. E P. PELO ARTIGO 25º DO DECRETO-LEI 15/93 DE 22 DE JANEIRO.

69. O Recorrente não se conforma com a pena que lhes foi aplicada, considerando que a pena de 5 anos e 3 meses de prisão, é manifestamente excessiva tendo em conta os seus graus de culpa.

70. Ainda que, a presente peça recursória não proceda no que à qualificação jurídica dos factos tange, ainda assim, deverá proceder relativamente à medida concreta da pena, uma vez que, as penas aplicadas são manifestamente excessivas e desproporcionais, tendo em conta, a matéria de facto provada.

71. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – art.º 40º nº 1 do Código Penal.

72. A exigência legal de que a medida de que a medida da pena seja encontrada pelo Juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável.

73. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. E seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável às exigências de prevenção.

74. De qualquer modo, e qualquer que seja a solução encontrada, de uma ou de outra forma, a culpa é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado.

75. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, como é nos presentes autos, por razões Jurídico constitucionais, inadmissível.

76. Estamos perante uma culpa e ilicitude média alta no contexto do crime previsto e punido no art.º 25.º, al. a) do DL. 15/93 de 22 Janeiro, cuja alteração da qualificação o Recorrente pugna no presente Recurso.

77. Face ao supra exposto, o Arguidos ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 5 anos, caso o recurso não proceda relativamente à qualificação jurídica dos factos, caso proceda a pena não deverá ser superior a 3 anos e 6 meses de prisão.

78. Esta medida concreta das penas que o ora Recorrente pretende que agora lhe seja aplicada por este Alto Tribunal é aquela que lhes parece mais adequada, justa e proporcional tendo em conta os factos provados.

79. Assim, e por todo o exposto, e independentemente da pena de prisão que for concretamente aplicada por vós, Venerandos Juízes, a verdade é que a mesma deverá ser, sempre, inferior à pena aplicada.

80. O Arguido, ora Recorrente, rejeita, de facto, que a pena de prisão efetiva seja a única espécie de pena que realize, no caso concreto, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

81. Uma vez que, não se encontram esgotadas todas as virtualidades pedagógicas e ressocializadoras que uma pena não detentiva poderá ainda ter sobre o Arguido/ora Recorrente, não obstante a gravidade do caso em apreço e de já ter no seu registo criminal condenações anteriores.

82. Sucede que o arguido apenas foi condenado por crimes de roubo, cujas decisões transitaram em julgado no ano de 2011 e 2012.

83. E mais recentemente, foi apenas condenado por crime estradal.

84. O recorrente considera que o Tribunal a quo deveria ter partido de uma premissa que não partiu - da premissa de que as penas devem ter sempre um carácter ressocializador.

85. Mais deveria ter analisado o CRC do Arguido e atentado também ao facto de todas as penas já se encontrarem extintas.

86. Pelo que se entende que o Douto Acórdão recorrido deve ser revogado, devendo ser substituído por outro que condene o ora Recorrente numa pena de prisão inferior a 5 anos, ou no máximo igual a 5 anos, suspensa na sua execução por igual período, por esta, ainda, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

87. E não se diga, a este propósito, que com a pena ora pretendida e respectiva suspensão, não se estará a dar um sinal às comunidades da residência do arguido de que a sua conduta não se pode repetir.

88. Isto porque a suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.

89. É substitutivo particularmente adequado das penas privativas de liberdade que importa tornar maleável na sua utilização.

90. No caso em apreço, a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para realizar as finalidades da punição, sendo possível fazer um juízo de prognose social favorável ao Arguido, sendo credível que o Arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.

91. Por todo o exposto, entende a Recorrente que os atos por si praticados foram graves, contudo, no seu caso ainda é possível fazer um juízo de prognose social favorável, devendo a pena aplicada ao Arguido de 5 anos e 3 meses de prisão, ser substituída por outra igual ou inferior a 5 anos, suspensa na sua execução por igual período, sendo-lhe impostas todas as regras de conduta e injunções que se julgarem adequadas às necessidades do caso em apreço, nomeadamente, obrigação de sujeição a tratamento à toxicodependência, para o qual o arguido dá desde já o seu CONSENTIMENTO.

92. Ora in casu, entendemos que o desvalor da conduta, não se coloca num plano em que a confiança da sociedade na eficácia da norma e no sistema de justiça reclama pena privativa da liberdade.

93. Assim, julgamos que deverá permitir-se ao Arguido Recorrente uma derradeira oportunidade para atuar conforme ao direito.

94. Acresce que o Arguido encontra-se social e familiarmente inserido, tendo família constituída.

95. Quando se fala de prevenção como princípio regulativo da atividade judicial de medida da pena, não pode ter-se em vista o conceito de prevenção em sentido amplo, como finalidade global de toda a política criminal, ou seja, como conjunto dos meios e estratégias preventivos de luta contra o crime.

96. O que está aqui em causa, é na verdade, a aplicação de uma concreta consequência jurídico-penal, num momento em que o crime já foi cometido e não pode por isso, e não pode por isso, falar-se com sentido de prevenção na aceção referida.

97. Assim, a prevenção geral positiva traduz-se na confiança que a sociedade precisa de manter na vigência da norma, é o mínimo exigível da pena, ora no presente caso do ora Recorrente, ainda, que as necessidades de prevenção geral positiva, sejam elevadas, tendo em conta que o grau de ilicitude dos factos, não se poderá olvidar que o Arguido dispõe de apoio e inserção social e familiar e consente desde já em tratar a sua problemática aditiva de toxicodependência.

98. Assim, julgamos que deverá permitir-se ao Arguido uma derradeira oportunidade, a qual o Arguido certamente não desperdiçará.”

O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência e da confirmação integral do acórdão.

Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado parecer, pugnando também pela improcedência do recurso.

Não houve resposta ao parecer e teve lugar a conferência.


1.2. O acórdão recorrido, na parte que interessa ao recurso, tem o seguinte teor:

“1. O arguido BB e a arguida CC, em comunhão de esforços e intentos, pelo menos desde o início do ano de 2019 e até ao dia 16-01-2020, data em foram sujeitos a prisão preventiva, que se dedicaram, ininterruptamente, à cedência e venda de produtos estupefacientes, concretamente de heroína e, ocasionalmente, cocaína, a diversos clientes/consumidores que os procuravam na sua residência, sita na ..., n.º.…, na cidade ....., mediante a entrega de contrapartidas monetárias.

2. No âmbito dessa atividade, genericamente, o arguido BB adquiria heroína ao arguido AA e, ocasionalmente, cocaína, na morada deste, sita na Rua ..., n.º ..., e ... e, após, juntamente com a arguida CC, dividia e ensacava esses produtos em doses individuais, para efeitos de ambos procederem à venda direta, em regra, pelo valor de 10,00 € a dose individual de heroína, a clientes/consumidores que os procuravam, batendo à janela da sua residência.

3. Ocasionalmente, quando os seus clientes/consumidores lhe pediam que lhes fornecesse cocaína, o arguido BB deslocava-se ao domicílio do arguido AA e adquiria-lhe a quantidade desse estupefaciente que estes pretendiam comprar, procedendo, logo de seguida, à respetiva venda.

4. No período temporal supra indicado, os arguidos BB e CC procederam à venda de produtos estupefacientes, concretamente de doses individuais de heroína e, ocasionalmente, de cocaína, a diversos consumidores, entre outros, a:

A) EE, que, no dia ...-05-2019, pelas 11h40m, adquiriu ao arguido BB, na janela da residência deste, 0,32 gramas de heroína, com o peso líquido de 0,285 gramas e grau de pureza não apurado, suficiente para duas doses diárias, a troco da quantia de 10,00 € (cfr. Auto de Notícia, a folhas 15 a 17, auto de apreensão, a folhas 22, e exame, a folhas 403). No dia ...-07-2019, pelas 19h37m, a arguida CC entregou material estupefaciente a EE, de natureza, quantidade e pureza não concretamente apurada, tendo recebido deste uma quantia monetária não concretamente apurada;

B) FF, a quem o arguido BB, no dia ...-06-2019, pelas 19h20m, entregou material estupefaciente, de natureza, quantidade e pureza não concretamente apurada, tendo recebido deste uma quantia monetária não concretamente apurada;

C) GG, a quem a arguida CC, no dia ...-11-2019, pelas 08h50m CC, entregou material estupefaciente, de natureza, quantidade e pureza não concretamente apurada, tendo recebido deste uma quantia monetária não concretamente apurada. Nesse mesmo dia, pelas 18h05m, GG adquiriu à arguida CC, na janela da residência desta, 0,22 gramas de heroína, com o peso líquido de 0,151 gramas e grau de pureza não apurado, suficiente para uma dose diária, a troco de quantia não apurada;

D) HH, que, no dia ...-12-2019, pelas 11h45m, adquiriu à arguida CC, na janela da residência desta, 0,27 gramas de heroína, com o peso líquido de 0,213 gramas e pureza não apurada, suficiente duas doses diárias, a troco de quantia não concretamente apurada;

E) II, que, durante cerca de mês e meio, entre o final do ano de 2019 e o início do ano de 2020, adquiriu, pelo menos em quatro ocasiões, doses de heroína ao arguido BB, tendo pago por cada dose a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência do arguido, batia na portada da janela, a qual o arguido abria e, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Uma dessas transações, que em concreto se logrou apurar, ocorreu no dia 09-01-2020, pelas 15h55m, quando o arguido BB lhe entregou 0,19 gramas de heroína, com o peso líquido de 0,153 gramas e pureza de 9,3 %, suficiente para menos de uma dose diária, a troco da quantia de 10,00 €;

F) JJ, que, com frequência quase diária, adquiria doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose de heroína a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Parte dessas transações ocorreram: no dia ...-06-2019, pelas 19h00m; no dia ...-10-2019, pelas 16h15m; no dia ...-11-2019, pelas 10h45m; no dia ...-12-2019, pelas 10h30m; no dia ...-12-2019, pelas 11h45m; e, no dia ...-01-2020, pelas 14h38m;

G) LL, que, com frequência quase diária, entre o verão do ano de 2019 e meados do mês de dezembro de 2019, adquiria doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose de heroína a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Uma dessas transações, que se logrou apurar, ocorreu no dia ...-12-2019, pelas 09h45m quando o arguido BB lhe entregou 0,33 gramas de heroína, com o peso líquido de 0,284 gramas, sem grau de pureza apurada, suficiente duas doses diárias, a troco da quantia de 10,00 €. Uma outra aquisição ocorreu nesse mesmo dia, pelas 10h50m;

H) MM, que, com frequência quase diária, desde, pelo menos o mês de janeiro de 2019 e até meados do mês de janeiro de 2020, adquiria doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Algumas dessas transações, que se lograram apurar, ocorreram: no dia ...-11-2019, pelas 08h50; no dia ...-12-2019, pelas 08h40; no dia ...-12-2019, pelas 08h45m; e, no dia ...-01-2020;

I) R..., que, com frequência quase diária, desde, pelo menos o mês de agosto de 2019 e até finais do mês de dezembro de 2019, adquiria doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Uma dessas transações, que se logrou apurar, ocorreu no dia 13-12-2019, pelas 10h20m;

J) NN, que, com frequência pelo menos semanal, desde o mês de dezembro de 2019 até meados de janeiro de 2020, adquiria doses de heroína e cocaína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual de heroína a quantia de 10,00 € e por cada dose individual de cocaína a quantia de 20,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos. Uma dessas transações, que se logrou apurar, ocorreu no dia 13-12-2019, pelas 09h00m;

K) OO, que, pelo menos, por duas a três vezes por semana, entre o mês de janeiro de 2019 e meados do mês de janeiro de 2020, adquiria doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Uma dessas transações, que se logrou apurar, ocorreu no dia ...-11-2020, pelas 09h55m, quando a arguida CC lhe entregou 0,28 gramas de heroína, com o peso líquido de 0,243 gramas e pureza não apurada, suficiente para duas doses diárias, a troco da quantia de 10,00 €. Outras das transações que se apuraram ocorreram no dia ...-12-2019, pelas 09h00m, e no dia ...-01-2020, pelas 14h45m;

L) OO, que, uma a duas vezes por semana, entre o mês de janeiro de 2019 e meados do mês de janeiro de 2020, adquiria doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Uma das transações, que se logrou apurar, ocorreu no dia ...-12-2020, pelas 11h40m, quando o arguido BB lhe entregou 0,26 gramas de heroína, com o peso líquido de 0,215 gramas e grau de pureza não apurado, suficiente para duas doses diárias, a troco da quantia de 10,00 €;

M) PP, que, uma a duas vezes por semana, durante dois meses, no ano de 2019, adquiria doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual de heroína a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Uma dessas transações, que se logrou apurar, ocorreu no dia ...-11-2019, pelas 09h20;

N) QQ, que, com frequência pelo menos quinzenal, entre o mês de janeiro de 2019 e meados do mês de dezembro de 2019, adquiria doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Essas transações, que em concreto se apuraram, ocorreram: no dia ...-06-2019, pelas 18h15m; no dia ...-07-2019, pelas 16h45m; no dia ...-11-2019, pelas 10h35m; e no dia ...-12-2019, pelas 08h50m, quando a arguida CC lhe entregou 0,24 gramas de heroína, com o peso líquido de 0,181 gramas e pureza não apurada, suficiente uma dose diária, a troco da quantia de 10,00 €;

O) RR, que, uma a duas vezes por semana, entre o mês de janeiro de 2019 e meados do mês de janeiro de 2020, adquiria doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um ou dois panfletos de heroína a troco da quantia unitária de 10,00 €. Uma dessas transações, que em concreto se apurou, ocorreu no dia ...-11-2019, pelas 09h50m, quando a arguida CC lhe entregou 0,35 gramas de heroína, com o peso líquido de 0,301 gramas, sem grau de pureza apurado e suficiente para três doses diárias, a troco da quantia de 20,00 €;

P) SS, que, uma a duas vezes por semana, entre o mês de janeiro de 2019 e o dia ...-12-2020, adquiria doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Uma dessas transações, que se logrou concretamente apurar, ocorreu no dia ...-12-2020, pelas 09h05m, quando o arguido BB lhe entregou 0,28 gramas de heroína, com o peso líquido de 0,240 gramas e pureza não apurada, suficiente para duas doses diária, a troco da quantia de 10,00 €;

Q) TT, que, com frequência diária, desde o mês de janeiro de 2019 até meados de janeiro de 2020, adquiria doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual de heroína a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Uma dessas transações, que se logrou apurar, ocorreu no dia ...-11-2019, pelas 10h30m;

R) UU que, com frequência bissemanal, desde o verão de 2019 até meados de janeiro de 2020, adquiria doses de heroína e, pontualmente, cocaína, ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual de heroína a quantia de 10,00 €, doses essas que se destinavam a pessoas suas conhecidas. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Uma das transações que se logrou apurar ocorreu no dia ...-11-2019, pelas 09h30m. Pelo menos em três ocasiões, em datas não concretamente apuradas, UU adquiriu doses de cocaína ao arguido BB, pelo preço unitário de 20,00 € e, para o efeito, dava boleia ao arguido no seu carro e ambos deslocavam-se até junto das instalações do CAT, no centro de ..., onde este ia buscar esse produto estupefaciente a um fornecedor, entrando no interior de um prédio, enquanto ficava à sua espera no parque de estacionamento;

S) VV que, durante o ano de 2019, pelo menos em seis ocasiões, adquiriu doses de heroína ao arguido BB e à arguida CC, tendo pago por cada dose individual de heroína a quantia de 10,00 €. Para o efeito, deslocava-se à residência dos arguidos, batia na portada da janela, a qual era aberta por um destes e que, de seguida, entregava-lhe um panfleto de heroína a troco da quantia de 10,00 €. Dessas transações, que se lograram em concreto se apurar, ocorreram: no dia ...-07-2019, pelas 19h34m; no dia ...-112019, pelas 09h45m; no dia ...-11-2019, pelas 09h20m.

5. Para além das transações quanto aos consumidores acima identificados, os arguidos BB e a arguida CC procederam ainda à venda de produtos estupefacientes na janela de sua residência, pelo menos nas seguintes ocasiões:

A) No dia ...-05-2019, pelas 09h15m, a individuo não identificado, de 40 anos de idade, que se deslocava em bicicleta, a quem o arguido BB, entregou material estupefaciente, de natureza, quantidade e pureza não concretamente apurada, tendo recebido deste uma quantia monetária não concretamente apurada;

B) No dia ...-10-2019, pelas 16h45m, a individuo não identificado, a quem a arguida CC entregou material estupefaciente, de natureza, quantidade e pureza não concretamente apurada, tendo recebido deste uma quantia monetária não concretamente apurada;

C) No dia ...-10-2019, pelas 17h05m, a individuo não identificado, a quem o arguido BB entregou material estupefaciente, de natureza, quantidade e pureza não concretamente apurada, tendo recebido deste uma quantia monetária não concretamente apurada;

D) No dia ...-11-2019, pelas 10h40m, a individuo não identificado a quem o arguido BB entregou material estupefaciente, de natureza, quantidade e pureza não concretamente apurada, tendo recebido deste uma quantia monetária não concretamente apurada;

E) No dia ...-12-2019, pelas 10h40m, a individuo não identificado, que conduzia a viatura com matrícula …-…-VB, a quem a arguida CC entregou material estupefaciente, de natureza, quantidade e pureza não concretamente apurada, tendo recebido deste uma quantia monetária não concretamente apurada;

F) No dia ...-01-2020, pelas 15h30m, a individuo não identificado, que conduzia a viatura com matrícula XR-…-…, a quem a arguida CC entregou material estupefaciente, de natureza, quantidade e pureza não concretamente apurada, tendo recebido deste uma quantia monetária não concretamente apurada.

6. No dia ...-12-2019, pelas 17h00m, o arguido XX e a arguida CC tinham na sua posse, na sua residência sita na ..., n.º.…, em ...:

A - No quarto:

a. Em cima da mesa de cabeceira, duas embalagens com o peso bruto de 0,46 gramas de heroína e com o peso líquido de 0,341 gramas, com 12,1 % de pureza, suficientes para menos de uma dose diária;

b. Numa estante, vários recortes de sacos em plástico transparente e uma tesoura com o cabo em plástico de cor preto, normalmente utilizados para o acondicionamento de produto estupefaciente;

c. Em cima da mesa da cama, uma embalagem com o peso bruto de 0,24 gramas de heroína e com o peso líquido de 0,171 gramas, com 12,0% de pureza, suficientes para menos de uma dose diária;

B - Na sala, em cima de um móvel, uma nota de 20,00 € (vinte euros) do BCE;

C - No logradouro, enterrado no interior de um vaso em plástico de cor verde:

a. 01 (um) saco fechado, contendo uma cápsula em plástico de cor amarelo, que continha 9 (nove) embalagens de heroína, sendo 8 (oito) com o peso bruto de 1,78 gramas cada e outra embalagem com o peso bruto de 4,26 gramas, totalizando o peso bruto total de 6,04 gramas e com o peso líquido de 5,313 gramas, com 13,5 % de pureza, suficientes para sete doses diárias;

b. 100 € (cem euros) em notas do BCE.

7. O arguido AA, desde o mês de Novembro de 2018 e até ao dia ...-01-2020, cerca de uma vez por mês, deslocava-se a …... para adquirir heroína, de qualidade, características, peso e em moldes não concretamente apurados, a qual posteriormente vendia, mormente ao arguido BB.

8. No dia ...-01-2020, pelas 15h00m, na Praceta ..., junto à porta do n.º ..., nesta cidade …..., o arguido AA encontrou-se com o arguido BB, tendo ocorrido uma transação entre eles de natureza não apurada.

9. No dia ...-01-2020, pelas 14h30m, o arguido AA deslocou-se de autocarro a ... e, no seu regresso a ..., pelas 20h20m, no interior do Terminal Rodoviário …., sito em .... na Rua ..., n.º ..., o arguido detinha na sua posse, no interior de umas calças que vestia por baixo de outras calças que também envergava, uma embalagem contendo heroína, com o peso bruto 59,43 grama e o peso líquido de 58,433 grama, com um grau de pureza de 10,1 %, suficientes para 59 doses diárias

10. O referido produto estupefaciente tinha sido previamente adquirido pelo arguido AA nesse dia, a pessoas não identificadas, pelo montante de 1.000,00 €, e destinava-se a ser vendido pelo arguido, mormente ao arguido BB.

11. O arguido BB e a arguida CC não têm remunerações registadas junto da Segurança Social, pelo que os rendimentos que os sustentam são exclusivamente provenientes de atividades ilícitas, designadamente do tráfico de estupefacientes.

12. Os valores monetários, acima descritos, encontrados na posse dos arguidos BB e CC, foram provenientes da venda de produtos estupefacientes, designadamente de heroína, aos consumidores que os procuraram para o efeito.

13. O arguido BB e a arguida CC agiram em comunhão de esforços e de interesses, bem conhecendo a qualidade e a natureza dos produtos estupefacientes que detinham, transportavam, embalavam e vendiam, e com o propósito de os venderem a consumidores indiferenciados que os procurassem para o efeito, por forma a auferirem das vantagens económicas resultantes da diferença existente entre o preço de compra e preço de venda de tais produtos estupefacientes, o que conseguiram.

14. O arguido AA conhecia a natureza e características estupefacientes das substâncias que detinha e bem sabia que não era possuidor de qualquer autorização legal que o habilitasse a comprar, deter ou, por qualquer forma, ceder ou vender tais substâncias e, não obstante, quis comprar e vender tais substâncias por forma a auferir das vantagens económicas resultantes da diferença existente entre o preço de compra e o preço de venda, o que conseguiu.

15. Os arguidos agiram de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

16. Anteriormente aos factos supra descritos, o arguido AA foi condenado no âmbito do processo n.º 178/11… do extinto … Juízo Criminal do Tribunal Judicial……, por acórdão transitado em julgado em ...-12-2011, na pena de dois anos e seis meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, por factos praticados em ...-02-2011. Similarmente, foi também condenado no âmbito do processo n.º 82/11… do extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial ……, por acórdão transitado em julgado em ...-12-2011, na pena única de cinco anos de prisão efetiva, pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao art.º 204.º, n.º 1, alínea e), do Código Penal, por factos praticados em ...-03-2011. Foi ainda condenado no âmbito do processo n.º 233/11…. do extinto … Juízo Criminal do Tribunal Judicial …..., por acórdão transitado em julgado em ...-09-2012, na pena de dois anos e seis meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, por factos praticados em ...-02-2011. Posteriormente, tais penas vieram a ser englobadas no cúmulo jurídico operado no processo n.º 233/… do extinto … Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ..., transitado em julgado em ...-09-2013, na pena única de oito anos de prisão efetiva.

17. O arguido AA cumpriu pena de prisão efetiva à ordem dos referidos processos entre o dia ...-03-2011 e o dia ...-11-2017, data em que obteve a concessão de liberdade condicional, mediante regras de conduta, pelo período compreendido entre o dia 09-11-2017 e o dia ...-03-2019.

18. A mencionada sanção privativa da liberdade, anteriormente imposta ao arguido AA, não o demoveu de voltar a praticar, pelo menos desde meados do mês de novembro do ano de 2018 e até ao dia ...-01-2020, os factos supra elencados, não tendo o cumprimento dessa pena servido de suficiente advertência para que não voltasse a praticar novo ilícito criminal doloso.

(…)

43. O arguido é oriundo de uma família composta pelos progenitores e seis filhos, dos quais é o quinto. Os pais separaram-se, quando ele tinha cerca de oito anos de idade, na sequência de problemas de alcoolismo do pai, que protagonizava episódios de violência doméstica.

44. Diante da falta de capacidade dos pais para lhe proporcionar condições adequadas a um desenvolvimento ajustado, o arguido assumiu uma autonomia precoce e comportamentos de risco, com iniciação no consumo de haxixe por volta dos nove anos de idade, tendo sido, por esta altura, institucionalizado.

45. O arguido tem o 6.º ano de escolaridade, concluído durante o cumprimento de uma pena privativa de liberdade.

46. AA iniciou o percurso profissional com cerca de 13 anos de idade, como empregado num café. Posteriormente trabalhou num matadouro e no setor da construção civil, num percurso caracterizado pelo trabalho indiferenciado e sem vínculos formais, pela mobilidade e períodos de inatividade.

47. Em termos afetivos, o arguido manteve um relacionamento de união de facto durante cerca de dez anos, do qual resultou, a .../7/2000, o nascimento de uma filha.

48. Com cerca de 15 anos, o arguido iniciou o consumo de heroína, da qual desenvolveu dependência, situação que terá contribuído para a sua desorganização pessoal e os contactos com o Sistema de Justiça, tendo ocorrido a sua primeira prisão quando tinha 17 anos de idade.

49. Anteriormente à sua detenção à ordem dos presentes autos, o arguido vivia com a companheira, viúva, de ... anos de idade, e por dois dos quatro filhos desta de anterior casamento (uma de 21 anos e uma de 8 anos de idade), estando os dois mais velhos, de 30 e 27 anos de idade, já autonomizados.

50. O casal vivia em união de facto há cerca de dois anos, sendo descrito um relacionamento afetuoso e gratificante entre ambos.

51. A companheira do arguido está profissionalmente ativa (à data dos factos estaria com baixa profissional), como assistente operacional numa ... . Viviam numa casa arrendada, um apartamento composto por três quartos, sala/cozinha e uma casa de banho, com adequadas condições de habitabilidade.

52. Na altura, o arguido trabalhava por conta de empresa “T... Lda.” que fornece mão de obra para explorações agrícolas, auferindo cerca de €40,00 por dia de trabalho.

53. À data dos factos, AA encontrava-se em fase ativa do consumo de estupefacientes.

54. Na zona da sua residência, o arguido apresenta uma imagem negativa, associada ao consumo de estupefacientes e aos contactos com o Sistema de Justiça, embora não se registem indicadores de rejeição à sua presença.

55. No estabelecimento prisional, ao nível comportamental, o arguido não apresenta registo de infrações disciplinares. Tem mantido aparente abstinência do consumo de estupefacientes e beneficia das visitas da companheira e da mãe.

56. Para além das condenações aludidas nos factos «17.» e «18.» e outras anteriores, por sentença transitada em julgado no dia 18/09/2019, no âmbito do P. Sumaríssimo n.º 175/19…. do Juízo de Competência Genérica ……, o arguido foi condenado pela prática, no dia .../05/2019, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º/1 e 2 da Lei n.º 2/98, de 03-01, na pena de multa de 170 dias, à taxa diária de € 6,00, ainda não declarada extinta.

(…)

A par, resultou, quanto ao arguido AA, que este, desde o mês de Novembro de 2018 e até ao dia .../01/2020, cerca de uma vez por mês, deslocava-se a ... para adquirir heroína, de qualidade, características, peso e em moldes não concretamente apurados, a qual posteriormente vendia, mormente ao arguido BB; tendo, no dia .../01/2020, pelas 14h30m, o referido arguido se deslocado a ........ para o efeito, detendo na sua posse uma embalagem contendo heroína, suficientes para 59 doses diárias, que havia adquirido pelo montante de € 1.000,00.

Vejamos se esta factualidade se enquadra na previsão legal do artigo 21.º ou na do artigo 25.º do DL n.º 15/93, de 22-01. Para o efeito, importa ponderar o seguinte:

A heroína e a cocaína, natureza dos produtos transacionados pelos arguidos, mesmo que, esta última, de modo ocasional, tendo em consideração nomeadamente a distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”, são consideradas drogas duras.

A quantidade dos estupefacientes comercializados e detidos para esse fim considera-se média.

A dimensão dos lucros obtidos pelos arguidos BB e CC era reduzida, na medida que eram “esvaziados” pelo consumo diário que faziam, designadamente, de heroína, da qual eram dependentes, não lhes sendo, por isso, conhecidos quaisquer proveitos de relevo; assim como, relativamente ao arguido AA. Destarte, atendendo às respectivas condições de vida, mostra-se evidente que a afectação dos lucros conseguidos se destinava, essencialmente, ao financiamento do seu consumo pessoal de drogas e à satisfação de outras necessidades imediatas.

O grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida é patente: todos os arguidos, sem ocupação profissional estável, no período temporal descrito na acusação, dedicavam-se à actividade de tráfico, da qual dependia a sua sobrevivência diária.

A par, a actividade em causa foi desenvolvida pelos arguidos no período de cerca de um ano, actividade em que os arguidos BB e CC persistiram, não obstante a intervenção das autoridades, realização de buscas à sua residência e, mesmo após a sua apresentação a primeiro interrogatório judicial ocorrida no dia .../12/2019, o que motivou a posterior alteração das medidas de coação que lhes haviam sido aplicadas para prisão preventiva.

No que contende com a posição de cada um dos arguidos no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes em causa, cumpre referir que os arguidos BB e CC eram os traficantes de heroína conhecidos na cidade de ... no período temporal em causa, produto que o arguido BB adquiria previamente ao arguido AA, sendo, por isso, o número de consumidores que os contactavam para o efeito elevado.

Por outro lado, também se evidenciou que a actividade de tráfico desenvolvida pelos arguidos não era de grande sofisticação: ocorria em pleno dia, da casa dos arguidos BB CC, como se de uma venda ao postigo se tratasse, no âmbito de entreajuda conjugal, após adquirirem ao arguido AA o produto que este comprava em ...., nas deslocações que fazia mensalmente para o efeito. Diante do exposto, tudo ponderado, consideramos que a factualidade apurada não permite concluir por uma ilicitude consideravelmente diminuída, por forma a optar-se pelo enquadramento legal previsto no artigo 25.º, mas diferentemente, pelo previsto no artigo 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22-01, por referência às tabelas I-A e I-B anexas (e já não tabela I-C, na medida que não se evidenciou o tráfico de haxixe), conforme os arguidos vinham acusados.

Nesta senda, face à factualidade evidenciada – e porque, nessa medida, todos eles eram conhecedores da qualidade e da natureza dos produtos estupefacientes que detinham e vendiam, sem que para tal tivessem qualquer tipo de autorização legal, actuando de forma livre, voluntária e consciente e sabedores da proibição e punibilidade da sua conduta –, impõe-se a condenação dos arguidos BB e CC pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22-01, por referência às tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma. E a condenação do arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, por referência às tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma.

(…)

Importa, a este passo, determinar a medida da pena que, em concreto, e relativamente ao crime praticado, se adequa ao comportamento de cada arguido.

O crime em apreço é punido com uma pena de prisão de 4 a 12 anos – artigo 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22-01.

O arguido AA vem acusado, contudo, como reincidente.

Vejamos:

DA REINCIDÊNCIA

O artigo 75.º, n.º 1 do Código Penal estatui que É punido como reincidente quem, por si ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.». O seu n.º 2 acrescenta que «O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.». Os pressupostos formais da reincidência são, assim, o cometimento de um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses; a condenação anterior, com trânsito em julgado, de um crime doloso, em pena de prisão superior a seis meses e o não decurso de mais de cinco anos entre o crime anterior e a prática do novo crime. O pressuposto material da reincidência é que se mostre, segundo as circunstâncias do caso, que a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime. No dizer do Prof. Figueiredo Dias (no “Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, edição Ministério da Justiça, 1993, pág.480), os requisitos da reincidência, que já eram muito apertados em relação do Código Penal de 1886, foram mais restringidos com as alterações ao Código Penal de 1982, introduzidas pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março, «... respondendo assim à evolução actual no sentido de a agravação por reincidência dever ser eliminada.» Diz, assim, o Prof. Figueiredo Dias, «O critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa, exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e daquela culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (v.g., o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, etc.) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, se não é a distinção dogmática entre reincidência homótropa e polítropa que reaparece em toda a sua tradicional dimensão, é em todo o caso a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel.». E como advertem os Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, “a prática do segundo crime pode não indiciar desrespeito pela condenação anterior, a reiteração criminosa pode ficar a dever-se a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas. Em tal caso não deve haver lugar a agravação, uma vez que não pode afirmar-se uma maior culpa referida ao facto. Por esta via de agravação ope judicis, exclui-se a delinquência pluriocasional do âmbito da reincidência.”. Dito de outro modo, podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas, ou exclusivamente exógenas e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da intima conexão entre os crimes não se basta com a simples remissão para o CRC do arguido, exigindo-se uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor». - cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 26.03.08, proc. 4833/07-3ª, e de 04.12.08; proc. 3774/08-3ª, consultáveis in www.dgsi.pt. Neste âmbito defendemos, tal como o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, seguindo o entendimento do Prof. Eduardo Correia, que “Este elemento material deve ser provado com as regras gerais do processo, não havendo qualquer presunção, mesmo ilidível, de que a anterior condenação não serviu ao delinquente de prevenção contra o crime (…).” - Cfr. “Comentário do Código Penal”, Unv. Católica Editora, 2008, pág. 241. In casu, o crime doloso cometido pelo arguido, prevendo uma moldura penal de pena de prisão de 4 a 12 anos, é, assim, punível com prisão superior a seis meses. E a última condenação, pela prática de um crime de roubo, portanto doloso, em pena de prisão efectiva superior a seis meses, isto é, na pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, transitou em julgado no dia 11/09/2011 (PCC n.º 233/11… do 1.º Juízo Criminal  …....).

Pelo que, com relação à data da prática do crime em causa (compreendida entre o mês de Novembro de 2018 e o dia .../01/2020 – factos «7.» a «10.»), aquela última condenação deu-se há mais de 5 anos. E mesmo que considerássemos a condenação advinda do acórdão cumulatório proferida naqueles autos, transitado em julgado em 2013/09/18 – conforme parece resultar da acusação –, esta condenação também ocorreu há mais de cinco anos com relação à data da prática dos presentes factos, circunscrita ao período temporal de Novembro de 2018 a .../01/2020.

Em razão do que, não se verificam, desde logo, os pressupostos formais do instituto da reincidência. E, como tal, o arguido AA não será punido como reincidente, sendo a moldura penal a atender na sua punição, pela prática do crime do tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22-01, aquela aí prevista, ou seja, de 4 a 12 anos de prisão.

Sob o pendulo da referida moldura penal abstracta cabe-nos, então, fixar a medida concreta da pena a aplicar a cada um dos arguidos.

No desenrolar dessa tarefa, importa não esquecer que a aplicação de uma pena visa essencialmente a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Resultam tais finalidades nomeadamente dos artigos 1.º, 13.º/1, 18.º/2 e 25.º/1 da Constituição e do artigo 40.º do Código Penal, como importa não esquecer que há que fazer aplicar os ditames decorrentes do artigo 71.º do Código Penal, a propósito do qual aderimos à concepção doutrinária que propugna que em sede de determinação da medida da pena o tribunal deve encontrar o quantum correspondente à culpa do agente, o qual funcionará como ponto absolutamente inultrapassável; fixado esse limite, o tribunal deve buscar o ponto mínimo aquém do qual qualquer pena não satisfaria as exigências de protecção do bem jurídico violado; por último, o tribunal deve procurar, entre o mínimo e o máximo que se avançaram, a medida óptima da pena, atentos os princípios da prevenção especial positiva (cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, pág. 227 e ss.).

Sem esquecer os ditames decorrentes do artigo 71.º do Código Penal, diremos, por ora, que aderimos à concepção doutrinária de acordo com a qual, em sede de determinação da medida da pena, o tribunal deve encontrar o quantum correspondente à culpa do agente, o qual funcionará como ponto absolutamente inultrapassável; fixado esse limite, o tribunal deve buscar o ponto mínimo aquém do qual qualquer pena não satisfaria as exigências de protecção do bem jurídico violado; por último, o tribunal deve procurar, entre o mínimo e o máximo que se avançaram, a medida óptima da pena, atentos os princípios da prevenção especial positiva (cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, pág. 227 e ss.).

Cremos ser relevante ponderar a este nível, no que às exigências de prevenção geral positiva diz respeito, a circunstância de o crime de tráfico ainda se tratar de crime com frequência crescente, com efeitos nefastos para a saúde pública, nos termos que já deixámos consignados na análise do crime em causa, associado também à prática de outros crimes, designadamente contra o património. Demanda, pois, a necessidade de um forte sancionamento com vista à dissuasão da sua prática.

Já no domínio das exigências de prevenção especial positiva, afigura-se-nos que as mesmas se situam, quanto à arguida CC, a um nível reduzido, atendendo ao facto de, à data dos factos, se mostrar altamente dependente do consumo de drogas, toxicodependência esta associada à actividade de tráfico evidenciada, ser ainda jovem e não apresentar antecedentes criminais pela prática de crime semelhante. Circunstâncias estas que justificam a opção por uma pena concreta inferior à dos demais arguidos.

Quanto ao arguido BB, as exigências de prevenção geral positiva apresentam-se médias, tendencialmente a reduzidas, considerando que a actividade de tráfico também se encontra associada à sua toxicodependência, patologia que padece há muitos anos e que o envolveu com o sistema de justiça e prisional, já tendo sido condenado em pena de prisão efectiva pela prática de crime de igual natureza, pese embora há mais de 10 anos, o que, contudo, volvidos tantos anos, não o demoveu de voltar a cometer o crime em causa, mostrando-se, assim, propenso para a prática de crimes, designadamente daquele em apreciação.

Igual raciocínio se faz com relação ao arguido AA: a actividade de tráfico também se encontra associada à sua toxicodependência, patologia que padece há muito anos e que também terá sido a razão do seu envolvimento com o aparelho da justiça e prisional, a propósito do que, pela prática de crimes de roubo, cumpriu pena de prisão, sendo que os presentes factos ocorreram no decurso do período da liberdade condicional que beneficiou e que não aproveitou. Revela, assim, falta de interiorização do desvalor das suas condutas e uma propensão para a prática de crimes, justificada em certa medida pela sua toxicodependência.

Apreciando os critérios do artigo 71.º/2 do Código Penal, deve considerar-se ainda que a ilicitude é média, tendo em consideração que, pese embora o produto estupefaciente transacionado, ser considerado “droga pesada”, a actividade desenvolvida não era dotada de grande sofisticação nos meios empregues e a quantidade do produto estupefaciente apreendida não mostrou ser muito elevada.

O dolo é directo e, por isso, intenso.

No que contende com o grau de participação de cada um dos arguidos nos factos em apreciação, importa ainda ponderar que os arguidos BB e AA tinham uma participação mais preponderante do que a arguida CC na actividade de tráfico, sendo que esta, mais nova cerca de 30 anos do que o arguido BB, com quem é casada, era dele emocionalmente dependente. Pelo que, pese embora o arguido BB e CC actuassem em comunhão de esforços na venda do produto espetupefaciente, era o arguido BB assumia a sua aquisição ao arguido AA, após este se deslocar frequentemente a ... para o efeito.

Por fim, o Tribunal também não ficou indiferente à postura que os arguidos assumiram na audiência de julgamento. A arguida CC assumiu uma postura colaborante e mostrou arrependimento, ao passo que os arguidos BB e AA, pese embora assumindo genericamente a prática dos factos, não se mostraram tão colaborantes, procurando imputar ao outro uma maior responsabilidade na prática dos factos, ao invés de, individualmente, assumirem os factos cometidos e, assim, evidenciarem a interiorização do desvalor das suas condutas, independentemente do outro.

Pelo que, ponderando tudo o acabado de expor, o Tribunal decide condenar os arguidos nas seguintes penas:

O arguido BB na pena de prisão de cinco anos e três meses;

A arguida CC na pena de prisão de quatro anos e três meses;

O arguido AA na pena de prisão de cinco anos e três meses.”


2. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a apreciar respeitam ao (a) erro de subsunção e à (b) medida e espécie de pena.


2 (a) Do erro de subsunção

O recorrente começa por discordar da sua condenação como autor de um crime do art. 21.º, n.º 1 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, por considerar que os factos provados são susceptíveis de realizar tão só o tipo menos grave do art. 25.º do mesmo diploma legal.

Para tanto alegou, em síntese, que a sua actuação se desenvolveu de forma artesanal e com utilização de transportes públicos, sem recurso a técnicas sofisticadas, sem estrutura organizativa, tendo sido reduzidas as quantidades transaccionadas e curto o período de atuação, em espaço geográfico limitado, tudo elementos dos quais resultaria a considerável diminuição da ilicitude.

O Ministério Público, na primeira instância e no Supremo, pronunciou-se fundamentadamente pela confirmação do acórdão, mormente no que respeita ao ponto ora impugnado.

E começa por se consignar que a base factual relevante para a decisão são os factos provados do acórdão, apenas esses e todos esses. Na ausência de detecção oficiosa de vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou de qualquer outra ilegalidade de que cumprisse conhecer, a matéria de facto é de considerar definitivamente estabilizada.

Assim, não relevam as circunstâncias invocadas no recurso que não integrem os factos provados do acórdão, como não releva fazer uma escolha de parte desses factos (a mais favorável ao arguido), esquecendo os restantes. Como seja, pretender associar a actividade do recorrente apenas à quantidade de estupefaciente que lhe foi apreendida, desconsiderando todo o ano precedente de actividade disseminadora de heroína, que desenvolveu.

O crime da condenação – crime do art. 21.º, n.º 1, do D. L. nº 15/93 - pune quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III.

Já o art. 25.º do D. L. nº 15/93 trata como “tráfico de menor gravidade” os casos dos arts. 21.º e 22.º em que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

Em anotação a este art. 25.º (in Comentário das Leis Penais Extravagantes, II, Org. P.P.Albuquerque, J. Branco, p. 509) e citando o acórdão do STJ de 08.11.2007, Vaz Patto desenvolve que “não estamos perante um tipo de crime autónomo, nem um tipo de crime construído a partir de um tipo base aditado de um elemento complementar, descritivo ou meramente normativo, que exprima por si só um menor conteúdo de ilícito, mas antes perante uma forma de atenuação especial (próxima da que decorre do art. 72º do CP), de uma regra especial de medida judicial da pena, que envolve a modificação do tipo em sede de pena, ou simplesmente de uma regra de aplicação de pena.

(…) A jurisprudência vem salientando que é relevante a imagem global dos factos em questão na perspectiva do seu grau de ilicitude. As circunstâncias referidas no artigo 25º – “meios utilizados, modalidade ou circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das substâncias” – indicadas de forma não taxativa – “nomeadamente” – revelam, juntamente com outras circunstâncias, na apreciação dessa imagem global”.

No acórdão do STJ de 27.05.2009, analisado por Lourenço Martins em “Medida da Pena, Finalidades Escolha, Abordagem Crítica de Doutrina e Jurisprudência” (pp. 276-275), considera-se que o art. 25.º encerra um específico tipo legal de crime, que pressupõe a sua caracterização como uma variante dependente privilegiada do tipo de crime do art. 21º.

Também aqui se chama a atenção para a necessidade de “proceder à valorização global do episódio, não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias” (loc. cit. p. 275).

No caso presente, provou-se que o recorrente desenvolveu uma actividade de disseminação de produto estupefaciente que se considera não consentir enquadramento jurídico no pretendido tipo de crime menos grave. O comportamento do arguido, desenvolvido com a regularidade comprovada ao longo de mais de uma ano, realiza sim, objectiva e subjectivamente, o tipo do art. 21. °, n.º 1.

Com efeito, da matéria de facto provada resulta que o recorrente, de modo livre, deliberado e consciente, num período de tempo superior a um ano, repete-se, e com a reiteração suficientemente concretizada nos factos provados, procedeu à comercialização de heroína, sendo fornecedor dos co-arguidos, os quais, por sua vez, a difundiam por um elevado número de consumidores, também devidamente individualizados nos factos provados do acórdão.

Assim, tendo em conta a qualidade de estupefaciente transaccionado (heroína), a actividade desenvolvida regular e duradouramente (ao longo de um ano), o número expressivo de consumidores abastecidos no final da cadeia de comercialização (muitos deles concreta e individualmente identificados nos factos provados), não se vislumbram razões para afirmar que o comportamento do arguido se deva reconduzir a um ilícito menor. Os factos revelam, sim, um ilícito global insusceptível de merecer o pretendido enquadramento normativo no tráfico de menor gravidade.

A ilicitude global situa-se assim no tipo de crime base, de tráfico de estupefacientes do art. 21.º do D. L. nº 15/93, como se considerou no acórdão. E a decisão ali tomada enquadra-se igualmente no referente jurisprudencial.

Alguma jurisprudência encontra-se coligida por Lourenço Martins e por Vaz Pato, respectivamente, nas duas obras citadas (a pp. 266-275 e a pp. 512-513, respectivamente). Estes autores analisam vários acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, em que comportamentos semelhantes aos apurados - quer no que respeita à qualidade e quantidade de estupefacientes, quer no que toca aos restantes aspectos globais da actividade desenvolvida, quer ao posicionamento dos próprios agentes na cadeia de tráfico de estupefacientes - são tratados como crime do art. 21º. Assim acontece, por exemplo, no acórdão STJ de 09.04.08 (detenção de 16 g de cocaína e de 20 g de cocaína), no acórdão STJ de 02.10.2008 (venda, durante mais de seis meses, de 4 g de cocaína e de 150 g de haxixe, em cada venda).

Note-se que mais recentemente, também no acórdão do STJ de 18.06.20 (Rel. Clemente Lima) foi considerado crime de tráfico do art. 21.º a venda reiterada de canábis (haxixe) a diversas pessoas durante um ano e dez meses, e no acórdão do STJ de 22-10-2020 (Rel. Margarida Blasco) foi igualmente considerada como tráfico do art. 21.º uma actividade delituosa semelhante à desenvolvida pelo recorrente.

Por tudo, o recurso improcede nesta parte, considerando-se que os factos provados realizam, não o crime do art. 25.º do D. L. nº 15/93, mas sim o crime do art. 21.º, n. º 1, do D. L. nº 15/93, como bem se considerou no acórdão.


2 (b) Da medida e espécie de pena

O recorrente pretende a redução da pena aplicada em primeira instância, fazendo-o em parte na decorrência da peticionada alteração da qualificação jurídica dos factos para crime menos grave. Mas mantém a sua pretensão, mesmo considerando a moldura prevista para o crime da condenação.

Refere que “para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 5 anos, caso o recurso não proceda relativamente à qualificação jurídica dos factos”. Argumenta que a pena aplicada se mostra excessiva e desproporcionada, tendo em conta os concretos factos provados e o grau da sua culpa.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público pronunciou-se pela confirmação da pena, e também neste Supremo a Senhora Procuradora-geral Adjunta apoiou a decisão.

No que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, começa por lembrar-se que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.

Daqui resulta que o Supremo intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a determinação da sanção. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.

A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).

Dentro desta margem de actuação, olhando o acórdão constata-se que cumpre todas as exigências de fundamentação em matéria de pena, quer de facto, quer de direito, oferecendo resposta adequada às objecções do recurso.

Tendo sempre por base os factos provados do acórdão - todos os factos provados e não apenas aqueles que o recorrente seleccionou na sua motivação (como por exemplo, as quantidades de circulação de heroína imputáveis ao arguido não se resumem às da apreensão que lhe foi feita, mas sim a todo o ano de actividade constante dos factos provados) - e após correcto enunciado do quadro legal de referência, o ilícito perpetrado pelo arguido recorrente foi individualmente valorado e sopesado, bem como o grau de culpa com que actuou.

Constata-se o integral acerto no processo aplicativo da pena desenvolvido no acórdão e nota-se também que as circunstâncias a favor do arguido, que o recorrente agora enfatiza, encontram-se ali devidamente valoradas.

Dentro do tipo de crime base, do art. 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, foi considerado mediano o grau da ilicitude do facto, justificando-se porquê, abstendo-se depois o tribunal de valorar duplamente (contra o arguido) as circunstâncias que haviam já confluído para o afastamento do tipo de crime de menor gravidade. Também por isso a pena aplicada se mostra graduada expressivamente abaixo do ponto médio da moldura abstracta, e relativamente próximo do mínimo. Mas sucede que nem a ilicitude nem a culpa se mostram tão diminutas que justifiquem a pena pretendida pelo arguido.

Recorde-se que o recorrente fora acusado como reincidente. No acórdão procedeu-se ao afastamento da agravante especial reincidência, desde logo por falência dos respectivos pressupostos formais. Desse afastamento resulta que o passado criminal do arguido relevará agora como agravante geral, evidenciando acentuadas exigências de prevenção especial.

E também as exigências de prevenção geral são elevadíssimas, com elas confluindo as exigências de prevenção especial, como se disse. E estas resultam tanto do passado criminal do arguido, como das suas concretas e expressivas necessidades de ressocialização, já que os factos pessoais provados evidenciam uma história pessoal de ligação aos estupefacientes ainda como consumidor.

Em suma, no presente caso, as razões de prevenção geral e especial justificam amplamente a pena aplicada no acórdão. Justificam-na pelos motivos expostos e pela constatação da inexistência de concretas circunstâncias de sinal contrário que devessem agora intervir no sentido da atenuação de tais exigências.

      

3. Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s – (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).


Lisboa, 08.09.2021


Ana Barata Brito (relatora)


Tem voto de conformidade da Sra. Conselheira Adjunta Maria da Conceição Simão Gomes