NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
QUESTÃO RELEVANTE
INCONSTITUCIONALIDADE
DIREITO AO RECURSO
Sumário


A nulidade de uma sentença ou de um acórdão, por omissão de pronúncia, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer das questões que lhe forem submetidas ou sejam de conhecimento oficioso, não se impondo a apreciação de todos os argumentos, motivos ou razões invocados pelas partes.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:




I


I.1.

O Recorrente, AA, veio reclamar para a Conferência do acórdão proferido neste Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto nos arts. 615º, nº 1, d), e 666º, ex vi do art. 685º do CPC.

A Recorrida, BB, respondeu, pugnando pelo indeferimento da reclamação.

Começa o Recorrente por referir que este Tribunal omitiu conhecer, desde logo, de uma questão que havia sido suscitada nas suas alegações e que é a relativa à possibilidade legal de recurso perante o STJ da matéria de facto, enquanto tribunal de 2ª instância.

Importa, antes de mais, relativamente à omissão de pronúncia, que constitui uma nulidade de sentença (ou acórdão) prevista no art. 615º, nº 1, d), do CPC, lembrar os ensinamentos de José Aberto dos Reis, que estabelecia a distinção entre o conhecimento das questões colocadas ao tribunal e a consideração de todos os argumentos desenvolvidos pelas partes. Escrevia Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 3ª edição (reimpressão), Coimbra Editora e Wolters Kluwer, Coimbra, 2012, p. 143:

«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»


Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, no Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, p. 670, referem, a este propósito (no âmbito do CPC-61, mas com inteira aplicação aqui), o seguinte:

«Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar "linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado».


O Ac. do STJ de 27-03-2014, Rel. Álvaro Rodrigues, Proc. nº 555/2002.E2.S1, publicado em www.dgsi.pt, foi claro quanto a essa matéria:

«I - Para efeitos de nulidade de sentença/acórdão há que não confundir «questões» com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, sem como isso incorrer em omissão de pronúncia.»


Pelo mesmo diapasão alinhou o Ac. do STJ de 10-12-2020, Rel. Maria do Rosário Morgado, Proc. 12131/18.6T8LSB.L1.S1, também em www.dgsi.pt:

«A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.»


Alega o Recorrente que a questão aludida volta a encontrar conexão com o documento-sentença revidenda.

Observa que foi entendido, pelo Tribunal da Relação, que tal documento “é uma cópia autenticada da sentença revidenda, devidamente apostilhada”, e como tal é um documento susceptível de ser submetido ao procedimento de revisão em Portugal e o Recorrente alegou que o não era, entendendo que não se trata nem de documento autêntico, nem de cópia autenticada, nem se encontrava apostilhado, constituindo apenas a legalização de uma tradução.

Refere que este Supremo Tribunal considerou que não assistia razão ao Recorrente, entendendo que não havia motivo de anulação da decisão recorrida, por se encontrar preenchido o requisito previsto no artigo 980º, al a), do CPC.

Citou a seguinte passagem do acórdão ora reclamado:

“Assim, no que tange ao recurso do acórdão que decida a revisão de sentença estrangeira, não se estabelece nem que seja um recurso de apelação nem que o Supremo Tribunal de Justiça possa alterar ou anular a matéria de facto por reporte ao art. 662º do CPC.

O conhecimento do STJ fica, assim, circunscrito, in casu, no que concerne à matéria de facto, aos poderes excepcionais previstos na lei quanto ao julgamento do recurso de revista (arts. 674º, nº 3, e 682º, nº 3 do CPC).”


Diz o Recorrente:

«Do aqui estatuído decorre necessariamente que

i. o Tribunal entendeu que neste tipo de processos - ao recurso do acórdão que decida a revisão de sentença estrangeira – a lei não prevê um recurso de apelação e que o Supremo Tribunal de Justiça possa alterar ou anular a matéria de facto;

ii. E que, no que à matéria de facto diz respeito, a lei concede ao STJ apenas os poderes excepcionais previstos nos arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 3 do CPC.

3. No entanto, e s.m.o., se cotejarmos a decisão agora proferida com o vertido nas Alegações de Recurso, verificamos que o Tribunal ad quem omitiu proceder à reavaliação/alteração, não apenas da matéria de facto, como, e sobretudo, à possibilidade legal que existe de assim proceder a um verdadeiro duplo grau de jurisdição.

E que é da maior relevância nestes autos.

Este Supremo Tribunal ad quem pode (em nosso entender, deve), nesta sede, alterar esta decisão.

Isto porque, sendo a questão considerada como de recurso de matéria de facto, quanto ao ponto 5 da matéria da fundamentação da sentença a quo, ainda assim, como o STJ funciona no caso dos autos como tribunal de 2ª instância, é garantido pelo menos um duplo grau de jurisdição ao Réu sobre a matéria de facto, pelo que sobre a questão sempre este Supremo Tribunal se poderia pronunciar.

Como a Relação julgou a questão em 1ª instância, o direito de acesso à justiça, na vertente do direito ao recurso, compreende (e tem de compreender) sempre o direito ao recurso, quer de facto, quer de direito.

Ora, sobre este ponto concreto da alegação do Recorrente, o Tribunal ad quem não se pronunciou.

Isto é, se a aplicação e entendimento que faz da lei, pode conduzir (e conduz necessariamente) a uma violação directa do princípio e garantia de pelo menos um duplo grau de jurisdição ao Réu sobre a matéria de facto, como o Recorrente suscitou.

O que agora questionamos é que, justamente, o acórdão não fez – cremos - a análise daquela alegação e do sentido a que aquela decisão necessariamente conduz: um sério caso de injustiça!

Um caso que se enreda em pretensos formalismos processuais, com menor apego aos valores constitucionais vigentes na nossa ordem jurídica.»


Crê-se, com todo o respeito, que se deu, no acórdão, resposta ao problema suscitado pelo Recorrente, não se verificando omissão de pronúncia. Na verdade, definiram-se, quanto ao conhecimento da matéria de facto, os limites decorrentes do regime recursivo (o da revista, com as regras que lhe são próprias) instituído pelo legislador para um processo destes.

Escreveu-se, a dado passo, que:

«Pretende o Apelante[1] que seja “revogado” o que consta do ponto 5 da fundamentação, considerando, designadamente, que o Supremo Tribunal de Justiça tem poderes para a alterar a decisão da matéria de facto, devendo, nesse domínio, ser garantido um segundo grau de jurisdição.

Diga-se, desde já, que, relativamente a este aspecto da alteração da matéria de facto, importará ter em consideração que o art. 985º do CPC dispõe que da decisão da Relação sobre o mérito da causa cabe recurso de revista.

A propósito do perfil deste recurso, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 433, o seguinte (com destaque nosso):

«1. A Relação julga em 1ª instância. Mas, ao invés do que se prescreve no art. 974º, nº 1, a impugnação do que for decidido faz-se através do recurso de revista. Para o efeito, se tiver sido proferida decisão singular, o interessado vencido deverá suscitar a prolação de acórdão pela conferência, nos termos do n9 3 do art. 652º.

2. O recurso de revista obedece a regras especiais: pressupõe que o acórdão da Relação tenha conhecido do mérito da revista, afastando os casos em que o processo termina por uma decisão de absolvição da instância, sem embargo da aplicação do art. 629º, nº 2, aos casos em que recurso seja sempre admissível.»


Não se pode deixar de retirar consequências do facto de o legislador ter previsto, para a decisão que recaia sobre o mérito da causa, proferida no âmbito do processo de revisão da sentença estrangeira, o recurso de revista, quando, no art. 974º do CPC (atinente ao processo a que se referem os arts. 967º e segs.), se prevê o de apelação, aí se preceituando que:

«1 — Do acórdão da Relação que conheça, em 1.ª instância, do objeto da ação cabe recurso de apelação para o Supremo Tribunal de Justiça.

2 — Este recurso é interposto, expedido e julgado como o recurso de revista. O Supremo Tribunal de Justiça só pode alterar ou anular a decisão da Relação em matéria de facto nos casos excecionais previstos no artigo 662.º.»


Assim, no que tange ao recurso do acórdão que decida a revisão de sentença estrangeira, não se estabelece nem que seja um recurso de apelação nem que o Supremo Tribunal de Justiça possa alterar ou anular a matéria de facto por reporte ao art. 662º do CPC.

O conhecimento do STJ fica, assim, circunscrito, in casu, no que concerne à matéria de facto, aos poderes excepcionais  previstos na lei quanto ao julgamento do recurso de revista (arts. 674º, nº3, e 682º, nº 3 do CPC).»


Pode o Recorrente discordar da apreciação que foi feita, mas isso coloca-nos noutro domínio (o do mérito), que não o da nulidade por omissão de pronúncia.

Diga-se, de qualquer modo, que, conforme se exarou no Ac. do STJ de 13-10-2020, Rel. Pedro Lima Gonçalves, Proc. 19705/16.8T8SNT-A.L1-A.S1, publicado em www.dgsi.pt, com largas referências à jurisprudência constitucional, não se verifica uma «imposição constitucional no que concerne à existência de um duplo grau de jurisdição em matéria civil (…)».

Isso mesmo se exarou, por exemplo, no Ac. do Tribunal Constitucional nº 589/2005, de 02-11-2005, Rel. Maria Helena Brito, acedido em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050589.html, ao concluir-se que é «entendimento pacífico na jurisprudência constitucional que o direito de acesso à justiça não comporta o sistemático exercício do direito ao recurso, visando assegurar o duplo grau de jurisdição perante todas as decisões que afectem determinado interveniente processual».

Na verdade, há casos em que o recurso não é admissível. Desde logo, no âmbito da revisão de sentença estrangeira, só o admite a decisão sobre o mérito da causa. E, sendo admissível, estando em causa um recurso de revista (art. 985º, nº 1, do CPC), há que ter em conta os limites do conhecimento, por parte do STJ, quanto à matéria de facto, inerentes a esse recurso, conforme se considerou no acórdão, no qual se mencionaram as normas respectivas.


I.2.

Entende o Recorrente que, ainda que assim não fosse, alegou que o âmbito dos poderes do STJ na parte relativa à alteração da matéria de facto que consta dos art.ºs 682.º, n.º 2 e 674.º, n.º 3, ambos do CPC, permitia tal alteração e que, embora este  Supremo Tribunal de Justiça tenha plasmado que, no que à matéria de facto diz respeito, a lei concede ao STJ apenas os “poderes excepcionais” previstos nos arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 3 do CPC, não retirou as devidas consequências, sobretudo tendo em conta a previsão do nº 3 do art. 674º, onde se enquadra o documento referido no ponto 5 dos factos provados, tendo este ponto sido incorrectamente julgado e devendo ser dado por não provado.

Acrescenta que se trata de matéria que consta das alegações de recurso e das suas conclusões em N. a P. e que nem como tal foi ponderada, tendo o Tribunal decidido o recurso de direito.

Daí que entenda que há nulidade do acórdão e que deve este Tribunal pronunciar-se sobre tal questão.


Recorde-se o teor do ponto 5 dos factos provados:

«5. Por sentença proferida, em 13-11-2017, na ação que correu termos no processo n.º F.2016.478, no Tribunal do Cantão …….., na Suíça, transitada em julgado em 06-12-2017, foi decretado o divórcio e dissolvido o casamento da Requerente com o Requerido e reguladas as responsabilidades parentais em relação às filhas menores do casal acima identificadas (doc. 2 da p.i., junto aos autos em 17-01-2019, a fls. 74-80, certificada e traduzida, constando de fls. 74v um documento intitulado «APOSTILLE (Convention de la Haya du 5 octobre 1961)» e doc. fls. 419v-423).»


No acórdão reclamado, depois de se definirem as regras de intervenção deste Supremo Tribunal quanto à matéria de facto, não se aceitando a tese do Recorrente  no que concerne a essa questão e delimitando-se os termos da intervenção do STJ aos estabelecidos para o recurso de revista, considerou-se que, sendo um dos requisitos necessários à confirmação o de que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença (art. 980º, al. a), do CPC),  sempre este Supremo Tribunal teria de verificar se tal requisito se preenche. E passou-se a apreciar a problemática da autenticidade do documento, tendo em conta designadamente os requisitos da Apostilha, bem como do trânsito em julgado, concluindo-se, depois dessa análise – que a leitura do acórdão patenteia –, pelo seguinte modo:

«Não se vê que o Tribunal recorrido tenha ofendido uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 674º, nº 3, do CPC). Daí que não haja, diversamente do que pretende o Recorrente, que alterar a matéria de facto constante do dito ponto 5 dos factos provados.»


Não houve, pois, qualquer omissão de pronúncia sobre esta matéria, entendendo-se, após o que se expendeu no acórdão, que não havia que alterar o ponto 5 dos factos provados.

Considera o Recorrente que esse ponto 5 deveria ser considerado não provado. Trata-se de uma discordância relativamente ao que foi decidido no acórdão, o que não cabe aqui discutir. Outra coisa é a pretensa nulidade por omissão de pronúncia, que não se verifica.


I.3.

 Relativamente à questão da sua citação para a acção que correu termos na Suíça, refere o Recorrente ter alegado que foram omitidas formalidades essenciais e que foi a própria Autora (aqui Recorrida) nesse processo que deu causa e impulso activo a essa omissão, do que resultou a inobservância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

O Recorrente assinala que se trata de matéria que nos remete para o ponto 10 dos factos provados da decisão recorrida, nos termos do qual foi dado como provado que existe no processo suíço menção de que “as autoridades centrais de Portugal informaram em 31.1.2017 (informação recebida no tribunal suíço em 6.2.2017) que não foi possível notificar a acção e divórcio ao cônjuge-marido em Portugal”.

Continua, dizendo que em causa estava o facto de a lei processual suíça prever no artigo 138º do ZPO, aplicável às citações, por força da al. a) do artigo 136º, que a citação é feita, primeiramente, por meio de notificação por correio registado para a morada do réu, notificação que não existe, nem nunca foi feita, e que, apesar de se tratar de um facto negativo, o Recorrente requereu como contraprova que a Autora fosse notificada para vir juntar aos autos esse mesmo documento, que dizia existir, para demonstração de que não tinha sido feita qualquer tentativa de citação para a morada do domicílio do R. em Portugal, prova que o Tribunal não permitiu ao Recorrente fazer, violando-se o princípio e garantia do duplo grau de jurisdição.

Afirma o Recorrente que este Supremo Tribunal omitiu pronúncia quanto a matéria por ele alegada, pois não analisa a questão de não ter sido feita qualquer diligência de citação através da Autoridade Central, como o Recorrente procurara apurar, sendo que, para que o Tribunal da Relação pudesse ter dado como provado o ponto 10 da sua fundamentação e que por essa via não ocorreu qualquer irregularidade da citação, teria que ter conhecido da matéria de facto que está por detrás da afirmação conclusiva de que “as autoridades centrais de Portugal informaram em 31.1.2017 (informação recebida no tribunal suíço em 6.2.2017) que não foi possível notificar a acção e divórcio ao cônjuge-marido em Portugal”. E essa conclusão haveria que assentar na prova, pela A., de como foi feita tal tentativa e para onde.

Alega, ainda, que este Tribunal não conheceu da questão atinente ao facto de a lei suíça só permitir a revelia depois de o réu citado na morada, citação essa que não foi enviada e o que pedia era que fosse visto se assim aconteceu realmente e se o Réu foi citado de acordo com a lei suíça aplicada.

Apreciando:

Também neste aspecto, salvo o devido respeito, o Recorrente não tem razão ao apontar uma omissão de pronúncia. Na verdade, a questão das alegadas irregularidades relativamente à citação foi tratada, com desenvolvimento, no ponto III.5. do acórdão, no qual, entre outros argumentos, se teve em conta que o ónus da prova quanto à inverificação do requisito do art. 980º, al. e), do CPC recaía sobre o ora Recorrente.

O Recorrente citou a seguinte passagem do acórdão:

“(…) a Recorrida não pretendeu evitar que o Recorrente fosse regularmente citado. E resultou mesmo dessa indicação ter o Exmo. Advogado fornecido ao Tribunal Suíço a morada do Recorrente, com vista à sua citação, passando as diligências, a tanto tendentes, a ser da responsabilidade do Tribunal, que lançou mão dos meios previstos na Convenção, ou seja, procurando efectuar a citação através da autoridade central de Portugal, como se extrai do ponto 10 dos factos provados.”

E concluiu que:

 «(…) logo neste ponto se verifica que o Tribunal ad quem omitiu pronúncia quanto a matéria alegada pelo Recorrente, pois não analisa a questão de não ter sido feita qualquer diligência de citação através da Autoridade Central, como o Recorrente procurara apurar».


Ora, no aludido ponto III.5. do acórdão, ponderou-se, além do mais, o seguinte:

«Na análise do caso concreto, relativamente ao preenchimento do disposto na al. e) do art. 980º do CPC, escreveu-se no acórdão recorrido:

«Decorre da alínea e) do preceito em referência que são as regras da «lex fori», i.e., do tribunal de origem, que a citação deve satisfazer, embora a correlação com os princípios do contraditório e da igualdade das partes remeta implicitamente para princípios de ordem pública processual nacional e internacional.

Assim, e não suscitando qualquer dúvida que a lei portuguesa configura o ato de citação pessoal como uma garantia essencial do exercício daqueles princípios, se ação correu à revelia do réu, mesmo no âmbito de um sistema de revisão formal, a revisão não é concedida se da aplicação da «lex fori» resultar que o réu não foi devidamente citado nos termos previstos na mesma, com afetação do seu direito de defesa por não terem sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.»


Dado que, como resulta da al. e) do art. 980º do CPC, se devem seguir, no que concerne à efectivação da citação, os termos da lei do país do tribunal de origem, o Tribunal recorrido analisou os atinentes preceitos do Código de Processo Civil Suíço de 19-12-2008 (ZPO), consultável, na versão francesa, em https://www.fedlex.admin.ch/eli/cc/2010/262/fr, referindo que:

«O Código de Processo Civil Suíço de 19-12-2008 (doravante ZPO) nos seus artigos 124 e seguintes regula os atos processuais, mormente os referentes à citação, prevendo o artigo 140 que as partes domiciliadas no estrangeiro designem uma morada na Suíça para serem notificadas. Por sua vez, o artigo 141, 1, a. e c., prescreve que a notificação será edital e realizada mediante publicação no Diário Oficial do Cantão ou no Diário Oficial do Comércio da Suíça, se for desconhecido o paradeiro da parte e não puder o mesmo ser determinado apesar da realização de diligências razoáveis ou quando a parte domiciliada no estrangeiro não tiver designado um domicílio na Suíça para ser notificada, contrariando as instruções do Tribunal.

Sem qualquer caráter exaustivo, resulta mormente dos artigos 147, 153 e 233 do ZPO que a omissão da prática de um ato processual ou a prática fora de prazo, determina o prosseguimento do processo, mas não antes da parte ser notificada das consequências da omissão e não antes de lhe permitir a intervenção num prazo suplementar curto, tudo sem prejuízo dos poderes oficiosos conferidos ao tribunal em sede de apuramento dos factos.»


Mas o Tribunal da Relação não se ficou pela referência ao Código de Processo Civil Suíço, tomando, em seguida, em consideração as regras decorrentes da Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial, concluída em Haia em 15 de Novembro de 1965 e ratificada quer por Portugal quer pela Suíça

(cf. https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/?cid=17).

Refere-se no acórdão que:

«Resulta mormente dos artigos 1.º, 2.º, 3.º e 5.º da Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial que o ato de citação/notificação do réu, independentemente da sua nacionalidade, que seja residente no território de outra das partes internacionalmente vinculadas pela Convenção, se realiza, entre outras formas, através da Autoridade Central do Estado requerido a quem é endereçado um pedido de acordo com a fórmula anexa à Convenção, sem que haja necessidade da legalização dos documentos ou de qualquer outra formalidade equivalente.»


Prevê-se, na verdade, no art. 2º da referida Convenção, que «Cada Estado contratante designará uma Autoridade central que assumirá, de acordo com o disposto nos Artigos 3.º a 6.º, o encargo de receber os pedidos de citação e os de notificação provenientes de um outro Estado contratante e de lhes dar seguimento».

Em Portugal, há uma autoridade central designada neste âmbito: a Direcção-Geral da Administração da Justiça - Ministério da Justiça

(cf. https://www.hcch.net/pt/states/authorities).

Daí que se compreenda a menção a “Autoridades Centrais de Portugal” feita no processo que correu termos na Suíça.

Escreve-se no acórdão recorrido:

«Ora decorre do ponto 7. dos factos provados que o tribunal suíço remeteu ao Sr. Advogado CC, pessoa indicada pela autora como representante do réu, os elementos referentes ao processo, o que se coaduna com o disposto no artigo 140 do ZPO.

Porém, também resulta dos pontos 8. e 9. dos factos provados que, na sequência da carta remetida por aquele Sr. Advogado ao tribunal suíço, que este tribunal consignou em despacho que aquele Sr. Advogado não representa o réu naquela ação, logo não considerou que o réu tivesse sido citado para ação através daquele procedimento.

Mas também resulta do ponto 10. dos factos provados que as «autoridades centrais de Portugal» informaram em 31-01-2917 (informação recebida no tribunal suíço em 06-02-2017) que «não foi possível notificar a acção de divórcio ao cônjuge-marido em Portugal», o que manifestamente remete para o mecanismo de funcionamento da referida Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil e Comercial quanto à citação/notificação através da Autoridade Central portuguesa.»


Deu-se, na verdade, como provado, no ponto 8, que, por carta de 16-11-2016, dirigida ao processo referido em 5. (ou seja, o processo no qual veio a ser proferida sentença revidenda) o Sr. Advogado CC comunicou o seguinte (doc. 12 da p.i., traduzido e certificado a fls. 372-373):

«Acusamos a recepção da carta de V. Exas. datada de 10 de Novembro de 2016.

Infelizmente, os meus conhecimentos da língua alemã são praticamente nulos, pelo que não me foi possível compreender o conteúdo da mesma.

No entanto, gostaria de informar que embora seja advogado de Sr. AA em Portugal, não sou seu procurador nem mandatário para receber em seu nome quaisquer notificações, nomeadamente, citações de tribunal. Assim, sendo, o Sr. AA não tem conhecimento do teor da carta de V. Exas.

Para eventuais futuras notificações, queiram citar o Sr. AA na sua devida morada, indicada abaixo, com cópia para os nossos escritórios:

AA

............., n.º ..

........................

....-... .....

A correspondência deverá ser redigida em português ou inglês.»


A Recorrida defende, nas contra-alegações, que o Recorrente foi citado na acção que correu termos no Tribunal suíço através do seu Exmº Advogado, mandatário do Recorrente no processo intentado no Tribunal  ….... e também no presente processo de revisão de sentença estrangeira, tendo recebido a citação daquele Tribunal, a que o próprio respondeu, solicitando que o Recorrente fosse citado na sua morada «com cópia para os nossos escritórios». E acrescenta que o Recorrente tomou conhecimento de que corria termos a acção contra si a acção de divórcio proposta na Suíça logo no dia 03-11-2016, por ocasião da tentativa de conciliação ocorrida no Tribunal ......, pois aí a Exmª Advogada da Recorrida informou da pendência da acção de divórcio no Tribunal suíço.

Considera a Recorrida que não pode o Exmº Advogado ter deixado de comunicar ao ora Recorrente a citação que recebeu do Tribunal suíço, para mais tendo em conta o conhecimento da pendência daquela acção face à informação prestada pela Exmª Advogada da ora Recorrida.

A verdade é que o Tribunal do Cantão ………. não considerou realizada a citação na pessoa do Senhor Advogado (e é o que aqui releva, não se vendo que tenha ocorrido alguma alteração, no processo suíço, quanto a isso), por força da transcrita comunicação feita àquele Tribunal, e daí ter-se passado para o mecanismo previsto na mencionada Convenção, o que resultou infrutífero, como se retira do que consta do ponto 10 dos factos provados, razão por que teve lugar a subsequente citação edital (ponto 11), realizando-se, depois, as notificações também por essa via (pontos 12 a 14).

No Tribunal recorrido, ponderou-se o seguinte:

«A circunstância da autora, perante a frustração da citação do réu em Portugal, não ter indicado outra morada do mesmo em Portugal, quando foi notificada para o fazer para o caso de outra morada poder indicar, não se configura, em face das diligências já anteriormente encetadas pelo tribunal suíço pelos seus próprios meios e por intermédio da Autoridades Centrais nacionais incumbidas de concretizar a citação do réu em território nacional, sequer como criticável, muito menos que daí resulte qualquer censura sobre os trâmites seguidos quanto à citação do réu, que, em última instância, sempre estariam dependentes de decisão judicial.

Ora, atendendo ao apuramento da factualidade supra referida, o que se sai evidenciado é que o tribunal suíço aplicou a «lex fori» quanto à citação de réu não residente ou domiciliado para efeitos de citação/notificação em território suíço, seja as internas, seja as internacionais a que se vinculou, citando o réu para ação que ali corria termos no estrito cumprimento da legislação aplicável, pelo que não se pode concluir que o réu não tenha sido regularmente citado, no caso, por via edital.»


Concorda-se com o exarado pelo Tribunal a quo, não estando demonstrado que tenha radicado na Recorrida não ter o R. sido pessoalmente citado. Aliás, a indicação pela Recorrida, no processo, do nome do Exmº Advogado do R. em Portugal (e essa condição de Advogado do R. em Portugal foi confirmada pelo próprio na resposta ao Tribunal Suíço, muito embora tenha informado de que não estava mandatado para receber citações) revela, com clareza, que a Recorrida não pretendeu evitar que o Recorrente fosse regularmente citado. E resultou mesmo dessa indicação ter o Exmº Advogado fornecido ao Tribunal Suíço a morada do Recorrente, com vista à sua citação, passando as diligências, a tanto tendentes, a ser da responsabilidade do Tribunal, que lançou mão dos meios previstos na Convenção, ou seja, procurando efectuar a citação através da autoridade central de Portugal, como se extrai do ponto 10 dos factos provados.

Importa ter em consideração que o ónus da prova da inverificação do requisito previsto na al. e) do art. 980º do CPC não recai sobre a Requerente, diversamente do que é defendido pelo Recorrente. Na verdade, dispõe o art. 984º do CPC:


«O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 980.º; e também nega oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.»


Em anotação a este artigo, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 433, dizem o seguinte (com destaque nosso, a negrito):

«1. Pela sua importância e essencialidade, a lei impõe que o Trib. da Relação verifique oficiosamente se estão preenchidos os requisitos das als. a) e f) do art. 980º.

2. Quando aos demais requisitos do art. 980Q (als. b) a e)), o requerente está
dispensado de fazer prova dos mesmos
. Se, pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta dos
mesmos, presume-se que existem, não podendo ser recusada a confirmação por
falta de elementos (STJ 21-2-06, 05B4168). A prova de que não se verificam os
requisitos das als. b) a e) do art. 980º compete ao requerido
, devendo, em caso de
dúvida, considerar-se preenchidos. Por conseguinte, nestes casos, a intervenção
do tribunal que aprecia a revisão é de natureza puramente formal (STJ 19-6-19,
322/18).»


No citado Ac. do STJ de 21-02-2006, Rel. Oliveira Barros, concluiu-se que (também com destaque nosso):

«I - A acção com processo especial de revisão e confirmação de sentença é uma acção declarativa de simples apreciação em que apenas se verifica se a decisão estrangeira está em condições de produzir efeitos em Portugal, e, assim, tão-somente se averigua se se verificam, ou não, os requisitos para tanto necessários, taxativamente indicados no art.1096º, conforme art. 1100º, nº 1º, 1ª parte, CPC.

II - Fundado no princípio da estabilidade das relações jurídicas internacionais, está instituído no nosso País sistema de simples revisão formal das sentenças estrangeiras, de que a fundamentação da sentença revidenda não constitui pressuposto, não estando abrangida em qualquer das alíneas do art. 1096º CPC.

III - Nesse sistema, o princípio do reconhecimento das sentenças estrangeiras reside na aceitação da competência do tribunal de origem, pelo que, como regra, a revisão de mérito está dele excluída.

IV - Como resulta da 2ª parte do art. 1101º CPC[2] é sobre a parte requerida que recai o ónus da prova da não verificação dos requisitos da confirmação estabelecidos nas als. b) a e) do art. 1096º, que a lei presume que existem.

V - Assim, o requerente está dispensado de fazer prova directa e positiva desses requisitos, posto que se, pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta dos mesmos, presume-se que existem, não podendo o tribunal negar a confirmação quando, por falta de elementos, lhe seja impossível concluir se os requisitos dessas alíneas se verificam ou não


No Ac. da Rel. de Lisboa de 21-05-2015, Rel. Vaz Gomes, Proc. 147/14.6YRLSB-2, publicado em www.dgsi.pt, num caso similar ao dos autos, em que foi decretado o divórcio e regulado o exercício das responsabilidades parentais, em processo que correu perante um tribunal suíço e em que houve citação edital e, tendo o requerido deduzido oposição  à revisão, «dizendo que não foi observado o contraditório na medida em que sabendo a requerente e os filhos do casal que após a separação do casal o requerido veio viver para a morada que tinha em Portugal que é aquela que consta desta citação, enganou o Tribunal suíço dizendo-lhe que desconhecia a morada do requerido em Portugal», entendeu-se que, não tendo havido prova por parte do requerido, tal alegação não foi demonstrada e, assim,  impondo-se ao tribunal o conhecimento oficioso da verificação (apenas) dos pressupostos a que se referem as alíneas a) e f) do art.º 980º do C.P.C., concluiu-se que, naquela situação, se verificavam todas as condições exigidas pela lei para a revisão e confirmação da sentença estrangeira.


No mesmo sentido se aponta no Ac. da Rel. do Porto de 07-07-2016, Rel. Caimoto Jácome, Proc. nº 295/15.5YRPRT, também publicado em www.dgsi.pt, quando, a dado passo, se refere:

«Parece, aliás, resultar do disposto no artº 984º, do CPC, que incumbe ao requerido/demandado no processo especial de revisão de sentença estrangeira, ilidir a presunção de que se verifica o requisito da al. e), do artº 980º do mesmo Código.»


No acórdão recorrido,  considerou-se não estar demonstrado que «se tenha verificado violação do princípio do contraditório ou da igualdade das partes uma vez que ao réu foi dado a oportunidade de se defender e exercer os seus direitos no processo a correr termos no tribunal suíço, nos moldes que aquela lei prevê para as situações de revelia», vincando-se que «em caso de revelia, as normas do ZPO concedem à parte uma ampla possibilidade de intervir no processo e apresentar a sua defesa, sendo publicitados todos os atos processuais relevantes praticados no processo, evidenciado uma consagração muito favorável do direito de defesa, que se tem como caraterística dos ordenamentos jurídicos hodiernos» e que «a citação edital apenas poderia constituir uma manifesta violação dos referidos princípios e da ordem pública interna e/ou internacional do Estado Português, se lei estrangeira processual aplicável nem sequer previsse a citação pessoal do réu residente no estrangeiro, o que não é de todo o que se verifica no ordenamento jurídico processual suíço. O que se verificou foi a frustração da citação pessoal do réu através dos mecanismos legais previstos na lei processual suíça e na referida Convenção, pelo que o processo teve de prosseguir à revelia do réu, ainda que sempre com salvaguarda da publicitação edital dos atos que foram sendo praticados no processo, dos prazos e diligências a realizar e realizadas».

Rejeita-se, por isso, no acórdão, a tese do Requerido «referente à violação de princípios de ordem pública internacional do Estado português, porquanto a citação edital também se encontra prevista na ordem jurídica interna precisamente para situações em que se frusta a citação pessoal (cfr. artigos 219.º, 225.º, 240.º a 245.º do CPC)».

Daí que se tenha concluído pela não verificação dos fundamentos da oposição em causa.

Na realidade, tendo-se frustrado a citação pessoal, realizou-se a citação edital, tal como sucederia na ordem interna portuguesa (não se exigindo que a citação seja pessoal, impondo-se, sim, que o réu tenha sido citado de forma regular, aqui se inscrevendo a citação edital – Ac. do STJ de 12-11-1998, Rel. Sousa Inês, Proc. 98B858, em www-dgsi.pt), não se demonstrando, ademais, como se pondera no acórdão impugnado, que tenham sido violados os princípios do contraditório e da igualdade.»


A questão que estava em jogo foi apreciada no acórdão. Pode o Recorrente discordar do respectivo tratamento, mas, como já se deixou adiantado, entende-se não ter havido omissão de pronúncia.


I.4.

Refere o Recorrente que este Tribunal entendeu que a fixação da prestação alimentícia em causa, feita com base num rendimento líquido anual do Recorrente de 120.000,00 EUR., “não se assume como um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português”, sustentando-se o decidido naquilo que se considera serem “limitações quanto à matéria de facto”, no âmbito do artigo 983º, nº 2 do CPC, que, segundo se afirma, são ainda maiores à luz dos fundamentos do art. 980º do mesmo diploma legal, porque a revisão não seria de mérito.

Observa que a questão, tal como a colocou, não era se o Tribunal suíço deveria ter decidido de outra forma, mas se, dispondo de provas que não foram apreciadas e valoradas naqueles autos, tem, ou não, direito de discutir perante o Tribunal português se o Recorrente aufere 10 mil euros/mês e, assim, se o resultado do reconhecimento da sentença revidenda é incompatível com a ordem pública do Estado português.

Considera que o procedimento adoptado lhe retirou a possibilidade de se defender, ofendendo, assim, a sentença revidenda o princípio do contraditório e o da igualdade das partes, e princípio de ordem pública Portuguesa.

Diz ainda:

«Porque a sentença revidenda fixa o pagamento de uma pensão de alimentos que constitui ofensa a princípios fundamentais da ordem pública portuguesa, como o princípio de ninguém poder ser subtraído da totalidade dos seus rendimentos, e o princípio de garantir a um ser humano um mínimo material de sobrevivência inerente à dignidade humana: a sentença revidenda condena o Recorrente a pagar mensalmente uma pensão de alimentos de €3.200,00 às filhas, quando o salário mensal do mesmo é desse mesmo montante.

Mas sobre este significativo aspecto da alegação do Recorrente, o Tribunal ad quem disse… nada.

Disse-nos, no fundo, o Tribunal que não pode conhecer matéria de facto, e, portanto, essa é a que ficou provada na Suíça, o que conduz a um resultado absurdo.

Pois só perante o Tribunal Português a quem foi pedido que a sentença estrangeira fosse revista e confirmada que a questão do resultado da aplicação da sentença estrangeira deve ser averiguada.

É o Tribunal Português que tem de conhecer, para decidir se o resultado da aplicação da sentença estrangeira, é bom ou mau, ou compatível ou incompatível com os princípios do Estado Português,

Para fazer esse juízo, necessita de conhecer o resultado.

Em duplo grau de jurisdição.

E é esta análise que o Tribunal recorrido não faz. Não se pronuncia.

Afirma que possui “limitações quanto à matéria de facto” que, na prática, se traduz a um resultado aberrante: que é o de o Recorrente ganhar €10.000,00 mensais (que não ganha), e que assim é porque tal consta da sentença revidenda.

E “arruma” a questão.

Ora, para conhecer aquele resultado, tem que conhecer, perante o que lhe foi apresentado pela A. e pelo R., no processo de revisão de sentença estrangeira, ainda que se trate de matéria de facto, que resultado é esse, e não, demitir-se dessa função jurisdicional e tomar por bom, por adquirido, e por assente, aquilo que o Tribunal suíço decidiu.

Pois só assim procede a uma tutela jurisdicional efectiva e ficará a conhecer que aberrante resultado é esse.

O que o Tribunal infra-valorou ou desvalorizou.

O Acórdão reclamado também não analisou a questão (na vertente recursiva) de que para conhecer o resultado da aplicação da sentença perante princípios de ordem pública haveria de ter permitido ao Recorrente que provasse perante si qual é, ou era, o seu rendimento mensal, a fim de que esse resultado fosse evidente.

De outra forma, é a negação da aplicação da própria excepção de ordem pública que fica em causa.»


Com todo o respeito, o Recorrente, por um lado, aponta falta de pronúncia por parte deste Tribunal, mas, por outro, faz menção a afirmações ou posições assumidas, designadamente sobre “limitações quanto à matéria de facto”, o que, desde logo, indicia que houve pronúncia sobre a questão em apreço, ainda que em sentido diferente do propugnado pelo Recorrente, e, portanto, não se verifica a apontada nulidade.

Escreveu-se no acórdão:

«O Tribunal recorrido, a propósito do privilégio da nacionalidade, referiu que, mesmo nessa situação, em que há um controlo de mérito, o tribunal de revisão está sujeito à decisão de facto apurada pelo tribunal estrangeiro, não podendo alterar a decisão, mas tão-só conhecer ou negar a confirmação.

Conforme refere Lima Pinheiro, op. cit., pp. 233-234, o tribunal revisor, na apreciação do fundamento previsto no art. 983º, nº 2, do CPC, tem de examinar os factos e o Direito aplicável, mas não procede a um novo julgamento e «não pode admitir novos meios de prova sobre a matéria de facto nem sequer retificar as conclusões que o tribunal de origem retirou das provas produzidas. O controlo de mérito cinge-se à matéria de Direito. Por outro lado, o tribunal revisor não pode alterar a decisão: só pode conceder ou negar a confirmação».

No mesmo sentido se pronunciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (op. cit., p. 432).

No Ac. do STJ de 24-04-2018, Rel. José Raínho, Proc. 137/17.7YRPRT.S1, publicado em www.dgsi.pt, igualmente a propósito do art. 983º, nº 2, do CPC, também se concluiu que «interessa atender quer à decisão tomada quer aos seus fundamentos, o que equivale a dizer que se trata aqui de uma revisão de mérito, e não apenas externa e formal; mas não compete ao juiz controlar a regularidade, proficiência ou suficiência da decisão revidenda quanto à matéria de facto» (destaque nosso).

Se são essas as limitações quanto à matéria de facto, no âmbito do art. 983º, nº 2, muito mais o serão à luz dos fundamentos do art. 980º, relativamente aos quais sempre se tem entendido que a revisão não é de mérito (veja-se, a propósito, o Ac. do STJ de 19-06-2019, Rel. Paula Sá Fernandes, Proc. 322/18.4YRLSB.S1, em www.dgsi.pt).

Não se pode transformar a oposição à revisão da sentença estrangeira numa espécie de recurso dessa sentença.

É certo que o Recorrente refere que não pediu que se conhecesse se o Tribunal suíço deveria ter decidido de outra forma, mas a verdade é que veio invocar provas apresentadas, pretendendo, na prática, que se fizesse um juízo probatório que redundaria na avaliação do que, em matéria de facto, foi decidido por aquele Tribunal.

Conforme se ponderou no citado Ac. do STJ de 24-04-2018 (com destaque nosso, a negrito):

«V - São qualificáveis como de ordem pública aquelas normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, sobre eles se alicerçando a ordem económico-social, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.

VI - A exceção de ordem pública internacional do Estado Português, ou reserva da ordem pública, só ocorre quando da aplicação de uma norma de direito estrangeiro resulte uma intolerável ofensa da harmonia jurídico-material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais que informam a ordem jurídica portuguesa


A conclusão de que o resultado da sentença revidenda ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, para além de exigir que se trate de resultado manifestamente incompatível com esses princípios, impõe que estejam em causa, como se diz neste Acórdão, princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema. Ora, há que destrinçar uma tal realidade da crítica que se possa fazer relativamente à factualidade dada por provada na sentença revidenda quanto aos rendimentos do R. e que serviu de base, entre outros factores, à prestação alimentícia fixada. Se isso poderia fundamentar um recurso, em devido tempo, ou facultar, estando reunidos os requisitos necessários para tanto, a alteração da pensão fixada, como frequentemente acontece com casos que correm nos tribunais portugueses, o campo em que essas legítimas reacções nos situam não é confundível com a ofensa a princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.

Na sentença revidenda, fez-se constar que as contribuições para a alimentação têm por base um rendimento líquido anual do R. de aproximadamente 120 000,00 EUR (incluindo bónus, subsídios e serviços suplementares monetários). Daí a seguinte consideração do Tribunal a quo:

«Nada existe na sentença em revisão que determine inexoravelmente que o «quantum» fixado não o poderia ser à luz da lei portuguesa, considerando o valor do vencimento mensal líquido do Requerido, que situa em cerca de €10.000, a par da existência de duas crianças em idade escolar, a viver na Suíça, consabidamente um dos países mais caros da Europa, senão do Mundo.»

O Tribunal recorrido não tinha, salvo o devido respeito, pelo que já se disse, que fazer uma apreciação de elementos probatórios oferecidos pelo Requerido no sentido de questionar, pondo em causa a sua eventual consistência, aquele montante apurado no Tribunal suíço, não ocorrendo omissão de pronúncia que fira o acórdão de nulidade.

Além disso, não se vê que haja aqui alguma inconstitucionalidade, maxime por ofensa aos princípios consagrados no art. 20º da CRP, já que não se podem olvidar os limites do processo de revisão de sentença estrangeira, destinado à confirmação (que, naturalmente, pode ser negada se não estiverem preenchidos os requisitos para o efeito) da decisão revidenda, o que não passa por produção de prova tendente a introduzir precisões ou contextualizações da matéria de facto constante dessa decisão. E, assim, desde logo por aí (sem discutir os limites da intervenção do STJ quanto à matéria de facto), não há que aditar à factualidade apurada, como pretendia o Recorrente, que este auferia em 2017 um rendimento mensal não superior a € 3.280,00/mês, e à data da Oposição, de cerca de € 3.600,00/mês.

Entende-se, pelo exposto, que a fixação da prestação alimentícia em causa, face, desde logo, ao montante de rendimentos do Requerido que se teve por provado na sentença revidenda, não se assume como um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.»


Parece evidente que se conheceu da questão atinente à alegada ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português. O que ressalta da reclamação do Recorrente é a sua discordância quanto à posição assumida. Outra coisa é a nulidade decorrente da omissão de pronúncia, que não se verifica também neste caso.


I.5.

O Recorrente anota que o Tribunal Suíço decidiu aplicar o direito suíço, mas, em sua opinião, como alegou, aplicável seria a lei comum dos cônjuges, que é a lei portuguesa.

Acrescenta:

«No tocante aos alimentos devidos, entendeu o Tribunal ad quem, secundando a Relação, “que não há que atender ao privilégio da nacionalidade por a lei aplicável ser a da residência habitual das crianças, in casu, a lei suíça.” (cfr. p. 92).

E pronto. Tout court.

No fundo, que a norma do privilégio da nacionalidade, tal como resulta da al. f) do artigo 980º do CPC, é inaplicável ao caso, por o direito material competente para dirimir a questão ser o direito suíço e não o português.

Afigura-se-nos, porém, que o Tribunal ad quem não analisou a questão que o recorrente lhe submeteu quanto à dimensão do privilégio da nacionalidade.

Isto é, a de um cidadão português ter o direito, quando foi julgado por outra lei, de provar que se fosse julgado segundo a lei portuguesa, o resultado seria outro, e mais favorável para o mesmo. Com efeito, alegou o Recorrente que, de acordo com a lei substantiva portuguesa, e no que às questões das menores diz respeito, por força do regime do artigo 57º do Código Civil: “as relações entre pais e filhos são reguladas pela lei nacional comum dos seus pais” e, só na falta desta, pela lei da residência.»


No acórdão reclamado, considerou-se, a dado passo, sobre esta temática:

 «Os requisitos estabelecidos no art. 983º, nº 2, do CPC são os seguintes:

1. Ter a sentença revidenda sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa;

2. O direito português ser o aplicável segundo as normas de conflitos da lei portuguesa;

3. A constatação de que o resultado da acção teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português.


Luís de Lima Pinheiro explica que:

«Por "normas de conflitos", no sentido do art. 983º/2, devemos entender todas as normas de Direito Internacional Privado, com inclusão das normas sobre devolução e das normas de conexão ad hoc ligadas ao Direito material especial e às normas "autolimitadas" de Direito comum.»

(Op. cit., p. 231)


O Tribunal a quo entendeu que:

«Estando em causa uma ação de divórcio e a regulação do exercício das responsabilidades, estando adquirido nos autos por força das alegações das partes, que a Requerente, o Requerido e as suas filhas têm nacionalidade portuguesa, as normas de conflitos portuguesas dos artigos 52.º, 55.º, n.º 1, e 57.º do Código Civil, remetem para a lei nacional comum, ou seja, a lei portuguesa.»

Sucede, porém, como refere REMÉDIO MARQUES, que, em certos tipos de relações jurídicas, existe um «fracionamento ou especialização (dépeçage)» das normas de conflitos.

Como sublinha o referido autor, no âmbito das relações familiares quanto à obrigação de alimentos internacionais existem normas de conflitos que se aplicam fora do domínio das regras de conflitos do Código Civil Português.

Assim, no domínio das obrigações alimentares existe uma harmonização material adotando-se um único fator de conexão para os todos os problemas emergentes dos pressupostos da obrigação de alimentos, incluindo a obrigação de prestação de alimentos devidos a menores na sequência do divórcio dos progenitores, concedendo preferência à lei que melhor proteja o menor/credor da prestação, estabelecendo como primeira conexão a residência habitual do menor. E só assim não será, resultando, então, a aplicação das normas de Conflitos do Código Civil, se a lei do Estado contratante da sua residência habitual lhe recusar qualquer direito a obter a prestação de alimentos.

Ora, tanto a Convenção de Haia de 1958 relativa ao Reconhecimento e Execução de Decisões em Matéria de Prestação de Alimentos a Menores, como a Convenção de Haia de 1973 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares, respetivamente, nos seus artigos 1.º e 7.º, n.º 1, elegem como elemento de conexão relevante em matéria de alimentos devidos a menores no âmbito do processo de divórcio dos progenitores, a residência habitual do menor, enquanto credor do direito a alimentos.

Por sua vez, a Lei Federal Sobre Direito Internacional Privado de 18-12-1987-LDIP, já supra referida, nos artigos 63.º e 83.º, no que diz respeito à lei aplicável às consequências do divórcio relativas às obrigações alimentares dos pais para com os filhos, remete para a Convenção de Haia de 02 de outubro de 1973, ou seja, aceita a lei da residência habitual do credor dos alimentos, no caso, a lei suíça.

Por conseguinte, em relação à obrigação de alimentos fixada na sentença revidenda, a cargo do ora Requerido, salvo melhor entendimento, não se aplica o privilégio de nacionalidade previsto no n.º 2 do artigo 983.º, do Código Civil, por o direito material competente para dirimir a questão não ser o direito português, mas o direito suíço, ou seja, o da residência habitual das filhas do Requerido.»


Como se vê, o Tribunal recorrido considerou que está adquirido nos autos que a Requerente, o Requerido e as suas filhas têm nacionalidade portuguesa. Daí que não se veja necessidade de fazer qualquer aditamento à matéria de facto relativamente à nacionalidade da Requerente, não tendo residido neste aspecto recusa do Tribunal da Relação em fazer funcionar o privilégio da nacionalidade.

O que se verifica é que as normas do conflito, que são todas as do Direito Internacional Privado, conforme referido, conduzem, como se considerou no acórdão, à conclusão de que, no que respeita às obrigações alimentares, surge como primeira conexão a residência habitual do menor, por força da Convenção Relativa à Lei Aplicável em Matéria de Prestação de Alimentos a Menores, concluída em Haia em 24-10-1956 (a que se quereria, por certo, fazer referência no acórdão) e a Convenção Aplicável às Obrigações Alimentares, concluída em Haia em 02-10-1973, sucedendo que à aplicabilidade desta faz menção a Lei Federal sobre Direito Internacional Privado, no seu art. 83º, nº1.

Sobre a aplicação destas Convenções que elegem como conexão a residência habitual do menor, pode ver-se Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), Coimbra Editora, Coimbra, 2000, pp. 49-51 (obra citada no acórdão, por referência à 2ª edição).

Lima Pinheiro também faz menção à aplicação destas Convenções à prestação de alimentos ao filho com residência habitual num Estado contratante, sublinhando o campo de aplicação muito limitado (neste segmento dos alimentos, inteiramente excluído) do art. 57º do C. Civil (Direito Internacional Privado, vol. II, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 305-306).»


Perante esta fundamentação, não se compreende a afirmação do Recorrente de que este Tribunal se limitou a concluir (tout court) “que não há que atender ao privilégio da nacionalidade por a lei aplicável ser a da residência habitual das crianças, in casu, a lei suíça.”

O Recorrente defende a aplicabilidade da lei portuguesa à questão dos alimentos. Está no seu direito de discordar do que ficou exarado no acórdão, no qual se entendeu que aplicável a essa matéria era a lei suíça. Mas omissão de pronúncia não houve, também aqui. E, apesar da conclusão a que se chegou, o Tribunal da Relação ainda entendeu, depois da apreciação da problemática das visitas, tecer algumas considerações a propósito dos alimentos.

No acórdão reclamado, para além do que se transcreveu, referiu-se o seguinte:

«Face aos dois pontos relativamente aos quais o A. invocou o privilégio da nacionalidade, o Tribunal da Relação começou por realçar, no que toca à protecção das crianças e jovens, incluindo as situações de regulação do exercício das responsabilidades parentais em sede de divórcio dos pais, a importância conferida ao acordo destes, sem prejuízo da postura activa do juiz quanto à homologação dos acordos, mas tudo submetido à salvaguarda do superior interesse da criança, com  a consensualidade que existe à volta da preeminência deste princípio, que emerge, designadamente, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, do Código Civil, da Constituição da República Portuguesa ou da Convenção sobre os Direitos da Criança, em cujo art. 3º, nº1, se prevê que todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança, no mais se dando por reproduzido o que, sobre esta matéria, se escreveu no acórdão.

Passou-se, depois, a apreciar, especificamente, a problemática atinente ao regime de visitas (não abrangido pelas ditas Convenções e, por isso, alvo de análise relativa ao eventual preenchimento do privilégio de nacionalidade) (…)»

[…]

«No que tange aos alimentos, o Tribunal da Relação concluiu e, pelo que já se deixou dito, ajustadamente, que não há que atender ao privilégio da nacionalidade por a lei aplicável ser a da residência habitual das crianças, in casu, a lei suíça.

Mesmo assim, entendeu-se no acórdão (naturalmente, a título subsidiário), escrever o seguinte:

«Ainda assim, sempre se dirá que no direito português importaria considerar o artigo 1905.º, n.º 1 do Código Civil, que estipula: «os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor» e, não havendo acordo, uma vez que compete aos pais, no interesse dos filhos, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens (artigo 1878.º do Código Civil), considerando a necessidade de quem os recebe, as possibilidades de quem os presta, e a proporcionalidade que tem de existir entre esses dois polos (artigo 2004.º, n.º 1, do Código Civil), o tribunal determinaria a medida, o modo e desde quando são devidos os alimentos (artigos 2004.º a 2007.º do Código Civil).

Deste modo, o que resulta da lei portuguesa é que compete aos pais prover aos alimentos devidos aos filhos considerando as necessidades dos mesmos (sustento, edução, saúde, etc.) impendendo sobre os mesmos o dever de prestar esses alimentos em conformidade com as suas possibilidades e necessidades dos alimentandos, o que implicava a fixação de uma prestação de alimentos.

Nada existe na sentença em revisão que determine inexoravelmente que o «quantum» fixado não o poderia ser à luz da lei portuguesa, considerando o valor do vencimento mensal líquido do Requerido, que situa em cerca de €10.000, a par da existência de duas crianças em idade escolar, a viver na Suíça, consabidamente um dos países mais caros da Europa, senão do Mundo.

Acresce que também em Portugal a atualização das pensões de alimentos se faz habitualmente por referência ao índice de preços no consumidor (que é a referência que está na sentença revidenda em relação aos preços do consumidor na suíça) e os alimentos são devidos desde a propositura da ação, estando a sua alteração/modificação sujeita a alteração das circunstâncias do devedor e do credor de alimentos e do correspondente impulso processual junto de um tribunal, o que também é referenciado na sentença revidenda.

Todos estes elementos não diferem daqueles que resultariam da lei portuguesa se fosse essa a aplicável (e entendemos que não, como já referido).

De qualquer modo, se o Requerido está convencido que outra seria a medida dos alimentos se o tribunal suíço estivesse a par da sua real situação económica, não lhe resta outra alternativa que não seja pugnar, em sede própria junto dos tribunais suíços, pela alteração desse valor e não, como pretende, por esta via da revisão de sentença, impedir que a mesma tenha eficácia em Portugal.»


Concordando-se com o expendido também neste aspecto, embora tal não se impusesse, por não estar, quanto a este segmento, preenchido um dos requisitos do privilégio da nacionalidade, apenas se acrescentará que relativamente à retroactividade da prestação alimentícia, dispõe o art. 2006º do nosso C. Civil que os alimentos são devidos desde a proposição da acção. Ora, tendo a acção sido intentada no Tribunal suíço em 14-06-2016, reportaram-se, na sentença revidenda, os efeitos da prestação alimentícia a 1 de Julho de 2016 (primeiro dia do mês subsequente à entrada da petição), uma determinação que não é mais gravosa que a resultante do aludido art. 2006º.

No que concerne aos factores a ter em consideração na fixação dos alimentos, verifica-se que, na petição apresentada perante o Tribunal suíço, a A., na “Breve exposição de motivos”, alegou factos relevantes para aquela fixação e indicou meios probatórios.

Na parte final da decisão revidenda, surge consignada a possibilidade de ser apresentada uma fundamentação escrita, mediante solicitação de alguma das partes no prazo de 10 dias a partir da notificação da decisão, de onde será de retirar que a uma fundamentação sumária poderia seguir-se outra mais desenvolvida, caso fosse requerida, o que não pode ser olvidado quando se trate de apontar à sentença a falta de explicitação de alguns elementos.

Também nesta matéria se mantém o decidido pelo Tribunal da Relação.»


O Recorrente defende que este Supremo Tribunal não fez a ponderação consistente em saber «se um português tem o direito, quando foi julgado por outra lei, de provar que se fosse julgado segundo a lei portuguesa, o resultado seria outro, e mais favorável para o mesmo».

Este Tribunal tratou da questão em apreço de acordo com o preenchimento (quanto às visitas), ou não (quanto aos alimentos), dos requisitos estabelecidos no art. 983º do CPC. Mesmo assim, ainda se abordou, subsidiariamente, a questão dos alimentos, nos termos descritos.

 Não será de concluir, como já se disse, pela omissão de pronúncia igualmente neste segmento.


I.6.

O Recorrente vem, ainda, retomar a problemática da autenticidade do documento que contém a sentença revidenda, incluindo a questão da aposição da Apostilha.

Respiga o Recorrente algumas passagens do acórdão, taxando a abordagem feita de conclusiva.

Assim, refere que no acórdão se afirmou o seguinte:

“Não há razão para se duvidar da autenticidade destes elementos, importando sublinhar que o Ministério Público, nas suas alegações, ao abrigo do disposto no art. 982º, nº 1 do CPC, afirmou isso mesmo:

“Não oferece dúvidas a autenticidade do documento que contém a decisão a rever (…).”

Observa o Recorrente:

«Sempre salvo o devido respeito, do enunciado resulta claro que este tribunal de recurso parece ter feito “tábua rasa” do alegado pelo Recorrente sobre esta matéria, aderindo à posição expressa pelo MP e não tendo (verdadeiramente) perscrutado o teor da fundamentação do Recorrente.»


Noutro ponto, depois de recapitular alguma da sua argumentação, diz que:

«Face às questões de autenticidade levantadas pelo Recorrente, e pelo menos face às dúvidas acerca da autenticidade do reconhecimento do documento, sempre haveria o Tribunal – cremos sinceramente – ter-se pronunciado sobre as mesmas, dizendo, se fosse esse o caso, que o mesmo não tinha razão, fundando-o em convincentes argumentos que rebatessem tais dúvidas.

E não sumariamente declarar que dúvidas inexistiam.»


E ainda:

«Era a resposta a estas questões/dúvidas que o tribunal deveria ter dado.

E não, de modo assinalavelmente lacónico, concluir que “não há razão para se duvidar da autenticidade” e que o Ministério Público, nas suas alegações “afirmou isso mesmo”.»


Relativamente à Apostilha, cita a seguinte passagem do acórdão:

«A Apostilha que, como se disse, não tem de ser colocada no próprio documento, não pode senão reportar-se à certidão em apreço (…)”

E comenta:

«Ou seja, diz o tribunal, conclusivamente, que a Apostilha se reporta à certidão da sentença revidenda, sem ter apreciado a matéria do recurso do Recorrente que concretamente analisou que o que foi apostilhado foi a tradução.»


Embora seja fastidioso estar a fazer largas citações do acórdão, a verdade é que que se impõe que se recorde que ele não se limitou a essas frases lacónicas ou conclusivas.

Lembre-se a seguinte passagem:

«No acórdão recorrido, relativamente à matéria da autenticidade do documento, considerou-se, a dado passo, que:

«Quanto à questão da cópia versus certidão cabe dizer que não obsta à revisão a apresentação de cópia certificada da sentença. O artigo 980.º do CPC nada prescreve nesse sentido. Ademais, o artigo 17.º, n.º 1, da Convenção de Haia de 1973 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares estipula que o reconhecimento ou a execução da decisão depende da apresentação de «cópia integral da decisão devidamente certificada».

Também no âmbito da Convenção Relativa à Supressão da Exigência de Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros (Convenção de Haia de 05 de outubro de 1961) a questão da aposição da Apostilha em cópias de documentos públicos foi objeto da Recomendação n.º 11, de 2003, da Comissão Especial no sentido de, não obstante o artigo 1.º da Convenção se reportar a documentos públicos, os Estados contratantes poderem declinar o uso da apostilha em cópias de documentos.

Em Portugal nenhuma limitação se encontra consagrada nesta matéria, revelando, outrossim, se o documento apresentado corresponde, segundo a ordem jurídica do Estado de origem, a uma sentença, ou seja, o tribunal da revisão tem de adquirir a segurança de que está perante um documento que contém uma sentença proferida por um tribunal estrangeiro nos termos que consta do documento apresentado.»


No art. 981º do CPC, prescreve-se que é apresentado com a petição o documento de que conste a decisão a rever.

 Conforme é referido no acórdão recorrido, no art. 17º, nº 1, da Convenção de Haia de 1973 sobre o Reconhecimento e Execução de Decisões relativas a Obrigações Alimentares, estabelece-se que a parte que pretenda o reconhecimento ou a execução de uma decisão deve apresentar cópia integral da decisão devidamente autenticada.

No Ac. do STJ de 15-01-2004, Rel. Salvador da Costa, Proc. nº 03B4263, publicado em www.dgsi.pt, exarou-se, nessa linha, o seguinte (com destaque nosso, a negrito):

«1. A revisão de sentenças estrangeiras à luz do direito interno português de origem interna, em conformidade com o disposto no artigo 1096º, alíneas a) e e), do Código de Processo Civil, depende, além do mais, da inexistência de dúvida sobre a autenticidade da sentença e a inteligência da decisão, e da regularidade da citação segundo a lei do foro de origem e da observância no processo dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

2. Os referidos elementos devem constar da certidão ou cópia autenticada da sentença revidenda, documento essencial ou estruturante da acção de revisão, e ou dos concernentes documentos complementares, incluindo o de tradução autenticada para a língua do foro revisor.»


É, assim, suficiente cópia autenticada da sentença, como se concluiu na decisão recorrida.

A autenticidade do documento é, como se assinala no Acórdão que se acaba de citar, aferida pela lei do país onde a sentença foi proferida, o que decorre do disposto no art. 365º, nº 1, do C. Civil (“Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal”).

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, referem, in op. cit., p. 427 (em anotação ao art. 980º) que:

«A autenticidade a que se reporta a al. a) exige que o documento de que consta a sentença provenha da autoridade competente segundo a lei do Estado de origem. No caso de existirem dúvidas sobre a autenticidade, pode ser exigida a legalização do documento (cf. art. 440º), salvo se se tratar de sentença proferida num Estado que seja parte na Conv. Da Haia Relativa à Supressão da Legalização dos Atos Pú­blicos Estrangeiros, caso em que é suficiente a aposição da apostilha (art. 3º).»


No que tange à Apostilha, considera o Recorrente, como emana das transcritas conclusões, que o documento em causa não está devidamente apostilhado.

O Tribunal a quo, relativamente a esta matéria, tomou em consideração a Convenção Relativa à Supressão da Exigência de Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros, concluída na Haia em  5 de Outubro de 1961 e ratificada quer por Portugal quer pela Suíça, aplicável aos actos públicos lavrados no território de um dos Estados contratantes e que devam ser apresentados no território de outro Estado contratante (art. 1º), sendo considerados actos públicos, entre outros,  os documentos provenientes de uma autoridade ou de um funcionário dependentes de qualquer jurisdição do Estado, compreendidos os provenientes do Ministério Público, de um escrivão de direito ou de um oficial de diligências (al. a) do art. 1º).


Prevê-se no art. 3º, 1º parágrafo, desta Convenção que:

«A única formalidade que pode ser exigida para atestar a veracidade da assinatura, a qualidade em que o signatário do acto actuou e, sendo caso disso, a autenticidade do selo ou do carimbo que constam do acto consiste na aposição da apostila definida no Artigo 4.º, passada pela autoridade competente do Estado donde o documento é originário.»


No art 4º, 1º parágrafo, vem previsto:

«A apostila prevista no Artigo 3.º, alínea primeira, será aposta sobre o próprio acto ou numa folha ligada a ele e deve ser conforme ao modelo anexo a esta Convenção.


Dispõe o art. 5º, 3º parágrafo, que:

«A assinatura, o selo ou carimbo que figurarem sobre a apostila são dispensados de qualquer reconhecimento.»


E no art. 6º, 1º parágrafo, preceitua-se:

«Cada Estado contratante designará as autoridades, determinadas pelas funções que exercem, às quais é atribuída competência para passar a apostila prevista no Artigo 3.º, alínea primeira.»


Escreveu-se no acórdão recorrido:

«A Apostilha é, assim, um certificado de que a assinatura e o selo/carimbo aposto num documento público estrangeiro foram emitidos pela entidade competente designada no âmbito da Convenção.

É um trâmite similar à autenticação de uma cópia ou ao reconhecimento de uma assinatura.

Todavia, a certificação respeita à assinatura ou selo/carimbo exibido no documento que foi emitido pelo funcionário público no exercício das suas funções no âmbito da Convenção, documento esse devidamente numerado e registado, reportando-se a certificação da assinatura ou selo/carimbo da autoridade designada pelo Estado contratante para exercer as funções concernentes à emissão de Apostilha. É essa entidade que é a referida no artigo 3.º da Convenção e não ao autor que assinou, carimbou ou selou o documento público subjacente à legalização através da Convenção.

Efetivamente, e nunca é demais sublinhar em face do teor da impugnação do Requerido, que a Apostilha certifica unicamente a autenticidade, a qualidade na qual o signatário do documento atuou ao apor a Apostilha, e, sendo caso disso, do selo/carimbo aposto pelo mesmo.

Daí que a Apostilha não certifique o conteúdo do documento para o qual foi expedida a Apostilha.

O que a Apostilha permite é que se legalize um documento público por esta via, arredando a via diplomática ou consular, ou seja, significa que a validade do documento público do ponto de vista da «lex loci actus» se encontra certificada.

Certificação essa que obedece a formalidades uniformes nos vários Estados contratantes por via do modelo anexo à Convenção que se encontra padronizado, devendo conter a palavra «Apostille» (em francês), instituindo-se ainda um sistema de controlo/supervisão das falsas assinaturas (artigos 4.º, 5.º e 7.º da Convenção)».


O Tribunal a quo teve em conta o “Manual da Apostila: Um Manual sobre o Funcionamento Prático da Convenção sobre a Apostila da Haia“, publicado em https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/manual_das_apostilas_hcch.pdf, do qual se pode, na realidade, retirar que a Apostilha autentica a origem do documento público subjacente, mas «não se relaciona de forma alguma com o conteúdo do documento público subjacente. Enquanto a natureza pública do próprio documento possa implicar que o seu conteúdo é verdadeiro e correto, uma Apostila não melhora, nem adiciona qualquer significado ao efeito jurídico que a assinatura e/ou selo iriam produzir sem uma Apostila».

Relativamente ao caso dos autos, considerou-se, no acórdão recorrido, que a sentença revidenda «consta de um documento assinado pela Oficial de Justiça daquele Tribunal (S. Lehner) e tem aposto um carimbo onde constam os dizeres, em alemão, «ZivilGericht Basel- Stadt» (Tribunal Civil do Cantão de Basel-Stadt)», correspondendo, assim, no âmbito do direito português, a uma certidão judicial (documento autêntico) da sentença proferida naquele Tribunal».

E acrescentou-se:

«Verifica-se, ainda, que a sentença, em 14-08-2018, foi traduzida de alemão para português, por DD e Alexander Daniel Ltd da Translingua Ltd, tendo as referidas assinaturas sido objeto de certificação/autenticação pelo notário EE.

A Apostilha consta do verso deste documento de certificação, onde se encontra colada, resultando dos seus dizeres que é aposta uma «Apostille» da Convenção de Haia de 05 de outubro de 1961 num documento público (que foi traduzido e certificada a tradução), constando a data da aposição da Apostilha (21-08-2018), o n.º de registo (11238550/2018), a assinatura do notário que assinou a Apostilha e o respetivo selo.

Assim, e ao contrário do referido pelo Requerido, prevendo o artigo 4.º, 1.º parágrafo, da Convenção, que a Apostilha possa ser aposta numa folha ligada ao «acto público» (i.e., no caso, à sentença), o documento que se encontra apostilhado não é a tradução, mas a sentença traduzida, ou seja, todo o documento apresentado e que é composto pela certidão da sentença proferida em alemão e pela sua tradução para português.

O Requerido refere que nada existe a autenticar a assinatura da pessoa que assinou a sentença (Senhora S. Lhener), nem da qualidade em que atuou, nem do carimbo do Tribunal aposto na mesma.

Porém, como resulta do atrás dito, a Apostilha não visa a certificação do conteúdo do documento, da assinatura do seu autor (no caso, de quem emitiu a certidão judicial) ou da identidade do selo aposto no documento público. Essas questões que se prendem com a veracidade e genuinidade do teor da sentença, não são afetadas pela Apostilha, e teriam de ser suscitadas no processo de revisão de acordo com a lei do país que emitiu a sentença a rever. O que o Requerido manifestamente não invoca. Ao invés, transpõe toda a argumentação para os requisitos da Apostilha e, como se viu, mal, porque a certificação que resulta da Apostilha tem um âmbito e finalidade diversa.

Não resultando da análise do documento junto a fls. 74-80 sequer questionável que o mesmo corresponde a uma cópia autenticada da sentença revidenda, devidamente apostilhada, a mesma é suscetível se ser submetida ao procedimento de confirmação e revisão em Portugal.

Donde se conclui que a oposição do Requerido no que concerne à autenticidade da sentença revidenda não tem qualquer razão de ser.

E não nos suscitando qualquer dúvida que a sentença revidenda foi proferida pelo Tribunal suíço no processo referenciado no documento e com o respetivo conteúdo que ali consta, resulta comprovado o requisito previsto na alínea a) do artigo 980.º do CPC no concernente à autenticidade do documento apresentado donde consta a sentença a rever.»


Analisando o documento do qual consta a sentença revidenda, verifica-se, conforme é referido pelo Tribunal a quo, que se trata de um documento assinado pela Oficial de Justiça do Tribunal Cantão  ……….., S. Lehner, e tem aposto um carimbo onde constam os dizeres, em alemão, «ZivilGericht Basel- Stadt» (Tribunal Civil do Cantão de Basel-Stadt)», correspondendo, assim, no âmbito do direito português, a uma certidão judicial (documento autêntico) da sentença proferida naquele Tribunal.

Não há razão para se duvidar da autenticidade destes elementos, importando sublinhar que o Ministério Público, nas suas alegações, ao abrigo do disposto no art. 982º, nº1, do CPC, afirmou isso mesmo: “Não oferece dúvidas a autenticidade do documento que contém a decisão a rever (…)”.

A Apostilha, que não tem de ser aposta no próprio “acto” (documento), podendo sê-lo numa folha ligada a ele, não se reporta, in casu, senão à sentença revidenda e nada aponta para que não emane da autoridade competente para tanto, de acordo com o determinado pelo Estado suíço, competindo, como se extrai da Convenção, a cada estado contratante designar as autoridades com competência para passar a Apostilha.

Nas limitações da Apostilha, que autentica a origem do documento público subjacente, mas não se relaciona com o conteúdo desse documento público, não se poderá, sem mais, fazer assentar um exercício de questionação desse conteúdo, sob pena de se pôr, desde logo, em causa, o sistema que os estados que subscreveram a Convenção em apreço visaram com a criação de um tal mecanismo, que parte do pressuposto de que um documento de natureza pública tenha um conteúdo “verdadeiro e correcto”.

No acórdão recorrido, faz-se a devida menção, como se viu, às características da Apostilha, não se podendo deixar de subscrever a destrinça que é feita entre o que ela certifica/autentica e o próprio conteúdo do documento apostilhado, bem como a conclusão a que se chegou de que não é “sequer questionável que o mesmo corresponde a uma cópia autenticada da sentença revidenda”.

Não há, assim, motivo para anular a decisão recorrida, sendo certo que o caso não seria de anulação da decisão (não se configurando qualquer das nulidades previstas o art. 615º, ex vi do art. 666º, nº 1, do CPC), tratando-se, sim, de saber se está preenchido o requisito previsto no art. 980º, al. a), do CPC, sendo de concluir pela positiva, como no acórdão recorrido, considerando-se, com todo o respeito, que não assiste razão ao Recorrente quanto a este aspecto.»


Parecerá poder concluir-se que o acórdão não se saldou pelo laconismo apontado pelo Recorrente e que tratou, também neste segmento, das questões suscitadas, não ocorrendo a arguida nulidade.

Não se impunha a este Tribunal apreciar todos os argumentos ou razões que o Recorrente invocou nas suas extensas alegações (com conclusões que foram de A. a SSSSSS). O que este Tribunal tinha obrigação de fazer era tratar das questões suscitadas e, com todo o respeito por opinião contrária, foi o que fez, sendo certo que uma reclamação desta natureza não serve para uma reapreciação do mérito da decisão.

Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, há «uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso.»

(Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 737).

 

I.7.

Finalmente, debruça-se o Recorrente sobre a questão do abuso de direito.

Refere o Recorrente:

«Também neste ponto, cremos bem, omitiu o Tribunal a ponderação necessária e que o Recorrente lhe submeteu para apreciação.

De forma lapidar, entendeu o Tribunal (p. 94) no aresto preferido que “não há motivo para se concluir pelo invocado abuso de direito, já que a A. se estriba numa sentença transitada em julgado, proferida por um Tribunal suíço, onde legitimamente, propôs a acção em que essa sentença foi prolatada, não procedendo os argumentos do Recorrente para se negar a confirmação dessa decisão.”

Como é bom de ver, com semelhante entendimento, o que decorre do aresto é uma não análise “em bloco” e “por atacado” de todos os fundamentos pelos quais o Recorrente alegou haver abuso de direito.

O Recorrente alegou, em suma, que a A. apenas obteve a decisão revidenda por ter praticado omissões graves quanto ao dever de colaboração processual no Tribunal Suíço, concretamente as seguintes:

(i) omissão sobre a sua nacionalidade comum com a do Réu, para se furtar a aplicação da lei material portuguesa;

(ii) omissão de revelar que havia sido decidida em Portugal a questão a litispendência, e que o Tribunal de Família Português havia reservado para si a jurisdição;

(iii) omissão da indicação do domicílio pessoal e profissional do Réu que conhecia e conhece, pedindo a citação edital;

(iv) omissão da indicação do real rendimento do R. marido, porque até tinha sido notificada em Portugal pelo Tribunal de Família das cópias dos recibos de vencimento deste no processo Português, preferindo alegar que ele tinha um “rendimento líquido anual de 120.000 /ano”, sabendo que não é verdade.»


Entende que se justificaria uma diferente análise – que não meramente sumária – do alegado pelo Recorrente» e que «ao evitar fazê-lo, omitiu o Tribunal pronúncia que ao caso competia».


Uma primeira constatação se poderá fazer: ainda que sintética, não deixou de haver pronúncia sobre questão do abuso de direito, o que, desde logo, afasta a nulidade invocada. E crê-se, com todo o respeito, que, mesmo de forma breve, no fim de um longo acórdão em que, após a análise das múltiplas questões suscitadas, se concluiu pela improcedência do alegado pelo Recorrente, mantendo-se a decisão da Relação que confirmou a sentença revidenda, foi dito, sobre o invocado abuso de direito da Recorrida (Requerente no processo de revisão), o que era exigível dizer-se, ou seja, que, pelo que se vinha de expor, não havia motivo para se concluir pelo invocado abuso de direito, já que a A. se estribou numa sentença transitada em julgado, proferida por um Tribunal suíço, onde, legitimamente, propôs a acção em que essa sentença foi prolatada, não procedendo os argumentos do Recorrente para se negar a confirmação dessa decisão.


Improcede a reclamação.


*



Sumário (da responsabilidade do relator)

A nulidade de uma sentença ou de um acórdão, por omissão de pronúncia, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer das questões que lhe forem submetidas ou sejam de conhecimento oficioso, não se impondo a apreciação de todos os argumentos, motivos ou razões invocados pelas partes.



II


Por tudo o que se deixou exposto:

- Indefere-se a reclamação.

- Custas a cargo do Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.



*



Lisboa, 30-06-2021


Tibério Nunes da Silva (relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Olindo dos Santos Geraldes

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[1] Por lapso, escreveu-se “Apelante” em vez de “Recorrente”.
[2] Equivalente ao actual art. 984º do CPC.