RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
HOMICÍDIO
APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
ANULAÇÃO DA DECISÃO
REENVIO DO PROCESSO
Sumário


I. Ainda que os sujeitos processuais circunscrevam o objeto do recurso à matéria de direito, nada impede o STJ de, “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto” , verificar se a decisão recorrida enferma de nulidades insanáveis ou de erros-vício previstos no art.º 410º n.º 2 do CPP e extrair as consequências jurídico-processuais correspondentes, de modo a assegurar que o ato jurídico de prolação da justiça no caso concreto se obtém através de um procedimento e de um julgamento que observa as regras adjetivas aplicáveis.
II. E, no que à prova respeita, verificar se foi apreciada e valorada, mediante submissão a raciocínios lógicos, às regras da experiência comum, à normalidade dos acontecimentos da vida e, quando for o caso, também aos cânones da ciência ou às legis artis da técnica.
III. Ao verificar dos vícios, o STJ não reaprecia as provas, não sobrepõe a sua convicção à das instâncias. Limita-se a constatar não ser possível decidir corretamente a questão de direito que lhe foi submetida, por a matéria de facto provada se revelar ostensivamente insuficiente, por se fundar em notório erro de apreciação das provas à luz daquelas regras ou ainda por assentar em premissas que se mostram ilógicas ou contraditórias.
IV. A decisão de julgar provado um acontecimento da vida na convicção de que foi demonstrado por uma versão que é manifestamente ilógica, contrariada pelas regras da física e ao mesmo tempo pelas máximas da experiência, padece do vício que o legislador consagrou no art.º 410º n.º 2 al.ª c) do CPP.
V. Um determinado facto ou acontecimento da vida, simplesmente pelo modo como vem narrado, pode apresentar-se visivelmente irracional, notoriamente impossível, manifestamente desconforme às regras da experiência comum, todavia, mais comumente o erro notório na apreciação da prova deteta-se pela motivação do julgamento da facticidade, designadamente pelo exame critico da prova.
VI. A regra legal para que o tribunal possa-deva julgar provada determinada facticidade é uma só, com o mesmo padrão e igual grau de exigência – cfr art. 127º n.º 1 do CPP – independentemente de ser aportada pela acusação, pela defesa, pelos demandantes, pelos demandados ou produzida por determinação do tribunal.
VII. O in dubio pro reo não pode servir de desculpa para o tribunal se eximir de proceder ao exame crítico das declarações do arguido, verificando da sua própria consistência e coerência logica, mas também e, necessariamente, se resistem ao confronto com as demais provas, especialmente as provas físicas ou ditas reais e, sobretudo, com os ditames da ciência e as máximas da experiência.
VIII. Entra em funcionamento quando os elementos de prova produzidos em julgamento sustentam a probabilidade da veracidade da facticidade criminosa e da responsabilidade do arguido, mas não afastam dúvidas razoáveis sobre alguns pressupostos factuais essenciais para que seja condenado numa pena ou medida de segurança. Na ausência de certeza prática, tem, então, de julgar-se não provados os correspondentes factos, seja qual for o sujeito processual que os alegou.
IX. É, pois, uma regra de valoração probatória dirigida ao tribunal do julgamento, que não o obriga a duvidar, nem, evidentemente, a julgar provados factos irracionais, ilógicos, contrários às leis da ciência ou às máximas da experiência somente porque o arguido os declara e lhe são favoráveis.
X. Julgar provado um facto somente porque mais favorável ao arguido, não cumpre com a exigência constitucional e legal de motivação efetiva, omitindo-se a valoração racional e crítica da prova, de acordo com as regras da lógica, da razão, as máximas da experiência e os conhecimentos científicos

Texto Integral


O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda:


A - RELATÓRIO:

1. a condenação:

No Juízo Central Criminal .... -Juiz ..., mediante acusação e pronúncia, foi julgado o arguido:

- AA, de 47 anos e os demais sinais dos autos

e, por acórdão de 16/10/2020, condenado pela prática, em autoria material e em concurso efetivo de:

- um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo disposto nos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. b) do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão;

- um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão; e

- em cúmulo jurídico destas, na pena única de 18 (dezoito) anos e 1 (um) mês de prisão.

O Tribunal coletivo, julgando parcialmente procedente pedido de indemnização civil, condenou o arguido/demandado a pagar aos demandantes BB e CC a quantia total de €277.050,00 (duzentos e setenta e sete mil e cinquenta euros), sendo: --------

- €40.000,00 pelos danos morais sofridos por DD nos momentos que antecederam a sua morte;

- €90.000,00 pela perda do direito à vida de DD;

- €50.000,00 e €40.000,00 pelos danos sofridos pelos demandantes BB e CC, respetivamente, pelos danos morais sofridos com a perda da mãe;

- €10.000,00 para cada um pelo dano moral decorrente da alteração da sua vida e mudança para França;

- €11.700,00 e €25.350,00 para a BB e CC, respetivamente, a título de danos patrimoniais pela perda do direito a alimentos.

O arguido inconformado, impugnou a decisão condenatória, recorrendo perante a 2ª instância.

O Tribunal da Relação …, por acórdão de 9/02/2021, no provimento parcial do recurso, decidiu:

- alterar a matéria de facto provada nos pontos 7, 43 e 54; 

- absolver o arguido do crime de homicídio qualificado;

- condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio simples p. e p. pelo art. 131º do CP, na pena de 11 anos de prisão; e

- em cúmulo jurídico, na pena única de 11 anos e 1 mês de prisão;

- confirmar, no demais, o acórdão recorrido.

2. o recurso:

O arguido, renitente, impugna a decisão da 2ª instância, recorrendo perante o Supremo Tribunal de Justiça.

Remata a alegação com as seguintes conclusões (em síntese):

3. nunca teve o propósito de tirar a vida à vítima. O que estava combinado, era um encontro entre duas pessoas que se amavam, de natureza sexual, igual a outros que tinham mantido anteriormente. Várias pessoas tinham conhecimento, não se verificando nenhuma razão para que tivesse intenção de tirar a vida à vítima.

4. Apesar do Tribunal da Relação  ….. mencionar a necessidade de aplicação do disposto no art° 71° do CP, para a determinação da medida da pena, não se compreende a reduzida valoração das circunstâncias atenuantes, nos termos dos artºs 71° a 73° do CP.

6. Desde logo, a confissão dos factos e ter assumido ser o autor dos ferimentos que causaram a morte à vítima DD, que começou na Polícia Judiciária, constante de auto a fls. 33 assumindo a autoria das lesões que causaram a morte à infeliz DD

7. as declarações prestadas em instrução, não mereceram credibilidade, mas na audiência de julgamento voltou a repetir a autoria dos factos.

9. demonstrou sincero arrependimento, dirigido aos familiares da vítima.

11. a colaboração com a Policia Judiciária, confirmada na audiência pelo sr insp chefe EE, coordenador do processo.

13. ter-se deslocado, voluntariamente para a GNR/…….., ter informado a PJ, sobre o local onde depositou os objetos que indevidamente trouxe da residência da vítima, ter elaborado um desenho, manuscrito, sobre o objeto utilizado nos ferimentos que produziu na vítima e com o qual também foi atingido em várias zonas do seu próprio corpo, lesões que a perita, Srª Drª FF, reconheceu terem sido efetuadas pelo mesmo objeto.

15. na data dos factos se encontrar inserido, social, familiar e profissionalmente, trabalhando alternamente nas artes da pesca e na construção civil.

16. não ter antecedentes criminais

17. ter sido reconhecido pelas testemunhas de defesa, como honesto, correto, trabalhador, pacífico, considerando que os factos só poderão encontrar justificação, numa situação fora do normal, inesperada, muito grave.

18. a sua modesta condição sócio-cultural, não obstou a que o seu percurso não apresentasse traços de marginalidade ou desviância.

19. A necessidade de ser "ajudado" clinicamente a debelar/diminuir as suas características da personalidade, espelhadas no relatório pericial.

20. o comportamento do arguido, muito reprovável, deverá ser considerado como conduta ocasional, furtuita, determinada pelas circunstâncias ocorridas explicitadas no acórdão, nada se apurando em concreto quanto a possíveis tendências criminosas.

21. Os factos apresentam-se como uma conduta excecional, surpreendente, face ao comportamento anterior do arguido, devendo indagar-se haverá ou não lugar à atenuação especial, que não pode ser recusada com fundamento em razoes preventivas ou da culpa, na medida em que esta, sendo grave, pode não obstar à formulação de um

22. duas situações em que o TR.… concordou com o Tribunal de 1ª instância, não dando acolhimento ao recurso então apresentado.

23. quanto aos ferimentos infligidos pela vítima ao arguido, tendo-os TR.… considerado superficiais, atingindo-o nas coxas e no braço esquerdo. Não é isso que resulta dos documentos (fotos) que constam de fls 44/58 dos autos, donde se conclui que tais lesões foram produzidas na face, peito, braços, mãos, coxas e pernas, do arguido, para não falar das declarações prestadas, em audiência de julgamento, pela médica-perita, Drª FF, autora do relatório do dano corporal ao arguido, que as confirmou.

24. a outra decorre de se ter considerado provado que certas lesões produzidas no corpo da vítima, teriam sido efetuados pelo arguido, em situação de post morten.

25. a filha da vítima, uma jovem de 16 anos, ficou mais que alterada ao ver o estado da mãe, o Tribunal a quo, com base no que a mesma declarou em audiência fez constar de f!s 28 do Acórdão o seguinte:

"Tocou-lhe no braço e disse, mãe acorda, mas esta não respondeu, pelo que à segunda vez, tocou-lhe na cabeça e ela virou-se toda ficando de barriga para cima"

26. para o homem comum, esse gesto da vítima, só poderia significar que a mesma se encontrava viva, quando a filha a interpelou.

27. Os considerandos jurídicos explanados pelo TR.., quanto à alteração da qualificação jurídica dos factos não merece qualquer censura, revelando a conduta do arguido, especial censurabilidade, atentas as lesões produzidas no corpo da vítima, sendo que tal conduta surgiu, de forma imediata, inesperada e repentina, logo que se sentiu atingido pela vítima com o objeto que lhe veio a causar as lesões atrás mencionadas, e que viria a ser utilizado pelo arguido para lhe produzir a morte.

28. esse comportamento da vítima, é a circunstância de, não diminuir consideravelmente a ilicitude dos factos praticados pelo arguido, o mesmo já não sucedendo ao nível da culpa, elemento fundamental que determinou a alteração da qualificação jurídica.

29. Nos termos do disposto no art° 71° do CP, importa ter presente, as necessidades de prevenção geral e especial, as exigências de reprovação do crime em causa, sem olvidar que a pena deve ser orientada em função da culpa do agente e com sentido pedagógico e ressocializador.

31. Partindo da medida da pena abstratamente prevista no artº 131º do CP para o crime de homicídio - 8 a 16 anos, e tendo em conta a pena concretamente aplicada pelo Tribunal da Relação de ….. -.11 anos, entende o arguido que, face a todo o circunstancialismo anteriormente explanado, uma pena entre os 9/10 anos de prisão, se ajustaria melhor a matéria de facto provada, com uma aplicação do direito mais consentânea.

Violaram-se o disposto nos art°s 71°, 72º e 73° do Código Penal

Peticiona que a pena seja “especialmente atenuada, pela prática de um crime de homicídio simples e um crime de furto, fixando-se a mesma nos 9/10 anos de prisão”.

2. resposta do Ministério Público:

O Procurador-Geral Adjunto na 2ª instância respondeu, defendo a improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida.

Culmina a motivação concluindo, em síntese, que não há fundamento factual para a atenuação da pena porque, além do mais “o arguido nunca admitiu ter agido com intenção de tirar a vida à vítima, agiu com dolo directo e com ilicitude elevada e actuou com total desrespeito pela vida da vítima”.

3. parecer do Ministério Público:

A Digna Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, em douto parecer, subscrevendo à resposta do Ministério Público, pronuncia-se pela improcedência do recurso. Salientando a grande agressividade do arguido, executando cruelmente a vitima, atingindo-a “pelo menos 16 vezes com um objeto perfuro-contundente [em] zonas vitais do corpo, tais como a cervical - pescoço, junto à Jugular - e o tórax - na aorta e pulmões – e também colocou as suas mãos no pescoço desta, até a asfixiar e, mesmo assim, estando esta já inanimada, voltou a atingi-la com o referido objeto, uma vez que resultaram provadas lesões efetuadas em período peri e post mortem”, demonstrando personalidade que atribui reduzido valor à vida humana.

Acentuando as exigências de prevenção geral demandadas pela grave violação do bem dos bens jurídicos criminalmente protegidos e o critério especial da individualização da pena conjunta, sustenta que, “tendo em conta os critérios estatuídos no art. 77º do Cód. Penal, a pena única de 11 (onze) anos e 1 (um) mês de prisão aplicada ao arguido revela-se justa, e adequada”.

5. contraditório:

O recorrente, notificado do parecer do Ministério Público, nada veio dizer.


*


Dispensados os vistos, o processo foi à conferência.

Cumpre decidir.

A - OBJETO DO RECURSO:

A confusa pretensão do recorrente resume-se nas seguintes questões:

- insiste em contestar a valoração das provas e a matéria de facto provada;

- alude à atenuação especial da pena;

.- peticiona a redução da pena (para 9/10 anos)

A - FUNDAMENTAÇÃO:

1. os factos:

Das instâncias vem decida a seguinte matéria de facto provada:

1. Entre meados de 2018 e dezembro de 2018 o arguido e DD mantiveram uma relação afetiva, no âmbito da qual conviviam e tinham relações sexuais.

2. À data DD vivia na .................em ................, com os seus dois filhos, BB, nascida a ...04.2003, e CC, nascido a ...02.2010. 

3. Em janeiro de 2019 o arguido e DD reataram a relação, mas sem convivência com os filhos desta, por tal relação não ser do agrado dos mesmos, devido ao facto de entrarem frequentemente em discussão um com o outro.

4. Assim, desde janeiro de 2019, o arguido e DD continuaram a encontrar-se, frequentemente, ora fora da casa da DD, quando os filhos desta aí se encontravam; ora na habitação dela, quando os menores não estavam em casa.

5. No dia ... de maio de 2019, entre 7h01 e as 10h33, o arguido e DD estabeleceram vários contactos telefónicos - através do telemóvel com o número ......440 pertencente ao arguido e do telemóvel com o número ......032 pertencente à DD.

6. Pelas 10h45, aproximadamente, o arguido e DD encontraram-se na casa desta e, depois de terem tido relações sexuais com cópula, no quarto pertencente a DD, encetaram uma discussão relacionada com ciúmes.

7. No decurso dessa discussão o arguido e a DD envolveram-se numa contenda física, a partir do momento em que a DD foi à cozinha e trouxe um objeto não concretamente apurado, mas constituído por um espigão perfurante com secção redonda (semelhante a um picador de gelo ou a um espeto), e com ele atingiu de forma superficial o arguido nas coxas e no braço esquerdo. 

8. Nesse momento, de forma não apurada o arguido conseguiu retirar o referido objeto das mãos da DD.

9. Na posse do referido objeto, o arguido espetou-o, pelo menos dezasseis vezes, no corpo de DD, designadamente, no pescoço, na cabeça, no peito e nas costas daquela.

10. Por ordem cronológica não apurada em relação ao descrito no ponto anterior, o arguido:

- desferiu um soco na zona da face, do lado esquerdo, da DD, arrancando-lhe um dente do maxilar inferior esquerdo (dente n.º 31) e fraturando-lhe a raiz do dente seguinte (dente n.º 32);

- fraturou, de modo não apurado, a sétima, oitava e nona costelas do lado direito da DD; e

- agarrou a DD pelo pescoço, com as mãos, e apertou-lhe o pescoço até a sufocar.

11. Apesar de DD já se encontrar inanimada, com o mesmo objeto referido no ponto 7. dos factos provados, o arguido desferiu ainda vários golpes na cabeça, pescoço e toráx da DD.

12. Com as descritas condutas, o arguido causou a DD as seguintes lesões:

“No hábito externo: (…)

Cabeça: solução de continuidade, de bordos contundidos e irregulares, com infiltração sanguínea, na região frontal esquerda, acima da sobrancelha esquerda; duas soluções de continuidade, de bordos lisos, sem infiltração sanguínea, na região frontal direita, acima da sobrancelha, ao nível da inserção do cabelo; presença de petéquias nas conjuntivas palpebrais superiores e inferiores em ambos os olhos; múltiplas pequenas escoriações, de fundo vermelho e contornos irregulares em ambas as regiões malares, a maior das quais com 1 por 1.1cm de maiores dimensões; múltiplas pequenas escoriações, de fundo vermelho e contornos irregulares, ao nível da face superior da extremidade do nariz, presença de sangue na narina esquerda; infiltração sanguínea da gengiva correspondente ao espaço alveolar do dente 31; fratura linear ao nível do dente 32, duas escoriações, de fundo vermelho e contornos irregulares, na região mentoniana direita, a maior das quais com 2.5cm de comprimento;

Pescoço: equimose escurecida, na região submentoniana esquerda, com 2.5cm por 2cm de maiores dimensões; 5 soluções de continuidade com bordos irregulares, 2 das quais com escassa infiltração sanguínea e 3 das quais sem infiltração sanguínea, arredondadas, na face posterior direita do pescoço com 4mm de diâmetro; escoriação linear semilunar localizada no terço médio da face anterior direita do pescoço, com 2.3cm de comprimento; solução de continuidade, com bordos lisos e contundidos, com infiltração sanguínea, arredondada, no terço superior da face anterior direita do pescoço;

Tórax: solução de continuidade, de bordos contundidos, irregulares e infiltrados de sangue, no terço superior da linha axilar anterior esquerda, com 4mm de diâmetro; 8 soluções de continuidade, de bordos lisos; 5 (4 localizadas na região para esternal esquerda e 1 mais perto da linha axilar anterior esquerda) com bordos contundidos e infiltrados de sangue e 3 com ligeira infiltração sanguínea, arredondadas, localizadas no hemitórax esquerdo, 5 das quais no quadrante superointerno e 3 das quais superoexterno, cujo diâmetro varia entre 3 e 5mm; 4 soluções de continuidade, de bordos lisos e contundidos, arredondadas, localizadas no quadrante superior do hemitórax direito, das quais a localizada mais perto da linha mediana apresenta bordos infiltrados de sangue e as restantes 3 apresentam bordos com infiltração sanguínea ligeiramente diminuída em relação à primeira lesão; 3 soluções de continuidade, de bordos lisos e contundidos, com ligeira infiltração sanguínea, arredondadas, localizadas logo acima da tatuagem descrita ao nível do terço inferior da face lateral direita da região torácica; (…)

Membro superior direito: escoriação, de fundo vermelho e contornos irregulares, na face posterior do cotovelo, com 2,5 por 1cm de maiores dimensões; equimose amarelada, na face posterior do cotovelo com 3,5 por 1.5 de maiores dimensões; 4 equimoses parcialmente roxa e amareladas, na face anteroexterna do braço, medindo respetivamente 3cm de diâmetro; cianose ungueal exuberante;

Membro superior esquerdo: solução de continuidade superficial, de bordos contundidos, irregulares e infiltrados de sangue, no terço superior da face posterior do braço, com 4mm de diâmetro, equimose esverdeada, no terço inferior da face posterior do braço esquerdo, com 4 por 3cm de maiores dimensões; solução de continuidade, de bordos contundidos, irregulares e infiltrados de sangue, no terço inferior da face anterointerna do antebraço, com 4mm de diâmetro; 3 escoriações, de fundo vermelho e contornos irregulares na face dorsal da F1 do 2.º dedo, escoriação de fundo vermelho e contornos irregulares na face lateral da F1 do 3.º dedo.  (…)

No hábito interno:

Cabeça: Partes Moles: com infiltração sanguínea da face interna do couro cabeludo e aponevrose epicarinana ao nível da região frontal direita, em correspondência. (…)

Fossas nasais, seios maxilares, frontais e esfenoidais: presença de sangue na cabidade bucal (…);

Pescoço: Tecido celular subcutâneo: soluções de continuidade com infiltração sanguínea escassa ao nível da face posterior direita do pescoço, sem atingimento dos planos musculares; Músculos: infiltração sanguínea ao nível da metade inferior da face anterior e da face posterior do músculo esternocleidomastoideu esquerdo; infiltração sanguínea da face posterior do músculo esternoicleidomastoideu direito; infiltração sanguínea do ventre inferior do músculo omohioideu;

Vasos e nervos: solução de continuidade arredondada, de bordos infiltrados de sangue, ao nível do terço superior da veia jugular direita em correspondência com a solução de continuidade descrita na face anterior direita do pescoço; (…)

Laringe e traqueia: presença de espuma arejada; (…)

Faringe e esófago: presença de sangue vestigial.

Tórax: Paredes: soluções de continuidade, com infiltração sanguínea dos tecidos moles em correspondência com 3 soluções de continuidade para esternais esquerdas e 1 solução de continuidade localizada perto da linha axilar anterior; 2 soluções de continuidade, com infiltração sanguínea dos tecidos moles adjacentes, em correspondência com 2 soluções de continuidade descritas no hemitórax direito; (…)

Clavícula, Cartilagens e Costelas Direitas: fratura, de topos ósseos infiltrados de sangue, da 7.ª à 9.ª costelas direitas, pelo arco lateral; soluções de continuidade, com infiltração sanguínea adjacente, ao nível do arco anterior do primeiro espaço intercostal e do arco anterior do terceiro espaço intercostal, em correspondência com as descritas nas paredes do tórax;

Clavícula, Cartilagens e Costelas Esquerdas: sem alteração da estrutura dos arcos costais, sem sinais de lesões traumáticas; soluções de continuidade, com infiltração sanguínea adjacente, ao nível do arco anterior do primeiro espaço intercostal, do arco anterior do segundo espaço intercostal e do arco anterior do terceiro espaço intercostal (2 lesões), em correspondência com as descritas nas paredes do toráx;

Pericárdio e cavidade pericárdica: 3 soluções de continuidade, de bordos infiltrados de sangue, em correspondência com as lesões descritas na face posterior do lobo superior do pulmão esquerdo, ao nível da sua face esquerda; 2 soluções de continuidade, de bordos infiltrados de sangue, ao nível da face posterior do pericárdio, em correspondência com as lesões da face lateral esquerda do pericárdio; presença 50 centímetros cúbico de hemopericárdio; (…)

Artéria aorta: presença de duas soluções de continuidade, de bordos infiltrados de sangue, no terço médio da aorta torácica, em correspondência com as soluções de continuidade localizadas na face superior do pericárdio; (…)

Traqueia e brônquios: presença de espuma arejada;

Pleura parietal e cavidade pleural direita: 2 soluções de continuidade, com infiltração sanguínea adjacente, em correspondência com as soluções de continuidade descritas nos espaços intercostais direitos; presença de hemotórax vestigial;

Pleura parietal e cavidade pleural esquerda: 4 soluções de continuidade, com infiltração sanguínea adjacente, em correspondência com as soluções de continuidade descritas nos espaços intercostais esquerdos; presença de 1300 centrímetros cúbicos de hemotórax;

Pulmão direito e pleura visceral: ligeiramente atelectasiado; superfície pulmonar ligeiramente pálida com duas soluções de continuidade, na face anterior do lobo superior, com infiltração sanguínea adjacente, em correspondência com as soluções de continuidade descritas na pleura parietal; de coloração mais escura nas bases – hipóstase visceral, com pigmentação antracótica dispersa e petéquias subpleurais intercisurais dispersas; difusamente hipocrepitante, de aspeto elástico e edemaciado; com ligeira congestão do parênquima, na superfície das secções de corte, mais nas posteriores (…);

Pulmão esquerdo e pleura visceral: ligeiramente atelectasiado; superfície pulmonar ligeiramente pálida com 4 soluções de continuidade, na face anterior do lobo superior (em correspondência com as soluções de continuidade descritas na pleura parietal) e 3 soluções de continuidade na face posterior do lobo superior (em correspondência com as descritas na face anterior) com infiltração sanguínea adjacente; de coloração mais escura nas bases – hipóstase visceral, com pigmentação antracótica dispersa e petéquias subpleurais intercisurais dispersas; difusamente hipocrepitante, de aspeto elástico e edemaciado; com ligeira congestão do parênquima, na superfície das secções de corte, mais nas posteriores. (…)

Membros: (…) Membro superior esquerdo: as soluções de continuidade localizada no braço e antebraço atingem a hipoderme não se observando infiltração sanguínea do músculo adjacente. (…)”.

13. As lesões provocadas com o objeto perfuro contundente na face lateral direita do pescoço [que atingiu a jugular] e no hemitórax esquerdo e direito [que atingiram a artéria aorta e os pulmões], bem como e a compressão extrínseca do pescoço foram causa direta e necessária da morte de DD.

14. Apercebendo-se que a DD se encontrava sem vida e ensanguentada em cima da cama o arguido tapou-a com as mantas da referida cama, e formulou o propósito de se fazer seus o objeto referido em 7., o telemóvel e as chaves de casa da DD, para impedir que o relacionassem com a morte daquela.

15. Para o efeito, o arguido pegou no referido objeto, no telemóvel da DD, da marca «Huawei», modelo «Mate20 Lite», com o IMEI ............809 e num porta-chaves com as chaves de casa daquela e, de seguida, abandonou a residência levando consigo tais objetos, de valor não concretamente apurado.

16. De seguida o arguido retirou o cartão do interior do telefone da DD e deitou fora o objeto perfuro contundente, o telefone, o cartão e as chaves de casa daquela.

17. O telemóvel e as chaves de casa de DD vieram a ser recuperados no mesmo dia, pelas 17h45, num caixote do lixo situado junto da casa do arguido, local que o mesmo indicou.

18. DD foi encontrada pela filha BB, pelas 11h40, quando esta chegou a casa da escola.

19. Ao agir da forma descrita nos pontos 8. a 11. dos factos provados, o arguido sabia que estava a atuar sobre a pessoa com quem mantinha uma relação afetiva e quis desferir golpes com um objeto perfuro contundente em zonas do corpo da mesma que, se perfuradas, sofreriam lesões idóneas a provocar-lhes a morte – pescoço e toráx-, e ainda apertar-lhe o pescoço com as mãos até a asfixiar, propósito que logrou alcançar.

20. O arguido sabia que o objeto perfuro contundente, o telemóvel e as chaves da DD não lhe pertenciam e que deles se apoderava, contra a vontade da respetiva proprietária.

21. O arguido agiu em todas as situações deliberada, livre e conscientemente, sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei, com o propósito concretizado de tirar a vida a DD com que mantinha uma relação amorosa; e posteriormente, com o propósito concretizado de fazer seus os bens desta.

Do pedido de indemnização civil

22. BB e CC viveram com a mãe desde o seu nascimento.

23. A BB encontrou a mãe morta, o que a deixou horrorizada, em pânico, e lhe provocou intenso sofrimento que ainda hoje a atormenta, recordando permanentemente, a imagem da mãe no estado em que a encontrou.

24. Ao saber da morte da mãe, o CC ficou em pânico e sentiu uma dor profunda e prolongada, revelando dificuldade em processar e aceitar o sucedido.

25. Ainda hoje o CC sente a falta da mãe e todos os dias se lembra dela.

26. Era a falecida DD quem cuidava diariamente da BB e do CC, quem lhes tratava das roupas, os acordava para irem para a escola, quem tratava de todos os seus assuntos, os acarinhava todos os dias, os compreendia nas suas dificuldades da vida e providenciava por todas as suas necessidades.

27. Em virtude do óbito da mãe, a BB e o CC tiveram de ir viver para França, país onde o pai vivia e que não conheciam.

28. A BB e o CC tiveram de se adaptar a um meio diferente, a um novo país, a uma nova escola e a novos amigos, sempre com a recordação da mãe.

29. Em virtude da deslocação para França a BB e o CC tiveram de repetir os respetivos anos escolares em que se encontravam, designadamente o 10.º e 3.º ano de escolaridade.

30. Em virtude do óbito da mãe, a BB e o CC ficaram privados do carinho e apoio desta, que muito os estimava e era por eles retribuída.

31. Antes do óbito da mãe, a BB e o CC eram alegres e extrovertidos e depois do óbito da mãe passaram a manifestar-se mais tristes e acabrunhados.

32. A falecida DD pagava todas as despesas da vida corrente e escolares dos filhos e iria continuar a fazê-lo até ao fim dos seus estudos, sendo previsível que os mesmos viessem a concluir a sua formação em Portugal.

33. A falecida DD auferia € 650,00 mensais.

34. Cerca de metade do seu rendimento era afeto às despesas com os dois filhos.

35. Após o óbito da mãe, os demandantes contam apenas com o apoio económico do pai.

36. DD tinha 38 anos à data do óbito e era solteira.

37. Era uma pessoa alegre e jovial, socialmente enquadrada e que trabalhava diariamente para ganhar o seu sustento e dos seus filhos.

38. Em face das lesões descritas nos pontos 8. a 12. dos factos provados DD sentiu dor física intensa e forte angústia no momento prévio à sua morte.

Das condições pessoais do arguido

39. AA, de 45 anos de idade, provém de agregado familiar constituído por cinco elementos, sendo o 2º filho de uma fratria de três (duas irmãs) e inscrito num estrato socioeconómico e cultural modesto, sendo o pai pescador e a mãe indiferenciada no setor hoteleiro.

40. Durante o seu processo de crescimento o arguido usufruiu de um ambiente familiar estável e coeso, num modelo sócio educativo de cariz tradicional, mas afetuoso e assente em valores de solidariedade, partilha e responsabilidade.

41. Em termos escolares, AA foi um aluno regular, sem registo de problemas significativos de aprendizagem e /ou comportamentais.

42. Contudo, o arguido viria a abandonar os estudos sem ter concluído o 9º ano de escolaridade por fatores de ordem motivacional, mas também por algumas necessidades pessoal de autonomização económica.

43. O arguido integrou o mercado de trabalho, inicialmente como indiferenciado no ramo da construção, primacialmente a título de empreitadas e quase sempre sem vínculos contratuais permanentes, atividade que nos últimos anos e após a crise do setor, intercalava com a atividade piscatória, estando habilitado ao exercício desta desde 18/10/2010.

44. Neste contexto o arguido protagonizou um percurso sócio laboral relativamente contínuo, mas pontuado por alguma instabilidade nos últimos anos, com consequentes prejuízos da sua autonomia, nomeadamente habitacional, dependendo a este nível do agregado de origem.

45. Revela dificuldades de relacionamento interpessoal com colegas e patrões e recorrentes períodos de inatividade.

46. Em termos afetivos e após vários relacionamentos de cariz amoroso de curta duração e/ou ocasionais, aos 26 anos o arguido estabeleceu uma primeira relação marital com companheira alguns anos mais nova, que viria a perdurar durante cerca de 13 anos, pautado por períodos de separação e reconciliação, tendo o casal coabitado maioritariamente junto do agregado familiar da companheira (pais e avós desta), com exceção de um período de cerca de um ano em que se autonomizaram em termos habitacionais.

47. Deste relacionamento o arguido tem uma filha atualmente com 22 anos de idade.

48. Na génese da separação conjugal esteve um crescente desgaste relacional/afetivo, associado pelo próprio ao ciúme da companheira, sentimento que assume como normal num relacionamento, associado primacialmente a uma sua recorrente ausência do habitat familiar, por contraponto ao convívio quotidiano com o seu grupo de pares.

49. Após a separação, verificou-se uma crescente tensão relacional entre o arguido e a ex-companheira relativa à partilha de responsabilidades parentais da então descendente menor, que resultou num progressivo afastamento mútuo, mas também com os familiares de origem, tanto mais agravado, com a presente situação jurídico-penal, tendo o arguido deixado de ter contacto com a filha.

50. Em 2012 o arguido estabeleceu uma segunda relação marital com GG de cidadania ucraniana, tendo o casal residido durante cerca de um ano, autonomamente em apartamento arrendado, após que, por fatores da instabilidade laboral do arguido, e consequentes dificuldades económicas, o casal e a filha menor, atualmente com cinco anos de idade passaram a residir junto do agregado de origem daquele.

51. Na génese da separação em 2017 esteve, segundo o arguido, desgaste da relação e uma separação mutuamente consensual atribuindo uma relação extra marital à companheira, e segundo esta, por abandono da própria do habitat familiar motivada por desinvestimento da vida familiar, por contraponto ao convívio com os amigos e nos últimos anos, por uma dinâmica relacional disfuncional, pautada por um clima de forte tensão/pressão conjugal centrada primacialmente em exacerbados sentimentos de ciúme e de posse do arguido com controle/vigilância e limitação da sua liberdade, a par da desvalorização da sua imagem, minando a sua autoestima, embora para o exterior e para a família transmitissem uma imagem de harmonia.

52. O arguido mantém fortes laços de proximidade e pertença com a família de origem, revelando dependência desta no que à resolução de problemas da vida concerne.

53. Em 2018 o arguido iniciou uma relação de cariz amoroso sexual com a vítima DD que perdurou, segundo o mesmo, cerca de um ano e sem vivência conjunta.

54. O arguido caracteriza a relação com a vítima como precocemente instável face à alegada forte personalidade da vitima e aos ciúmes mútuos que considera normal numa relação, sem contudo ser obsessivo, mas que e a par da não-aceitação da relação, por parte da filha e de outros familiares da vitima, terão levado á rutura da relação e ao seu afastamento, em dezembro de 2019.

55. À data dos factos subjacentes ao processo o arguido continuava integrado no seu agregado de origem, na habitação propriedade dos pais, reportada a casa tipo moradia de dois pisos, descrita como detentora de adequadas condições de habitabilidade.

56. O arguido é referenciado pelos familiares próximos (mãe e irmãs) como individuo cordato, equilibrado, bem-humorado e cuidador, tendo, contudo, como marcada característica, a auto-afirmação e a frontalidade, o que de alguma forma poderá indiciar intolerância em relação a pontos de vista diferentes do seu e dificuldades de reação à frustração.

57. No contexto familiar os acontecimentos subjacentes ao processo são percecionados como surpreendentes e incompreensíveis e vivenciados de forma dolorosa pelos, dada a ausência de proximidade com a vítima e de quaisquer relatos do arguido sobre a mesma,

58. Em termos laborais e à data dos fatos, o arguido mantinha atividade piscatória com alegada proposta inclusivamente de vir a realizar trabalhos de construção para a vítima, movimentando-se num quadro económico relativamente estável e passível de assegurar as despesas pessoais.

59. Ao nível emocional o arguido denota sinais de acentuada tensão situacional, expressando mal-estar psicológico face à situação em que se encontra, refutando, contudo, eventual recurso terapêutico.

60. Ainda neste contexto, o arguido adapta o seu discurso ao interlocutor, tendendo a evitar questões de ordem mais interna/subjetivas que de alguma forma possam prejudicar negativamente a sua imagem, manifestamente sobrevalorizada pelo próprio, denotando dificuldades em termos da expressão de desejos/sentimentos e necessidades, características que sendo minimizadas na esfera familiar e de amizade, são inibidoras do relacionamento de proximidade com o outro.

61. Em termos da sua inserção sócio comunitária o arguido surge aparentemente bem referenciado, sendo descrito como uma pessoa cordata e bem humorada e com elevada auto estima, bem como detentor de um consistente grupo de amigos, assumindo estes, em detrimento do seu grupo familiar, um papel preponderante na ocupação de tempos livres e atividades de lazer, nomeadamente como jogador de snooker.

62. Face à situação jurídico-penal, o arguido verbaliza acentuado mal-estar psicológico, pelas consequências do ponto de vista da vítima e dos filhos menores da mesma, denotando, contudo, primacial pesar quanto às consequências para o próprio, em termos da privação de liberdade

63. O arguido assume com facilidade uma postura de censura pessoal relativamente aos factos em causa, elevando o valor da vida humana e a sua não sujeição a querelas particulares, mas, por outro lado, tende a racionalizar o seu comportamento e a minimizar a culpa imputando à vitima alguma responsabilidade pelo seu descontrolo, nomeadamente comportamento ofensivo à sua pessoa e à sua integridade física.

64. Em contexto prisional, não obstante ter vindo a protagonizar comportamento adequado às regras institucionais, foi recentemente alvo de instauração de processo disciplinar por ofensa à integridade física de outro recluso.

65. Familiares e amigos tendem a assumir uma postura de censurabilidade e de alguma incompreensão pelo comportamento do arguido, verbalizando, contudo, disponibilidade pela manutenção do apoio que têm vindo a prestar em meio institucional.

66. O arguido revela um carácter de base paranoide, marcado pela desconfiança, sentimentos de perseguição e conceito grandioso de si próprio, bem como características de personalidade do tipo anti-social/psicopático marcados pela ausência de resposta emocional profunda, dificuldade em apreender com a experiência, egocentrismo e desprezo pelas normas e costumes sociais.

67. À data dos factos o arguido não padecia de qualquer anomalia psíquica.

68. O arguido não tem antecedentes criminais.

E os seguintes factos não provados:

1. Que o arguido e DD eram conhecidos desde há vários anos.

2. Que em janeiro de 2019 a DD fez crer aos filhos que havia terminado a relação com o arguido.

3. Que os ciúmes que motivaram a discussão mencionada no ponto 6. dos factos provados fossem mútuos.

4. Que, antes de produzir as lesões mencionadas nos pontos 10.1 e 10.2 dos factos provados, o arguido imobilizou DD, agarrando-a com força por ambos os braços, na cama.

5. Que, as lesões mencionadas no ponto 10.2 dos factos provados foram produzidas com murros.

6. Que a fratura das costelas referida no ponto 10.2 dos factos provados tenha atingido o pulmão da DD, lacerando-o.

7. Que os golpes descritos no ponto 9. dos factos provados foram produzidos quando a DD se encontrava inanimada.

8. Que, depois de se aperceber que a DD estava sem vida, o arguido manuseou um palito de cor branca que atirou para o chão sobre o tapete que estava à entrada do quarto da vítima.

9. Que o arguido tenha formulado o propósito de se apoderar de bens pessoais da DD para satisfazer a sua curiosidade sobre a vida reservada desta.

10. Que o arguido, pelas 11h15, tenha percorrido a casa da DD e apoderou-se da carteira desta contendo os seus documentos pessoais.

11. Que o arguido se muniu previamente do objeto perfuro contundente.

2. o direito:

a) poderes de cognição do STJ:

Parte extensa da argumentação do recorrente vem direcionada a “contestar” facticidade fixada pelas instâncias. Desde a intenção de matar, ao golpear a vítima quando já estava morta, às razões do crime, à sua postura processual, aos ferimentos que apresentou e às suas condições sociais.

Não deveria desconsiderar que o recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, visa exclusivamente matéria de direito. Não pode, pois, o recurso fundar-se na pretensão de reapreciação da matéria de facto que as instâncias decidiram julgar assente e/ou não provada, nem mesmo através da invocação dos vícios “lógicos” enunciados no art.º 410º n.º 2 do CPP.

No nosso regime processual penal, o Supremo Tribunal de Justiça funciona, em sede de recurso, como tribunal de revista, com poderes limitados ao reexame das questões de direito, estando-lhe vedado sindicar a valoração probatória e alterar o julgamento da facticidade, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos erros-vício da decisão, conforme estabelece o art. 434º do CPP. Também em consonância com a jurisprudência fixada no AUJ n.º 7/95, com o seguinte sentido: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” – contanto resultem do texto da própria decisão sob sindicância, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. Podendo, então, repará-los ou, não sendo possível (quando não tiver matéria de facto suficiente para a decisão de direito), reenviar o processo para novo julgamento.

Motivando o decidido, sustentou-se no citado AUJ: “a própria natureza intrínseca do julgamento de direito em matéria criminal impõe a necessidade de se proceder oficiosamente à análise da matéria de facto (ainda que com observância dos condicionalismos impostos pela lei processual), mesmo que o recurso seja limitado à matéria de direito, (…).

Assim, ainda que os sujeitos processuais circunscrevam o objeto do recurso à matéria de direito, nada impede o STJ de, “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto[1], verificar se a decisão recorrida enferma de nulidades insanáveis ou dos erros-vício previstos no art.º 410º n.º 2 do CPP e extrair as consequências jurídico-processuais correspondentes, de modo a assegurar que o ato jurídico de prolação da justiça no caso concreto – a sentença ou acórdão -, se obtém através de um procedimento e de um julgamento que observa escrupulosamente as regras adjetivas aplicáveis. E, especificamente no que à prova respeita, verificar se esta foi apreciada e valorada, mediante submissão a raciocínios lógicos, às regras da experiência comum e à normalidade dos acontecimentos da vida e, quando for o caso, também aos cânones ou legis artis da técnica, ou da ciência que houver de convocar em razão das particularidades do acontecimento da vida que estiver sub judicio.

Todavia, ao verificar da existência dos referidos vícios, o STJ não reaprecia as provas em si mesmas. Não sobrepõe a sua convicção à das instâncias. Limita-se a constatar não ser possível decidir corretamente a questão de direito que lhe foi submetida, por a matéria de facto provada se revelar ostensivamente insuficiente, por se fundar em notório erro de apreciação das provas à luz daquelas regras ou ainda por assentar em premissas que se mostram ilógicas ou contraditórias[2].

Mas, como é jurisprudência deste Supremo Tribunal (e secção), podendo conhecer dos erros-vício da decisão, já não lhe é permitido supri-los quando contendam com a alteração essencial da matéria de facto. Competência que está atribuída às instâncias.

Excurso propositado que serve para adiantar que, no caso, a decisão das instâncias em matéria de facto dos pontos 7 e 8 da facticidade assente, - parte na qual se fundou não somente a alteração da qualificação jurídica decretada no acórdão recorrido como também, em manifesta violação da proibição da dupla valoração, a pena judicial aplicada ao arguido -, está viciada por patente erro notório na apreciação da prova, evidenciado pelo texto do acórdão recorrido, em si, mas também pela confrontação das respetivas motivações com as leis da física, a racionalidade lógica, a normalidade dos acontecimentos da vida e as máximas da experiência.

Vejamos onde e porquê

b) erro notório na apreciação da prova:

Em primeiro lugar, situemo-nos na definição do erro-vício mais frequentemente detetado nas decisões judiciais em matéria de facto. Na ausência de uma definição fornecida pelo legislador, socorremos do labor da jurisprudência.

Assim, a condenação ou absolvição assente em factos ilógicos ou desconformes com a normalidade dos acontecimentos da vida em iguais circunstâncias ou contrários às regras da experiência ou que não se atêm às leis da ciência, por mais que se encontrem escorados em provas pessoais, em versões mais ou menos construídas, ensaiadas e reproduzidas, jamais pode convencer de que se está perante uma decisão materialmente justa, que garanta o direito à segurança dos cidadãos e a espectativa comunitária da realização do direito e da justiça em cada caso.

Ante a indesmentível falibilidade de algumas provas, mormente das provas pessoais, influenciadas, mais ou menos tendenciosamente, pela intervenção ou perceção do acontecimento da vida, mas sobremaneira pela vontade ou pela capacidade de o reproduzir tão verídica e fielmente quanto vivido ou observado, exige-se ao tribunal criterioso, cuidado e nos extremos, estrito e fundamentado exame crítico – cfr. art. 374º n.º 2 do CPP.

Examinar criticamente a prova consiste em analisá-la e discernir, desde logo, da sua coerência intrínseca, através da respetiva racionalidade lógica, mas, sobremaneira, no confronto com as demais provas. O critério do exame é pautado pelas leis da ciência, os conhecimentos da técnica e da arte e, onde estas não intervêm, pelas máximas da experiência comum.

As regras da experiência são o padrão de conhecimentos comummente aceite, resultante da observação empírica de muitos e repetidos acontecimentos e comportamentos das coisas e da vivência humana. Na expressão, ao mesmo tempo sintética e compreensiva de Vaz Serra, são as “regras deduzidas da experiência de vida[3]. Segundo Henriques Gaspar são os “feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos”. “Na dimensão valorativa das “regras da experiência comum” situam-se as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidade ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência de vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta” Ac. STJ de 6/10/2010, 3ª sec.ª[4]. Segundo M. Cavaleiro de Ferreira, “representam a estratificação de conhecimento empírico obtido através de séculos[5] de observação das coisas, das pessoas e dos acontecimentos. Não são arbitrárias.

Certamente que muito, muito raramente esse padrão pode não se verificar num determinado caso. Quando assim seja, é absolutamente indispensável demonstrar, exaustiva e compreensivamente, onde, como, porquê e com que resultado o acontecimento ou comportamento se desviou da regra da experiência comum. Exemplificando: é da mais elementar experiência comum que o quarto do casal, em apartamento de habitação familiar, a existir, não têm paredes transparentes. Dispensando-nos de esmiuçar as razões, porque bem óbvias. Claro que não é de todo impossível que tal não possa ocorrer, que alguma família, à margem do padrão da normalidade, modifique as paredes interiores da habitação, regra geral de materiais opacos (alvenaria, madeira, etc.) para paredes de vidro transparente. Quando assim suceder, pela raridade e anormalidade relativamente ao que é massivamente comum ao longo de séculos, haverá de comprovar-se inequivocamente.  Sem comprovação, funciona o critério valorativo da correspondente máxima da expediência, impondo-se assentar que as paredes do referido quarto não são transparentes. E, não o sendo, não pode afirmar-se que alguém do quarto outrem deslocar-se à cozinha e aí apanhar um qualquer objeto ou instrumento.

A decisão de julgar provado um acontecimento da vida na convicção de que foi demonstrado por uma versão que é manifestamente ilógica, contrariada pelas regras da física e ao mesmo tempo pelas máximas da experiência, padece do vício que o legislador consagrou no art.º 410º n.º 2 al.ª c) do CPP.  Este é, como os demais aí previstos, um defeito da decisão em matéria de facto. Não devendo confundir-se nem com a errada aplicação do direito aos factos, nem com a escassez da prova para suportar o julgado. A sua deteção ou verificação não permite o recurso a elementos externos ao texto da decisão recorrida. Não assim, evidentemente, ao que constar da motivação do julgamento da matéria de facto. Se é certo que um determinado facto ou acontecimento da vida, simplesmente pelo modo como vem narrado, pode apresentar-se visivelmente irracional, notoriamente impossível, manifestamente desconforme às regras da experiência comum, todavia, mais comumente o erro notório na apreciação da prova deteta-se pela motivação do julgamento da facticidade, designadamente pelo exame critico dos elementos de prova.  

Como sustenta Pereira Madeira, no erro notório “estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta.

Porém, a ser assim, com um alcance tão restrito, o preceito acabaria por perder grande parte do seu interesse prático, acabando afinal por deixar encobertas situações de erro clamoroso, ainda que porventura não acessíveis ao cidadão comum. Impor-se-à, assim, uma leitura algo mais abrangente que não acoberte situações de julgamento erróneo (…) que numa visão jurídica consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista e, naturalmente, ao tribunal de recurso, assegurar sem margem para dúvidas que a prova foi erroneamente apreciada. Certo que o erro tem de ser «notório». Mas basta para assegurar essa notoriedade que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha de ser devidamente escrutinada (…) e sopesada à luz das regras da experiência, Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que a sua existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem.[6]

Numerosa jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a definir e, consequentemente, delimitar o vício do erro notório na apreciação da prova.

No entendimento adotado no Ac. de 6/12/2018trata-se de um vício caracterizado por uma incompatibilidade evidente e manifesta entre o facto e a realidade, vício de tal modo patente, ostensivo ou clamoroso, que não escapa à observação de um homem de formação média, de tal forma que resulte para o tribunal de recurso que a prova foi mal apreciada[7].

No entendimento do Ac. de 25/10/2018consiste em chegar, em matéria de facto, a uma conclusão que logo se vê que não pode ser, designadamente por contender com as regras de experiência comum[8].

De acordo com o expendido no Ac. de 20/09/2017 “verifica-se quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo, atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio[9].

Na conceção adotada no Ac. de 7/06/2017é caracterizado por uma incompatibilidade evidente e manifesta entre o facto e a realidade, de tal forma que para o tribunal resulte, sem margem para dúvidas, que a prova foi mal apreciada[10].

Na definição do Ac. de 12/03/2015, “o erro notório da apreciação da prova supõe factualidade contrária à lógica e às regras da experiência comum, detetável por qualquer cidadão de formação cultural média[11].

Na definição do Ac. de 12/03/2015ocorre quando se retira de um facto dado como provado, algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou, quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, notoriamente violadora das regras da experiência comum e da lógica, que ressalta à vista de qualquer pessoa de formação média[12].

Para o Ac. de 04-07-2013, “comporta a uma definição que se não se afasta do facto notório, da notoriedade relevante no direito, enquanto realidade de todos conhecida e por isso não carente de alegação e prova, impondo-se ao julgador, (…) sempre que se dê como assente algo que forçosamente, não podia ter ocorrido, que a lógica comum repudia, de tão evidente que assim é, percetível pelo cidadão comum, sem formação qualificada, a uma análise perfunctória, sem esforço.

É prefigurável quando se depara ter sido usado um processo racional, mas retirando-se de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária, absurda; a prova produzida não pode, sob pena de atropelo das mais elementares regras da lógica, conduzir ao resultado factual assente, mercê de uma incongruência lógica, ela também, ofensiva de princípios ou leis formuladas cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas[13].

Num esforço de pautar os elementos que deverão informar a apreciação, em cada caso, sobre a ocorrência do vício do erro notório, das “distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorreta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio”, expende-se no Ac. de 9/02/2005 deste Supremo Tribunal que “a incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projeções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum".

Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da direta e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta”.

E mais adiante: “Não basta, porém, que numa dada situação se verifique que os factos, considerados na singularidade das suas correlações imediatamente físicas e naturais, e no domínio da possibilidade material ou das projeções de vontade, poderiam não suscitar reparos.

Esta verificação não é bastante para afirmar a integridade do processo racional e lógico de formação da convicção sobre os factos e, por conseguinte, também da inexistência de «erro» na apreciação da prova.

Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.

Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova diretos, são os procedimentos lógicos para prova indireta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.

“A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros”[14]. Também no Ac. STJ de 19.07.2006, se sustentou que “o vício do erro notório na apreciação da prova consubstancia-se na incorrecção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova (…)”.

Definidos acima os termos, vejamos onde e porque é que a decisão das instâncias (salienta-se que o Tribunal da Relação reapreciou a decisão em matéria de facto e, entre outros, alterou a facticidade vertida no ponto 7) está viciada por erro notório na apreciação da prova, conforme se adiantou.

c) o in dúbio pro reo:

Resulta da motivação da decisão em matéria de facto que as instâncias, entendendo não haver outras provas (pessoais), socorreram-se do princípio in dubio pro reo, para validar a versão do arguido sobre a dinâmica do acontecimento, julgando provados os factos correspondentes, não obstante ter variado da primeira para a segunda (declaração), a ponto tal que “a versão apresentada pelo arguido em sede de instrução não merece[u] qualquer credibilidade para o Tribunal, nem para o próprio arguido que em audiência de julgamento optou por referir não ter memória” - cfr análise e avaliação crítica da 1ª instância. 

Apelo, desde logo, não amparado pelo aludido princípio de valoração probatória, que não pode servir de desculpa para o tribunal se eximir de proceder ao devido exame crítico das declarações do arguido, para constatar se a sua versão do acontecimento é ou não consistente, se se apresenta ou não logicamente coerente, mas também e, necessariamente, se resiste ao confronto com as demais provas, especialmente as provas físicas ou ditas reais e submeter, uma e as outras, ao padrão legalmente firmado – cfr art. 127º n.º 1 do CPP -, que não é outro, - mas, em qualquer caso incontornável -, que os ditames das leis da ciência e as máximas da experiência – vd supra. O tribunal não pode firmar, acriticamente, uma qualquer verdade prática somente porque se apresenta favorável ao arguido. Dito de outra maneira, o tribunal não deve afirmar a prova positiva da inocência do arguido somente porque esta assim se declara. Objeto do processo penal é tão-somente averiguar e decidir se o arguido cometeu os factos imputados e, por isso, deve punir-se. Não existe uma ação ou reconvenção em processo penal destinada a certificar uma contra-narrativa dos mesmos factos. Da não prova da facticidade acusada ou da não responsabilidade do arguido decorre, necessariamente a sua absolvição. O arguido não carece de provar, positivamente, que não cometeu os factos ou de que por eles não é responsável. Pode tê-los praticado e mesmo assim ser absolvido em razão do princípio in dubio pro reo, o que sucederá sempre que o tribunal não se convencer, razoavelmente, da verdade dos factos imputados e da responsabilidade do acusado.

Conforme este Supremo Tribunal tem reiterado, o in dubio pro reo é um princípio processual penal circunscrito à mateira de facto[15]. Decorre do non liquet.

No Ac. n.º 391/2015 do Tribunal Constitucional expende-se: “Da consagração constitucional do princípio da presunção de inocência decorre que o processo penal tem de ser estruturado de forma a assegurar todas as garantias de defesa do arguido, tido à partida como inocente, por não haver qualquer fundamento para que aquele não se considere como tal enquanto não for julgado culpado por sentença transitada em julgado. Em matéria de prova, este princípio é identificado por muitos autores com o princípio in dubio pro reo, o qual se traduz numa imposição dirigida ao julgador no sentido de que qualquer situação de dúvida a respeito dos factos relevantes para a decisão da causa ou da culpabilidade do arguido deve ser valorada a favor deste, resolvendo-se desta forma os casos de non liquet em matéria de prova (sobre as diferentes opiniões defendidas na doutrina acerca das relações entre o princípio da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, cfr. Helena Magalhães Bolina, «Razão de ser, significado e consequências do princípio da presunção da inocência (art. 32.º, n.º 2, da CRP»), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXX, Coimbra, 1994, págs. 440-442). No entanto, mesmo a nível probatório, ele tem um sentido e alcance mais amplos que o princípio in dubio pro reo, como explica Helena Magalhães Bolina (cit., págs. 443-446):

«O princípio in dubio pro reo só se aplica no caso de surgir a dúvida quanto à apreciação da matéria de facto. O princípio da presunção de inocência, atento o objetivo que visa atingir, intervém em momento anterior, condicionando o surgimento dessa dúvida, impondo-o em todas as situações em que, à luz da verdade material, a culpabilidade do arguido não possa considerar-se afirmada com certeza.

A dúvida é, assim, por imposição do princípio de presunção de inocência, uma dúvida legal: uma dúvida que deve surgir em determinadas circunstâncias e constitui também matéria de direito, não só a questão de saber se a dúvida surgida na apreciação da prova foi resolvida favoravelmente ao arguido – caso em que se está perante a verificação do respeito do princípio in dubio pro reo –, mas também se, em face da prova produzida, a dúvida surgiu quando devia, ou, noutra perspetiva, se o juízo de certeza foi bem fundado. Nesse caso, o princípio cujo respeito se avalia é, não já o in dubio pro reo, mas, mais rigorosamente, o princípio da presunção de inocência.

O princípio da presunção de inocência distingue-se, assim, do princípio in dubio pro reo, não só pela sua relevância no tratamento do arguido ao longo de todo o processo e pelo seu reflexo extraprocessual como critério dirigido ao legislador ordinário, mas também, em sede de prova, impondo que a dúvida surja em determinadas circunstâncias, assim possibilitando, em momento lógico posterior, a aplicação do princípio in dubio pro reo».

Num processo de estrutura essencialmente acusatória, o objeto do processo penal é definido e delimitado pela acusação e/ou pela pronúncia. Ao Ministério Público e/ou ao assistente compete demonstrar em julgamento que o arguido cometeu os factos que lhe imputam e que pelos mesmos deve ser punido. O arguido não carece de alegar nem tem de provar que não cometeu os factos nem a sua irresponsabilidade porque se presume inocente até prova do contrário - art. 32º n.º 2 da Constituição da República; art. 6º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; e art. 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Se a acusação não demonstra, através das provas produzidas em audiência (ou que, submetidas ao contraditório, possam valorar-se, validamente, em julgamento) os factos imputados ao arguido, não logrando criar no tribunal a convicção, fundamentada, da sua verdade prática, impõe-se julgar não provada, - em parte ou na totalidade -, a facticidade pela qual o arguido vinha acusado e/ou pronunciado. Sublinha-se, julgar não provados os factos, porque a não prova dos factos que lhe são imputados sempre o favorece. Com isso se basta o princípio processual penal em apreço. Não obriga a mais.  Não impede que se demonstre em audiência e, consequentemente, que o tribunal julgue não provada a narrativa da dinâmica do mesmo acontecimento apresentada pela acusação e se julgue assente outra que não altere substancialmente o objeto do processo penal.

O arguido pode e, querendo, deve defender-se da acusação, nomeadamente infirmando ou negando a narrativa da facticidade imputada, ou alegando outros factos ou dados que excluam ou diminuam a sua responsabilidade ou influam na espécie e medida das consequências jurídicas. Se o tribunal não se convencer que a versão alternativa do arguido sobre os factos não corresponde à verdade prática, designadamente por se apresentar incoerente, desconforme com a racionalidade lógica e as máximas da experiência ou é contrariada pelas leis da ciência, mesmo que não tenham sido produzidas, por inexistirem, outras provas pessoais que a desmintam, não deve o tribunal julgar provada a facticidade que o mesmo alegada ou declara, somente porque lhe é favorável. As regras adjetivas de produção, exame crítico e valoração da prova apresentada pela defesa são as mesmas, iguais para todos os sujeitos processuais. O legislador processual penal não estabeleceu um regime especial para a demonstração dos factos alegados pelo arguido em sua defesa. A regra legal para que o tribunal possa-deva julgar provados os factos é uma só, com o mesmo padrão e igual grau de exigência – cfr art. 127º n.º 1 do CPP – independentemente de ser arrolada pela acusação, pela defesa, pelos demandantes ou pelos demandados ou produzida por determinação do tribunal.

Demonstrando-se que os factos imputados, constitutivos do crimes não ocorreram, ou, comprovando-se o crime, todavia o acusado (ou pronunciado) não é o seu autor, ou que não agiu com culpa (por o tipo de ilícito exigir uma modalidade que não se verifica ou porque se constata a existência de uma causa de justificação ou causa de desculpa), a absolvição decorre da não prova da verificação do facto criminalmente punível ou da não prova da responsabilidade do arguido, não havendo, então, que convocar o princípio in dubio pro reo, porque verdadeiramente, nestas situações nenhuma dúvida existe. Do mesmo passo, se a acusação não produz qualquer prova ou a prova é manifestamente escassa, a absolvição decorre da ausência ou insuficiência de prova, isto é, da não demonstração dos factos e/ou de quem é o seu agente. Conforme se referiu, aquele princípio processual penal entra em funcionamento somente quando os elementos de prova produzidos em julgamento sustentam a probabilidade da veracidade da facticidade criminosa e da responsabilidade do arguido, mas não afastem dúvidas razoáveis sobre alguns pressupostos factuais essenciais para que seja condenado numa pena ou medida de segurança. Então, o tribunal, depois de valorados todos os elementos de prova produzidos, não tendo adquirido a convicção de certeza sobre a verdade prática - acima da dúvida razoável – para afirmar que o arguido cometeu os factos que se lhe imputam, ou que é pelos mesmo é criminalmente responsável, mas também não podendo excluir essa situação e não podendo abster-se de decidir, resta-lhe, em obediência ao princípio in dubio pro reo, julgar não provados os factos imputados ao arguido. Não se provando os factos da acusação – sem ou com dúvida -, o tribunal extrairá as correspondentes consequências decisórias. Que mais não são que julgar não provados os factos de que o tribunal não adquiriu a convicção de verdade prática.

O princípio in dubio pro reo é, pois, uma regra de valoração probatória dirigida ao tribunal do julgamento, que não o obriga a duvidar, nem a julgar provados factos irracionais, ilógicos, contrários às leis da ciência ou às máximas da experiência somente porque o arguido os alega e lhe são favoráveis. Julgar provado um facto somente porque mais favorável ao arguido, não cumpre com a exigência constitucional e legal de motivação efetiva, omitindo a valoração racional e crítica da prova, de acordo com as regras da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.

Neste conspecto, as instâncias incorreram em erro notório na apreciação da prova ao decidir julgar provados factos vertidos nos pontos 7 e 8, unicamente invocando como fundamento a favorabilidade ao arguido, socorrendo-se do princípio in dubio pro reo.

Abundante será ter de advertir que um qualquer acontecimento da vida é usualmente – e justamente - narrado na acusação ou pronúncia por um complexo de factos que encadeiam a respetiva dinâmica, circunstanciando-o no tempo, no espaço, nos motivos, no modo e meios de execução, na descrição dos instrumentos ou objetos utilizados, no resultado da ação ou omissão, na identificação e atuação dos intervenientes, etc. Frequentemente, em julgamento, alguns dos dados de facto que conformam a complexidade do acontecimento não logram obter demonstração e, consequentemente, resultam não provados. Todavia, não é por isso que o tribunal terá de absolver o acusado. A absolvição somente se impõe – então, necessariamente - quando os factos provados não preenchem todos os elementos constitutivos do tipo de crime imputado ou não se demonstra – sem ou com dúvidas - que o arguido os cometeu, a qualquer titulo.

d) pontos de facto provados por erro notório de julgamento:

A decisão das instâncias de julgar provados aqueles dois pontos da facticidade assente enferma de erro notório na apreciação da prova também pelas razões que passam a expor-se, especificadamente.

Nos pontos 7 e 8 da matéria de facto provada, as instâncias assentaram na seguinte facticidade (sublinhando-se a parte que consubstancia o vício detetado):

7. No decurso dessa discussão o arguido e a DD envolveram-se numa contenda física, a partir do momento em que a DD foi à cozinha e trouxe um objeto não concretamente apurado, mas constituído por um espigão perfurante com secção redonda (semelhante a um picador de gelo ou a um espeto), e com ele atingiu de forma superficial o arguido nas coxas e no braço esquerdo

8. Nesse momento, de forma não apurada o arguido conseguiu retirar o referido objeto das mãos da DD.

Mas vamos por partes, porque os dois pontos condensam vários e importantes factos, autonomizáveis, física e cronológica, na dinâmica do acontecimento sub judicio (que no acórdão recorrido se revelaram nucleares para desqualificar o homicídio).

i. as motivações da correspondente decisão:

No acórdão da 1ª instância, motivando a fixação daqueles factos – que se revelaram absolutamente nucleares para a decisão de direito proferida no acórdão recorrido -, expõe-se (sublinha para realçar):

Relativamente aos pontos 6 e 7 dos factos provados, foram consideradas essencialmente as declarações do arguido, que nesta parte foram consentâneas, quer em fase de instrução quer em fase de julgamento. Além disso, são corroboradas pelas fotografias de fls. 47 a 58, no que concerne às lesões que o arguido descreveu e que foram posteriormente confirmadas pelo relatório de enfermagem elaborado à entrada do estabelecimento prisional constante de fls. 939 a 941 e pela perícia de avaliação do dano corporal de fls. 1189 a 1191. Com efeito, nesta parte, nenhum elemento probatório permite contrariar a versão do arguido. O facto de a assistente BB e da testemunha HH afirmarem que não havia um picador de gelo em casa da falecida DD em nada prejudica a versão do arguido porquanto o objeto em causa nunca veio a ser localizado, podia não ser um picador de gelo e o desenho de fls. 38 elaborado pelo arguido não é de modo algum suficiente para que qualquer pessoa reconheça o objeto. Além disso, a testemunha HH não vivia com a irmã e, a assistente BB, face à idade, é natural que não estivesse atenta a esse tipo de objetos de cozinha. Por outro lado, mostra-se comprovado que o arguido sofreu lesões que são compatíveis com traumatismo de natureza perfuro-contundente, admitindo a perita médica Dra. FF, que fez a autópsia e o exame ao arguido, que pudessem ter sido feitas com o mesmo objeto com que a vítima foi agredida. Além disso, (…) considerando o perfil psicológico do arguido, traçado no exame pericial de psicologia junto aos autos, o relatado pelo arguido de certo modo explica a reação do mesmo. Em face do explanado foi considerado o ponto 11 dos factos não provados. (…). Por conseguinte, não havendo qualquer meio probatório que infirme a versão do arguido, devendo a dúvida ser valorada em seu benefício, deu-se por provada a versão por este apresentada.

Já não assim quanto aos pontos 8 a 11 dos factos provados.

Com efeito, a versão do arguido relativamente ao que se terá passado de seguida foi alterada pelo próprio, porquanto, em audiência de julgamento optou por dizer não se recordar do que se passou ao invés de manter a versão apresentada em sede de instrução. Isto porque, até para o arguido, tal versão se mostrou incompatível com os demais elementos de prova. Desde logo, na medida em que afirmando que a luta entre ambos aconteceu no chão, teriam de existir vestígios hemáticos no chão, o que não consta do exame ao local e respetiva reportagem fotográfica. (…) A versão apresentada pelo arguido em sede de instrução não merece qualquer credibilidade para o Tribunal, nem para o próprio arguido que em audiência de julgamento optou por referir não ter memória. Ora, em face do óbito da vítima e da ausência de declarações credíveis por parte do arguido sobre o que ocorreu, impõe-se ao Tribunal extrair a factualidade dos exames periciais constantes dos autos, na medida em que “o corpo fala”.

Por sua vez, no acórdão recorrido motivando a decisão sobre o ponto 7 dos factos provados, expende-se: “A única prova directa (…) sobre esta matéria reside (…) nas declarações do arguido.  (…) declarou, de ambas as vezes (…) que (…) discutiu com esta [a vítima] a qual começou a agredi-lo fisicamente e foi, nessa sequência, buscar à cozinha um objecto perfuro-contundente do tipo espeto ou picador de gelo, com o qual atingiu então o arguido em várias partes do corpo deste.

(…) [n]a narrativa do arguido, só nessa altura se iniciou a «contenda física», (…) quando começou a agarrar esta [a ofendida] de forma a evitar que ela voltasse a atingi-lo com o objecto que empunhava.

Nesta parte, o relato do arguido não é contrariado por outros meios de prova, mormente, os de natureza médico-pericial.

Assim sendo, deveria o Tribunal «a quo» ter dado como provado aquilo que o arguido declarou, quanto ao momento e ao contexto em que se iniciou a contenda física (…).

Por conseguinte, impõe-se a alteração da redacção do ponto 7 em conformidade.

Como vem de evidenciar-se, as instâncias, construíram a narrativa sobre os acontecimentos levados aos pontos 7 e 8 dos factos provados, erigindo-a unicamente sobre as declarações do arguido que, fazendo fé no exame crítico constante do acórdão da 1ª instância, discreparam tanto que a apresentada na instrução “não merece qualquer credibilidade para o Tribunal, nem para o próprio arguido que em audiência de julgamento optou por referir não ter memória”.

 ii. a discussão:

A confessada (na audiência) falta de memória do arguido – fazendo fé na motivação da decisão das instâncias – e, sobretudo, a patente desconformidade de parte do declarado com as regras da física, a racionalidade lógica e as regras da experiência, exigia que se tivessem submetido as suas declarações - discrepantes de uma para a outra - a apertado exame crítico, na própria (in)congruência interna, mas também à luz das regras da experiência comum e, sobretudo, no confronto com outros importantes elementos de prova cuja exposição consta da motivação da decisão em matéria de facto, com capital relevo para o cenário do crime (que também “fala”). A ligeireza com que decidiram aceitar, acriticamente, parte importante daquelas declarações, levou-as a incorrer em erro na apreciação da prova, patenteado pelo sincopado exame crítico e pela omissão de confrontação, sem justificação alguma, nessa parte, mormente com a “cena” do crime e, esta e aquelas com as regras da física, da experiência comum, com a racionalidade lógica e a normalidade dos acontecimentos da vida.

Vejamos:

Na versão do arguido, acabavam de manter cópula na cama do quarto da vítima, quando iniciaram discussão reciproca, Discussão que se confirma ter havido, não apenas porque o arguido assim disse, mas também porque  - sempre a fazer fé no texto do acórdão da 1ª instância e somente neste“a testemunha II, vizinho do rés-do-chão, por baixo da casa da DD, referiu que no dia em causa ouviu barulhos vindos da casa desta no período da manhã, designadamente, ouviu a DD a discutir com alguém, ouviu batidas e rastejar, ouviu gemidos e gritos “pára quieto”, tendo chegado a pensar em bater-lhe à porta”.

iii. a vítima não foi à cozinha

É a partir daí – da discussão - que as instâncias se deixaram enredar em notório erro-vício na apreciação da prova, julgando provados factos apenas porque o arguido assim declarou, mas que são escancaradamente contrariados pelas leis da física e na parte restante porque o pelo mesmo declarado, confrontado com o cenário do crime, se apresenta desconforme com as mais elementares regras da experiência.

No acórdão da 1ª instância sobre as declarações do arguido expõe-se:

- em instrução disse “(…) chamou-o de “cabrão de merda” e a determinada altura foi à cozinha e veio com um objeto nas mãos dizendo que o matava. …) começou a agredi-lo com esse objeto nas pernas e aí agarrou-a nos braços. Como estavam transpirados, ao agarrá-la, ela escorregou (…) bateu com a cabeça na cómoda e depois caiu no chão. Que o próprio também caiu, ficaram caídos de lado, (…) e no chão andaram à luta, estando o arguido sempre por trás da DD a agarrar-lhe nos pulsos para evitar que ela o agredisse com o referido objeto, o que ainda assim ela conseguiu. (…) foi atingida no peito, gritou “dói, dói” e desfaleceu. Apercebendo-se que ela tinha perdido os sentidos, pô-la em cima da cama e ela começou a cuspir sangue.

- na audiência de julgamento disse que “(…) foi à cozinha e trouxe um objeto, que lhe pareceu ser semelhante a um picador de gelo e começou a picá-lo nas pernas. Esclareceu que estava sentado na cama, nu, quando ela veio da cozinha e que não se defendeu porque não estava à espera, tendo sido atingido na perna direita e no braço esquerdo. Caíram no chão e depois andaram à luta em cima da cama, tendo o arguido afirmado que apenas se lembra de a ver cheia de sangue, estendida na cama”.

Não se duvida que os Juízes Desembargadores ouviram as declarações do arguido e a leitura das que prestou perante o juiz de instrução, contudo, não se compreende como podem assegurar que, em ambas disse, neste ponto, que a vítima veio com o objeto e “atingiu então o arguido em várias partes do corpo deste”, quando, segundo a motivação da decisão da 1ª instância, o próprio na instrução identificou a perna, em julgamento mencionou as pernas e o braço esquerdo e dos factos provados constam as coxas e o braço direito.

Não são apenas as evidenciadas divergências (no acórdão da 1ª instância) entre uma e a outra das versões do arguido que consubstanciam o erro notório na apreciação da prova aqui em apreciação. Divergência que desde logo deveria impor mais estrito e cuidado exame crítico.

O erro-vício ocorreu, manifestamente, porque as instâncias não apresentam razões minimamente válidas para se terem convencido a julgar provado que a vítima foi à cozinha, quando, conforme acima se exemplificou, é das mais básicas regras  da física e da mais elementar experiência comum que o arguido, da cama do quarto, onde precisamente se situou sentado na cama, não podia ver (não constando que as paredes do apartamento sejam transparentes) os  movimentos da vítima a deambular por outras divisões da habitação e, consequentemente, não podia  valorar como crível, a sua declaração de a DD ter ido à cozinha munir-se de um espigão perfurante. A ter-se ausentado do quarto e não tendo o arguido ido no seu encalço, o mais que poderia aceitar-se que dissesse com um mínimo de racionalidade lógica e, consequentemente, com credibilidade, é que a DD saiu do quarto e aí regressou. Mesmo que, hipoteticamente, tivesse ido à cozinha (e não foi, como vamos ver), não podiam as instâncias dar por adquirido tal facto apenas porque o arguido o disse quando, como vem de evidenciar-se, na posição a que a si próprio se coloca no cenário do crime, é fisicamente impossível que tivesse presenciado onde a vítima se teria deslocado. E nem se objete que poderia ter adivinhado, imaginado onde foi porque até nem podia ouvir os passos uma vez que a vítima só apareceu com meias calçadas. É, pois, insofismável que a afirmação do arguido nesse sentido não pode resistir ao crivo das mais básicas leis da física e às regras da experiência comum. Por isso, somente por escancarado erro de apreciação da prova puderam as instâncias ter julgado provado que a vítima foi à cozinha.

iv. não trouxe o objeto perfuro-contundente:

Se não é minimamente crível a versão do arguido de a vítima ter ido à cozinha, lógica e evidentemente – é mesmo um truísmo ao estilo de La Palice –, que, a ter saído do quarto e regressado, também não se pode saber e consequentemente, dar como provado que foi aí – na cozinha - que apanhou aquele instrumento. Porque haveria de o colher na cozinha e não, por exemplo, na sala, na despensa, na marquise, num quarto, em suma, em outra qualquer divisão do apartamento? Na lógica viciada adotada pelas instâncias, só não julgaram provado o móvel e a gaveta, o ponto concreto onde a vítima teria apanhado o referido instrumento porque ao arguido não se ocorrer dizê-lo.

Assim sucedeu por se ter valorado, acriticamente, o relato do arguido – tão variável e inseguro que, por fim, acaba invocando falta de memória –, como se de um depoimento testemunhal se tratasse, omitindo, a confrontação necessária com o “retratado” cenário do crime e sem o submeter à racionalidade lógica e às máximas da experiência, tal como impõe o disposto no art.º 127º n.º 1 do CPP.

O cenário do crime, tal como vem descrito na prova documental, - para a qual a motivação da decisão das instâncias expressamente remete como elemento de prova em que fundaram a respetiva convicção -, analisado criticamente, à luz das regras referidas, evidencia, insofismavelmente, que a vítima não só não foi à cozinha, como nem sequer chegou a sair do quarto.

Efetivamente, documenta a cena do crime (repete-se, descrita e fotografada, conforme dá fé a motivação da decisão da 1ª instância) que a vítima foi encontrada em cima da cama, vestida da cintura para baixo, calçada com meias e com o soutien a meio colocar, isto é, em volta do corpo, ao nível do abdómem, com a parte do fecho à sua frente, já apertada, em posição natural e normalmente adotada por quem o usa para o apertar, rodar, subir e colocar corretamente nos seios.

A generalidade das mulheres e dos homens com experiência média de vida – e também todas/os  juristas mediamente vividos -  imediatamente constatam que não é lógica e racionalmente possível que uma mulher, que (supostamente) acabava de manter cópula completa e discute com o parceiro, se levante da cama, mais ou menos abruptamente, discutindo, vista cuecas, coloque penso higiénico, vista calções, calce meias e já estando a meio de vestir do soutien, vai a cozinha, com os seios a descoberto e desprotegidos, munir-se de um objeto perfuro-contundente para com ele se envolver em “contenda física” com opositor fisicamente bem mais poderoso.

Como qualquer bonus cives, - mulher ou homem –muito bem sabe, é da mais elementar experiência comum, da normalidade da vivência diária e da mais básica racionalidade lógica que qualquer mulher naquela situação e posição, a ter-se deslocado à cozinha (à sala ou a outra divisão exterior ao quarto onde se encontrava a discutir) para o apontado efeito, nunca iria e jamais regressava sem completar o gesto natural de acabar de vestir o soutien, colocando-o a amparar e proteger os seios, até de possíveis e previsíveis picadas.

Nem tão-pouco é conforme às máximas da experiência considerar que o soutien pode ter “descido” quando o arguido golpeava a vítima. Esta apresentava múltiplos ferimentos em ambos os braços, designadamente “na face posterior do cotovelo”, “na face anteroexterna do braço direito”, “no terço superior da face posterior do braço”, “no terço inferior da face posterior do braço esquerdo” consentâneos, segundo a normalidade do agir humano, com a adoção de posição defensiva (tentando escudar partes sensíveis, principalmente a face e pescoço, dos golpes ou pancadas que lhe sejam dirigidos).  É das mais elementares leis da física, da anatomia humana e das máximas da experiência comum que o soutien – tendo alças - se já não cai para a cintura em posição normal, muito menos quando quem o utiliza ergue os braços, designadamente colocando-os em posição para tentar proteger-se de golpes ou pancadas dirigidas â parte superior do corpo. 

É assim notoriamente evidente, conforme se extrai do exame crítico do cenário do crime - relatado e fotografado e que serviu de prova documental -, apreciado à luz das regras referidas que a vítima não chegou a sair do quarto. Por conseguinte, e à mesma luz, não só não regressou aí como, evidentemente, não trouxe qualquer objeto, nomeadamente aquele com que foi golpeada pelo arguido, antes e depois de lhe tirar a vida.

As declarações do arguido, contrariadas como são pelo cenário do crime, não permitiam que as instâncias tivessem julgado provado aquele facto (que a vítima foi à cozinha ou qualquer outra divisão do apartamento e daí trouxe o objeto perfuro-contundente não identificado com que acabou golpeada até lhe tirar a vida e também depois de morta).

As instâncias, julgando assente que a vítima “foi à cozinha e trouxe um objeto não concretamente apurado, em patente desconformidade como o que documenta o cenário do crime analisado à luz das regras da experiência comum, incorreram em patente e notório erro na apreciação da prova.

v. não empunhou o objeto perfuro-contundente:

Porque, conforme se expôs, a vítima não saiu do quarto onde se vestia, não foi à cozinha ou a outra divisão do apartamento, não trouxe de lá o instrumento com que foi golpeada, mortalmente, é logicamente irracional, desconforme às máximas da experiência que se tenha julgado provado que teve nas mãos, aquele objeto.

Conforme resulta do acima exposto e corrobora o vertido na motivação da decisão da 1ª instância sobre o depoimento da testemunha II – o vizinho do rés-do-chão -, criticamente analisado, a vítima foi violentamente atacada pelo arguido (adjetivação firmada pelo que, da prova pericial, se reproduz na facticidade provada), surpreendendo-a quando se vestia. E assim sucedeu porque essa é a explicação consentânea com as regras da experiência e a normalidade do agir humano, com aquele depoimento testemunhal e as concretas circunstâncias em que a vítima foi encontrada morta – em cima da cama, vestida com cuecas, com penso higiénico, calções, meias calçadas e o soutien a meio da colocação – e sem que houvesse vestígios hemáticos no chão ou em outros móveis do quarto. Como teria, segundo as regras da experiência e a normalidade do acontecer das coisas da vida, se, como as instâncias assentaram, o arguido o tivesse disputado e arrancado das mãos da DD.

Conforme se realçou e aqui se reafirma, mesmo que, hipoteticamente, o instrumento estivesse no quarto, não é comportamento normal e comum, é mesmo contrário aquelas máximas e a normalidade do agir humano, que uma mulher interrompa, a meio, o ato de vestir o soutien, para se envolver em “contenda física” com objeto corto-perfurante com agressor fisicamente mais forte.

Depois e concomitantemente, o depoimento da testemunha que, não tendo presenciado, escutou, diretamente, o acontecimento, na sua sonoridade mais intensa, é expressivo: – “ouviu a DD a discutir com alguém, ouviu batidas e rastejar[16], ouviu gemidos e gritos “pára quieto(conforme relatado na motivação da decisão da 1ª instância). Se, desde logo, a narração da sequência - discussão, bater, rastejar, gemidos - é, de per si, elucidativa, os “gritos - “pára quieto-, são, segundo as máximas da experiência e a normalidade do agir humano, aqueles, pedidos insistentes de quem se vê surpreendido por ataque que não esperava. Sendo, à mesma luz. inconforme com atuação de agressor que, após luta, ficou desarmado e sofre contra-ataque.

Também porque, atentando na facticidade provada – assento na prova pericial -, verifica-se que a vítima não apresenta golpes, cortes ou ferimentos nas mãos, compatíveis com picadas que, conforme referido, segundo as regras da experiência comum, haveria de ter se realmente tivesse havido disputa e forcejar pela posse do instrumento corto-perfurante.

Consequentemente, as instâncias incorreram em erro notório na apreciação da prova ao julgar provado que a vítima teve em seu poder aquele instrumento e que “de forma não apurada o arguido conseguiu retirar o referido objeto das mãos da DD”.

vi. não agrediu o arguido, muito menos no braço:

As instâncias “embaladas” pelos erros notórios na apreciação da prova que vem de evidenciar-se, narram a dinâmica do acontecimento, subsequente à discussão, fundando a respetiva convicção unicamente nas declarações do arguido, colocando a vítima a ir à cozinha, regressar ao quarto munida do instrumento corto-perfurante e com ele atingi-lo “de forma superficial” “nas coxas e no braço esquerdo”.

Conforme vem de dizer-se, só assim julgaram provado por patente erro notório na apreciação da prova, cingindo-se a dar por boas – ainda que com confessada escassa ou nula certeza prática, as versões do arguido, apesar de variáveis, incongruentes e finalmente invocando falta de memória. O que, desde logo impunha exame crítico mais estrito. Mas sobremaneira quando confrontadas com o cenário do crime – e o depoimento da testemunha II – e uma e a outras submetidas ao “crivo” valorativo da racionalidade lógica, da normalidade das coisas e do agir e sentir humano e das máximas da experiência.

Evidentemente que, não tendo a vítima em seu poder o instrumento corto-perfurante, não podia, com o mesmo, ter golpeado o arguido.

Consequentemente, os ferimentos que o arguido exibiu, a terem sido causado naquela ocasião, não podem ter resultado de golpes desferidos por DD.

Quanto aos ferimentos no braço, o erro-vício em causa é tão ostensivo que, conforme se expressa na motivação do acórdão da 1ª instância, o tribunal acabou concluído que “a versão apresentada pelo arguido em sede de instrução não merece qualquer credibilidade para o Tribunal, nem para o próprio arguido que em audiência de julgamento optou por referir não ter memória”. Abundante será salientar que ali vem escrito que, em instrução, disse que “no chão andaram à luta, estando o arguido sempre por trás da DD a agarrar-lhe nos pulsos para evitar que ela o agredisse com o referido objeto, o que ainda assim ela conseguiu”, enquanto na audiência declarou que “começou a picá-lo nas pernas. (…) que não se defendeu porque não estava à espera, tendo sido atingido na perna direita e no braço esquerdo.” Se é certo que naquela decisão se afirma não ter dado crédito às declarações prestadas perante o JIC, todavia, contrariamente ao que impunha a racionalidade lógica, “passou por alto”, sem apresentar nenhuma justificação, a patente divergência quanto ao modo como teriam sido produzidos os ferimentos que apresentava no braço esquerdo. Constitui inexplicável e patente incongruência lógica julgar provado que o ofendido – seja ou não arguido – foi golpeado por outrem numa determinada parte do seu corpo – para o que ora releva, “no braço esquerdo” ou “em diversas partes do corpo” -, quando se assegura não ter merecido qualquer credibilidade ao modo como relatou ter sido atingido.

Quanto aos ferimentos na perna e no braço que o arguido exibiu, o tribunal limitou-se a pedir à perita médico-legal que esclarecesse se poderiam ter sido causados pelo mesmo instrumento que produziu as lesões que a vítima apresentava. Não lhe ocorreu que esclarecesse, como se impunha, se os ferimentos poderiam ter sido – ou não - produzidos como o arguido descreve ou se, pelo local onde aparecem, pelo suposto trajeto do golpe, pelo aspeto do corte, pela superficialidade, poderiam ter sido produzidos na mesma data e se essa é compatível com a data dos factos.

Ainda neste ponto da matéria de facto que as instâncias julgaram provadas, omitiu-se de levar à motivação informação relativamente à existência – ou não – de vestígios na roupa que o arguido vestia, concretamente manchas de sangue, compatíveis com os ferimentos e, na afirmativa, se os vestígios hemáticos são do arguido.

e) anulação da decisão recorrida:

Conclui-se, assim que a decisão das instâncias somente por erro notório na apreciação da prova, que o cidadão comum – mulher ou homem – e qualquer jurista com mediana formação e experiência de vida imediatamente deteta, podem ter julgado provado que o arguido e DD envolveram-se numa contenda física, a partir do momento em que aquela foi à cozinha e trouxe um objeto não concretamente apurado, mas constituído por um espigão perfurante com secção redonda (semelhante a um picador de gelo ou a um espeto), e com ele atingiu de forma superficial o arguido nas coxas e no braço esquerdo.  E que o arguido conseguiu retirar o referido objeto das mãos da DD.

Incorreram assim no erro-vício da decisão em matéria de facto consagrado no art. 410º n.º 2 al.ª c) do CPP..

Detetado o exposto defeito na apreciação da prova e não podendo este Supremo Tribunal de Justiça alterar da decisão em matéria de facto – ainda que simplesmente, reescrevendo aqueles dois pontos, expurgando-os de factos que a prova, analisada à luz das leis da física e das regras da experiência, não permitiam julgar assente -, não resta senão determinar a anulação do decisão  em matéria de facto, com a devolução do processo ao Tribunal recorrido para, em novo julgamento, remover os apontados erros notórios na apreciação da prova, ou se entender que não pode, reenviar o processo para novo julgamento em 1ª instância.

Sem suprimento daqueles erros-vício não pode este Supremo Tribunal decidir justamente a causa, obrigando, por isso, ao reenvio do processo nos termos dos arts. 426º n.º 2 e 426º-A do CPP.

f) duas notas:

i. restante facticidade:

Conforme exposto, a decisão das instâncias em matéria de facto, julgando provado que a vítima foi `cozinha, aí se muniu de um espigão perfurante, regressou ao quarto, golpeou o arguido com o tal instrumento, envolveram-se em luta pela posse do mesmo, incorreu em erro notório na apreciação da prova. Erro-vicio que implica a anulação da decisão recorrida.

Não obstante a anulação seja da totalidade do acórdão recorrido, nota-se que a restante facticidade que as instâncias julgaram provada não enferma deste ou qualquer outro erro-vício.

ii. prazo da prisão preventiva:

Finalmente dá-se conta que a anulação da decisão em matéria de facto não altera o prazo máximo da prisão preventiva. Este Supremo Tribunal tem decido uniformemente que a anulação de acórdão confirmatório, ainda que in mellius, não afasta a aplicação do prazo da prisão preventiva estabelecido no art.º 215º n.º 6 do CPP. cfr, Acórdão de 29/09/2010 (proc. 139/10.4YFLSB.S1), 28/04/2016 (proc 403/12.8JAAVR-H.S1), de 10/02/2021 (proc. 4243/17.0T9PRT-J.S).

Por sua vez, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 404/2005, de 22-07-2005, proferido no processo n.º 546/2005 (in DR, II Série, de 31-03-2006) decidiu “Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 215.º, n.º 1, alínea c), com referência ao n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação que considera rele­vante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença condenatória proferida em 1.ª instância, mesmo que, em fase de recurso, venha a ser anulada por decisão do Tribunal da Relação”.

Consequentemente, no caso, o prazo máximo da prisão preventiva do arguido à ordem do processo elevou-se, ope legis, com a prolação do acórdão recorrido, para 5 anos, 6 meses e 15 dias.

D - DECISÃO:

Assim e de conformidade com o exposto o Supremo Tribunal de Justiça – 3ª secção – decide:

a)  declarar que a decisão recorrida em matéria de facto, relativamente à facticidade vertida nos pontos 7 e 8 da facticidade julgada provada, enferma de erro notório na apreciação da prova – art. 410º n.º 2 al.ª c) do CPP;

b) em consequência, anulá-la, decretando o reenvio do processo ao tribunal recorrido para, em novo julgamento, corrigir ou reenviar os autos à 1ª instância para novo julgamento, relativamente à totalidade do objeto do processo, nos termos dos artºs 426º, nºs 1 e 2, e sem prejuízo do disposto no art. 426º-A, ambos do CPP.

c)   fica, por isso, prejudicado o conhecimento do objeto de recurso.


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Sem custas (artigo 523.º, n.º 1, do CPP).

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Lisboa, 7 de julho de 2021.

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Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

(Atesto o voto de conformidade do Ex.mº Sr. Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha – art. 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[17].

Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro Adjunto)

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[1] Ac. (AUJ) STJ n.º 10/2005, in DR I SÉRIE-A n.º 234 — 7 de Dezembro de 2005.
[2] Ac. STJ de 2016-02-24, proc. n.º 502/08.0GEALR.E1.S1.
[3] Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 108.º, n.º 3559, pág. 352
[4] Proc. n.º 936/08.JAPRT, consultável em www.dgsi.pt
[5] Curso de Processo Penal, I, reimpressão 1981, pag. 50/51.
[6] Código de Processo Penal comentado, 3ª ed. Revista, Almedina, 2021, pag. 1293/1294.
[7] 5ª sec. Proc. 22/98.0GBVRS.E2.S1, in www.dgsi.pt.
[8]  5ª sec. Proc. 165/15.7JAFUN.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[9] 3º sec., proc 596/12.4 JABRG.G2.S1, in www.dgsi.pt.
[10] 3ª sec. Proc. 516/13.9PKLRS.L1.S1. in www.dgsi.pt.
[11] 3ª sec. Proc. 40/11.4JAA​VR.C2, in www.dgsi.pt.
[12] 3ª sec. Proc. n.º processo n.º 724/01.5SWLSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
[13] 3ª sec. Proc. n.º 1243/10.4PAALM.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[14] Proc. 04P4721, in www.dgsi.pt.
[15] Máxime: Ac. de 12/03/2014, proc. 1027/12.5GCTVD.S1 “A violação do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, na ausência de recurso da matéria de facto, só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.°, n.º 2, do CPP, que só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção”.
Ac. de 3/04/2019 proc. 38/17.9JAFAR.E1.S1 Como se dá nota no acórdão deste Supremo Tribunal de 08-10-2015, proferido no processo n.º 417/10.2TAMDL.G1.S1 – 3.ª Secção, «[é] jurisprudência constante deste Supremo Tribunal que “[d]ecidido o recurso pela Relação, ficam esgotados os poderes de apreciação da matéria de facto, tornando-se esta definitivamente adquirida, salvo se ocorrer algum dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, de que o STJ deva oficiosamente conhecer», não constituindo o «conhecimento desses vícios pelo Supremo Tribunal (…) mais do que uma válvula de segurança a utilizar pelo tribunal nas situações em que não seja possível tomar uma decisão sobre a questão de direito, por a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, ou se fundar em erro de apreciação, ou estar assente em premissas contraditórias».
XIII - O conhecimento das questões de facto, enquanto tais, encontra-se, assim, subtraído à apreciação do STJ que, sendo um tribunal de revista, apenas conhece de direito – arts. 432.º e 434.º do CPP, e, assim, quanto aos «princípios da livre apreciação da prova e de “in dubio pro reo”, ao STJ apenas é possível apurar da respectiva violação através da própria decisão: só da análise da matéria de facto e da sua fundamentação se poderá avaliar da eventual infracção destes princípios e nunca pelo exame das próprias provas que estejam recolhidas nos autos.
[16] O rastejar explica-se, racionalmente, pela deslocação da cama, onde a vitima foi golpeada e asfixiada (apareceu deslocada e encontrada à parede da janela).
[17]   Artigo 15.º-A: (Recolha de assinatura dos juízes participantes em tribunal coletivo)
A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.