ENTREGA JUDICIAL DE MENOR
PROCESSO TUTELAR
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CONVENÇÃO DE HAIA
RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
MUDANÇA DE RESIDÊNCIA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
MATÉRIA DE DIREITO
Sumário


I – Se, no acórdão proferido em apelação, se invocou o artº 11º do Regulamento (CE) nº2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003 (possibilita o pedido às autoridades competentes do Estado-Membro de decisão baseada na Convenção de Haia de 25/10/80, a fim de obter o regresso de uma criança ilicitamente deslocada ou retida num Estado-Membro), o artº 11º da Convenção de Haia (procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança) e se ponderou a aplicação do artº 13º al. b) da Convenção – excepção à aplicação do regime de recondução das crianças para o país onde se encontravam antes da actuação ilegítima (por risco grave de perigos de ordem física ou psíquica ou de qualquer outra situação intolerável), o juízo de conveniência e oportunidade de aplicação de medidas foi um juízo de integração dos factos apurados na lei vigente, pelo que era possível o recurso de revista.
II – A filiação não matrimonial (tanto como a matrimonial) confere a ambos os Progenitores o exercício das responsabilidades parentais, devendo este exercício ser realizado conjuntamente por ambos os Progenitores, ou só por um com o consentimento expresso ou tácito do outro; em caso de desacordo, qualquer dos progenitores poderá recorrer ao Tribunal, que atribuirá a faculdade de decidir a um deles, pelo que se exige, como condição da ilicitude da deslocação ou retenção, que a guarda estivesse efectivamente a ser exercida pelo progenitor que pretende o regresso da criança deslocada ou retida, ou devesse estar, se isso não tivesse sucedido.
III – O preceito da al. b) do artº 13º da Convenção de Haia – verificação de risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável - deve ser interpretado à luz da primazia atribuída ao superior interesse da criança nas decisões que lhe dizem respeito pelo artº 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança; nesta conformidade, nem todos os fundamentos de oposição ao regresso da criança devem ser interpretados restritivamente.
IV – Para uma criança com 16 meses de idade (à data do acórdão) ou 11 meses (à data da sentença), que privou permanentemente com a mãe, que assim se constituiu como figura afectiva de referência para a criança, a separação física operada pelo regresso a Espanha é de considerar uma violência, susceptível de afectar o equilíbrio psíquico da criança, constituindo uma situação intolerável.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



  Súmula do Processo

A Digna Magistrada do Ministério Público intentou procedimento especial de entrega da criança AA, nascido em ... de Fevereiro de 2020, natural ..., ..., ..., filho de BB (mãe) e de CC (pai), a morar com a Mãe na ……., n.º …, em ..., Portugal, com fundamento nos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 5.º da Convenção da Haia de 1980 (Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças) e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro.

Não se encontrava regulado, formalmente, o exercício das responsabilidades parentais da Criança, a qual residia habitualmente com ambos os Progenitores, em Espanha; o exercício das responsabilidades parentais estava e era compartilhado entre os Progenitores; em 25 de Agosto de 2020 a Mãe viajou com a criança para Portugal, sem autorização ou concordância do Pai, aqui permanecendo desse então, sempre com a oposição deste; o Pai do menor apresentou um pedido de regresso da Criança a Espanha, com base no artigo 3.º da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, junto da Autoridade Central espanhola, recaindo sobre tal pedido a decisão do Tribunal Espanhol – pedido de regresso de AA.

Conclui pedindo a procedência do pedido de regresso do menor AA apresentado junto da Autoridade Central Espanhola; a determinação da apreensão de documentos de identificação do menor, por forma a evitar a eventual deslocação da mesma para Estado terceiro; a solicitação da colaboração das Autoridades Espanholas para saber se existe notícia de prática de qualquer ato ilícito que envolva o progenitor e / ou o seu agregado familiar, de modo a aferir eventuais consequências nefastas que possam resultar da decisão de regresso; e a solicitação da eventual intervenção da Autoridade Central Portuguesa nos procedimentos de articulação entre os vários operadores envolvidos e o Progenitor.

Foram ouvidos os Progenitores e uma testemunha, em 16 de Dezembro de 2020.

A equipa de Assessoria Técnica aos Tribunais apresentou informação social sobre o agregado familiar da Mãe, em 16 de Dezembro de 2020.

Das diligências realizadas, designadamente a consulta de peças processuais e os contactos presenciais e remotos com a progenitora, concluiu que “a progenitora aparenta revelar condições favoráveis à manutenção dos cuidados ao menor AA, procurando promover a sua segurança, bem-estar e desenvolvimento; o agregado familiar (criança e sua mãe) reside em habitação com aparentes condições de habitabilidade, segurança e higiene; a criança encontra-se integrada em creche desde Setembro de 2020, revelando-se bem adaptada, emocionalmente estável e com um desenvolvimento adequado à sua faixa etária; em termos de saúde, mantém o plano de consultas e de vacinação actualizado”.

Entretanto, em 30/11/2020, o Julgado  … Instância e de Instrução nº…..., província ..., …., em apreciação prévia de processo de regulação das relações paternofiliais, intentado pelo pai da criança, contra a mãe, e com aplicação das normas dos artºs 1º e 8º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003, considerou que, no caso, os progenitores do menor, face à prova documental, residiam em diferentes Estados no momento da interposição da demanda, sendo determinante que o menor figure documentalmente inscrito na área …, e portanto a sua estadia em … um evento de cariz temporário.

Determinante contar no seu cartão de cidadão (DNI), em Espanha, o domicílio …., que a mãe defende, com autorização do pai, e outra documentação, como certificado de residência emitido em 11/5/2020 pelo Cônsul Geral de Espanha em Lisboa. Tal domicílio é também o inserido na certidão de nascimento do menor, de 25/2/2020.

Ainda segundo a instância espanhola, a mãe trabalha em Portugal, o que é congruente com o domicílio do menor neste país, podendo o prolongamento da estadia em ... ter ficado a dever-se ao prolongamento da situação sanitária, e não obstante se constatar que existiu uma autorização temporária para a mãe trabalhar em ....

Daí que se tenha julgado incompetente, com apoio no citado artº 8º do Regulamento, para julgar a demanda de regulação das responsabilidades parentais intentada pelo pai da criança.

A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em 5 de Janeiro de 2021, no sentido da procedência do pedido de regresso formulado, pois que o superior interesse desta criança exige que seja ordenado o seu regresso imediato ao Estado da sua residência habitual (Espanha).

Requereu fosse comunicado o teor da decisão a proferir à Autoridade Central Portuguesa (Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais) e ao Instituto da Segurança Social, I.P., de molde a proceder à entrega e transporte da Criança com vista a concretizar o regresso da mesma a Espanha, emitindo-se os necessários mandados de entrega judicial da Criança (a cumprir, se necessário, com arrombamento), cumprimento a articular entre o Instituto da Segurança Social e o Pai da criança, por forma a que este se desloque a Portugal para vir buscar o Filho, devendo ser-lhe entregues (a quando da execução da decisão) todos os documentos de identificação da Criança (passaporte, boletim médico e de vacinas, cartão de cidadão, etc.) e objectos pessoais.

Requereu igualmente fossem efectuadas as necessárias comunicações ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nos termos das disposições conjugadas do artigo 3.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 292/94, de 18 de Novembro, e do artigo 97.º da Convenção Schengen.


As Decisões Judiciais

O Juízo de Família e Menores …... determinou o regresso do menor AA ao Estado Contratante da sua residência habitual (…).

Mais determinou outras medidas necessárias à execução da decisão.

Fê-lo em aplicação do disposto nos artºs 3º, 4º e 5º da Convenção de Haia de 1980 (Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças) e no artº 2º nº 1 als. a) e b) Regulamento (CE) nº2201/2003, do Conselho, relativo à Competência, Reconhecimento e Execução de Decisões em Matéria Matrimonial e de Responsabilidade Parental.

Este instrumento de direito comunitário define como “deslocação ou retenção ilícita da criança”, “a deslocação ou retenção de uma criança quando viole o direito de guarda conferido por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação de Estado Membro onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção e, no momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção, considerando-se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, (…) por atribuição de pleno direito, decidir sobre o local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental”.

Prosseguiu, considerando que, tanto em Espanha como em Portugal, a filiação não matrimonial ou matrimonial confere a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais, devendo este exercício ser realizado conjuntamente por ambos, ou só por um, com o consentimento expresso ou tácito do outro; em caso de desacordo, qualquer dos progenitores poderá recorrer ao tribunal, que atribuirá a faculdade de decidir a um deles (artºs 108º, 154º e 156º do Código Civil Espanhol).

Concluiu, para o caso, que não só ficou demonstrado que a criança residia em Espanha com ambos os progenitores, como foi trazida ilicitamente para Portugal, sem autorização ou consentimento do progenitor.

Também não se demonstrou existir qualquer perigo no transporte e estadia da criança em casa do pai, ficando aos cuidados deste, pois que reside com três filhos menores, e tem todas as condições (como as tem a mãe) para o fazer de forma apropriada, segura e estável.

Recorreu de apelação a mãe, BB.

O acórdão recorrido considerou que, face aos factos provados e às normas da Convenção de Haia e do Regulamento Bruxelas II (Regulamento CE nº2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003), era de confirmar a decisão relativa ao regresso da criança a Espanha e procedimentos inerentes.

Por outro lado, também face à matéria provada, não foram apuradas circunstâncias que, atendendo ao superior interesse do menor, revestisse um grau de gravidade tal que levassem a considerar que, ao regressar ao país de origem, ficaria sujeito a perigos de ordem física ou psíquica ou qualquer outra situação que pudesse ser considerada intolerável para o menor.

Da decisão constou, porém, um voto de vencido, em que se sublinhou:

- afigura-se duvidoso que esteja demonstrado que a criança residia habitualmente em Espanha – nasceu acidentalmente naquele país e a gravidez decorreu em Portugal;

- o caso está abrangido pela aplicação do artº 13º al.b) da Convenção de Haia, pois que a criança, com 16 meses de idade, à data da prolação do acórdão, e 10 meses, à data da prolação da sentença, tinha a sua mãe como ligação afectiva de referência e bem adaptada a tal ligação;

- retirar a criança à mãe, nestas condições, representa grave risco e violência, devendo colocar-se, com prioridade sobre o legalismo, o superior interesse da criança.


Do Acórdão da Relação, recorre de revista a mãe, formulando as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da decisão constante do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que negou provimento ao recurso de Apelação (com voto vencido), confirmando a Sentença recorrida, proferida pelo Tribunal “a quo”.

2. O presente recurso alicerça a sua razão de ciência, no manifesto e notório erro de apreciação de prova, assim como da interpretação e da própria aplicação do direito, especialmente da Convenção de Haia, resultando, consequentemente, na violação expressa e reiterada designadamente do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro/Bruxelas II-a, da Convenção dos Direitos da Criança, dos artigos 6.º, 7.º. 8.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos,

3. e violando o n.° 6 do artigo 36.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), e do disposto nos artigos 4.º e 40.º da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro.

4. Contextualizando faticamente o objeto dos presentes autos, sobre o qual incide o presente recurso, em Outubro de 2020 o Ministério Público intentou o processo de Entrega Judicial de Criança, referente ao Menor AA (nascido em .../02/2020), após o Progenitor do Menor ter requerido através Autoridade Central Espanhola.

5. Não tendo o requerimento do Progenitor, qualquer fundamento jurídico e de facto, considerando o facto da residência do Menor ter sido fixada em território Português,

6. Ressalvando-se que esta decisão foi tomada conjuntamente pelos Progenitores como se encontra, documentalmente comprovado nos presentes autos,

7. o referido requerimento omitia propositadamente informações relevantes para o apuramento cabal dos factos,

8. a ver, a existência do Processo que o próprio Progenitor havia submetido no Juzgado de Primera Instancia e Instrucción Numero 2 …... em 25 de agosto de 2020, e a informação falsa do endereço do domicílio pessoal da Mãe, impedindo que a mesma fosse inicialmente e como era devido contactada e citada no respetivo processo.

9. No entendimento da aqui Recorrente, afirma-se convictamente, que o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal da Relação de Lisboa agiram erroneamente na avaliação do presente processo,

10. não só pelo total desrespeito que teve em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, para com a Mãe, mas sobretudo pela decisão proferida, nessa sede, que como se verifica nos fundamentos invocados, se reputa de contraditória,

11. não tendo, no entendimento da ora Recorrente, bem entendido, sido apreciadas, como era devido, questões de facto e de direito, fundamentais para boa decisão da causa e objeto de invocação, pela Progenitora, nessa sede.

12. Existindo uma preocupação acrescida, no que concerne a este facto, preocupante, por se tratar de um processo de especial sensibilidade, por se tratar da entrega judicial de uma criança.

13. O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão, ora objeto de recurso, reiterou todos os erros cometidos pelo Juízo “a quo”, mantendo a matéria de facto, com total desconsideração pelo contexto pelo qual o mundo passou a partir do segundo trimestre do ano de 2020, com a Pandemia COVID-19, com a natural repercussão na vida de todos,

14. e com o consequente encerramento de fronteiras entre Portugal e Espanha, desvalorizando todas as provas apresentadas pela Mãe que deveriam ter igual peso ou até mais se comparada com as provas juntas pelo Progenitor, para o esforço de esclarecimento cabal dos factos efetuada pela Progenitora,

15. Muito pelo contrário.

16. Demonstrando, deste modo, um manifesto erro grosseiro de análise e da devida ponderação da totalidade dos factos, que se espera resultar de negligência na apreciação da totalidade do material probatório carreado para os autos.

17. Não sendo estes factos supra alegados, razão suficiente para o presente recurso, no processo de decisão do Tribunal de Primeira Instância e, agora, de forma reiterada, no douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a referida decisão, no entendimento da ora Recorrente, assenta cumulativamente em erro grosseiro de ponderação da prova produzida,

18. Sendo de referir, ainda a diminuta ou, mesmo nenhuma relevância atribuída à Convenção de Haia, à sua repercussão, e os seus efeitos no mesmo, bem como a aplicação legalista da referida Convenção.

19. Pois, o modo como a Convenção de Haia foi aplicada aos presentes autos, em sede de decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância acabou por se resumir ao que o Juiz de Direito proferiu em sede de Audiência: “Vamos lá ver, explicando novamente o que é a Convenção de Haia, temos um pedido da autoridade central a pedir o regresso da criança …que foi decidido em um tribunal espanhol soberano, nos somos contraentes da Convenção de Haia de 1980 e temos de a cumprir, eu não entendo qual é a dificuldade” (ipsis Verbis aos 15:57 a 16:24 do primeiro arquivo Cd áudio).

20. O que não é de todo concebível e aceitável.

21. Como bem se encontra expressamente mencionado, pela Exma. Sra. Desembargadora Maria de Deus Correia na sua Declaração de Voto Vencido, à qual se adere, na sua totalidade, ao referir que a aplicação da Convenção de Haia não é meramente legalista, existindo mecanismo como artigo 13.º que devem ser colocados a frente, o que claramente não foi observado em nenhuma das duas Instâncias.

22. Pelo contrário, quer na decisão proferida em sede de Primeira, quer na decisão proferida no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa os Dignos Magistrados Judiciais, com exceção do voto vencido, valoraram apenas as provas que favoreciam a posição do Progenitor.

23. Enquanto tudo que a Mãe alegou, toda a documentação junta aos autos por ela não foram objeto da devida análise e ponderação, tendo sido, inclusivamente, objeto de uma efetiva desvalorização,

24. Circunstância que manifestamente não se poderá compreender, nem, de todo aceitar.

25. Descendo, de novo, ao processo de análise valorativa e de formação da decisão referente aos presentes autos, nas referidas decisões, ora objeto do presente recurso, os Tribunais consideraram que, por exemplo, o facto de o Menor ter iniciado o plano de vacinação em … ou por haver um registo de família numerosa em …, eram provas cabais para confirmar a residência do Menor em Espanha.

26. Decisão que apenas se compreenderá, em face de uma ponderação não assertiva dos factos, que não poderá ser aceite pela ora Recorrente, e que se afigura, manifestamente incompreensível e inaceitável, à luz de toda a realidade factual do caso em apreço, bem como de toda a jurisprudência relativamente a casos de natureza idêntica e/ou similar.

27. Sendo que a posição assumida, em sede de Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância e objeto de confirmação pelo douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, apenas demonstrou que os Dignos Magistrados Judiciais terão decidido, alheados da contextualização do período em que o Menor nasceu,

28. desvalorizando completamente este facto, extraordinariamente relevante para a avaliação da posição, em que o Menor se encontrava, levando, concludentemente, à decisão tomadas nas referidas Instâncias, e ora objeto do respetivo recurso,

29. Sendo que imediatamente após o nascimento do Menor, encontrávamo-nos numa situação de pandemia covid-19.

30. Para além das complicações após o nascimento do Menor, a Mãe teve de ficar mais tempo do que era suposto em Espanha, pois até meados de Maio, as fronteiras terrestres e aéreas entre Portugal e Espanha, encontravam-se encerradas,

31. apenas sendo possível, à Mãe deslocar-se para Portugal, e, deste modo, proceder à regularização da residência do Menor – registo de Cidadão Europeu na Câmara Municipal, visto ser Espanhol, precedentemente combinada com o Progenitor, quando entrasse em território nacional com seu filho.

32. E, tendo sido obrigada, em face das circunstâncias referidas supra, a se manter em … era óbvio que a vacinação iria ocorrer naquele país.

33. Não poderia a Mãe, retida, que se encontrava em território espanhol, em razão da Pandemia COVID-19, deixar de prestar os devidos cuidados ao seu filho.

34. Contudo, como ficou assente nos factos provados (8.º), o Menor deu continuidade ao Plano de Vacinação em Portugal, sendo acompanhado na Unidade de Saúde ....

35. No que refere o registo de Família numerosa emitido em 1.º Maio de 2020, é de referir que, o mesmo foi requerido pelo Progenitor com a finalidade de se beneficiar de subsídios do Governo Espanhol, para ter acesso a apoios, como redução de impostos, auxílio com as despesas de mercado, redução nos bilhetes de museu.

36. E além disso, a força dada a esse documento, com a total descredibilização dos vários documentos juntos aos autos que apontavam a residência do Menor, em Portugal, com o consentimento do Progenitor, levando os Tribunais a concluírem que a única finalidade do registo em Portugal seria apenas “para obtenção de um subsidio” do Governo Português pela Mãe.

37. E ainda que recebesse, o subsídio não seria para Mãe, e sim para o menor. Ao contrário do que ocorre com progenitor, que se utiliza de um registo de família numerosa sem fundamento com a pura finalidade de se beneficiar.

38. E com essa posição os Tribunais portugueses demonstraram mais uma vez a disparidade com que foram analisadas as posições das partes.

39. E além disso, a força dada a esse documento, com a total descredibilização dos vários documentos juntos aos autos que apontavam a residência do Menor, em Portugal, com o consentimento do Progenitor, Menor levando os Tribunais a concluírem que a única finalidade do registo em Portugal seria apenas “para obtenção de um subsidio” do Governo Português pela Mãe, apenas demonstra mais uma vez a disparidade com que foram analisadas as posições das partes aos olhos da Justiça Portuguesa.

40. Circunstância que não se poderá aceitar.

41. Os documentos, tal como se encontram juntos aos presentes autos, reconhecem a residência do Menor, em território nacional, foram emitidos em diferentes momentos, o que demonstrava que o animus de ambos os Progenitores sempre foi a residência do Menor com a Mãe que tinha de regressar a Portugal, após a licença maternidade, para retomar a sua bolsa de Doutoramento.

42. Em 25/02/2020, foi realizado o Registo de Nascimento em ..., sendo que inclusivamente, do documento de Identidade consta o endereço “C/ …., n.º…, …., …., Portugal”.

43. Em 04/05/2020: o próprio Requerido contactou por e-mail, o Consulado Espanhol em Lisboa para fazer a “inscripción” do Menor como residente em Portugal, tendo sido confirmada em 11 de Maio, também por e-mail.

44. Em 16/06/2020, o Menor foi registado na Câmara Municipal de …, pela Progenitora com a declaração de autorização do Requerido.

45. Em 06/06/2020 foi emitido o NIF do Menor, com endereço referido supra.

46. Em 16/06/2020, a Requerente emitiu o Atestado da Junta de Freguesia …., onde consta que o Menor faz parte do seu agregado familiar.

47. Em 22/08/2020,, o Mandatário do Progenitor enviou por e-mail a proposta de Acordo de Regulação do Exercício de Responsabilidades Parentais, onde consta que o local de residência, seria junto a Mãe vide cláusula 8.ª.

48. Sendo que o Progenitor apenas se opôs à residência do Menor em 25 de Agosto de 2020, quando a Mãe prestou queixa na Polícia Espanhola pelo Progenitor ter desaparecido com o bebé.

49. Tendo o Progenitor decido impedir o regresso do seu filho, a Portugal, alegando que teria sido a Mãe a levar o Menor.

50. A afirmação do Tribunal da Relação quanto a “Não foram apurados quaisquer factos que demonstrem que antes dessa data [25 de Agosto] o AA tenha vivido por período alargado em Portugal, mesmo considerando que tem um ano e meio […] documentos que juntou não demonstram que a residência do Menor AA se tenha estabelecido em Portugal desde Junho de 2020, tendo ido passar férias a Espanha em Agosto de 2020, tendo regressado a 25 desse mês a Portugal. Só foram apurados factos que demonstram a presença do Menor em Portugal após 25 de Agosto de 2020, nomeadamente frequência de creche e consultas médicas”.

51. É demonstrativa da não ponderação devida dos factos, da situação pelo qual o Mundo se encontrava a passar.

52. Quando a Progenitora regressou de Espanha, após a reabertura das fronteiras, a mesma logo diligenciou os registos do Menor no país, designadamente finanças, câmara municipal, creche, etc

53. Isso porque, o seu filho tinha apenas três meses quando regressaram a Portugal, além disso, foi uma altura em que muitos Progenitores não tinham a segurança necessária, para permitir que os seus Filhos retomassem as atividades normais em creches, bem como, pelo facto, destas não terem retomado as atividades, devido a Pandemia COVID-19, iniciando-se em Setembro de 2020.

54. Com aquela afirmação o Tribunal não teve em consideração, com exceção do voto vencido, de que o Menor esteve em Espanha, apenas para nascer, mas que acabou por ficar retido mais meses do que esperado em face da Pandemia COVID-19.

55. E apenas devido a este facto, é que não regressou mais cedo a Portugal.

56. Toda a gestação ocorreu em Portugal - como bem referido pela Exma. Senhora Juíza Desembargadora Maria de Deus Correia, na sua declaração de voto – e houve todas as diligências, em comum acordo, para regularização da residência do Menor em Portugal.

57. E, com isso se verifica que não havia uma custódia estabelecida juridicamente, pelo pouco tempo decorrido desde o nascimento do Menor, acrescida pela situação pandémica, e por não haver dúvidas de que o Progenitor concordava com a residência em Lisboa.

58. E aqui cabe a ressalva, quanto a posição do Voto Vencido ao referir que “Há documentos em que consta a residência do Menor em Portugal e documentos em que se faz constar a residência do mesmo em Espanha. Tais documentos não são concludentes pois é fácil para cada um dos Progenitores fazerem constar tais dados de acordo com as suas declarações”.

59. Razão pela qual os registos em Portugal foram todos efetuados mediante Declaração susbcrita pelo Progenitor, e no caso do registo no Consulado Espanhol, foi o próprio Progenitor a fazer.

60. Não houve qualquer registo em Portugal feito somente pela Progenitora! Foi tudo feito em comum acordo!

61. Sendo reconhecido pelo Tribunal Espanhol (Juzgado de Primera Instancia e Instrucción Numero…....) em Sentença de 30/11/2020 que a residência habitual do Menor era em Lisboa.

62. Diferentemente do que o Recorrido alega no ponto 13 das suas Alegações, essa decisão não se resume em reconhecer “que o Menor não se encontrava fisicamente em Espanha à data daquela decisão”.

63. Pelo contrário, a decisão refere-se exatamente à incompetência do Tribunal Espanhol, em dirimir qualquer questão relativa ao Menor, por reconhecer, que diante toda documentação junta aos autos, a residência do Menor, ainda que nascido em Espanha, tinha sua residência habitual em Portugal.

64. Decisão essa que se repetiu no pedido de visita provisória de Fevereiro de 2021, em que ratificou essa posição.

65. Não sendo, assim, aplicável a Convenção de Haia ao presente caso.

66. Atente-se para o facto de que jamais existiu uma decisão Espanhola reconhecendo ou determinando a custódia do bebé ao progenitor, ou deferindo o retorno da criança para a Espanha como tentou o Julgador de Primeira Instância alegar.

67. Sendo que cabia uma decisão dessa natureza como condição de boa prática para aplicação da Convenção de Haia, como já decidido pela Corte Europeia, no Caso 1740/10.

68. Ao contrário, a Decisão Judicial Espanhola determina que apenas a Justiça Portuguesa é competente para definir a guarda, pois o bebé tem residência em Portugal, e, portanto, o pedido do progenitor de impedir a saída do AA da Espanha não tinha cabimento jurídico.

69. Essa foi a decisão do Tribunal Espanhol que cabia ao Julgador de Primeira Instância e as Venerandas Desembargadoras do Tribunal da Relação terem respeitado.

70. Isso porque, o pedido no âmbito da Convenção de Haia 28 resulta de um pedido administrativo, e que foi suplantado pela decisão judicial Espanhola de 30/11/2020 em que reconheceu a residência em Portugal.

71. Não podendo deixar de relembrar, que em virtude da decisão Espanhola não ter sido apreciada por Portugal como prova, a Mãe está impedida de disputar a guarda da criança em Espanha, e ainda espera o julgamento provisório sobre as visitas, pois o progenitor se recusa a firmar qualquer acordo que dê acesso física do menor à Mãe.

72. Nesse momento, o progenitor aproveita-se do erro grosseiro dos tribunais portugueses para recusar o direito à família, previsto no artigo 8 ° da Convenção Europeia de Direitos Humanos, pelo menor de 16 meses e sua Mãe.

73. Como bem se verificou nos requerimentos juntos ao Tribunal da Relação, em que foi alertado para as condições em que o menor se encontra, assim como dos contantes impedimentos e constrangimentos causados pelo progenitor nas tentativas de contato da Mãe com o menor por videochamada.

74. No atual momento, a Mãe encontra-se de “mãos atadas”, a espera da decisão das estipulação provisória para visitas e convivência com seu filho que não vê desde 14 de janeiro, isso é, há mais de 7 meses!

75. Tudo por um claro desconhecimento da Aplicação da Convenção de Haia por parte do Julgador “a quo” que foi posteriomente ratificado pelo Tribunal da Relação.

76. O Tribunal “a quo” e o Tribunal da Relação de Lisboa erraram, ao obliterarem a dita Sentença Espanhola, e classificando este caso como uma retenção e deslocação ilícita.

77. E tal se verificou nas diversas diligências feitas pelo próprio Progenitor, para regularizar a situação do Menor em Portugal.

78. Afinal, o registo no Consulado Espanhol, feito pelo próprio Progenitor, não era necessário, se a finalidade fosse apenas para “obtenção de um subsidio” pela Mãe.

79. Deste modo, encontra-se, completamente ultrapassada a questão da residência habitual do Menor - já ficou esclarecido que a residência habitual do Menor é e sempre foi em Portugal,

80. não só pela documentação pessoal do Menor, como do próprio relatório social, e sobretudo pela existência da Sentença espanhola, reconhecendo como residência habitual do Menor, Portugal, que só por isso já coloca em causa esse processo.

81. Importando referir, que sendo perfilhado o entendimento que a presença do Menor em Portugal se revelava ser ilícita, o regresso para a Espanha seria ainda assim inadmissível nos termos do artgio 13.º da Convenção de Haia.

82. No caso vertente, a decisão a proferir pelo Tribunal “a quo” deveria ter sido diversa, maxime por força do disposto no artigo 13.º da Convenção de Haia, norma esta que dispõe que não existe a obrigação de ordenar o regresso da criança, se a pessoa que se opuser ao seu regresso provar.

83. O superior interesse da criança deveria impedir a imposição do regresso do Menor ao país de origem, quando tal regresso represente uma situação intolerável para o mesmo. O que é manifestamente o caso dos presentes autos.

84. Até à data em que, o Menor foi retirado da Mãe, devido à decisão do Tribunal da Primeira Instância, o Menor sempre viveu com a sua Mãe.

85. Relacionamento esse reforçado, desde Maio de 2020, considerando que passou a estar apenas aos cuidados de sua Mãe, em território nacional.

86. Isso é, os 11 meses da sua existência foram junto da Mãe, sendo abruptamente retirado, para ser entregue a um Prorgenitor, que nunca havia dado qualquer tipo de cuidado, e que desde os 6 meses de idade não tinha tido qualquer contacto com aquele Progenitor.

87. Uma situação de risco grave para a criança, por poder ficar sujeita a perigos de ordem psíquica a que alude a apontada alínea b) do art.º 13.º da Convenção, sendo essa a compreensão dos Tribunais Portugueses.

88. E, ainda que se tenha reconhecido que o Progenitor não tinha contato com o Menor, como o próprio afirmou em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, ficando evidente e cristalino que o mesmo, nunca prestou qualquer cuidado ao Menor,

89. Considerando que ao determinar o regresso do Menor a Espanha, o fez sem saber quais eram as reais condições que esperavam o Menor no país vizinho, ainda que tivesse sido alertado pela Mãe.

90. Inclusivamente, o Julgador “a quo”, e depois o Tribunal da Relação, desconsideraram, que em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, o próprio Juiz de Direito reconheceu não haver informações sobre o Progenitor, vide: “Não temos relatório nenhum sobre o Pai…obviamente que eu não tenho, nos não temos soberania sobre Espanha eu não posso pedir, teria de pedir através do tribunal informações sobre o Pai, portanto tendo já informações sobre a Mãe, vamos ouvir a Mãe (Ipses Verbis aos 14:37 do primeiro arquivo de áudio).”

91. Desconsiderando a própria exigência considerada a correta pela Corte Europeia de Direitos Humanos - dever do Estado de tomar ações afirmativas para garantir o direito à família tal qual no artigo 8.º da Convenção Europeia de Direitos Humanos: “43. In particular, the Court reiterates that the mutual enjoyment by parents and children of each other’s company constitutes a fundamental element of family life and is protected under Article 8 of the Convention (see Monory v. Romania and Hungary, no. 71099/01, § 70, 5 April 2005; and Iosub Caras v. Romania, no. 7198/04, §§ 28-29, 27 July 2006).

44. In the sensitive area of family relations, the State is not only bound to refrain from taking measures that would hinder the effective enjoyment of family life, but, depending on the circumstances of each case, should take positive action in order to ensure the effective exercise of such rights. In this area the decisive issue is whether a fair balance between the competing interests at stake – those of the child, of the two parents, and of public order – was struck, within the margin of appreciation afforded to States in such matters (see Maumousseau and Washington v. France, no. 39388/05, § 62, 6 December 2007)” (...) Case 1714/10.

92. Havia decisão na Espanha determinando que a custódia do menor teria de ser avaliada pelos tribunais portugueses, e já havia ação de Regulação das Responsabilidades Parentais em Portugal que consideraria as alegações do progenitor na fixação da guarda (que poderia ser compartilhada, independentemente da residência de AA em Portugal), e tudo isso foi desarranjado pela decisão equivocada de retornar AA para um país no qual a justiça local já reconheceu que não é o local da residência habitual do menor.

93. O direito à família da Mãe e do menor AA, o direito de moradia do AA, foram violados com a decisão Portuguesa.

94. Dentro do escopo de Haia 28, como tal decisão poderia acolher os “melhores interesses” do AA’?

95. O Tribunal Português simplesmente entregou um bebé com menos de 11 meses de idade ao Progenitor, afastando da sua figura de referência, a sua Mãe.

96. Ao decidir desta maneira, o Tribunal “a quo” violou grosseiramente, o artigo 13.º, último parágrafo, da Convenção de Haia na medida que não teve em conta o Relatório Social, efetuado, que atestou inequivocamente, que o Menor estava afectivamente ligado à Mãe, em Portugal.

97. E ao não pedir, nem tentar de qualquer forma obter, “informações respeitantes à situação social da criança”, nem da Autoridade Central nem de qualquer autoridade competente do alegado país de residência, indicado no pedido de cooperação.

98. O Tribunal “a quo” e o Tribunal da Relação de Lisboa, andaram, assim, mal, tendo errado ao não atentar, aos superiores interesses da criança, ordenando o regresso imediato da criança a um país, no qual não residia, e que enquanto lá esteve, se encontrava acompanhada da sua Mãe e agora encontra-se a cuidados de um terceiro desconhecido.

99. Consubstanciando um risco desnecessário e escusado para este bebé.

100. Sendo reconhecido pela Exma. Senhora Juíz Desembargadora Maria de Deus Correia, nas suas declarações de voto vencido, e passa-se infra a citar: “Não pode deixar de se considerar “intolerável” para uma criança de 16 meses, ser retirada à força da companhia da Mãe, para ser entregue num país diferente, num agregado familiar com o qual não tem qualquer ligação e deixá-la nessa situação, enquanto decorrem as demandas judiciais.”

101. A separação de um bebé de 11 meses da sua Mãe, vai contra o seu próprio bem-estar emocional e psicológico, que se vê privado do contacto com a imagem de referência, a Mãe, a quem se encontra necessariamente vinculado, sem que se possa compreender a razão do súbito afastamento.

102. Não apenas, pela recorrente tentativa de quebra de vínculo, com limitações e impedimentos das videochamadas entre a Mãe e o Menor, mas também pela negligência nos cuidados do Progenitor com o Menor.

103. E com isso verifica-se que o Tribunal “a quo” e consequentemente o Tribunal da Relação de Lisboa, ao manterem a decisão, erraram ao interpretar e aplicar as normas contidas na Convenção de Haia de 1980, violando o seguintes artigos:

- artigos 3.º, 5.º: na medida que não houve uma violação do direito de custódia, pois ainda que a mesma não estivesse regulada juridicamente, formalmente era assente que cabia a Mãe, com residência em Lisboa, Portugal.

- artigo 7.º, b) e i): na medida que causou danos graves ao Menor e à Mãe, diante da separação do Menor, de apenas 11 meses de idade de sua Mãe, imagem de referência, para estar sendo cuidada por uma terceira pessoa, desconhecida.

- artigo 13.º: na medida que a Mãe se opôs, tendo sido atribuída a residência habitual do Menor pelo Tribunal Espanhol (Juzgado de Primera Instancia e Instrucción Numero 2 de ...). Tendo sido amplamente demonstrado que o Progenitor tinha dado o seu consentimento para a residência do Menor em Lisboa. E que o Progenitor usou abusivamente do processo, ao omitir informações, obstruindo a justiça portuguesa e espanhola. Assim como se verifica o grave risco da separação do Menor da Mãe, estando sob cuidados de terceiros desconhecidos.

- artigo 14.º: na medida que não reconheceu uma decisão judicial do Tribunal Espanhol (Juzgado de Primera Instancia e Instrucción Numero 2 de ...), que havia reconhecido a residência habitual do Menor como sendo Portugal, decisão essa que obstava que a presença do Menor em território nacional pudesse constituir uma deslocação ou retenção ilícita.

- artigo 15.º: na medida que não exigiu ao Estado da alegada residência habitual (Espanha) a confirmação desta residência habitual e da ilicitude da transferência e/ou da retenção do Menor, já que tudo que estava articulado e documentado nos autos elidiam qualquer pretensão de configurar a Espanha como a residência habitual do Menor.

- artigo 17.º: na medida que o Tribunal a quo nem sequer tomou em

consideração os motivos da decisão proferida pelo Tribunal Espanhol (Juzgado de Primera Instancia e Instrucción Numero … de ...);

- artigo 20.º: na medida que não foram respeitados os princípios fundamentais dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, o processo foi efetuado em evidente abuso e uso reprovável do processo, em que o Progenitor fez falsas Alegações e omitiu informações cruciais a justiça (portuguesa e espanhola) com a simples motivação de afetar a Mãe, por esta ter legitimamente o denunciado por violência de género em Espanha.

104. Com esta posição, para além da grave violação de diversos dispositivos legais da própria Convenção de Haia, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância e o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, violou de forma grosseira e notória, cumulativamente, os artigos 6.º, 7.º. 8.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e o n.° 6 do artigo 36.° da Constituição da República Portuguesa, que preconiza que os Filhos não podem ser separados dos Pais.

105. E, por conseguinte, a douta decisão não protegeu o superior interesse do Menor (nem o sopesou!) e com isto violou o disposto nos artigos 4.º e 40.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro.


Por contra-alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público adere agora, seja ao voto de vencido, seja às alegações da Recorrente.

Factos Apurados

1) AA, nascido em … de Fevereiro de 2020, natural ..., ..., ..., é filho de BB e de CC.

2) Aquando do nascimento do menor e até ao dia … de Agosto de 2020, os pais viviam em Espanha, juntamente com o Filho.

3) Em … de Agosto de 2020, a Requerida / Progenitora viajou com o Filho para Portugal, onde passou a viver até hoje.

4) A Requerida trouxe o Filho para Portugal sem o conhecimento e a autorização do Requerido / Progenitor, o qual não autorizou a sua permanência em Portugal.

5) O Progenitor formulou pedido de regresso do Filho junto da Autoridade Central de Espanha.

6) Corre termos o processo de regulação do exercício do poder paternal n.º 17505/20…, do Juiz … do Juízo de Família e Menores de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, relativo à Criança elencada em 1), instaurado pela Progenitora em 31 de agosto de 2020, o qual se encontra suspenso em face da instauração do presente procedimento.

7) Em Setembro de 2020, AA integrou a creche na «A.…», com a educadora de sala DD, frequentando o equipamento de infância com assiduidade e pontualidade.

8) AA encontra-se a ser acompanhado na Unidade de Saúde..., pela Dr.ª EE, onde tem consultas efetuadas e o Plano Nacional de Vacinação atualizado.

9) A Progenitora e o Filho residem num apartamento de tipologia T0, limpo e organizado, oferecendo condições de higiene e salubridade, com as divisões a dispor de mobiliário adequado à tipologia da casa e ao número de elementos do agregado.

10) (…) Existem bens essenciais ao descanso, alimentação, higiene, vestuário e segurança da Criança, respondendo às suas necessidades, decorado e investido de acordo com a idade da Criança, dispondo de um espaço para brincar, no qual existiam brinquedos adequados à idade e estimulantes ao seu desenvolvimento.

11) O Requerido / Progenitor reside com três filhos (de 10, 8 e 6 anos de idade) uma quinzena por cada mês, em residência com dois edifícios, jardim e piscina, onde trabalha uma empregada doméstica (diariamente) e, por vezes, jardineiros.


Conhecendo:



I


Uma primeira nota para recordar encontrarmo-nos perante um processo regulado pela lei portuguesa no âmbito do artº 49º RGPTC, com a natureza de jurisdição voluntária (artº 12º RGPTC).

O tribunal sempre poderia, assim, afastar-se da legalidade estrita, optando pela solução “mais conveniente e oportuna”, para a resolução dos interesses postos a seu cargo (artº 987º CPCiv) e que, em consequência, das decisões tomadas com esses referidos critérios de conveniência e oportunidade não é possível recorrer de revista (artº 988º nº 2 CPCiv).

Todavia, pode ser a própria lei a impor determinados requisitos para a adopção da medida tutelar e, nessa medida, o juízo sobre a integração dos factos na previsão legal não será, em si, um juízo de conveniência e oportunidade de aplicação de medidas – antes um juízo de integração dos factos apurados na lei vigente.

Foi o que se passou no caso da decisão recorrida:

- invoca o artº 11º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003 (possibilita o pedido às autoridades competentes do Estado-Membro de decisão baseada na Convenção de Haia de 25/10/80, a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado-Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ou retenção ilícitas);

- invocou o artº 11º da Convenção de Haia (procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança);

- ponderou a aplicação do artº 13º al. b) da Convenção – excepção à aplicação do regime de recondução das crianças para o país onde se encontravam antes da actuação ilegítima (por risco grave de perigos de ordem física ou psíquica ou de qualquer outra situação intolerável), e afastou no caso, fundando-se em doutrina atinente, o grau de gravidade que pode justificar a recusa da recondução da criança (o voto de vencido considerou, ao invés, “intolerável” que uma criança de 16 meses seja retirada da companhia da mãe, figura afectiva de referência, para ser entregue num país diferente e para integrar agregado familiar com o qual não tem ligação).

Diga-se que, substancialmente, a decisão por maioria confirmou a sentença anteriormente proferida, perfilhando também a mesma fundamentação.

Nada obstava assim ao recurso de revista.



II


Nos termos do artº 1º da Convenção de Haia, a mesma tem por objectivo:

- assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;

- fazer respeitar, de modo efectivo, nos outros Estados Contratantes, os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.

Este “direito de custódia” inclui o direito relativo aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito a decidir sobre o local da sua residência (artº 5º).

A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:

- se verifique violação do direito de custódia atribuído pela lei do Estado, decisão judicial ou administrativa, ou acordo vigente (artº 3º al. a) e 2º§);

- o direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar, se tais acontecimentos não tivessem ocorrido (artº 3º al. b).

O Regulamento nº 2201/2003 (Regulamento Bruxelas II-bis), que prevalece sobre a Convenção nas relações entre os Estados-Membros vinculados pelo Regulamento – artº 60º al. e) melhor especifica a caracterização da “deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”, estabelecendo, no artº 2º nº 11, que tal deslocação ou retenção ocorre quando:

a) Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e

b) No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera-se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.

Em interpretação dos factos provados e da lei aplicável, as instâncias constataram a existência duma “deslocação ilícita da criança”, nos termos do Regulamento e da Convenção.

Significativamente, escreveu-se na sentença:

“Em Espanha, como em Portugal, a filiação não matrimonial (como a matrimonial) confere a ambos os Progenitores o exercício das responsabilidades parentais, devendo este exercício ser realizado conjuntamente por ambos os Progenitores, ou só por um com o consentimento expresso ou tácito do outro; em caso de desacordo, qualquer dos progenitores poderá recorrer ao Tribunal, que atribuirá a faculdade de decidir a um deles (conferir artigos 108.º, 154.º e 156.º do Código Civil Espanhol).”

De facto, em Portugal, o artº 1906º CCiv rege:

“1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.”

“2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.”

O regime legal em vigor do artº 1906º CCiv determina que as “responsabilidades parentais”, relativamente a questões “de particular importância para a vida do filho”, são exercidas em comum por ambos os progenitores (nº 1 do artº 1906º) e, em decorrência, que a decisão incluirá “manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores” (nº 8), genericamente tendo estabelecido preferência no sentido da “parentalidade conjunta”.

Pronuncia-se assim a Consª Maria dos Prazeres Beleza, Jurisprudência sobre Rapto Internacional de Crianças, Julgar, 14º/85, aliás em consonância com o artº 3º da Convenção – “exige-se como condição da ilicitude da deslocação ou retenção que a guarda estivesse efectivamente a ser exercida pelo progenitor que pretende o regresso da criança deslocada ou retida, ou devesse estar, se isso não tivesse sucedido”.



III


No caso dos autos, não vemos razão para negar a conclusão relativa à “deslocação ilícita”.

Decisiva é a constatação do local onde a criança nasceu e onde se encontrava, quando de lá foi retirada pela mãe, que se ausentou para Portugal, sem conhecimento ou autorização do pai.

É certo que a mãe do menor passou o período de gravidez em Portugal, de acordo com dados do inquérito social, mas não é menos certo que demonstrou um comportamento confessadamente errático, ora estando em Portugal (onde possuía estudos superiores de doutoramento suspensos), ora residindo em Espanha.

E. seja no momento do nascimento, seja em Junho de 2020, no momento em que se deslocou em definitivo para Portugal, residiu em Espanha.

Cabia ter consultado ou obtido consentimento do pai do menor para a referida deslocação.

Nesse sentido, existiu deslocação ilícita, que não pode ser obstaculizada por actuações esparsas e não demonstrativas de consentimento para a deslocação, da parte do pai do menor – a decisão do Julgado de 1ª Instância de ..., que decisivamente entendeu que o menor residia em Lisboa, operou apenas para efeitos da declaração de incompetência do tribunal espanhol para o conhecimento da regulação das responsabilidades parentais e constituiu um elemento probatório mais que foi analisado nas instâncias (em 1ª e em 2ª instâncias), tendo elas fixado, de forma que não nos é lícito sindicar, que pai e mãe viviam em Espanha e que a mãe se deslocou para Portugal, na companhia do menor, mas sem autorização do pai.

Parece que a situação dos autos é bem retratada por Luís Lima Pinheiro, Direito da Família e Direito dos Menores: Que Direitos no Século XXI, disponível a partir de portal.oa.pt:

“A expressão “rapto internacional” - utilizada para designar a Convenção, não traduz bem a realidade social subjacente, que é normalmente  o  desenlace  dramático  de  um casamento  ou  união transnacional. A criança é vítima deste drama, como o são os seus pais. Nos casos mais paradigmáticos, os pais separam-se e um deles, as mais das vezes a mãe, regressa ao seu país de origem levando consigo a criança sem autorização do pai. As razões da deslocação da mãe para outro país são variáveis: frequentemente razões compreensíveis de natureza económica e afetiva, mas por vezes também o desígnio de privar o pai da convivência com a criança.”

“Perante este drama, o regime da Convenção exprime a seguinte valoração: a criança deve regressar o mais rapidamente possível ao país onde tinha a residência habitual antes da deslocação ou retenção, uma vez que a autoridade competente deste país é a mais bem colocada para decidir sobre a custódia e a residência, e que a permanência da criança noutro país tende a dificultar a adoção das soluções mais adequadas. Com razão se afirma que o procedimento com vista ao regresso da criança é uma “luta contra o tempo”.

No caso dos autos, a mãe do menor não regressou ao seu país de origem, o …, mas antes regressou a Portugal, onde havia suspendido um programa de doutoramento, que retomou, onde possuía residência, e onde há notícia que chegou a encontrar-se acompanhada de sua mãe, a avó do menor.



IV


Condições existem, porém, nas quais o regresso imediato da criança em situação de deslocação ilícita pode conduzir a uma situação de recusa do regresso da criança – são elas as circunstâncias aludidas nos artºs 12º, 13º e 20º da Convenção de Haia.

Particularmente discutida no processo foi a situação aludida na al. b) do artº 13º – quando exista o risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.

“O principal fundamento de oposição à decisão de regresso é o risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a danos de ordem física e psicológica ou, de qualquer outro modo, em situação intolerável. Este preceito deve ser interpretado à luz da primazia atribuída ao superior interesse da criança nas decisões que lhe dizem respeito pelo artº 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança” (cf., Luís Lima Pinheiro, loc. cit., pg. 685).

E, neste aspecto, nada existe que apontar à justeza das observações do voto de vencido na Relação.

Para uma criança com 16 meses de idade (à data do acórdão) ou 11 meses (à data da sentença), que privou permanentemente com a mãe, que assim se constituiu como figura afectiva de referência para a criança, a separação física operada pelo regresso a Espanha (que foi executada após a prolação da sentença) só pode considerar-se uma violência, susceptível de afectar o equilíbrio psíquico dessa criança, constituindo uma situação intolerável.

Encontramo-nos perante uma criança com menos de dois anos de idade, quase tendo passado de um período de indistinção inicial com a mãe para uma situação de individualidade que deve ser sustentada por sentimentos de segurança e confiança que estarão na base da sua empresa evolutiva.

Trata-se de sustentar a imaturidade inicial do ser humano com os cuidados que, de forma contínua, deve ter e que, em determinadas circunstâncias, podemos dizer habituais, mas, sobretudo, nas circunstâncias dos autos, cabiam à mãe.

Sendo certo que, hoje em dia, as funções arquetípicas maternais e parentais se dividem mais harmonicamente entre a mãe e o pai, mais do que era hábito em décadas passadas, e que muitos pais sabem hoje desempenhar adequadamente a singular função maternal, os autos não denotam que assim fosse na divisão de tarefas parentais entre os concretos pai e mãe do processo (o Requerido vive é certo com três filhos, de outra mãe, mas com eles goza apenas de convívio partilhado, uma quinzena por cada mês).

O regresso da criança deve ser recusado nos casos em que a separação seja claramente mais prejudicial à criança do que a permanência com o progenitor que a deslocou ou reteve ilicitamente (Luís Lima Pinheiro, loc. cit., pg. 686).

Este mesmo Autor salienta adequadamente – nem todos os fundamentos de oposição ao regresso da criança devem ser interpretados restritivamente, impondo-se uma interpretação conforme à Convenção sobre os Direitos da Criança, no sentido da prevalência do seu superior interesse.

Como salientou o voto de vencido, na Relação – “não pode deixar de se considerar “intolerável”, para uma criança de 16 meses, ser retirada à força da companhia da mãe, para ser entregue num país diferente, num agregado familiar com o qual não tem qualquer ligação e deixá-la nessa situação, enquanto decorrem as demandas judiciais”.

Concluindo:

I – Se, no acórdão proferido em apelação, se invocou o artº 11º do Regulamento (CE) nº2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003 (possibilita o pedido às autoridades competentes do Estado-Membro de decisão baseada na Convenção de Haia de 25/10/80, a fim de obter o regresso de uma criança ilicitamente deslocada ou retida num Estado-Membro), o artº 11º da Convenção de Haia (procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança) e se ponderou a aplicação do artº 13º al. b) da Convenção – excepção à aplicação do regime de recondução das crianças para o país onde se encontravam antes da actuação ilegítima (por risco grave de perigos de ordem física ou psíquica ou de qualquer outra situação intolerável), o juízo de conveniência e oportunidade de aplicação de medidas foi um juízo de integração dos factos apurados na lei vigente, pelo que era possível o recurso de revista.

II – A filiação não matrimonial (tanto como a matrimonial) confere a ambos os Progenitores o exercício das responsabilidades parentais, devendo este exercício ser realizado conjuntamente por ambos os Progenitores, ou só por um com o consentimento expresso ou tácito do outro; em caso de desacordo, qualquer dos progenitores poderá recorrer ao Tribunal, que atribuirá a faculdade de decidir a um deles, pelo que se exige, como condição da ilicitude da deslocação ou retenção, que a guarda estivesse efectivamente a ser exercida pelo progenitor que pretende o regresso da criança deslocada ou retida, ou devesse estar, se isso não tivesse sucedido.

III – O preceito da al. b) do artº 13º da Convenção de Haia – verificação de risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável - deve ser interpretado à luz da primazia atribuída ao superior interesse da criança nas decisões que lhe dizem respeito pelo artº 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança; nesta conformidade, nem todos os fundamentos de oposição ao regresso da criança devem ser interpretados restritivamente.

IV – Para uma criança com 16 meses de idade (à data do acórdão) ou 11 meses (à data da sentença), que privou permanentemente com a mãe, que assim se constituiu como figura afectiva de referência para a criança, a separação física operada pelo regresso a Espanha é de considerar uma violência, susceptível de afectar o equilíbrio psíquico da criança, constituindo uma situação intolerável.


Decisão:

Julga-se a apelação interposta pela Requerida procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, não se ordenando o regresso da criança AA a Espanha.

Custas a cargo do Requerido.


S.T.J., 08/09/2021


Vieira e Cunha (relatora)                                              

Abrantes Geraldes                                              

Tomé Gomes


Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade do Exmº Conselheiro António Abrantes Geraldes e do Exmº Conselheiro Manuel Tomé Soares Gomes, que compõem este coletivo.