I – Em sede de ressarcimento do dano patrimonial futuro, e tendo o dano repercussão sobre a necessidade de aquisição ou produção de rendimentos, por parte do lesado, deve ser ressarcido atribuindo um capital que se venha a esgotar no final da vida do lesado - “vida do lesado”, e não apenas a respectiva “vida activa”, já que, mesmo na situação de pensionista, existem, na normalidade da vida, trabalhos e actividades que se desenvolvem e que envolverão um esforço necessariamente superior.
II – A indemnização pela perda da capacidade de trabalho atingirá um montante tendencialmente equivalente à respectiva perda total e efectiva, tendo por norte “a medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” – artº 566º nº 2 CCiv, sem prejuízo de um apelo fundamental à equidade – artº 566º nº 3 CCiv.
III – “O juízo prudencial e casuístico em matéria de dano não patrimonial deve ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade .
Referências
AA, BB e CC intentaram a presente acção com processo de declarativo e forma comum contra Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A., formulando o seguinte pedido de condenação da Ré:
-A pagar à Autora indemnização no montante de € 12.499,28 (doze mil e quatrocentos e noventa e nove Euros e vinte e oito cêntimos) a título de danos patrimoniais emergentes, que incluem despesas com consultas, tratamentos dentários e perícias;
- A pagar à Autora os montantes que esta tiver que despender com medicação, tratamentos e consultas médicas que sejam necessárias para reduzir ou eliminar lesões geradas pelo acidente, quer as já detectadas quer as eventualmente ainda não detectadas;
- A pagar à Autora indemnização no montante de € 49.945,70 (quarenta e nove mil e novecentos e quarenta e cinco Euros e setenta cêntimos) a título de danos patrimoniais futuros já determinados, na vertente de lucros cessantes;
- A pagar à Autora os montantes de lucros cessantes ainda não determináveis, mas que eventualmente se verifiquem no futuro;
- A pagar à Autora indemnização no montante de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil Euros) a título de danos não patrimoniais;
- A pagar ao 2.º Autor indemnização no montante de € 5.000,00 (cinco mil Euros) a título de danos não patrimoniais;
- A pagar à 3.ª Autora indemnização no montante de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos Euros) a título de danos não patrimoniais.
Invocam, para o efeito, o acidente de viação em que a 1ª Autora foi atropelada por um veículo automóvel, cujo proprietário havia transferido para a Ré a respectiva responsabilidade pelos danos derivados da circulação do veículo, Ré essa que, aliás, assumiu inteira responsabilidade pela ocorrência do sinistro.
Mais invocam os danos patrimoniais e não patrimoniais para eles AA. decorrentes do evento em causa e que contabilizam nos montantes peticionados.
A Ré contestou fundamentalmente impugnando a razoabilidade ou adequação desses referidos montantes.
As Decisões Judiciais
Na sentença proferida na Comarca, foi julgado o pedido formulado na acção parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar à 1ª Autora a quantia global de € 21.879,28, fundada nas seguintes parcelas - € 12 000 (danos não patrimoniais), € 6 000 (dano biológico), € 3 879,28 (despesas ocorridas por força do acidente).
A decisão foi alterada na Relação para € 20 000 (dano biológico/não patrimonial futuro) e € 60 000 (danos não patrimoniais), mantendo-se o mais decidido.
Conclusões da Revista da Ré:
1ª - O Supremo Tribunal de Justiça arbitrou as seguintes indemnizações a título de dano biológico:
- Incapacidade de 3 pontos, € 8 500,00, 20-12-2017;
- Incapacidade de 5 pontos, com dificuldades acrescidas na realização de tarefas que impliquem esforço e força, € 10 000,00, 27-04-2017
- Incapacidade de 2 pontos, 15 anos de idade, € 6 000,00, 16-03-2017;
- Incapacidade de 7 pontos, sem afectação da capacidade e do exercício da actividade profissional habitual, 35 anos de idade, € 10 000,00, 06-10-2016;
- Incapacidade de 5 pontos, compatível com o exercício da actividade profissional, 32 anos de idade, € 10.000,00, 02-06-2016;
- Incapacidade de 2 pontos, compatível com actividade profissional, embora com limitações, 25 anos de idade, € 11.000,00, 02-06-2016;
- Incapacidade de 3 pontos, compatível com actividade habitual, com esforços suplementares, 42 anos de idade, € 15.000,00, 07-04-2016;
- Incapacidade de 3 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares, 28 anos de idade, € 20.000,00, 17-12-2015;
- Incapacidade de 4 pontos, implicando esforços suplementares numa actividade normal, 10 anos de idade, € 12.500,00, 11-02-2015.
2ª - Nestes casos julgados, um valor médio de € 103.000,00:34 = € 3.029,41 por ponto ou € 302.941,00 pelos 100 pontos.
3ª - Verifica-se uma clara desproporção entre o montante arbitrado pelo douto acórdão recorrido e os montantes normalmente arbitrados pelo Supremo Tribunal de Justiça para casos análogos, afigurando-se-nos que estamos igualmente perante um valor exorbitante que urge corrigir.
4ª – A valer o critério do douto acórdão impugnado a 100 pontos corresponderia a título de dano biológico o valor de € 1.000.000,00 social e economicamente absolutamente incomportável, e para a sociedade (comunidade) de segurados impossível de garantir;
5ª - A indemnização a arbitrar à recorrida a título de dano moral deverá ser fixada em não mais de € 15.000,00.
6ª - O douto acórdão recorrido aplicou erradamente o disposto nos arts. 483º, nº 1, 496º e 566º, nº 3 do Código Civil.
Por contra-alegações, a 1ª Autora sustenta:
a) Não deve o recurso interposto ser admitido, dado que a admissão violaria o disposto no número 3 do artigo 671.º, em conjugação com o disposto no número 2 do artigo 629.º e o disposto no número 1 do artigo 672.º, todos do CPC; e, caso assim não se entenda
b) Não deve ser dado provimento ao recurso, dada a deficiência e falta de especificação das alegações e conclusões apresentadas, assim como a irrelevância do valor que a recorrente considera ser o normalmente atribuído pelo dano morte quando dissociado de outras circunstâncias que o legislador prevê especificamente que sejam ponderadas na fixação da indemnização por danos morais e outras, relativas ao caso concreto, que os Tribunais estão obrigados a ponderar.
Factos Apurados
Do Acordo das Partes
A) No dia … de Julho de 2017, pelas 20h00, a Autora começou a atravessar a Rua …, em …, na passadeira localizada perto da esquina da mesma com a Rua …..
B) A Rua …. conta com duas faixas no sentido ascendente (em direcção ao Centro Comercial …) e duas no sentido descendente (em direcção ao Largo …).
C) A Autora começou a atravessar a passadeira após paragem dos veículos que circulavam em ambos os sentidos.
D) Quando se encontrava na passadeira, a Autora foi embatida pelo motociclo com matrícula ...-...-UN, marca …. (…), com mais de 250kg de peso.
E) O referido motociclo era conduzido por DD.
F) DD firmou com a Ré o “acordo de seguro”, denominado “Direct”, do ramo automóvel, pelo qual transferiu a esta, que aceitou, os riscos apontados na apólice n.º …295, junta por cópia a fls. 180-181 e cujo integral teor se dá aqui por reproduzido, nomeadamente a responsabilidade civil automóvel emergente da circulação do motociclo ...-...-UN.
G) A Ré assumiu a responsabilidade pela ocorrência do sinistro.
H) O condutor explicou o atropelamento com o facto de ter sido encadeado pelo sol.
I) O corpo da Autora foi projectado e percorreu uma distância entre 3 metros e 5 metros antes de embater na via de alcatrão.
J) O embate e posterior queda deram-se sem que a Autora tivesse tempo para fazer uso dos braços para proteger a cara e o corpo.
L) O INEM foi accionado e, após imobilização da Autora com colar cervical, esta foi transportada em ambulância para a urgência do Hospital …
M) Em consequência do embate a Autora sofreu dores cujo quantum doloris foi fixado no grau 4 de 7.
N) E ficou com um dano estético permanente fixado em grau 4 de 7.
O) CC nasceu a … de Janeiro de 2016 e é filha de BB e de AA.
P) A 1.ª Autora despendeu:
a) em consultas no Hospital de … e medicação, respectivamente, € 34,00 e € 15,28;
b) em avaliações de dano corporal € 1.130,00.
Da Discussão da Causa:
1) Em consequência do embate a Autora sofreu:
a) Traumatismo cranioencefálico;
b) Trauma da hemiface direita;
c) Trauma do joelho direito e esquerdo;
d) Hipertensão;
e) Dor lombar e nos joelhos;
f) Hematoma periorbitário direito, com condicionamento do encerramento da fenda palpebral;
g) Hematoma da hemiface direita;
h) Ferida incisa na região supra-orbitária direita, com exposição óssea;
i) Ferida incisa no mento;
j) Escoriação do cotovelo direito;
k) Escoriação dos joelhos;
l) Escoriação na face interna do pé direito;
m) Queixas álgicas generalizadas, com maior intensidade na região dos joelhos, bilateralmente, assim como na região lombar;
n) Hematoma subaracnóideo sulcal, do tipo pós-traumático, a nível occipital;
o) Dor facial, sobretudo pré-auricular e do lábio inferior;
p) Alteração da oclusão habitual;
q) Obstrução da fossa nasal direita;
r) Ferida inciso-contusa supraciliar direita, com exposição óssea;
s) Ferida incisa do lábio inferior esquerdo;
t) Visão turva e diplopia binocular na posição neutra do olhar;
u) Enfisema palpebral superior e inferior;
v) Dor na órbita direita;
w) Dor à palpação da pirâmide nasal;
x) Perda total do 21.º dente, provocada pelo trauma, com hemorragia recente do alvéolo;
y) Fracturas nos 11.º, 12.º e 22.º, ficando os mesmos fora do posicionamento da arcada e correndo o risco de perda de vitalidade;
bb) Feridas cutâneas;
cc) Fratura do complexo zigomáticomaxilar com afundamento marcado;
dd) Fractura dos ossos próprios do nariz (OPNs) e do septo;
ee) Fractura parasagital do palato e do terço médio com envolvimento das apófises pterigóides.
2) A Autora realizou 3 (três) TACs: dois TAC cranioencefálicas e uma TAC maxilo-facial.
3) A Autora realizou radiografias várias.
4) A 15 de Julho de 2017, a Autora foi submetida, sob anestesia geral, para:
i) Colocação de Barras de Erich na arcada dentária superior;
ii) Abordagem vestibular superior direita, infraorbitária e translesional por ferida supraciliar direita para exposição de focos de fractura;
iii) Redução de fractura do complexo zigomaticomaxilar com gancho de Ginest e osteossíntese do pilar zigomaticomaxilar com placa de 4 furos, rebordo orbitário com placa curva e sutura zigomáticofrontal com placa 4 furos;
iv) Redução de fractura dos ossos próprios do nariz com colocação de gg e merocell à direita + merocell à esquerda. Colocação de tala de alumínio de contenção externa;
v) Plastia de ferida supraciliar direita e infralabiais.
5) A Autora retirou tamponamento nasal às 72 h de pós-operatório.
6) Os cuidados pós-alta indicados foram:
i) Cumprir a medicação prescrita;
ii) Fazer dieta mole até à data da consulta;
iii) Não assoar nem fungar;
iv) Não fazer esforços nem pôr a cabeça para baixo durante 4 semanas.
7) A medicação prescrita foi:
i) Antibióticos;
ii) Analgésicos;
iii) Solução para lavagem de boca;
iv) Pomada oftalmológica.
8) A Autora esteve internada entre 14 de Julho de 2017 e 18 de Julho de 2017.
9) Nos momentos seguintes ao embate, quando a Autora avaliou a sua capacidade de movimento do corpo, receou ter ficado impossibilitada de andar, receio que se adensou durante o tempo em que esperou pela ambulância e mais ainda quando lhe foi colocado o colar cervical pelos elementos do INEM.
10) A Autora sofreu um défice funcional temporário total em 5 dias.
11) A Autora sofreu um défice funcional temporário parcial em 142 dias.
12) O período de repercussão total temporária na actividade profissional fixa-se em 55 dias.
13) O período de repercussão parcial temporária na actividade profissional fixa-se em 92 dias.
14) A Autora ficou a padecer de uma afectação permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos.
15) A Autora foi obrigada a permanecer, durante mais de um mês, em posições que impedissem que, em momento algum, tivesse a cabeça para baixo.
16) Durante esse mês a Autora saiu de casa apenas para actos médicos.
17) Durante o tempo de internamento, a Autora e o 2.º Autor não permitiram que a 3.ª Autora visitasse a primeira, de forma a poupar a criança ao choque causado pela aparência da Autora.
18) Quando a Autora saiu do internamento e durante as duas semanas seguintes, a 3.ª Autora ficou com a Avó, Mãe do 2.º Autor.
19) Quando a 3.ª Autora regressou a casa a 1ª Autora apresentava cicatrizes, inchaços, hematomas e pontos perfeitamente visíveis.
20) E por isso a 3.ª Autora olhava assustada para a 1.ª Autora e chorava.
21) Na primeira semana após ter voltado a pernoitar em casa dos pais, a menor ficava agarrada ao pai, 2.º Autor.
22) Só passado uma semana é que se aproximou da 1.ª Autora.
23) A 1.ª Autora era e é uma mulher preocupada com a sua aparência física, que cuidava e valorizava como fonte de auto-estima que lhe dava maior confiança na sua vida pessoal e profissional.
24) Foi colocada uma barra oral metálica.
25) Em consequência do que a Autora deixou de sorrir como antes.
26) Nas primeiras semanas, evitava de todo abrir a boca por causa das dores e para impedir que alguém conseguisse ver o interior da mesma.
27) Quando não conseguia evitar abrir a boca, passou a colocar uma mão à frente da mesma.
28) Depois da reconstrução temporária das peças dentárias perdidas e fracturadas e de ser retirada a barra metálica, a Autora manteve um sorriso fechado e adquiriu o hábito, perante familiares ou estranhos, de colocar a mão à frente da boca quando sorri e quando fala com pessoas que se encontram a curta distância.
29) A Autora continua em tratamentos dentários.
30) Durante um mês a Autora não conseguiu conduzir.
31) Após o período de internamento, a Autora foi a várias consultas médicas, tanto para tratamento como para acompanhamento.
32) Para as quais era transportada pelo 2.º Autor ou pela sua mãe durante o período em que não conseguiu conduzir.
33) A Autora foi a consultas no consultório do médico dentista Dr. EE.
34) À data da propositura da presente acção – 27.11.2018. – a Autora havia sido aconselhada a colocar um aparelho dentário.
35) O qual se manteria por pelo menos mais um ano e meio.
36) E proceder à colocação de implante definitivo em lugar do dente perdido e de facetas definitivas nas peças fracturadas.
37) Os factos referidos no ponto 1) e as dores e das inibições impediram a Autora de ajudar na lide da casa e no acompanhamento da filha menor, quer na vertente afectiva, quer na vertente pedagógica e escolar, quer na vertente lúdica e social.
38) A Autora, desde até antes de obter a sua licenciatura, desejava ardentemente ser Mãe.
39) A 3.ª Autora estava, à data, dependente dos pais e muito apegada a estes.
40) Após o embate e durante 3 meses a Autora não pôde ter a 3.ª Autora ao colo pelo risco de esta a atingir nas zonas da cara e do corpo ainda sensíveis e não a conseguia deitar para dormir, como fazia praticamente todas as noites antes do embate.
41) A Autora deixou de poder fazer refeições que apreciava, à base de alimentos sólidos, tendo, durante um mês e meio, por imposição médica, só fez dieta mole.
42) Na data da propositura da presente acção - 27.11.2018. - os médicos autorizaram a Autora a realizar uma dieta mais abrangente.
43) Mas a Autora não consegue morder e mastigar normalmente alimentos duros como maçãs, por ser difícil a habituação às peças dentárias artificiais e por ainda sentir alguns dos restantes dentes a abanar.
44) A 1.ª Autora vive desde 2012 com o 2.º Autor em comunhão de mesa, cama e habitação como se de marido e mulher se tratassem, à vista de todos.
45) Em consequência do embate, das lesões e dores provocadas e dos tratamentos, a Autora e o 2.º Autor estiveram impossibilitados de ter relações sexuais um com o outro durante dois meses.
46) Antes do embate a Autora não padecia de inibição sexual.
47) Devido à sua actual aparência ao nível da face, a Autora sente-se limitada e diminuída.
48) Tal consciência resultou em tristeza e na falta de segurança.
49) Antes do embate a Autora estava presente em convívios sociais, como jantares de aniversário de amigos e conhecidos e aqueles que o unido de facto promove com parceiros de negócios e clientes.
50) As consciências das alterações na sua aparência, nomeadamente ao nível da face, fizeram com que deixasse de estar presente com a mesma regularidade e, quando está presente, passou sentir-se mais constrangida.
51) A Autora exerce as funções de auditora e tem de estar presente nas instalações dos clientes.
52) O 2.º Autor, depois do contacto de uma das colegas da Autora que a acompanhava na altura do embate, dirigiu-se ao local onde o mesmo ocorrera.
53) Quando o 2.º Autor chegou ao local, a Autora estava imobilizada com colar cervical e a ser acompanhada pelos profissionais do INEM.
54) O 2.º Autor temeu pela vida da 1.ª Autora.
55) O 2.º Autor temeu que a 1.ª Autora não pudesse voltar a andar, ainda que sobrevivesse.
56) A face da Autora apresentava diversos cortes com sangue e dentes em falta ou partidos,
57) o que causou choque ao 2.º Autor.
58) Enquanto a Autora esteve impossibilitada de conduzir, o 2.º Autor ajudou-a nos tratamentos, assegurou o transporte para consultas médicas e as compras de medicação, ao mesmo tempo que continuava a desenvolver a sua actividade profissional.
59) Durante 3 meses foi o 2.º Autor quem transportou a 3.ª Autora de e para a escola, para festas de aniversário, para visitas a familiares.
60) O 2.º Autor sentiu a relação do casal afectada.
61) A Autora tornou-se mais sensível.
62) O 2.º Autor, a pedido da Autora, deixou de insistir para que esta o acompanhe a eventos profissionais.
63) Devido ao embate e lesões causadas, a 1.ª Autora deixou de ir levar e buscar a 3.ª Autora à escola e de estar presente em eventos, situações e circunstâncias em que, antes do embate, era presença habitual.
64) A 1.ª Autora despendeu em tratamentos dentários € 2.700,00.
65) A Autora está a frequentar o mestrado em Contabilidade e Fiscalidade Avançada no ISCTE, tendo já completado a componente lectiva e iniciado a componente da dissertação, prevendo-se que obtenha o grau de mestre.
66) A Autora é candidata a Revisora Oficial de Contas, tendo concluído com sucesso os quatro exames na respectiva Ordem Profissional, que são requisito da inscrição como ROC.
67) Os factos referidos em 65) e 66) irão resultar num aumento dos rendimentos anuais derivados do trabalho em metade do que aufere actualmente.
68) A consolidação médico-legal das lesões é fixável em 7 de Dezembro de 2017.
69) A 1.ª Autora auferiu de rendimentos:
i) no ano de 2016, € 18.727,53;
ii) no ano de 2017, € 17.790,00;
iii) no ano de 2018, € 10,400,00.
Factos Não Provados
a) Na especialidade de cirurgia maxilo-facial, foi necessária colocação de implante provisório e reabilitação provisória com uma coroa do 21.º dente.
b) Na mesma especialidade e devido às fracturas nas peças dentárias 11.º, 12.º e 22.º, foi necessário proceder à sua reconstrução provisória.
c) os quais provocaram dor.
d) No momento imediatamente anterior ao embate e nos momentos imediatamente após o mesmo, a Autora temeu pela vida.
e) A 9 de Março de 2018, a Autora ainda apresentava alodinia na região do supracílio direito e hipostesia oral.
f) Esteve acamada durante o internamento e nas duas semanas seguintes.
g) A 3.ª Autora é saudável e alegre.
h) A Autora tem perfeita definição e memória da imagem da Mãe e sente a sua falta.
i) Durante várias semanas a 3.ª Autora transmitia a ambos os progenitores, tanto por expressões faciais como por palavras, uma estranheza e impressão negativa, quando se referia aos cortes recentes, hematomas, cicatrizes, inchaços vários e pontos que cobriam a face da Autora.
j) A 3.ª Autora assistiu a inúmeros momentos de dor e desconforto da mãe, 1.ª Autora.
k) A Autora é obrigada a desenvolver mais esforços para desenvolver a sua actividade profissional.
l) Em consequência do embate a Autora ficou a padecer de incapacidade permanente parcial de 2,475%.
m) A Autora auferia:
i) Uma retribuição base no valor de € 2.100,00 (dois mil e cem Euros) brutos;
ii) Subsídio de férias no valor de € 2.100,00 (dois mil e cem Euros) e subsídio de Natal no mesmo valor;
iii) Subsídio de refeição no valor de € 6,83.
Conhecendo:
Em primeiro lugar, das questões suscitadas por contra-alegações, prejudiciais do conhecimento do recurso.
Quanto à norma do artº 671º nº 3 CPCiv, é evidente que a mesma não resulta beliscada pela interposição de um recurso de revista normal ou ordinária, aliás como tal recebido.
Quer o valor da causa, quer o valor da sucumbência admitem o recurso – artºs 629º nº 1 CPCiv e 44º nº 1 LOSJ, e a decisão de 1ª instância não foi confirmada, antes revogada e condenada a Ré em montante de sucumbência que admite recurso, como afirmado.
Quanto à deficiência das alegações e das conclusões, não se nos afigura tal.
As alegações invocam claramente o exagero de cálculo do dano biológico, apresentando como fundamento para tal qualificação a própria jurisprudência citada no acórdão recorrido, bem como recorrendo ao valor da mesma jurisprudência citada para achar o valor da média pontual de incapacidade, nos tribunais superiores.
Quanto ao valor achado para os danos não patrimoniais, igualmente pugna a Recorrente por um valor mais próximo do arbitrado em 1ª instância, para o efeito citando doutrina e a jurisprudência da Relação.
Como é sabido, o controlo da fixação equitativa da indemnização é admitido, no recurso de revista, por este Supremo Tribunal de Justiça, cabendo-lhe averiguar “se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade; se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados; e se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados” (Ac. S.T.J. 14/1/2021, pº 644/12.8TBCTX.L1.S1 – Nuno Pinto Oliveira).
Sem prejuízo, “vem sendo reiteradamente sublinhado pelo STJ, o juízo de equidade de que se socorrem as instâncias na fixação de indemnização, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade (arts. 566.º, n.º 3, do CC, e 674.º, e 682.º, do CPC)” – cf. Ac. S.T.J. 17/5/2018, pº 952/12.8TVPRT.P1.S1 – Távora Victor.
Ou ainda, em suma:
“Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto sub juditio” – Ac. S.T.J. 28/10/2010, pº 272/06.7TBMTR.P1.S1 – Lopes do Rego.
Considerou-se, quer em 1ª instância, quer na Relação, enquanto componente do dano biológico, o valor dos danos patrimoniais futuros.
A sentença, para o efeito, levou em conta conhecidas fórmulas matemáticas e alguns critérios correctivos dessas mesmas fórmulas, dimanados deste Supremo Tribunal de Justiça.
Já a Relação se baseou, exclusiva e expressamente, nos padrões de avaliação jurisprudencial que cita.
Considerando, pois, a componente “perda de capacidade aquisitiva” como fundamentadora da avaliação do dano biológico, como tal impugnado por esta via de recurso, assumem relevância os seguintes considerandos:
- idade considerada da Autora, à data da consolidação das lesões – 29 anos;
- défice funcional permanente de integridade físico-psíquica – 2 pontos;
- valor do vencimento anual declarado - € 18 727,53;
- perspectiva de aumento de rendimentos por valorização académica;
- esperança média de vida de 83 anos para o sexo feminino (dados de 2020, no sítio www.sns.gov.pt).
Frise-se também que tem sido este Supremo Tribunal de Justiça do entendimento que, tendo o dano repercussão sobre a necessidade de aquisição ou produção de rendimentos, por parte do lesado, deve ser ressarcido atribuindo um capital que se venha a esgotar no final da vida do lesado - “vida do lesado”, e não apenas a respectiva “vida activa”, pois que, mesmo na situação de pensionista, existem, na normalidade da vida, trabalhos e actividades que se desenvolvem e que envolverão um esforço necessariamente superior.
Foi o que se discorreu, em reflexão e resumo sobre outra jurisprudência, no Ac. S.T.J. 8/5/2012, pº 3492/07.3TBVFR.P1 (Nuno Cameira) e expressa e desenvolvidamente se aludiu no Ac. S.T.J. 25/6/02 Col.II/133 (Garcia Marques) ou no Ac. S.T.J. 4/12/07, pº 07A3836 (Mário Cruz).
De um outro ângulo, significativamente se escreveu no Ac. S.T.J. 4/5/2010, pº 1288/03.0TBLSD.P1.S1 (Paulo Sá): “Em tese geral, as perdas salariais resultantes de acidentes de viação continuarão a ter reflexos, uma vez concluída a vida activa, com a passagem à “reforma”, em consequência da sua antecipação e/ou menor valor da respectiva pensão, se comparada com aquela a que teria direito se as expectativas de progressão na carreira não tivessem sido abruptamente interrompidas”.
Também a jurisprudência continuou a apontar para que existe uma expectativa de vida provável (não apenas de “vida activa”, ou produtora de rendimento) afectada pela incapacidade funcional, que sempre forçará a maior onerosidade (penosidade, esforço) no exercício de quaisquer tarefas da actividade diária e corrente – vejam-se os Acs. S.T.J. 10/10/2012, pº 632/2001.G1.S1 (Lopes do Rego), S.T.J. 28/3/2019, pº 1120/12.4TBPTL.G1.S1 (Tomé Gomes), S.T.J. 11/4/2019 Col.II/34 (Bernardo Domingos) ou S.T.J. 10/12/2019, pº 32/14.1TBMTR.G1.S1 (Maria do Rosário Morgado).
Acentua-se igualmente que as “fórmulas matemáticas” têm vindo a perder relevância com o tempo e a alteração das conjunturas sociais e económicas, hoje por hoje estabilizadas, ao menos na chamada “zona euro”, acentuando-se o facto de os juros das aplicações bancárias serem agora praticamente inexistentes e não sendo lícito formular a esse respeito qualquer tipo de hipóteses de alteração do circunstancialismo económico.
Portanto, a indemnização pela perda da capacidade de trabalho poderá atingir um montante tendencialmente equivalente à respectiva perda “bruta”, total, todavia uma reconstituição apegada à realidade, como a matéria é enquadrada na nossa lei civil, tendo por norte “a medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” – artº 566º nº 2 CCiv, sem prejuízo de um apelo geral (e fundamental) à equidade – artº 566º nº 3 CCiv.
Todos estes considerandos justificam plenamente o valor encontrado na Relação, de € 20 000.
A 1ª instância, considerando, sobre o mais, o dano estético e o quantum doloris, fixou o valor do ressarcimento em € 12 000,00.
Já a Relação atribuiu a essa parcela indemnizatória o valor do € 60.000,00.
Para o efeito, alinhou os seguintes, e relevantes, dados de facto:
- Nos momentos seguintes ao embate, quando a Autora avaliou a sua capacidade de movimento do corpo, receou ter ficado impossibilitada de andar;
- a Autora sofreu um défice funcional temporário total de 5 dias;
- sofreu um défice funcional temporário parcial de 142 dias;
- ficou a padecer de uma afectação permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos;
- foi submetida a cirurgia com anestesia geral;
- foi obrigada a permanecer, durante mais de um mês, em posições que impedissem que, em momento algum, tivesse a cabeça para baixo;
- durante esse mês a lesada saiu de casa apenas para actos médicos;
- esteve apartada da filha de tenra idade para evitar que a menor se chocasse com a apresentação da lesada;
- é uma mulher preocupada com a sua aparência física, que cuidava e valorizava como fonte de auto-estima que lhe dava maior confiança na sua vida pessoal e profissional;
- foi-lhe colocada uma barra oral metálica;
- em consequência do que a Autora deixou de sorrir como antes;
- nas primeiras semanas, evitava de todo abrir a boca por causa das dores e para impedir que alguém conseguisse ver o respectivo interior;
- depois da reconstrução temporária das peças dentárias perdidas e fracturadas e de ser retirada a barra metálica, a Autora manteve um sorriso fechado e adquiriu o hábito, perante familiares ou estranhos, de colocar a mão à frente da boca quando sorri e quando fala com pessoas que se encontram a curta distância;
- continua em tratamentos dentários;
- o quantum doloris foi fixado no grau 4 numa escala de 7;
- o dano estético de grau 4 numa escala de 7;
- a lesada tinha 28 anos de idade à data do acidente.
- ficou com duas cicatrizes na face, uma no sobrolho e outra na zona da boca;
- perdeu um dente da frente e lascou outros;
- devido à sua actual aparência ao nível da face, a Autora sente-se limitada e diminuída; tal consciência resultou em tristeza e na falta de segurança.
Os critérios jurisprudenciais constituem importante baliza para o raciocínio, posto que aplicáveis, ainda que por semelhança, ao caso concreto.
Não poderão todavia deixar de ser equacionados os factores de ponderação do dano levados em conta na sentença e no acórdão, pela gravidade que assumiram.
Ou seja, seguindo uma classificação doutrinal, meramente auxiliar de um raciocínio sobre os padecimentos morais, os autos patenteiam um avultado e notório “dano moral” propriamente dito, não tanto com base na incapacidade permanente (2% de incapacidade geral), mas no notório dano estético (as cicatrizes na face e as deficiências ao nível da dentição, perdida ou simplesmente afectada), conferindo um assinalável grau 4 em 7, e também na vertente do elevado “pretium doloris” (ressarcimento da dor física sofrida – grau 4, em 7) e na vertente do dano existencial e psíquico (o dano da vida de relação e o dano da dificuldade de “coping”, ou seja, do grau de dificuldade para suportar existencialmente a incapacidade), traduzido na maior penosidade das relações sociais e na ansiedade sentida em relação a básicos actos da vida de relação.
Tais danos vieram para acompanhar a Autora ao longo da sua vida, em idade ainda jovem.
Tudo ponderado, considerando o apelo à equidade (artº 496º nºs 1 e 3 CCiv), a quantia indemnizatória ascendeu ao montante de € 60 000,00 (sessenta mil euros), quantia essa que se tem por equitativa e da qual não existe, em termos globais, razão para divergir.
Veja-se, em apoio aproximativo da indemnização em causa (considerando as circunstâncias relevantes do caso, que não absolutas particularidades, não repetíveis nos casos concretos), os Acs. S.T.J. 25/5/2017, pº 868/10.2TBALR.E1.S1 – Lopes do Rego, S.T.J. 7/4/2016, pº 237/13.2TCGMR.G1.S1 – Maria da Graça Trigo, S.T.J. 10/12/2019, pº 32714.1TBMTR.G1.S1 - Maria do Rosário Morgado e S.T.J. 12/1/2021, pº 1307/14.5T8PDL.L1.S1 - Maria João Vaz Tomé.
Concluindo:
I – Em sede de ressarcimento do dano patrimonial futuro, e tendo o dano repercussão sobre a necessidade de aquisição ou produção de rendimentos, por parte do lesado, deve ser ressarcido atribuindo um capital que se venha a esgotar no final da vida do lesado - “vida do lesado”, e não apenas a respectiva “vida activa”, já que, mesmo na situação de pensionista, existem, na normalidade da vida, trabalhos e actividades que se desenvolvem e que envolverão um esforço necessariamente superior.
II – A indemnização pela perda da capacidade de trabalho atingirá um montante tendencialmente equivalente à respectiva perda total e efectiva, tendo por norte “a medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” – artº 566º nº 2 CCiv, sem prejuízo de um apelo fundamental à equidade – artº 566º nº 3 CCiv.
III – “O juízo prudencial e casuístico em matéria de dano não patrimonial deve ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade”.
Decisão:
Nega-se a revista.
Custas pela Recorrente.
STJ, 8/9/2021
Vieira e Cunha (relatora)
Abrantes Geraldes
Tomé Gomes
Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade do Exmº Conselheiro António Abrantes Geraldes e do Exmº Conselheiro Manuel Tomé Soares Gomes, que compõem este coletivo.
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· Rec. 26422/18.2T8LSB.L1.S1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Exmºs Conselheiros António Santos Abrantes Geraldes e Manuel Tomé Soares Gomes.