PERÍCIAS MÉDICO-LEGAIS
VALOR PROBATÓRIO
Sumário

I– Se o legislador impõe que o juízo técnico científico, inerente à avaliação clínico-psiquiátrica, do serviço oficial de assistência da área da residência da internada, está subtraído à livre apreciação do juiz, só pode ser porque se concluiu que técnica e cientificamente é credível, que estas perícias serão seguras e confiáveis e que os respectivos peritos gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica.

II– Não compete ao tribunal apreciar a competência dos psiquiatras e, outrossim, do relatório da avaliação-psiquiátrica nada consta que seja notoriamente errado (à luz do homem médio e da experiência comum) que justifique uma intervenção dos (leigos) juízes já que as conclusões da avaliação psiquiátrica estão em consonância com o exame pericial produzido, os peritos fundamentaram de modo razoável e suficiente a sua convicção, apreciando crítica e cientificamente a situação da internada e o relatório da avaliação clínico-psiquiátrica está devidamente fundamentado .

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


No Juiz 2 do Juízo Local Criminal de Cascais, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi proferido, em 28.04.2021, o seguinte despacho:

“Relatório de avaliação clínico-psiquiátrica de 15.4.2021 junto em 22.4.2021
Atento o teor da avaliação clínico psiquiátrica em referência, no qual se emite um juízo técnico científico subtraído, em matéria de lei de saúde mental, à apreciação do Tribunal – vide artigo 17.º LSM - determino que o(a) requerido(a) continue sujeito(a) tratamento em ambulatório compulsivo, por se manterem os pressupostos que o determinaram, por tal se revelar adequado à patologia de que padece (artigo 35.º, nº 2 da LSM).
Notifique.
Comunique ao Hospital.
Aguardem, depois, os autos por 45 dias (por referência à data desta última avaliação), decorridos os quais deverá solicitar-se ao Hospital a realização de nova avaliação do requerido, para revisão da medida (artigo 35.º, n.º 2 da LSM), devendo indicar-se expressamente se este em comparecido às consultas, toma a medicação e cumpre os tratamentos prescritos, se tem crítica para a sua doença mental, se existe risco de abandono da terapêutica e se é de manter o tratamento psiquiátrico compulsivo, em regime ambulatório, do mesmo.
Conforme promovido, oficie ainda ao Serviço de Psiquiatria do Hospital competente para que informe os autos caso ocorra qualquer incumprimento ao tratamento proposto (artigo 35.º, n.º 4 da LSM)”.
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Inconformado, a requerida interpôs recurso, concluindo do seguinte modo:

54º- Atentas as alegações supra referidas, importa sublinhar o facto da recorrente, estar há mais de quatro anos consecutivos, sujeita a internamento compulsivo em regime ambulatório, sem que para tanto, se verificam os respectivos pressupostos, carecendo, como tal, o despacho recorrido de fundamento legal, o que consubstancia a flagrante violação do disposto nos artigos 12º nº1 e nº2 e, inicialmente, do artigo 22º e segs. da Lei da Saúde Mental.
55º- O despacho recorrido, mantem o regime de internamento compulsivo sem se pronunciar e sem analisar a actualidade da existência ou não de provas, que justificassem a manutenção do internamento compulsivo da recorrente, uma vez que não foi devidamente, escrutinado e sobretudo, o que é mais grave, definitivamente e indubitavelmente, provado, uma vez que a recorrente, nunca criou, por força da sua patologia, qualquer, situação de, (verdadeiro, e não de simples presunção) efectivo perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, o que viola o disposto no artigo 12º da Lei da Saúde Mental, o que é constantemente omitido no despacho recorrido.
56º- A este respeito, deverá o Tribunal da Relação, averiguar da existência nos autos de algum tipo de prova respeitante à criação de qualquer situação de perigo, para si, e/ou para terceiros, motivada, pela sua situação clinica ou patológica, para facilmente constatar que a recorrente não representa qualquer situação de perigo.
57º- Mais, o Tribunal não aceita, sequer, a eventualidade, da recorrente, poder padecer de qualquer outra patologia, que não implique o seu internamento compulsivo, conforme já foi defendido, por outros médicos, cujos pareceres e relatórios médicos, foram por e simplesmente, desacreditados e menorizados pelo Tribunal, existindo, nesta medida, médicos com credibilidade e médicos sem credibilidade, apesar de todos serem peritos médicos, com diferentes entendimentos.
58º- Mais, os relatórios do IML, não estão no entendimento da recorrente, cabalmente, fundamentados, dando, credibilidade a uns peritos em detrimento de outros, o que fazem sem qualquer critério, retirando, credibilidade aos relatórios do medico assistente da recorrente, DR. JPC, datado a 8 de setembro de 2015, o qual, ao contrário do que o IML alega, contextualizou o diagnóstico, e os sintomas da recorrente, relacionando-os, com os conflitos verificados entre o pai e filha, ao invés, daqueles que os médicos do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, e H. de Cascais, usaram para justificar o internamento compulsivo da recorrente, o qual, é ilegal, por não se verificarem os respectivos requisitos legais, fundamentando a necessidade do internamento, apenas e só com base nos relatos que o pai fez, junto da delegada de saúde, e da polícia, relatos, cuja veracidade, não foi sequer apurada, nada tendo ficado provado, tendo, desde então, diagnosticada a esquizofrenia, doença grave, com indicação de internamente compulsivo.
59º- Por outro lado, a actualidade do perigo terá, igualmente, de ser tida em consideração, no decretamento do despacho de manutenção da medida de internamento ambulatório compulsivo, o que, igualmente, foi, total e completamente, omitido, no despacho recorrido, o que consubstancia um clara e inequívoca omissão de pronúncia.
60º- Além do mais, a recorrente ao longo de mais de quatro anos, nunca se recusou a ser submetida ao tratamento médico indicado pelos peritos médicos.
61º- Portanto, a recorrente, nunca criou qualquer situação de perigo para bens jurídicos de relevante valor, próprios ou alheios de natureza pessoal ou patrimonial e nunca se recusou a ser submetida a tratamento, além de contestar a anomalia psíquica que lhe foi diagnosticada há vários anos, que tem sido alvo de vários entendimentos periciais contraditórios, não se verificando, assim e no caso concreto o disposto no artigo 12º nº1 da Lei da Saúde Mental, o que torna, o despacho recorrido, igualmente, ilegal.
62º- Assim, para que o internamento compulsivo possa ter lugar, têm de se mostrar, cumulativamente, preenchidos os seguintes requisitos:
a)- O internando tem de padecer de anomalia psíquica grave. Antes de mais, entendemos que é à psiquiatria que incumbe definir e enquadrar o que deve ser entendido por anomalia psíquica.
b)- É também necessário que, por força dessa anomalia psíquica, o doente crie uma situação de perigo para bens jurídicos próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, de relevante valor. (nunca se verificou “In casu”)
c)- Tem de verificar-se também um nexo causal entre a anomalia psíquica e a situação de perigo criada para os aludidos bens jurídicos. (não existe qualquer nexo causal “in casu”, nem, sequer, se verifica a existência de perigo)
d)- Por último, é ainda necessário que o internando recuse o tratamento médico necessário. (nunca a recorrente se recusou ao tratamento médico, que lhe foi imposto, que mantém há mais de 4 anos consecutivos, cumprindo, cumulativamente, a medicação prescrita)
63º- É também necessário que, por força dessa anomalia psíquica, o doente crie uma situação de perigo para bens jurídicos próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, de relevante valor. (não se verifica)
64º- É, JUSTAMENTE, a criação de perigo que legítima o internamento compulsivo. São razões de defesa social ou de protecção de bens jurídicos que fundamentam a necessidade de intervenção e internamento.
65º- No entanto, o perigo tem de ser concreto e actual, exigindo-se que o internando crie, efectivamente, uma situação de perigo, não, bastando, a mera susceptibilidade de tal ocorrer.
66º- Tem, além do mais e igualmente, de verificar-se, também, um nexo causal entre a anomalia psíquica e a situação de perigo criada para os aludidos bens jurídicos, o que não se verifica, igualmente, no presente caso concreto.
67º- Na verdade, “In casu” nenhum dos referidos requisitos, alegados no artigo 62º, se verificam, sendo, consequentemente, ilegal o despacho recorrido, o que se argui, tudo com as legais consequências;
68º- Argui-se, igualmente, a omissão de pronuncia do despacho recorrido, por total falta de fundamentação da decisão recorrida, tudo com as legais consequências.”

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, oferecendo as seguintes conclusões.

1.- A recorrente interpõe recurso da decisão proferida nos presentes autos no dia 28 de Abril de 2021, referência electrónica 130429504, a qual, em face do teor do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica, elaborado pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital de Cascais, datado de 15 de Abril de 2021, determinou que a recorrente se manteria sujeita a tratamento em ambulatório compulsivo.
2.- Tal decisão está devidamente fundamentada na justa medida em que se estriba no teor de um relatório de avaliação clínico-psiquiátrica, no qual se emite um juízo técnico científico subtraído, em matéria de Lei de Saúde Mental, à apreciação do tribunal.
3.- Perante o teor do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica, datado de 15-04-2021, e atento o preceituado pelo art. 17.º, n.º 5 da Lei de Saúde Mental, outra decisão não poderia ter sido proferida pelo tribunal a quo que não a de determinar que a recorrente se mantivesse em tratamento psiquiátrico compulsivo em regime ambulatório, ao abrigo do disposto pelo art. 35.º, n.º2 da Lei n.º 36/98 de 24 de Julho.
4.-Estão reunidos no caso concreto todos os pressupostos previstos no art. 12.º da Lei de Saúde Mental.
5.- De acordo com o teor do relatório da mais recente avaliação clínico-psiquiátrica efectuada à recorrente, esta padece de Esquizofrenia SOE, não tem crítica para a doença e para a necessidade de se manter medicada, existindo elevado risco de abandono terapêutico.
6.- A circunstância de a recorrente cumprir com a terapêutica instituída pelos Médicos Psiquiatras do serviço de psiquiatria do Hospital de Cascais não é incompatível com a circunstância de a mesma não ter crítica para a doença de que padece e para a necessidade de cumprir a terapêutica.
7.- Deverá ser mantida a decisão recorrida”.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.

Uma vez remetido a este Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP.

Proferido despacho liminar e dispensados os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II–Objecto do recurso

De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
Fundamentalmente, sustenta a recorrente que não estão reunidos todos os pressupostos previstos no art. 12.º, n.ºs 1 e 2, da Lei de Saúde Mental, pelo que o internamento compulsivo não se deve manter.
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III–Fundamentação

Ao abrigo do art.º 35.º, n.º 2, da Lei de Saúde Mental, procedeu-se à revisão obrigatória da situação da internada, ora recorrente.
A avaliação clínico-psiquiátrica foi deferida ao Serviço de Psiquiatria do Hospital de Cascais, por ser o serviço oficial de assistência da área da residência da recorrente. Tal avaliação foi realizada por dois psiquiatras, tudo em obediência ao artigo 17.º, n.º 1, da LSM.

Do relatório dessa avaliação consta:
“ JP e PC, Médicos Psiquiatras a exercer funções no Hospital de Cascais, no Serviço de Psiquiatria, declaram após avaliação clínico psiquiátrica da doente ACA, residente em …, CARCAVELOS, que a mesmo aceita os tratamentos propostos, mas evidencia sintomatologia e não apresenta crítica para o estado patológico, mantendo como tal pressupostos clínicos que justificam a manutenção do tratamento em regime compulsivo em ambulatório.
“ • Identificação do Internando: ACA    
• Identificação do tipo de Avaliação a realizar:
• Avaliação (Revisão) Clínico Psiquiátrica para efeitos de manutenção de Tratamento Compulsivo em Regime Ambulatório
• Assinale quais as fontes de informação para elaboração da avaliação:
• O doente
• Família / Amigos (pai)
• Processo Clínico ou Judicial
• Motivo da Avaliação e História Clínica Sumária
Comparece à avaliação acompanhada pelo seu pai, com quem reside. Pais separados. 51 anos. Solteira. Sem filhos. Atualmente desempregada.
História de um internamento no Departamento de Saúde Mental do Hospital de Cascais entre julho e Setembro de 2015, por surto psicótico com sintomatologia produtiva grave - ideação delirante persecutória e de referência, com pelo menos dois anos de evolução, desorganização de comportamento e episódios de solilóquios.
Teve alta com o diagnóstico de saída de esquizofrenia, passando a integrar o Hospital de Dia de Psiquiatria, onde teve internamento prolongado, em regime parcial, até dezembro de 2016.
Desde aí tem estado a cumprir terapêutica injetável em ambulatório.
No decurso da avaliação, apura-se sintomatologia negativa (pensamento pobre e concreto). Contato desconfiado mas atitude colaborante.
Sem qualquer crítica para o período em que esteve internada "sentia os cheiros dos vizinhos ( ... ) era uma alergia)
Não se apura neste momento sintomatologia produtiva. Sem crítica para a doença ou para a necessidade de se manter medicada: "a única doença que eu tenho é depressão, acho que não preciso de tomar as injeções" (sic).
O quadro tem evoluído com persistência de sintomatologia negativa, com embotamento afectivo e avolia.
Mantem seguimento simultâneo em consulta particular no contexto da sua ausência de crítica.
Tem elevado risco de abandono terapêutico.
• Diagnóstico Provisório. Medidas Terapêuticas (sua fundamentação)
Esquizofrenia SOE.
Terapêutica com antipsicótico depot. Actualmente sob Trevicta.
Psicoeducação.
Seguimento em consultas de psiquiatria (Dr LM), próxima 10/05/2021, e consultas de enfermagem e saúde mental, próximo NAP a 6/05/2021).
• Conclusão
O tratamento compulsivo em ambulatório é necessário para assegurar a estabilidade clínica da utente”.

Apreciemos os argumentos carreados pela recorrente.

Em primeiro lugar, os pressupostos do art.º 12.º, n.º 1, da LSM.

A recorrente tem anomalia psíquica grave. Depois do surto psicótico de 2015, foi-lhe diagnosticada esquizofrenia SOE, não se apurando sintomatologia produtiva por não apresentar crítica para a doença ou para a necessidade de se manter medicada. O quadro tem evoluído com persistência de sintomatologia negativa, com embotamento afectivo e avolia.

A recorrente tem esquizofrenia SOE, não apresenta crítica para o estado patológico, tem pensamento pobre e concreto e o quadro tem evoluído com persistência de sintomatologia negativa. Faz terapêutica com antipsicótico depot. Actualmente sob Trevicta e seguimento em consultas de psiquiatria, de enfermagem e saúde mental. O tratamento compulsivo em ambulatório é necessário para assegurar a estabilidade clínica da recorrente. Isto significa que para os psiquiatras que realizaram a avaliação, se a recorrente não estiver estabilizada sob terapia, o quadro patológico se pode descompensar, com óbvios riscos para criar uma situação de perigo para bens jurídicos próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, por via de um surto psicótico semelhante ao de 2015,  com sintomatologia produtiva grave - ideação delirante persecutória e de referência, desorganização de comportamento e episódios de solilóquios. É ainda manifesto que se ocorrer a descompensação no estado patológico da recorrente está verificado o nexo causal entre a anomalia psíquica e a existência de perigo.

Finalmente, os psiquiatras estão convictos que, no contexto da ausência de crítica demonstrado pela recorrente, é elevado o risco de abandono terapêutico, pelo que só o tratamento compulsivo em ambulatório assegura a sua estabilidade clínica.

Estão assim verificados todos os pressupostos previstos no art.º 12.º, n.º 1, da LSM.

Em segundo lugar, não é certo dizer que o despacho recorrido mantém o regime de internamento compulsivo sem se pronunciar e sem analisar a actualidade da existência ou não de provas, que justificassem a manutenção do internamento compulsivo da recorrente, uma vez que não foi devidamente, escrutinado.

O n.º 5, do art.º 17.º, da LSM, determina que o juízo técnico-científico inerente à avaliação clínico-psiquiátrica está subtraído à livre apreciação do juiz.

Segundo o Prof. Manuel da Andrade, a perícia consiste num meio de prova que se traduz na “percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais, ou por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legítima susceptibilidade) das pessoas em quem se verificam tais factos; ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca doutros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas” – Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pag. 262.
A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos pessoais que os julgadores não possuem (cfr. artº 388º, do Código Civil).  Importa chamar à colação o que escreve o Prof. Alberto dos Reis: claro que os fundamentos invocados pelos peritos para justificar as suas conclusões e os trâmites que eles houverem seguido no desempenho do seu cargo estão sujeitos à censura do juiz, que formará a sua convicção segundo a competência ou incompetência efectiva do perito e a seriedade, diligência e rectidão que ele revelar no desempenho do encargo, ou segundo os defeitos que o laudo apresentar; mas, por que todo o arbitramento pressupõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é vão imaginar-se que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objectivo para o qual não dispõe de meios subjectivos; daí que muitas vezes o litígio é decidido, substancialmente, pelo parecer do perito; ...quer dizer, a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, não passa, a maior parte das vezes, de máxima abstracta; por mais que se afirme a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação da prova, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente (Cód. do Proc. Civil, Anotado, IV, pgs 184 e 185).

Ora, se o legislador impõe que o juízo técnico científico inerente à avaliação clínico-psiquiátrica, do serviço oficial de assistência da área da residência da internada, está subtraído à livre apreciação do juiz, só pode ser por que se concluiu que técnica e cientificamente é credível, que estas perícias serão seguras e confiáveis e que os respectivos peritos gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica.

Assim, e pelos motivos expostos, ao remeter a sua fundamentação para a avaliação clínico-psiquiátrica, cuja apreciação lhe está subtraída, o juiz a quo agiu bem e em conformidade com a lei.
Acresce que, ao contrário do que sugere a recorrente, este tribunal superior também só pode aderir ao relatório de avaliação, que conclui que a manutenção da terapia é fundamental para a compensação da recorrente e, com isso, evitar agravamento do seu quadro, com inerentes riscos para a criação de situações de perigo.

Em terceiro lugar, não tem razão o recorrente quando sustenta que o tribunal não aceita a eventualidade, da recorrente, poder padecer de qualquer outra patologia, que não implique o seu internamento compulsivo, conforme já foi defendido, por outros médicos, cujos pareceres e relatórios médicos, foram por e simplesmente, desacreditados e menorizados pelo Tribunal, existindo, nesta medida, médicos com credibilidade e médicos sem credibilidade, apesar de todos serem peritos médicos, com diferentes entendimentos.

Esta argumentação da recorrente não tem respaldo nos autos, é uma mera alegação, infundada. Não compete ao tribunal apreciar a competência dos psiquiatras e, outrossim, do relatório da avaliação-psiquiátrica nada consta que seja notoriamente errado (à luz do homem médio e da experiência comum) que justifique uma intervenção dos (leigos) juízes.  As conclusões da avaliação psiquiátrica estão em consonância com o exame pericial produzido. Os peritos fundamentaram de modo razoável e suficiente a sua convicção, apreciando crítica e cientificamente a situação da internada. O relatório da avaliação clínico-psiquiátrica está devidamente fundamentado. A discordância da recorrente nada vale. Não há nos autos que indicie que o tribunal a quo desprezou pareceres e relatórios médicos de outros médicos com maior credibilidade.

Resta concluir que o tribunal não cometeu qualquer omissão de pronúncia. Remetendo a sua fundamentação para um cientificamente bem elaborado relatório da avaliação-, em que se conclui que se justifica a manutenção da situação da recorrente, só pode ser porque foram ponderados todos os respectivos pressupostos legais (e que supra já se minuciou).

E assim decai o recurso.
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IV–Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, declarando-o totalmente improcedente.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.



Lisboa, 07 de Setembro de 2021



Paulo Barreto
Manuel Advínculo Sequeira