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CONTRA-ORDENAÇÃO
Sumário
Ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410º, 2 do CPP, quando a decisão recorrida não deu como provada a idade das crianças que frequentavam um determinado estabelecimento a funcionar como “creche”, uma vez que, nos termos do Despacho Normativo 99/89, de 27/10, este tipo de estabelecimentos acolhe crianças cuja idade se situa entre os 3 e os 36 meses.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I – B….., veio recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do Tribunal do Trabalho de Guimarães, que, concedendo parcial provimento ao recurso interposto da decisão da entidade administrativa, a condenou na coima única de € 2 250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros), pela prática das contra-ordenações p. p. pelos arts 6º, 30º e 31º, alíneas a) e b) do DL 133-A/97, de 30/05., formulando as seguintes conclusões:
1- Dispõe o nº 1 do art.5º do DL 30/89, de 24/01, que as creches apenas se referem a crianças entre os 3 meses e os 3 anos.
2- Por outro lado, as amas poderão acolher crianças da mesma faixa etária, até ao limite de 4, nos termos conjugados nos arts. 11º e 10º do DL 158/84, de 17/05, e também com a Norma V do Despacho Normativo nº 5/85, de 18/01/1985.
3- Apenas se encontra provado, na matéria de facto dada como tal, que o “estabelecimento” da ora Recorrente acolhia 7 crianças com os respectivos nomes.
4- Não se encontra provado que as 7 crianças referidas têm qualquer idade.
5- Em consequência, não se consegue demonstrar qual a idade das crianças, o que por si só, inviabiliza tudo o que consubstancia a acusação uma vez que é pressuposto que as crianças, em número de 7, fossem menores de 3 anos, nos termos da legislação já descrita supra.
6- Em face do supra referenciado, é evidente que o eventual “estabelecimento” não poderia ter a valência de creche como já se referiu.
7- Violou, mercê de tudo já exposto, a douta decisão em crise, as disposições constantes do art. 5º do DL 30/89, de 24/1, arts 11º e 10º/1 do DL 158/84, de 17/05 e a Norma V, do Despacho n.º 5/85, de 18-01-1985.
O Digno Magistrado do MP no Tribunal a quo apresentou a respectiva resposta que terminou pedindo a confirmação da sentença recorrida.
A Exma Procuradora da República nesta Relação no seu douto parecer entende que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Factos Provados a quo
1- A arguida B…… é proprietária de um estabelecimento lucrativo de apoio social, com valência de creche, sito na Rua ….., … .., Guimarães;
2- Em 7 de Abril de 2003 foi constatado pelos Técnicos do Gabinete de Fiscalização de IPSS e outros Equipamentos sociais do departamento de Fiscalização dos Serviços Regionais do Norte do Instituto de Solidariedade e Segurança Social o funcionamento do referido estabelecimento, acolhendo 7 crianças: C….., D….., E….., F…., G…., H…. e I…., sendo que algumas delas pagavam mensalidades de € 100, sem estar titulada por alvará de licenciamento;
3- Tal estabelecimento não dispunha de espaços necessários ao funcionamento de uma creche, nomeadamente, não dispunha de espaços autónomos destinados a berçário, cozinha, sala de refeições e instalações sanitárias com sanitas de tamanho infantil;
4- Nas citadas instalações não existiam condições de protecção e segurança
5- No mesmo estabelecimento não existia pessoal técnico qualificado.
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Factos Não Provados:
Com interesse para a decisão da causa não se provaram os restantes factos, designadamente aqueles que estejam em contradição com os factos provados e ainda que:
1- No dia mencionado em 1 a ementa consistisse em arroz branco, em quantidade insuficiente para as crianças e aquecido em “ banho-maria “ com bolinhos de bacalhau;
2- No citado estabelecimento não existisse material pedagógico adequado à idade das crianças.
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III – Direito
De harmonia com o disposto no ar. 75.º/1 do RGCO, aprovado pelo DL 433/82, 27-10, por via de regra, esta 2ª instância conhece apenas da matéria de direito, podendo em conformidade – sem qualquer vinculação – alterar ou anular a decisão recorrida e devolver o processo ao tribunal a quo [nº2 –a) e b) do aludido normativo]
Todavia, como é consabido, também nesta sede o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (arts 403º/1 e 412º/1 do CPP ex vi do art. 41.º/1 do DL 433/82), e, em função delas a única questão suscitada traduz-se apenas em indagar da existência da infracção contra-ordenacional imputada à arguida.
A este propósito defende esta, ora recorrente, que “o eventual estabelecimento não poderia ter a valência de creche” (que se reporta apenas a crianças entre os 3 meses a 3 anos), porquanto, embora acolhesse 7 crianças não se demonstrou qual a respectiva idade e designadamente que integrassem aquele quadro etário”. Em consequência – acrescenta –, foram violadas as disposições constantes do art.5.º DL 30/89, 24.01, arts 11.º e 10º/1 DL 158/84, 17.05 e a Norma V do Despacho Normativo 5/85, de 18.01.1985.
Sobre estes diplomas, urge salientar, antes de mais, que o DL.30/89, 24.01, foi expressamente revogado pelo art. 50.º do DL 133-A/97, 30.05; por outro lado, o DL 158/84, 17.05, refere-se ao acolhimento de crianças por amas (na própria residência, de idade superior a 3 meses e inferior a 3 anos e num limite máximo de 4 crianças - arts 10º/1-a) e 11º/1), hipótese a que o caso em apreço supostamente não se subsume.
Efectivamente, como bem se analisa na sentença recorrida, ao caso sub judice são aplicáveis às disposições conjugadas do DL 133-A/97, 30.05 (arts 6.º, 30.º e 31.º) e Despacho Normativo n.º 99/89, 27.10, que aprovou as Normas Reguladoras das Condições de Instalação e Funcionamento das Creches com Fins Lucrativos.
Só que, ao contrário do exarado na referida decisão sob censura (de que não é necessário alegar as idades das crianças utentes), entendemos não só que é necessário alegar, mas também demonstrar/provar a idade das referidas crianças.
Na verdade, tal demonstração e prova decorre do teor da Norma I/2 do Despacho Normativo 99/89, 27.10, ao considerar creches os estabelecimentos que acolham crianças em número igual ou superior a cinco (ao invés do acolhimento por amas, cujo limite máximo é 4 de crianças), e em especial, das disposições conjugadas das Normas V/1 e VI/1 – alíneas a) e b), donde resulta, numa interpretação meramente declarativa, que a idade de creche (enquanto estabelecimento que acolhe um número de cinco ou mais crianças) se situa, correspondentemente, entre os 3 meses (Norma V/1) e os 36 meses (Norma VI/1-b) – e cuja tutela pertence ao Ministério do Trabalho e Solidariedade –, sem olvidar outrossim o art. 3º da L. 5/97, de 1/0 [Lei Quadro da Educação Pré-Escolar] ao consignar que a partir dos 3 anos de idade e o ingresso no ensino básico se compreende a educação pré-escolar, ministrada em estabelecimentos de educação pré-escolar (vulgo jardins de infância) e cuja tutela (avaliação e inspecção) já pertence ao Ministério da Educação - cf. arts 18º/3 19.º e 20º e 21.º da L 5/97.
É outrossim consabido, vimo-lo supra, que a Relação pode alterar a matéria de facto se dispuser dos elementos previstos em qualquer das alíneas do art. 431.º do CPP e sem prejuízo do disposto no art. 410.º do mesmo diploma ou anular e devolver o processo ao tribunal recorrido para novo julgamento, atento o disposto no art.426.º/1 do referido código, sempre que existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do art. 410º e não for possível decidir da causa (cfr. art. 75.º/2- a) e b)do RGCO).
Ora, ante o exposto ocorre no caso em apreço a situação prevista no art 410º/2-a) do CPP, ou seja, «a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», já que não se mostra provado qual idade das 7 crianças utentes do aludida creche, sendo tal elemento imprescindível, como vimos, para a configuração da infracção assacada à arguida e cuja prova poderá ser corporizada através do documento idóneo para o efeito –, maxime certidão de nascimento de cada uma das crianças ali acolhidas.
Assim sendo, sob pena de omissão de um grau de jurisdição no âmbito da matéria de facto, de harmonia com o disposto nos arts 426º/1e 410.º/2-a) do CPP, impõe-se ordenar o reenvio do processo à 1.ª instância com vista à fixação, em termos da matéria de facto, da idade de cada uma das sete crianças nos termos supra explanados, com a subsequente prolação de decisão em conformidade.
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IV – Decisão
Nestes termos acorda-se em anular a decisão recorrida e ordenar o reenvio do processo opera novo julgamento com a indicada finalidade
Sem custas
Porto, 27 de Março de 2006
António José Fernandes Isidoro
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira
Maria Fernanda Pereira Soares