DECLARAR EXEQUÍVEL EM PORTUGAL A SENTENÇA ESTRANGEIRA
RECUSA DA EXECUÇÃO DE UM MDE
Sumário

I–A alínea g) do n.º 1 do referido artigo 12.º da Lei n.° 65/2003 concede ao Estado da execução a faculdade de recusar a execução no caso de mandado para cumprimento de uma pena, desde que, face à ligação da pessoa procurada, maxime sendo seu nacional, este Estado se comprometa a executar a pena;

II–A decisão é, assim, deixada inteiramente ao critério do Estado da execução, que satisfará as suas vinculações europeias executando a pena aplicada a um seu nacional ou a pessoa que tenha residência nesse Estado, em lugar de dar execução ao mandado entregando a pessoa procurada ao Estado da emissão. Na construção da norma, a faculdade é de livre exercício do Estado da execução, não dependendo de qualquer compromisso específico prévio ou de pedido do Estado da emissão; o único compromisso é unilateral e dir-se-á potestativo, e consiste na execução da pena aplicada em lugar da entrega da pessoa procurada.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


1.No nuipc 2352/20.7YRLSB, emergente da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa veio - cf. referência 17309956 - promover a execução do mandado de detenção europeu (MDE) emitido pelas autoridades judiciárias alemãs (Tribunal de comarca Tiergarten, em Berlim, com o número de referência 02.01.2019, 304 BRs 16/16, no reporte à decisão do Tribunal de comarca Halle (Saale) de proceder à execução de operada condenação), destinado à detenção e entrega, àquelas, de AA (nacional da Guiné-Bissau, nascido ………………………, e declarando, no acto de audição, residir em Portugal na Rua ……………………), para cumprimento da pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão em que foi condenado (e a que haverá que descontar 65 (sessenta e cinco dias) dias relativos ao período - de 26.10.2015 até 29.12.2015 - em que o requerido esteve em prisão preventiva) pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas - comércio ilícito de estupefacientes em quantidade considerável, p. e p. pelos §§ 1 alínea 1 juntamente com Anexo I, 3 alínea 1, 29 a alínea 1 n.° 2 BtMG/Lei dos estupefacientes e 56 StGB/Código Penal Alemão -, pela sentença (pessoalmente notificada, ao requerido, e anexa com a certidão, inserta nos autos, a que se  refere o artigo 4.°, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de Novembro de 2008, transposta em Portugal pela Lei n.° 158/2015, de 17 de Setembro, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo das sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, com a exactidão do conteúdo e de tradução a ser certificada, com data de 31.05.2021, pelo Ministério Público de Berlim - Magistrada Sieben), proferida em 29.12.2015, pelo Tribunal de comarca de Tiergarten, República Federal da Alemanha, transitada em julgado em 06.0l.2016.
Trata-se, no caso, de crime que se integra, no reporte da autoridade de emissão, na enumeração do artigo 2.°, n.° 2, da Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto, na redacção da Lei n.° 35/2015, de 04 de Maio (lei portuguesa) e corresponde ao campo e), não sujeito assim a dupla incriminação, por alusão ao formulário do M.D.E., e à correspondência com o artigo 21.°, n.° 1, e tabela anexa, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, sendo, ali, a moldura penal abstracta prevista para os factos em apreço de pena de prisão “de 1 (um) a 15 (quinze) anos (S 29 a alinea 1 BtMG)”.
2.Tendo sido assistido por defensor nomeado pela Ordem dos Advogados  (o qual, com a junção da procuração forense de fl. 108, cessou, posteriormente, funções), procedeu-se à audição do requerido, a quem foi pormenorizadamente exposta a natureza e conteúdo do presente M.D.E., no âmbito da qual o mesmo veio invocar a causa de recusa facultativa de execução do M.D.E. prevista no artigo 12.°, n.° 1, alínea g), da Lei n.° 65/2003 - a pessoa procurada residir em Portugal -, formulando a pretensão de não ser entregue às autoridades judiciárias alemãs e, antes, se determinar o cumprimento do remanescente da pena em Portugal (com o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa a ter por extemporânea a alusão pelo requerido a modalidades de cumprimento da pena - por pena suspensa na sua execução, prisão domiciliária com autorização para trabalhar ou prestação de trabalho comunitário).
3.Não se suscitam dúvidas sobre a autenticidade do presente mandado de detenção europeu - que visa a entrega da pessoa procurada para efeito de cumprimento do remanescente da pena imposta por prática de crime de tráfico de estupefacientes, nem sobre a inteligibilidade dos fundamentos invocados, não ocorrendo - diversamente do que, também, se invoca, no sentido de que teria ocorrido a prescrição da pena face ao preceituado no artigo 122.°, n.° 1, alínea d), do Código Penal Português (“laborando o Requerido”, como sublinha o Ministério Público, “em alguma confusão com a causa de recusa facultativa prevista no art. 129 n.º 1 al. e) da Lei n.º 65/2003”) -, causas de extinção do procedimento criminal e/ou da pena em referência, v.g. prescrição e/ou amnistia.
4. O crime in judice encontra correspondência no artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro - como acima se assinalou, a moldura penal abstracta prevista na República Federal da Alemanha para os factos tidos por assentes no caso em análise é de pena de prisão “de 1 (um) a 15 (quinze) anos (S 29 a alinea 1 BtMG)” -, e o presente mandado de detenção emitido pelas autoridades judiciárias alemãs respeita os requisitos legais, de forma (designadamente, emissão e validade de transmissão) e de conteúdo - cf. também referências 536164 e 536844.
5. Como se observa, trata-se, no caso, de pena a cumprir pelo revogar - ex vi artigo § 56f, parágrafo 1 do Código Penal (StGB) - da suspensão da pena em que o requerido, AA, fora condenado no “Tribunal Distrital de Tiergarten, em Berlim”, por sentença de 29.12.2015 (referência: 268 Ls 271 Js  6180/15-101/15), transitada em julgado desde 06.01.2016, relativa a “tráfico ilegal de narcóticos em quantidade não insignificante”, suspensão de execução essa que fora determinada para um período de três anos mas subordinada a regulares apresentações e a “cumprir dentro do prazo de seis meses”, a partir do trânsito em julgado, “200 horas de serviço comunitário de acordo com a instrução do departamento de liberdade condicional”.
6.Como igualmente se comunica, o requerido cometeu “novamente crimes durante do período probatório”, tendo sido, desse modo, condenado, por sentença do Tribunal da 1.ª Instância de Halle (Saale) de 06.07.2016 (referência do processo: 304 Ls 560 Js 8305/16), a uma pena de prisão de um ano e seis meses por posse ilegal de narcóticos em quantidade não insignificante (data da infração 06.03.2016)”, com o “recurso interposto pela pessoa condenada” a ser “rejeitado pela sentença do Tribunal regional/Tribunal de 1.ª Instância de Halle, de 30.11.2016 (referência: 8 c Ns 107/16)” e o “recurso interposto contra esta decisão” a ser “julgado improcedente por despacho do Tribunal Distrital Superior de Naumburg de 28.09.2017 (número do processo: dois RV 113/17”, sendo “a decisão juridicamente vinculativa” - consignando-se na decisão do “Tribunal de comarca Halle (Saale)”, em “08.01.2019”, que o requerido,  AA, mostrava com isso  que a expectativa em que baseava a suspensão da pena não fora cumprida  (artigo § 56f, subsecção 1, n.º 1 do Código Penal)”, para além de que “o  condenado, cujo paradeiro se tornara, há muito tempo, desconhecido para as entidades públicas, não cumpria as condições” que lhe haviam sido impostas, considerando-se, em ordem ao decidido, já “não ser suficiente o prolongar do período probatório ou o impor de outras condições e instruções (artigo 56f, parágrafo 2 do Código Penal)”.
7.Por outro lado, nos termos que emanam da “cópia autenticada” da “tradução do documento apresentado em original”, certificada em “31.05.2021” - e como flui nos presentes autos da “referência de recibos 528836, sob o registo doc 44”, de 04.06.2021, e, agora, também, de recibos sob a referência 532841, em 2021.07.05 -, os factos tidos como provados, no Tribunal de comarca Tiergarten, constantes da, aludida sentença “(268 Ls) 273 Js 6180/15 (101/15)”, datada de 29.12.2015, na sequência do efectuado julgamento, em que o requerido foi assistido por defensor (“Advogado Robert Tietze, Frankfurter Allee 102, 10247 Berlim”), e que fundamentam o decidido (em ordem à pena de prisão imposta, de 1 (um) ano e 3 (três) meses, cuja suspensão da execução foi, entretanto, revogada na sequência da, posterior, imposta “pena de prisão de um ano e seis meses por posse ilegal de narcóticos em quantidade não insignificante (data da infração 06.03.2016)”), foram os seguintes:
O arguido de 27 anos é solteiro e tem uma filha de sete anos que vive em  África.
O arguido viajou há ano e meio como nacional da Guiné-Bissau via Marrocos para Espanha e para a Alemanha, porque os refugiados são mais bem tratados aqui. Recebe benefícios sociais em Halle de aproximadamente 310,00 euros por mês. Pediu asilo.
Já em África, o arguido consumia ocasionalmente marijuana sem ser viciado, assim como na Alemanha até à sua detenção.
O arguido foi detido neste processo a 26 de outubro de 2015. A 27 de outubro de 2015, o mandado de detenção foi emitido pelo Tribunal Distrital de Tiergarten com o número de referência 382 Gs 241/15. O arguido esteve em prisão preventiva até à audiência principal.
Até à data, não foi objeto de qualquer acusação criminal na Alemanha.
O acusado comprou 488,9 g de marijuana com um conteúdo de substância ativa de pelo menos 44 g de THC por 2.500,00 Euros num apartamento em Elbestraße 28, 12045 Berlim, a 26 de outubro de 2015, por volta das 12h30 horas, através do intermediário Sr. BB processado separadamente. O acusado entregou o preço de compra de 2.500,00 Euros ao Sr. BB. Este último levou os narcóticos do apartamento e entregou-nos ao acusado. O acusado foi controlado pela polícia na estação de metro de Neukölln e os narcóticos foram apreendidos.
Pretendia vender a marijuana para fins lucrativos em Halle.
Estas conclusões baseiam-se na confissão credível do arguido, bem como no conteúdo dos documentos discutidos na audiência principal, tal como evidenciado pela ata da audiência.
Por conseguinte, o arguido tornou-se passível de procedimento criminal por tráfico ilícito de estupefacientes em quantidade não negligenciável (artigo § 1, nº 1 em combinação com o anexo I, artigo § 3, nº 1, artigo § 29a, nº 1 e nº 2 da Lei dos Estupefacientes (BtMG);
A lei prevê uma pena de prisão de um ano até 15 anos (artigo § 29a, nº 1 da Lei dos Estupefacientes (BtMG). Tendo em conta a grande quantidade de narcóticos, o tribunal não assumiu um caso menos grave no sentido do artigo § 29a, nº 2 desta lei.
Dentro da gama padrão de punição, o facto do arguido ter feito uma confissão está a seu favor. Ficou impune e esteve em prisão preventiva durante dois meses. A infração diz respeito a uma chamada droga suave, que poderia ser apreendida. O acusado concordou com o confisco e também com a confiscação de 175,00 Euros.
Contra ele, por outro lado, há que ter em conta que tinha uma grande quantidade de narcóticos à sua disposição. O limite para a não pequena quantidade que começa em 7,5 g de TIC foi excedido por um fator de aproximadamente 5,8.
Estes narcóticos teriam sido suficientes para um grande número de unidades de consumo”.
8.Em vista da razão de ser do normativo atinente à causa de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu, cumpre notar que “a disposição tem de ser interpretada teleologicamente, e específica de um determinado modelo operativo de cooperação, e deve ser sistematicamente compreendida nos limites do regime do mandado de detenção europeu.
A reserva de soberania que está implícita na norma e na faculdade compromissória que prevê e que a justifica, apenas se compreende pela ligação subjectiva e relacional entre a pessoa procurada e o Estado da execução.
A norma contém, verdadeiramente, um contraponto facultativo ou um mecanismo para protecção de nacionais, que no contexto pretende reequilibrar o desaparecimento total ou a desvinculação no regime do mandado de detenção europeu do princípio tradicional da não entrega (e da não extradição) de nacionais - princípio, porém, já excepcionalmente atenuado com a revisão constitucional de 1997 e a alteração do artigo 33º, 3 da Constituição, e posteriormente com a alteração de 2001, em que ficou ressalvada a aplicação de normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União  Europeia.
A faculdade de recusa de execução prevista na referida alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, constitui, assim, uma espécie de “válvula de segurança ”, que, aliás, constava já materialmente - aí não como faculdade, mas como exigência de garantia e como condição - do regime de extradição do artigo 32º, nº 3 da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, nos casos em que, em

limitadas situações, se admite a extradição de nacionais: a extradição só terá lugar para procedimento «se o Estado requerente der a garantia da devolução da pessoa extraditada a Portugal, para cumprimento da pena ou medida que lhe venha a ser aplicada, após revisão e confirmação nos termos do direito português, salvo se essa pessoa se opuser à devolução por declaração expressa».
Também, na mesma linha de política criminal e de resguardo de alguma margem de soberania e de protecção em relação aos seus nacionais ou às pessoas que relevem da sua jurisdição, Portugal tinha já declarado, a respeito de Convenção Relativa à Extradição entre os Estados Membros da União Europeia (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 40/98, se 28 de Maio, e publicada no DR, I-A, de 5 de Setembro de 1998), que autorizava a extradição de nacionais nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada e para fins de procedimento criminal, desde que o Estado requerente garantisse a devolução da pessoa extraditada para cumprimento da pena em Portugal, salvo se a pessoa a tal se opusesse.
Vista nesta perspectiva, e no fundo de reserva de soberania, a alínea g) do n.º 1 do referido artigo 12.' concede ao Estado da execução a faculdade de recusar a execução no caso de mandado para cumprimento de uma pena, desde que, face à ligação da pessoa procurada, maxime sendo seu nacional, este Estado se comprometa a executar a pena.
A decisão é, assim, deixada inteiramente ao critério do Estado da execução, que satisfará as suas vinculações europeias executando a pena  aplicada a um seu nacional ou a pessoa que tenha residência nesse Estado, em lugar de dar execução ao mandado entregando a pessoa procurada ao Estado da emissão.
Na construção da norma, a faculdade é de livre exercício do Estado da execução, não dependendo de qualquer compromisso específico prévio ou de pedido do Estado da emissão; o único compromisso é unilateral e dir-se-á potestativo, e consiste na execução da pena aplicada em lugar da entrega da  pessoa procurada.
A questão está, pois, não em qualquer quadro de referências e na natureza pura e simples (e não receptícia) do exercício da faculdade, mas apenas na inexistência no regime do mandado de detenção europeu, de critérios gerais ou específicos para predeterminar as condições de exercício da faculdade de recusa de execução.
Mas porque a decisão de recusa da execução constitui faculdade de Estado da execução, o estabelecimento de critérios não releva da natureza dos compromissos, mas do espaço de livre decisão interna em função da reserva de soberania implicada na referida causa de recusa facultativa de execução.
Não estando directamente fixados, tais critérios, internos, hão-de ser encontrados na unidade do sistema nacional, perante os princípios de política criminal que comandem a aplicação das penas, e sobretudo as finalidades da execução da pena (o acórdão do Supremo Tribunal de 3/3/05, proc. 773/05, identificou o problema, mas não tomou posição expressa, desnecessária no contexto em que decidiu).
Uma primeira projecção sistemática poderá encontrar-se no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal e na afirmação da reintegração do agente na sociedade como uma das finalidades das penas.
Nesta perspectiva, pode haver maior eficácia das finalidades das penas se  forem executadas no país da nacionalidade ou da residência; a ligação do nacional ao seu país, a residência e as condições da sua vida inteiramente adstritas à sociedade nacional serão índices de que é esta a sociedade em que  deve (e pode) ser reintegrado, aconselhando o cumprimento da pena em  instituições nacionais.” - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2006.04.27, relatado pelo Juiz Conselheiro Henriques Gaspar, no processo 06P1429, in www.dgsi.pt (negritos e sublinhados nossos).

9.Assim, desde logo, não é de deferir a pretensão jurisdicional formulada pelo requerido relativa às aludidas modalidades de cumprimento da pena - “pena suspensa, com obrigações a determinar pela DGRS; prisão domiciliária, com pulseira eletrónica, mas com autorização para trabalhar; e prestação de trabalho comunitário” -, pois que (no pressuposto, aqui não discutido, de que tal seria, ainda, de jure condito, possível in casu), para lá do mais que ressalta do acima evidenciado, v.g. de que o remanescente da pena a cumprir resulta, pelos expostos motivos, da revogação da suspensão de execução da pena que lhe fora imposta pela sentença proferida naquele tribunal alemão, dos elementos comunicados e dos, também agora, observados, retira-se juízo de prognose desfavorável relativamente ao comportamento do requerido, AA, na referência ao que se evidencia quanto à sua personalidade e às circunstâncias do facto, bem como à ponderação das exigências mínimas e irrenunciáveis do ordenamento jurídico, na deriva de considerações de prevenção geral, limitadoras do valor da socialização em liberdade subjacente aos institutos em causa.
Ou seja, no presente caso a ressocialização que se impõe em ordem a uma efectiva reinserção realiza-se apenas pelo efectivo cumprimento do remanescente da pena imposta referenciada nos mandados de detenção europeus sub judice, sem ocorrência de válidas circunstâncias a favor de AA como credor de uma confiança que não soube aproveitar e que ele  próprio frustrou - cf. supra pontos n.ºs 5 e 6 -, tudo configurando juízo de prognose favorável referente à ressocialização em liberdade do mesmo.
10.O requerido, que “solicitou Concessão de Autorização de Residência Permanente, ao abrigo do n.°1 do artigo 80.° da Lei 23/2007 de 04JUL na sua actual redacção” (nos termos consignados no “Auto de Audiência de 22 de Dezembro de 2020”, o mesmo seria, à data, “titular de autorização de residência válida, cuja cópia fica junta aos autos”), observando-se que o procedimento referente ao pedido de Concessão de Autorização de  Residência Permanente” se mostra “suspenso, nos termos do n.° 1 do art.° 38.° do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 4 de janeiro” - cf. referências 530833, e 17135286 -, foi, devidamente “esclarecido”, tendo declarado “que não consente no cumprimento do presente mandado de detenção europeu, não renunciando, no entanto, ao princípio da regra da especialidade”, mais referindo, então,que tem contrato de trabalho válido, que reside em Portugal desde 2013, e que tem 4 pessoas a cargo, uma delas o pai que se encontra doente” - com alusão no requerimento de “oposição à entrega”, a que o mesmo (pai) nasceu em “10 de Outubro de 1938”, sendo as demais, “irmã”, “nascida em 23 de Janeiro de 1978”, “irmã”, “nascida em 1 de Junho de 1985” e “sobrinha”, “nascida em 1 de Abril de 2007”, mais aludindo, agora, a “esposa do requerido”, que diz “se encontra na Guiné-Bissau, onde cuida dos três filhos do casal, todos menores, os quais recebem ajuda do pai, a partir de Portugal”.
Não faz o requerido, de resto, alusão, explicativa ou outra, ao constante  daquela sentença, acima mencionado - e onde se invoca, para tanto, as próprias  declarações do requerido -, no sentido de ser “solteiro”, ter “uma filha de sete anos, que vive em África” e ter, “um ano e meio atrás”(na referência a Dezembro de 2015), viajado “como cidadão de Guiné-Bissau, via Marrocos, para Espanha, e de lá” ter continuado “para a Alemanha, porque” ali “se cuida melhor dos refugiados, pedindo asilo e passando a receber ajuda social na  quantia mensal de € 310,00”.
11.Considerando válidas as razões invocadas, a Ex.ª Procuradora Geral Adjunta junto deste Tribunal da Relação de Lisboa nada teve a opor a que o requerido cumpra em Portugal o remanescente da pena, para tanto requerendo (em 29 de Dezembro de 2020) a “necessária a transmissão da sentença penal europeia em apreço para reconhecimento e execução em Portugal”, o que foi satisfeito pelas autoridades judiciárias alemãs, no reporte à, pelo requerido AA, invocada causa de recusa facultativa à execução do mandado de detenção europeu in judice - cf. Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI/ do Conselho da Europa, de 13 de Junho, e Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto, na redacção da Lei n.° 35/2015, de 04 de Maio, v.g. artigos 11.°, 12.° e 12.°-A.
12.Deste modo, não estando em causa disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português e/ou ao respeito por quaisquer direitos, liberdades e garantias individuais, nem se tratando de crime contra a segurança do Estado, e verificando-se todos os necessários, e suficientes, requisitos legais, há que recusar a entrega às autoridades judiciárias  alemãs de AA - como por ele requerido/cf. também Lei n.° 158/2015, de 17 de Setembro, artigo 10.°, n.° 5, alínea c) - na medida em que se mostram preenchidos os pressupostos inerentes à exequibilidade da sentença proferida no Tribunal da Comarca de Tiergarten, em 2015.12.29, pela sentença, transitada em julgado, n.° 268 Ls 101/15, e à confirmação da pena imposta a AA, de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, que não se mostra extinta “por prescrição, amnistia ou qualquer outra causa”, o que aqui se declara por menção à supra referida certidão enviada pelas autoridades judiciárias alemãs contendo a sentença condenatória e a, igualmente transitada em julgado, decisão - 304 BRs 16/16, proferida em 2019.01.08, pelo Tribunal da 1.ª Instância de Halle (Saale)/Tribunal de comarca Halle (Saale) - que revogou a suspensão da execução da imposta pena, a deverem ser executadas em Portugal quanto ao remanescente da imposta pena de prisão, ora efectiva, nos termos dos artigos 4.°, 5.° e 8.°, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de Novembro de 2008, Lei n.° 158/2015, de 17 de Setembro, artigo 10.°, n.° 5, alínea c), Lei n° 144/99, de 31 de Agosto, na redacção da Lei n.° 115/2009, de 12/10, artigo 100.°, n.°s 1 e 2, Código de Processo Penal, artigos 234.°, n.° 1, 237.°, n.°1, alíneas a) a d), e 2, e 238.°, e Código de Processo Civil, artigo 980.°.

III.DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em:
1- Atribuindo-se-lhes força executiva, declarar exequíveis em Portugal a sentença (que, condenatória, foi proferida em 2015.12.29. pelo Tribunal de comarca de Tiergarten) e a decisão (que, datada de 2019.01.08, e emanada do Tribunal da 1ª Instância de Halle (Saale), revogou a suspensão da execução da pena), ora revistas e confirmadas, com as referências, respectivamente, 268 Ls 271 Js 6180/15-101/15 e 304 BRs 16/16, transitadas em julgado, confirmando-se a pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão em que o requerido ali foi condenado pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas - comércio ilícito de estupefacientes em quantidade considerável, p. e p. pelos §§ 1 alínea 1 juntamente com Anexo I, 3 alínea 1, 29 a alínea 1 n.° 2 BtMG/Lei dos estupefacientes e 56 StGB/Código Penal Alemão (correspondente, em Portugal, ao artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro); e

2Assim, em recusar a execução do presente mandado de detenção europeu, com o remanescente (pois que haverá que descontar 65 (sessenta e cinco) dias relativos ao período, de 26.10.2015 até 29.12.2015, em que o requerido esteve em prisão
preventiva) da pena que foi imposta a AA a dever ser executado na esfera de jurisdição do tribunal português da área da residência do  mesmo (requerido), nessa medida, e após trânsito, devendo os autos baixar à, competente, 1.ª instância - cf. Lei n.° 158/2015, de 17 de Setembro, artigos 10.°, n.° 5, alínea c), e 26.°, alínea a), Lei n.° 65/2003, de 23 de Agosto, alterada pela Lei n.° 35/2015, de 4 de Maio, e Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, na redacção da Lei n.° 115/2009, de 12/10, artigo 103.°, n.°s 1 a 3.
Notifique.
D.N. - oportunamente se comunicando ex vi artigo 28.°, da Lei n.° 65/2003, na redacção da Lei n.° 115/2019, de 12/09.



Lisboa, 2021.09.09.


(Acórdão processado e integralmente revisto pelo relator e pelos Ex.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos).


Guilherme Castanheira
Calheiros da Gama

João Abrunhosa