ASSISTENTE
LEGITIMIDADE
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Sumário

I - Os assistentes não têm um interesse pessoal direto, carecido de tutela jurídica, em pretender que o arguido seja condenado numa pena de prisão de duração superior, uma vez que a estrutura teleológica das penas está associada, legalmente, à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade (artigo 40º, nº 1, do Código Penal), incumbindo ao Estado realizar tais fins que são comunitários e, logo, supra-individuais.
II - Compete ao Ministério Público, no processo penal, colaborar com o tribunal na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objetividade, competindo em especial, designadamente, interpor recursos (artigo 53º, nº 1 e 2, alínea d), do Código de Processo Penal), enquanto os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja atividade subordinam a sua intervenção no processo, podendo (apenas) interpor recurso das decisões que os afetem, nos termos do disposto no artigo 69º, números 1 e 2, alínea c) do Código de Processo Penal.
III - A existência, ou não, de arrependimento efetivo por parte do autor de um crime – o que é distinto de mera verbalização de arrependimento - influi nas preocupações de prevenção especial, estando relacionado com a necessidade de pena (artigos 40º, nº 1 e 71º, nº 1, "in fine", do Código Penal) e, por conseguinte, a determinação da sua extensão.
IV - A personalidade e situação pessoal de um arguido que gerem fundadas preocupações de prevenção especial, baseadas na gravidade do crime de homicídio qualificado cometido, na ausência de inserção social e laboral, na falta de arrependimento e no comportamento em meio prisional marcado, negativamente, pela participação numa rixa, afastam a possibilidade de atenuação especial da pena ao abrigo do regime penal especial dos jovens, por não existirem "sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado" (artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro).

(sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral

Processo nº 1549/20.4JAPRT.P1
Data do acórdão: 8 de Setembro de 2021

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Tribunal Judicial da Comarca do Porto | Juízo Local Criminal de Vila do Conde

Sumário:
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Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figuram como recorrentes o arguido B… e os assistentes C… e D….

I - RELATÓRIO
1. Em 9 de Março de 2021 foi proferido nos presentes autos o acórdão que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:
"Nestes termos, e ao abrigo das referidas disposições legais, os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo julgam a acusação provada, parcialmente procedente e em consequência condenam B…:
- Pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. h), do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos e 8 (oito) meses de prisão; - Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 8 (oito) meses de prisão; e
• Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 15 (quinze) anos de prisão;
Quanto ao mais, julgam a acusação improcedente e em consequência absolvem B…:
• Da prática de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo artº 200º, nºs 1 e 2, do Código Penal; e
• Da prática de uma contra-ordenação de violação da regra de posição de marcha, prevista e punida pelo artº 13º, nºs 1 e 5, do Código da Estrada;
(…)".

2. Inconformado com os termos da sua condenação, o arguido interpôs recurso da decisão, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas:
"1- Entende o recorrente, que a factualidade dada como provada permite concluir que o comportamento do arguido constituiu um desvio transitório e ocasional, próprio do período de latência social propiciador da delinquência juvenil, fruto das condições que ocorreram à data dos factos e da avaliação pessoal que delas fizeram os intervenientes.
Mostrando-se justificada a formulação de um juízo de prognose favorável à atenuação especial, porquanto se tratou de um acto isolado, inopinado, sobre o qual o arguido denota juízo de censura e se mostra arrependido.
2- Esse juízo deverá ser positivo e permite uma prognose favorável sobre o futuro desempenho da personalidade, uma vez que o arguido assumiu o erro e manteve uma postura processual de colaboração com a justiça.
3- Dispõe de apoio familiar e no E.P procurou colmatar as falhas de aprendizagem, por forma a aquando da sua restituição à liberdade ter competências que lhe permitam integração profissional.
4- Sustenta a posição de que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a sua ressocialização, nas razões aduzidas nos pontos 4 a 9 da motivação de recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
5- Concluindo que lhe deverá ser aplicado o REGIME PENAL APLICÁVEL A JOVENS DELINQUENTES
6- Face aos critérios legais (arts 70, 71, 73 e 74 do C.P) o recorrente deveria ser punido, atento às razões aduzidas na motivação do recurso, (pontos 3 a 9), ora interposto, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. h), do Código Penal, na pena de 9 (nove) anos e 6 (oito) meses de prisão; Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 8 (oito) meses de prisão; e Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
7- A decisão recorrida violou, o artigo 4 do D.L 401/82 de 23 de Setembro e 73 e 74 do C.P.
8- Ainda que se entenda, manter a decisão recorrida nos precisos termos, face ao aduzido nos pontos 4 a 7 da motivação de recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos ,a pena fixada para o crime previsto e punido pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. h), do Código Penal, não poderia ser superior 13 (treze) anos de prisão;
9- Em cúmulo, com a pena fixada para o crime de condução sem habilitação legal na pena única de 13 anos e 6 meses de prisão.
10- Violou-se o disposto nos arts 70 e 71 do C.P..
Pelo que, deve ser revogada nos termos sobreditos."

3. Os assistentes também se mostraram inconformados com os termos da condenação e, assim, interpuseram recurso do acórdão, formulando as seguintes conclusões na motivação de recurso:

1. C… e D…, assistentes nos autos à margem referenciando, não se conformam com o douto Acórdão prolatado em 09.03.2021, que decidiu erradamente de facto e de direitos nos concretos termos que aqui impugnamos, sem prescindir da elevada qualidade do Ilustre Coletivo, patente no douto Acórdão posto em crise;
2. Sem prescindir afigurar-se não existirem dúvidas quanto à legitimidade e interesse em agir dos aqui recorrentes, e uma vez que se desconhece se o Ministério Público irá interpor recurso do douto Acórdão condenatório, uma vez que defendeu uma pena de prisão não inferior a 18 anos de prisão para o crime de homicídio qualificado cometido pelo arguido B… e que tirou a vida ao E…, por mera cautela, analisaremos e procuraremos comprovar a verificação dos pressupostos de que depende a possibilidade de o assistente recorrer no caso em apreço, impugnando de facto e de direito;
3. Neste sentido, é consabido que a interposição de recurso em processo penal pressupõe, além de outros, a verificação dos pressupostos da legitimidade e interesse em agir, conforme já referia a Relação de Coimbra em acórdão datado de 1995, onde se pode ler: “(…) o novo Código de Processo Penal introduziu um novo requisito do recurso, ou seja o interesse em agir, que consiste na necessidade de utilização deste meio de impugnação para defender um direito do recorrente” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03 de maio de 1995, CJ, XX, T. III, Pág. 62);
4. Em todo o caso, a decisão sobre a legitimidade e interesse em agir do assistente resulta sempre de uma ponderação sobre a sua concreta atuação no respetivo processo (que tipo de acompanhamento fez dos autos, se deduziu a acusação ou acompanhou a do Ministério Público, etc.), pelo que esta problemática terá que ser resolvida caso a caso, sem prescindir é certo que neste caso concreto, e porque entendemos que o Tribunal a quo deu erradamente como provado um facto, se impugne o douto acórdão de facto e de direito, não se limitando o objecto do recurso à questão da pena;
5. Ora, naturalmente, não é indiferente aos assistentes que o Tribunal a quo tenha dado como provado um arrependimento que não se verifica, por parte do recorrido, quando aquele não teve em nenhum momento um ato de contrição, nem procurou praticar qualquer ato no sentido de junto dos assistentes e restante família tentar minorar a dor daqueles, de demonstrar que estava consciente do mal que fizera e que estava sinceramente arrependido, nem teve qualquer gesto de reparação dos danos causados, até onde lhe era possível;
6. Os ofendidos constituíram-se assistentes - o que, face à natureza dos crimes em questão, poderiam não ter feito -, demonstrando, assim, uma vontade inequívoca de ser assistentes, de acompanhar diretamente o andamento dos autos e de colaborar com o Ministério Público, tendo contribuído ativamente para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
7. Tem, pois, interesse em agir, isto é, tem interesse em recorrer ao processo porque o seu direito foi afetado e carece de tutela, porque o Tribunal a quo apreciou erradamente a matéria de facto e porque deu como provado um arrependimento que não existiu, e ainda errou na determinação da medida concreta da pena nos termos que referiremos, não cuidado de acautelar e ponderar devidamente as concretas exigências de prevenção geral e especial que se verificavam;
8. Razões pelas quais se entende que, no caso em apreço, os assistentes têm legitimidade e interesse em agir, ao abrigo do artigo 401.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, a contrario, ambos do Código de Processo Penal, recorrendo de facto e de direito;
9. Encontra-se errada e incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada no ponto 32, a qual deveria antes ter sido dadas como provada;
10. No que toca a ponto 32 dos factos provados, o Tribunal a quo aí andou mal, uma vez que a prova validamente produzida não permitia formar uma convicção sobre o actual arrependimento do arguido B… e que o Tribunal a quo deu como provado no ponto 32: “32. Encontra-se actualmente arrependido de ter praticado os factos atrás descritos.”;
11. É bom lembrar, que o arguido em audiência de discussão e julgamento, quando prestou declarações verbalizou estar “arrependido”, contudo não confessou em momento algum ter praticados os factos intencionalmente, ter querido tirar a vida a E…, ter dirigido contra este o veículo automóvel que conduzia sem estar habilitado para tal, e que pusera em marcha para usar o mesmo de forma letal, ceifando a vida de E…, de 23 anos de idade, que consigo residia à data da ocorrência dos factos de acordo com a factualidade dada por assente. O que o arguido B… disse, com o objectivo afastar a intenção de matar, e que está absolutamente infirmado pela conduta por si preconizada que resulta da prova produzida, nomeadamente das imagens constantes no suporte DVD-R de fls. 86 dos autos, é que só queria “meter um susto”, que não tinha intenção de matar;
12. O arrependimento é um ato interior. A demonstração do arrependimento tem de ser ativa, visível. O agente tem de revelar que rejeitou o mal praticado, de modo a convencer o tribunal que se no futuro vier a ser confrontado com uma situação idêntica, não voltará a delinquir. O que no caso em concreto não aconteceu. A demonstração da sinceridade do arrependimento passa, nomeadamente, pela assunção da culpa, pela assunção clara dos factos que vieram a ser dados por assentes, e pelo propósito sério da sua reparação, nomeadamente em termos de justiça restaurativa, ou pelo menos pela apresentação de desculpas sinceras aos familiares da infeliz e trágica vítima, E…, à qual aquele tirou a vida e abandonou no local.
Esse pedido sincero de desculpas, a tentativa de reparar e de assumir perante aqueles o crime bárbaro que o mesmo cometeu não aconteceu. Apenas e tão somente o arguido fez, após as alegações finais e como é usual e prática comum dos arguidos, que até pedem desculpas ao Tribunal, como o recorrido também fez, verbalizou um incipiente pedido de desculpa à família da vítima, o que para além de não ter sido sincero, foi um pedido vazio de conteúdo e só para deixar no ar um arrependimento, o qual, reitere-se, é apenas verbalizado, e não é real e sincero, demonstrando que não existiu qualquer evolução da personalidade do arguido, que após mesmo a prática de crime tão grave, foi incapaz de, apesar da prova esmagadora que existia do crime, e após visionar as imagens que mostravam a brutalidade da sua conduta, reconhecer que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar aqui em julgamento, quis tirar a vida ao E…, o que infelizmente logrou fazer, atingindo-o com o veículo automóvel, e como é perceptível pelas imagens vídeo existentes – e tendo em conta o local em que aquele foi colhido e local onde aquele foi alcançado pelo irmão, que presenciou tudo infelizmente, local próximo do qual aquele também foi assistido pela equipa de emergência médica (o que também é visível nas imagens captadas do homicídio aqui em julgamento) – foi por aquele arrastado vários metros, dolorosamente e fatidicamente arrastado, sem piedade e sem compaixão. Felizmente as câmaras não captaram imagens do falecido nesses momentos porque seguramente seria um filme horripilante e de terror absoluto;
13. O próprio Tribunal a quo¸ reconhece no texto do douto Acórdão (cfr. página 55) que “Por último, o arrependimento que o arguido expressou em audiência teve a reserva de o mesmo afirmar que não era sua intenção tirar a vida ao ofendido e esse arrependimento não teve expressão em factos posteriores ao crime”. Ora, o próprio Tribunal a quo reconhece que esse arrependimento foi apenas expressado verbalmente em audiência (e na contestação), e que foi considerado com reserva porque aquele afirmou que não era sua intenção tirar a vida ao ofendido e esse arrependimento não teve expressão em factos posteriores ao crime;
14. A prova, porque felizmente o sistema de vídeo - vigilância de um stand captou a prática do crime pelo arguido, nunca poderia ser negado pelo mesmo, pelo naturalmente àquele não restava outra solução que reconhecer que era condutor do veículo e que dirigiu o veículo na direcção daquele e que o atropelou. Agora, reconhecer que o fez deliberadamente e com intenção de o matar e o que ao contrário do que disse impeliu velocidade ao veículo e não travou antes de o colher, isso o arguido não o fez, não assumiu essa realidade, pelo que de forma alguma poderíamos considerar como provado o arrependimento actual do arguido, sendo certo que o Tribunal a quo não o considerou de facto esse arrependimento quando valorou o mesmo para a determinação da medida da pena;
15. A prova que impunha decisão diversa são desde logo e fundamentalmente as declarações do arguido B…, sendo que, como vimos de referir supra, apenas refere estar arrependido, sem nunca justificar o porquê desse arrependimento, nem assumir a intenção de matar - cfr. Declarações do arguido B…, designado(a) como B… gravado em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 00:45:31m, ficheiro 20210217105029_15831763_ 2871571.wma, conforme ata de audiência de julgamento do dia 17 de fevereiro de 2021, declarações que supra parcialmente se transcreveu e que aqui damos por reproduzida para todos os efeitos legais;
16. Ora, resulta destas declarações que o arguido B… não assume a intenção de matar, nem confessa como os factos efectivamente tiveram lugar e foram dados por assentes, pelo que, como também o Tribunal a quo reconhece, apesar que de forma contraditória e com excessiva benevolência, tal importa necessariamente a ausência de arrependimento sincero, pelo que se impunha que o TRIBUNAL a quo só pudesse dar como provado a verbalização do arrependimento, mas nunca a existência, actualmente, de arrependimento pelo crime cometido, dado assim erradamente como provado esse facto, o qual deveria antes, ter sido dado como não provado;
17. Mais impunha decisão diversa os vídeos das imagens captadas e constante do suporte DVD-R de fls. 86 dos autos, e que este Venerando Tribunal ad quem deverá visionar, em que os factos foram intencionalmente praticados, e ter aquele B… a intenção de tirar a vida a E…, tendo para o efeito dirigido contra este o veículo automóvel que conduzia sem estar habilitado para tal, e que pusera em marcha para usar o mesmo de forma letal, invadindo “hemi-faixa de rodagem esquerda, oposta à do sentido de marcha, conduzindo sempre em direcção ao corpo de E…, sem reduzir a velocidade” (cfr. ponto 6 dos factos provados), ceifando brutalmente a vida de E…, de 23 anos de idade, que consigo residia à data da ocorrência dos factos de acordo com a factualidade dada por assente. O que o arguido B… disse, não assumindo a sua real conduta e com o objectivo afastar a intenção de matar, encontra-se totalmente infirmado pela conduta por si preconizada que é visível e valorável através das imagens captadas e que permitiram ver e perceber toda a conduta intencional do arguido nas circunstâncias de tempo, modo e lugar aqui em julgamento e que resultaram na morte do E…. Imagens essas que se encontram gravadas no suporte DVD-R de fls. 86 dos autos, e que impunham também, conjugadamente com a valoração das declarações do arguido, a inexistência de uma confissão sincera e real e a ausência de arrependimento, por parte do arguido, à data da realização do julgamento cujo acórdão condenatório aqui parcialmente se põe em crise;
18. Pelo exposto, a supra citada prova impunha decisão diversa quanto ao facto impugnado (ponto 32), bem como, a própria valoração realizada pelo Tribunal do arrependimento, constante de página 55 supra transcrita e que aqui se reproduz;
19. Pelo exposto, foi erradamente dada como provada a factualidade vertida no ponto 32 dos factos provados, que deveria, quanto muito, ter a seguinte redação: 32. Verbalizou estar arrependido de ter praticado os factos atrás descritos;
20. Sem prescindir, e apesar de defendermos que a ação punitiva pertence apenas aos Tribunais e ao Estado, não podemos deixar de ser críticos quanto a pena concreta em que o arguido foi condenado pelo crime de homicídio qualificado, uma que independentemente da falta de arrependimento – a qual, alterando-se a matéria de facto no sentido pelos recorrentes impugnados, terá que necessariamente importar o agravamento da pena –, o certo é que na escolha da pena o Tribunal a quo andou mal, fixando a pena próxima do limite mínimo quanto ao crime de homicídio qualificado, quando a censurabilidade da sua conduta, a cobardia e gravidade da mesma, o desprezo pela vida humana, e tendo em conta as fortes e concretas necessidades de prevenção geral e especial sentidas, como o Tribunal refere no seu douto Acórdão condenatório, impunham uma condenação nunca inferior a preconizada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público nas suas alegações, que foi no caso de 18 anos, ou inclusivamente superior, como os assistentes preconizaram, muito próxima do limite máximo dos 25 anos de pena de prisão;
21. Ora, salvo o devido respeito, é nosso entendimento que a pena aplicada ao arguido pela prática do crime de homicídio qualificado – 14 anos e 8 meses de prisão – afigura-se manifestamente desajustada e desproporcional e benevolente – benevolência essa assente exclusivamente na juventude do arguido – quando é certo que nenhuma razão vislumbrou o Tribunal a quo para atenuar especialmente a pena, sendo o dolo intenso, e sendo em concreto as exigências de prevenção geral e especial elevadíssimas”, tendo em conta a factualidade dada como provada e todos os factores a ponderar para a determinação da pena, elencados pelo Tribunal a quo (cfr. página 61 a 63), que aqui se dão por integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais, sendo que só por si a gravidade da conduta do arguido e consequência da mesma: MORTE DE UMA PESSOA, no caso o filho dos assistentes, aqui recorrentes, E…, de apenas 23 anos de idade:
22. A moldura abstracta do crime de homicídio qualificado praticado no caso vertente, encontra-se prevista no artigo 132.º, n.º 1 do Código Penal, sendo que o limite mínimo é de 12 anos de prisão e o limite máximo é de 25 anos de prisão;
23. Por sua vez, prevê o artigo 71.º do Código Penal, com a epígrafe “Determinação da medida da pena”, o seguinte: “1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”;
24. “As circunstâncias e os critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protege, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.” (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2015, referente ao Processo n.º 591/12.3GBTMR.E1.S1 e relatado por Pires da Graça);
25. Feitas tais considerações teóricas, entendem os Recorrentes que a ponderação dos diversos fatores a ter em conta, designadamente a culpa do agente, as concretas exigências apuradas pelo Tribunal de prevenção geral e especial, o grau de ilicitude dos factos, o modo de execução, a gravidade das consequências, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram, a intensidade do dolo, a culpa anterior ao facto e posterior a este, e a falta de preparação para manter conduta lícita, deveriam ter conduzido à aplicação de penas muitos superiores às aplicadas ao arguido B…, particularmente quanto ao crime de homicídio qualificado;
26. Produzida a prova e valorada a mesma, e acompanhando o entendimento do Tribunal a quo, dúvidas não subsistem de que a culpa do arguido B… é elevadíssima;
27. Quanto ao modo de execução, a conduta do arguido revela uma atuação revestida de especial ilicitude e censurabilidade e um manifesto desprezo pela vida e pelo Direito, sem prescindir claro de a consequência de tal conduta ser gravíssima, uma vez que desta resultou a morte precoce e brutal de um jovem que deveria hoje estar vivo e não está exclusivamente exclusivamente por culpa do arguido e em resultado da sua conduta;
28. Acresce ainda que as consequências da conduta que originou a morte do E…, causou danos e uma perda irreparável para os assistentes e para toda a família, particularmente de forma impressiva para o irmão F…, que tinha o arguido como o seu melhor amigo e viu este, sem que nada o justificasse, a brutalmente e à sua frente, atingir deliberadamente o seu irmão com um automóvel arrastando-o por vários metros. São visíveis nos vídeos o desespero do F… a correr para o corpo do irmão que fora brutalmente atingido. Também nesse vídeo é visível a indiferença do arguido B… que prossegue o seu caminho depois de conseguir que o corpo saia debaixo do veículo que conduzia;
29. Em relação aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram, o arguido, sem prescindir ter referido estar arrependido, demonstrou desprezo e indiferença, sem nunca ter tentado pedir desculpa pela sua conduta aos assistentes e sem reconhecer o que de facto fez;
30. Quanto à intensidade do dolo, o arguido agiu da forma descrita na factualidade dada por assente, sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem ciente de que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal e, ainda assim, não se abstendo de a praticar;
31. Pelo exposto, e ponderados todos estes critérios, entende os Recorrentes que o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, fez uma interpretação errada e violou as disposições conjugadas dos artigos 132º, n.º 1 e 2 e 71.º, todos do Código Penal, ao aplicar a pena que aplicou ao arguido B…, entendendo os primeiros que deve ao arguido B…, ser aplicada, pela prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, n.º 1 e 2, al. h) do Código Penal, numa pena próxima do limite máximo, ou seja, dos 25 anos de prisão, mas nunca inferir aos 18 anos preconizados pelos Ministério Público;
32. DISPOSIÇÕES VIOLADAS:
As referidas supra, nomeadamente o disposto nos artigos 127º, e 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa, e os artigos 131º, 132º e 71º do Código Penal, e as demais disposições que V. Exias suprirão;
Nestes termos e nos melhores de direito deverá ser alterada a matéria de facto e deverá o arguido B… ser condenado pela prática do crime de homicídio qualificado na pena de prisão próxima do limite máximo e nunca inferior a 18 anos, revogando-se assim e nesses termos o douto Acórdão, assim se fazendo, uma vez mais, JUSTIÇA!

4. O Ministério Público respondeu aos recursos, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões:
A - Quanto ao recurso do arguido:
"1- O objeto do recurso é o douto acórdão datado de 9 de fevereiro de 2021 que condenou o arguido, ora recorrente, B… pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nsº1 e 2, alínea h), do Código Penal, na pena de catorze anos e oito meses de prisão e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nsº1 e 2, do Decreto-Lei nº2/98, de 3 de janeiro, na pena de oito meses de prisão e, operando o cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.
2- A discordância do recorrente centra-se exclusivamente na medida da pena que, segundo ele, deveria fixar-se em 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão, por aplicação da atenuação especial resultante do regime penal de jovens delinquentes atendendo a que, à data dos factos, contava vinte anos de idade.
3- A atenuação especial da pena decorrente do regime especial penal para jovens adultos previsto no Decreto-Lei nº401/82, de 23 de setembro, não é de aplicação automática a todos os jovens entre os 16 e os 21 anos de idade que cometam crimes.
4- O Tribunal Coletivo “a quo” afastou, e quanto a nós bem, a aplicação do referido regime ao recorrente por à data dos factos estar a escassos meses de completar 21 anos de idade, à sua personalidade manifestada na intensidade da vontade criminosa, ao facto de ter antecedentes criminais pelo crime de condução sem habilitação legal, à sua reduzida integração na sociedade uma vez que não trabalhava, nem estudava como regularidade, dedicando-se, ocasionalmente, à compra e venda de veículos usados.
5- Também foi tido em conta no afastamento do referido regime a gravidade do crime cometido, o mais grave do nosso ordenamento jurídico penal por lesar o bem jurídico mais precioso que é a vida humana, a dimensão da culpa e da ilicitude decorrente dos factos provados.
6- A eventual aplicação dessa atenuação não se compagina com as exigências da sociedade perante infrações que contendem com valores nucleares e fundamentais como é o caso do crime de homicídio qualificado cometido pelo recorrente.
7- Em suma, deverá manter-se o acórdão recorrido e a condenação do recorrente B… na pena única de quinze anos de prisão por ser justa, adequada e proporcional aos crimes pelos quais foi condenado e aos factos que o rodearam.
Nestes termos, julgamos que o recurso não merece provimento e, em consequência, deverá ser mantido, na íntegra, o douto acórdão recorrido que condenou o recorrente B… pela prática, em concurso, dos crimes de homicídio qualificado e de condução sem habitação legal, na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.
Porém, V. Exas., como sempre, farão a costumada JUSTIÇA."
B - Quanto ao recurso dos assistentes:
"1- O objeto do recurso é o douto acórdão datado de 9 de fevereiro de 2021 que condenou o arguido, ora recorrente, B… pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nsº1 e 2, alínea h), do Código Penal, na pena de catorze anos e oito meses de prisão e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nsº1 e 2, do Decreto-Lei nº2/98, de 3 de janeiro, na pena de oito meses de prisão e, operando o cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.
2- A discordância dos recorrentes centra-se no ponto 32 dos factos provados do acórdão recorrido, no qual consta que o arguido “encontra-se atualmente arrependido de ter praticados os factos atrás descritos”, devendo, segundo os recorrentes, constar que “o arguido verbalizou estar arrependido de ter praticado os factos atrás descritos.”
3- As duas formulações são muito semelhantes, sendo que a do acórdão recorrido é a mais adequada e deverá ser mantida.
4- Efetivamente, o arrependimento só tem valor atenuativo quando se traduza em atos que o revelem, nomeadamente a reparação do mal provocado, o propósito sério dessa reparação ou mesmo um sincero pedido de desculpas.
5- A formulação do acórdão recorrido, quanto ao ponto 32, e a preconizada pelos recorrentes é semelhante, sendo que ambas não têm valor atenuativo.
6- Através da análise da jurisprudência de tribunais superiores em situações semelhantes à destes autos, concluímos que a pena única de quinze anos de prisão em que o arguido foi condenado está de acordo com o padrão sancionatório vigente.
7- A assunção pelo arguido da quase totalidade dos factos e, principalmente, a sua idade à data dos factos, 20 (vinte) anos, não sendo motivo para atenuação especial, nos termos do disposto no artigo 4º, do Decreto-Lei nº401/82, de 27/10, foi tido em conta, a seu favor, na determinação da medida concreta da pena.
8- O acórdão recorrido não violou qualquer norma, nomeadamente os artigos 127º, do Código de Processo Penal, 32º e 205º, da Constituição da República Portuguesa e 131º, 132 e 71º, do Código Penal.
9- Deverá, pois, manter-se o acórdão recorrido e a condenação do recorrente B… na pena única de quinze anos de prisão por ser justa, adequada e proporcional aos crimes pelos quais foi condenado e aos factos que o rodearam.
Nestes termos, julgamos que o recurso não merece provimento e, em consequência, deverá ser mantido, na íntegra, o douto acórdão recorrido que condenou o arguido B… pela prática, em concurso, dos crimes de homicídio qualificado e de condução sem habitação legal, na pena única de 15 (quinze) anos de prisão."

5. Nesta instância, o Ministério Público[1] emitiu parecer, igualmente fundamentado, pugnando pela improcedência dos recursos nos seguintes termos:
"(…)
Os recorrentes C… e D… especificam, nos termos prescritos no artº 412º, nº 3 e 4 do Código de Processo Penal, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando as provas que, em seu entendimento, impõem decisão diversa.
No entanto, tais referências constituem mera contraposição da sua própria análise valorativa e não demonstram a imposição lógica de decisão diversa como bem se afirma na resposta à motivação apresentada pelo Ministério Público na 1ª Instância, que referencia pormenorizadamente elementos de facto que demonstram inequivocamente o acerto da decisão do Tribunal “a quo”.
Não basta a expressão de divergência dos recorrentes quanto à apreciação dos factos - expressa na motivação e nas conclusões do recurso em que se limita a manifestar a discordância relativamente ao modo como o Tribunal “a quo” valorou a prova produzida, contrapondo a sua própria análise valorativa, mas sem apresentar elementos que efectivamente imponham decisão diversa.
O acórdão mostra-se devidamente fundamentada com apreciação crítica da prova produzida, como resulta da respectiva fundamentação, satisfazendo os requisitos do artº 374º do Código de Processo Penal.
Demonstrando a fundamentação decisória o processo de raciocínio que conduziu o juiz a proferir a decisão, isto é, para além da enumeração das razões de facto e de direito, contendo o exame crítico das provas, que consiste na sua descrição e no respectivo juízo de valor que elas oferecem em termos de suporte decisório, à luz do artº 127º do Código de Processo Penal, inexiste vício ou insuficiência.
O Tribunal a quo efectuou criteriosa valoração das provas produzidas, que demonstram concordantemente a prática, pelo arguido, dos factos integradores dos crimes pelos quais foi condenado.
Sobre as finalidades da punição consignadas no artigo 40º, do Código Penal e sobre os critérios concretos a observar no doseamento da pena — artigo 71°, do mesmo Código —, como ensina o Professor Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo 1, Coimbra Editora, Y ed., pág. 84, “a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais” .
A pena parcelar correspondente ao crime de homicídio, graduada no quarto inferior da moldura aplicável, afigura-se ajustada face à juventude, arrependimento manifestado e antecedentes criminais do arguido.
A atenuação especial da pena, prevista no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, não decorre automaticamente da idade do condenado – artigo 1º - antes pressupõe a formação, pelo Tribunal, de um juízo de prognose no sentido de que a redução substancial da pena favorecerá a ressocialização do arguido, baseado na apreciação conjunta dos circunstâncias em que se deu o crime, do comportamento anterior e posterior e daquilo que o Tribunal tenha podido apurar das condições pessoais do arguido e da sua personalidade. Juízo que, no caso, foi negativo atentas as circunstâncias e gravidade do crime, em termos que não merecem censura.
Nos termos do art. 77º do Código Penal, se o agente tiver praticado vários crimes é condenado numa única pena, na determinação da qual são considerados os factos e a personalidade do agente, tendo como limite mínimo corresponde a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das mesmas, no caso entre 14anos e 8 meses e 15 anos e 4 meses.
A pena unitária de 15 anos de prisão imposta ao arguido mostra-se graduada no ponto intermédio da referida moldura e espelha terem sido adequadamente ponderados os factos e a personalidade do agente, ajustando-se à medida da sua culpa e reflectindo, ainda mais claramente do que as penas parcelares, a sua concreta responsabilidade, pois pondera equilibradamente o seu passado criminal, as suas circunstâncias pessoais e as necessidades de prevenção dos crimes em concurso.
Foi, pois, efectuada correcta subsunção jurídica dos factos ao direito e a decisão recorrida aplicou as penas de acordo com os princípios e regras contidos nos arts. 40º, n° 1, 70º, 71º e 77ºdo Código Penal, mostrando-se as penas adequadas à culpa e ilicitude concretas e à satisfação das necessidades de prevenção geral e especial que ilícitos desta natureza requerem.
Acompanhamos, por isso, a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª Instância, a cujos argumentos, de facto e de direito, nada mais se nos oferece acrescentar com relevo para a apreciação e decisão do recurso pelo que, sem necessidade de mais considerações, se emite parecer no sentido da sua improcedência."

6. Notificados do teor do parecer, os recorrentes apresentaram as seguintes respostas:
a. O arguido deu por reproduzida a sua motivação de recurso.
b. Os assistentes teceram as seguintes considerações:
"Salvo o devido respeito, carece de fundamento de facto e de direito o douto parecer do Ilustre Procurador-Geral Adjunto, o qual, no essencial, adere aos fundamentos aduzidos na resposta recurso apresentada pelo Ilustre Procurador da República, junto da 1ª instância.
Inicialmente, e ressalvadas as discordâncias e consequentes críticas já realizadas e a realizar, reforçamos o nosso entendimento de que o Tribunal a quo efetuou, no que há matéria de facto diz respeito, e salvo no caso concreto que motivou a impugnação de facto do ponto 32, uma criteriosa e cuidada apreciação da prova validamente produzida e junta aos autos.
No que concerne ao ponto 32 dos factos provados, o Tribunal a quo aí andou mal, uma vez que a prova validamente produzida não permitia formar uma convicção sobre o real e atual arrependimento do arguido B… e que o Tribunal a quo deu como provado no supramencionado ponto 32.
“32. Encontra-se actualmente arrependido de ter praticado os factos atrás descritos.”
Destarte, releva remomorar que o arguido, aquando da sua prestação de declarações em audiência de discussão e julgamento, verbalizou estar “arrependido”, no entanto, este não era sincero e em momento algum, houve uma confissão da prática dos factos com a intencionalidade em que estes ocorreram, nunca tendo reconhecido ter querido tirar a vida ao E… ao dirigir contra este o veículo automóvel que conduzia, o que fazia sem sequer estar habilitado para tal, e que pusera em marcha para usar o mesmo de forma letal, retirando a vida de E…, de 23 anos de idade, que consigo residia à data da ocorrência dos factos de acordo com a factualidade dada por assente. Por sua vez, o que o arguido B… afirmou, com o objectivo afastar a intenção de matar, e que está absolutamente infirmado pela conduta por si preconizada que resulta da prova produzida, nomeadamente das imagens constantes no suporte DVD-R de fls. 86 dos autos (que deverão ser visionadas por este Colendo Tribunal para haver uma percepção real da conduta do arguido) visionadas, é que só queria “meter um susto”, que não tinha intenção de matar.
Ora, o arrependimento é um ato interior. A demonstração do arrependimento tem de ser ativa, visível. O agente tem de revelar que rejeita o mal praticado, de modo a convencer o tribunal que se no futuro vier a ser confrontado com uma situação idêntica, não voltará a delinquir. O que no caso em concreto claramente não se verificou. A demonstração da sinceridade do arrependimento passa, nomeadamente, pela assunção da culpa, pela assunção clara dos factos que vieram a ser dados por assentes, e pelo propósito sério da sua reparação, nomeadamente em termos de justiça restaurativa, ou, pelo menos, pela apresentação de desculpas sinceras aos familiares da infeliz e trágica vítima, E…, à qual aquele tirou a vida e abandonou no local. Todavia, não houve lugar a qualquer pedido sincero de desculpas, nem a tentativa de reparar e de assumir perante aqueles o crime bárbaro que o mesmo cometeu. Apenas e tão somente o arguido fez, após as alegações finais e como é usual e prática comum dos arguidos, que até pedem desculpas ao Tribunal, como o recorrido também fez, verbalizou um incipiente pedido de desculpa à família da vítima, o que para além de não ter sido sincero, foi um pedido vazio de conteúdo e só para deixar no ar um arrependimento, o qual, reitere-se, é apenas verbalizado, e não é real e sincero, demonstrando que não existiu qualquer evolução da personalidade do arguido, que após mesmo a prática de crime tão grave, foi incapaz de, apesar da prova esmagadora que existia do crime, e após visionar as imagens que mostravam a brutalidade da sua conduta, reconhecer que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar aqui em julgamento, quis tirar a vida ao E…, o que infelizmente logrou fazer, atingindo-o com o veículo automóvel, e como é perceptível pelas imagens vídeo existentes – e tendo em conta o local em que aquele foi colhido e local onde aquele foi alcançado pelo irmão, que presenciou, infelizmente, a ocorrência dos factos, local próximo do qual aquele também foi assistido pela equipa de emergência médica (o que também é visível nas imagens captadas do homicídio aqui em julgamento) – foi por aquele arrastado vários metros, dolorosamente e fatidicamente arrastado, sem piedade e sem compaixão. Felizmente as câmaras não captaram imagens do falecido nesses momentos porque seguramente seria um filme horripilante e de terror absoluto.
O próprio Tribunal a quo¸ reconhece no texto do douto Acórdão (cfr. página 55) que “Por último, o arrependimento que o arguido expressou em audiência teve a reserva de o mesmo afirmar que não era sua intenção tirar a vida ao ofendido e esse arrependimento não teve expressão em factos posteriores ao crime”. Ora, o próprio Tribunal a quo reconhece que esse arrependimento foi apenas expressado verbalmente em audiência (e na contestação), e que foi considerado com reserva porque aquele afirmou que não era sua intenção tirar a vida ao ofendido e esse arrependimento não teve expressão em factos posteriores ao crime.
A prova, porque felizmente o sistema de vídeo - vigilância de um stand captou a prática do crime pelo arguido, nunca poderia ser negada pelo mesmo, pelo naturalmente àquele não restava outra solução que reconhecer que era condutor do veículo e que dirigiu o veículo na direcção daquele e que o atropelou. Agora, reconhecer que o fez deliberadamente e com intenção de o matar e o que ao contrário do que disse impeliu velocidade ao veículo e não travou antes de o colher, isso o arguido não o fez, não assumiu essa realidade, pelo que de forma alguma poderíamos considerar como provado o arrependimento actual do arguido, sendo certo que o Tribunal a quo não o deveria ter considerado quando valorou o mesmo para a determinação da medida da pena.
Ser jovem não é desculpa, nem a juventude pode ser branqueadora de um comportamento homicida, bárbaro e que retirou a vida a outro ser humano, também jovem, e que em virtude da conduta daquele, deixou abrutamente de estar entre nós, em particular daqueles que o amavam. O B… (arguido) por sua vez continua vivo e a poder construir uma vida, rodeado por aqueles que ama. Não está arrependido de ter tirado a vida ao E…, nenhum ato de reparação praticou e a sua personalidade claramente não evoluiu. As necessidades de prevenção especial e geral não estão mitigadas, antes são elevadíssimas.
O B… é um homicida. O B… não está arrependido. O B… nunca teve um ato ou gesto reparador. não basta ensaiar um pedido de desculpas e verter algumas lágrimas. O E… foi brutalmente morto. assassinado.
Assim foi erradamente dado como provado, no ponto 32 dos factos assentes, que:
“32. Encontra-se atualmente arrependido de ter praticado os factos atrás descritos.”
A prova que impunha decisão diversa são desde logo e fundamentalmente as declarações do arguido B…, sendo que, como vimos de referir supra, apenas refere estar arrependido, sem nunca justificar o porquê desse arrependimento, nem assumir a intenção de matar - cfr. Declarações do arguido B…, designado(a) como B… gravado em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 00:45:31m, ficheiro 20210217105029_15831763_ 2871571.wma, conforme ata de audiência de julgamento do dia 17 de fevereiro de 2021, declarações que infra parcialmente se transcrevem:
Conferir declarações do arguido B…, designado doravante como B…, gravado em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 00:45:31m, ficheiro 20210217105029_15831763_ 2871571.wma, conforme ata de audiência de julgamento do dia 17 de fevereiro de 2021, declarações que infra parcialmente se transcrevem:
[00:06:00]
B…: Só queria meter um susto. Estou muito arrependido senhor Juiz. Meritíssimo Juiz: O senhor disse que só queria meter um susto, era? B…: Sim.
Meritíssimo Juiz: Era isso? O senhor portanto não é verdade que o quisesse matar?
B…: Não.
Meritíssimo Juiz: Não.
B…: Ele morava comigo na minha casa senhor juiz.
Meritíssimo Juiz: E agora uma questão: independentemente disso, de qual seria a sua intenção, independentemente disso, vamos pôr isso de parte agora, o senhor dirigiu o carro para ele ou queria-lhe passar uma tangente? Como é que o senhor fez? Há pelo menos essas duas maneiras de meter susto.
B…: Eu estava bêbado, eu estava alcoolizado, eu pensava que ele ia sair, só quando cheguei mesmo perto, ele não saiu, foi quando travei, mas não me deu tempo senhor juiz. Meritíssimo Juiz: Sim senhor. O senhor pensava que ele ia sair? B…: Sim, sim.
[00:07:18]
Ora, resulta destas declarações que o arguido B… não assume a intenção de matar, nem confessa como os factos efectivamente tiveram lugar e foram dados por assentes, pelo que, como também o Tribunal a quo reconhece, apesar que de forma contraditória e com excessiva benevolência, tal importa necessariamente a ausência de arrependimento sincero, pelo que se impunha que o TRIBUNAL a quo só pudesse dar como provado a verbalização do arrependimento, mas nunca a existência, actualmente, de arrependimento pelo crime cometido, dado assim erradamente como provado esse facto, o qual deveria antes, ter sido dado como não provado.
Mais impunha decisão diversa os vídeos das imagens captadas e constante do suporte DVD-R de fls. 86 dos autos, e que este Venerando Tribunal ad quem deverá visionar, em que os factos foram intencionalmente praticados, e ter aquele B… a intenção de tirar a vida a E…, tendo para o efeito dirigido contra este o veículo automóvel que conduzia sem estar habilitado para tal, e que pusera em marcha para usar o mesmo de forma letal, invadindo “hemi-faixa de rodagem esquerda, oposta à do sentido de marcha, conduzindo sempre em direcção ao corpo de E…, sem reduzir a velocidade” (cfr. ponto 6 dos factos provados), ceifando brutalmente a vida de E…, de 23 anos de idade, que consigo residia à data da ocorrência dos factos de acordo com a factualidade dada por assente. O que o arguido B… disse, não assumindo a sua real conduta e como objectivo de afastar a intenção de matar, encontra-se totalmente infirmado pela conduta por si preconizada que é visível e valorável através das imagens captadas e que permitiram ver e perceber toda a conduta intencional do arguido nas circunstâncias de tempo, modo e lugar aqui em julgamento e que resultaram na morte do E…. Imagens, essas, que se encontram gravadas no suporte DVD-R de fls. 86 dos autos, e que impunham também, conjugadamente com a valoração das declarações do arguido, a inexistência de uma confissão sincera e real e a ausência de arrependimento, por parte do arguido, à data da realização do julgamento cujo acórdão condenatório aqui parcialmente se põe em crise.
Pelo exposto, a supra citada prova impunha decisão diversa quanto ao facto impugnado (ponto 32), bem como, a própria valoração realizada pelo Tribunal do arrependimento, constante de página 55 supra transcrita e que aqui se reproduz:
“Por último, o arrependimento que o arguido expressou em audiência teve a reserva de o mesmo afirmar que não era sua intenção tirar a vida ao ofendido e esse arrependimento não teve expressão em factos posteriores ao crime”
Pelo exposto, foi erradamente dada como provada a factualidade vertida no ponto 32 dos factos provados, que deveria, quanto muito, ter a seguinte redação:
"32. Verbalizou estar arrependido de ter praticado os factos atrás descritos. "
Mais foi ERRADAMENTE fixada a pena em 15 anos de prisão. Nada o permitia, nada o justificava. As exigências de prevenção especial e geral são elevadíssimas, e em concreto, aquela pena de 15 anos de prisão é manifestamente reduzida e desadequada àquelas necessidades de prevenção.
Nestes termos, com os efeitos e pelas razões expendidas na nossa motivação de recurso deverá ser alterada a matéria de facto e deverá o arguido B… ser condenado pela prática do crime de homicídio qualificado na pena de prisão próxima do limite máximo e nunca inferior a 18 anos, revogando-se assim e nesses termos o douto Acórdão, assim se fazendo, uma vez mais, JUSTIÇA!”

7. Proferiu-se despacho de exame preliminar e, não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].
Questões a decidir
Do thema decidendum do recurso:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [2] e a jurisprudência [3] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que os recorrentes extraíram da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito. Porém, para tanto, importa apreciar e decidir uma questão prévia, relacionada com a legitimidade dos assistentes.
A - Da legitimidade e do interesse processual dos assistentes:
Os assistentes C… e D… vieram interpor recurso do acórdão condenatório:
a) impugnando a decisão da matéria de facto, relativamente a um dos factos considerados provados (facto provado 32.); e
b) alegando existir um erro em matéria de direito, do qual resultou a aplicação, ao arguido, de uma pena demasiadamente reduzida (14 anos e 8 meses de prisão) pela prática do crime de homicídio qualificado, pugnando pelo seu aumento para 18 anos de prisão;
Na motivação do recurso, os assistentes alegaram que a decisão sobre a legitimidade e interesse em agir do assistente resulta sempre de uma ponderação sobre a sua concreta atuação no respetivo processo (que tipo de acompanhamento fez dos autos, se deduziu a acusação ou acompanhou a do Ministério Público, etc.), pelo que esta problemática terá que ser resolvida caso a caso, sem prescindir é certo que neste caso concreto, e porque entendemos que o Tribunal a quo deu erradamente como provado um facto, se impugne o douto acórdão de facto e de direito, não se limitando o objecto do recurso à questão da pena.
Além disso consubstancia o seu interesse em agir, expressando que "(…) o seu direito foi afetado e carece de tutela, porque o Tribunal a quo apreciou erradamente a matéria de facto e porque deu como provado um arrependimento que não existiu, e ainda errou na determinação da medida concreta da pena nos termos que referiremos, não cuidado de acautelar e ponderar devidamente as concretas exigências de prevenção geral e especial que se verificavam."
Cumpre apreciar e decidir.
De jure
Nos termos do disposto no artigo 401º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, os assistentes só têm legitimidade para recorrer de "decisões contra eles proferidas", limitação legal à qual acresce outra condição: "Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir." (nº 2 do mesmo artigo).
Na doutrina portuguesa, Figueiredo Dias é categórico ao sustentar[4], na esteira de Roxin, que “aquele a quem a decisão não inflige uma desvantagem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na sua correcção não lhe assistindo, por isso, qualquer possibilidade de recurso.”
A jurisprudência, cristalizada no Assento do Supremo Tribunal de Justiça, nº 8/99, de 10 de Agosto, publicado no Diário da República, 1.ª Série A, n.º 185, de 10 de Agosto, considera, em síntese, que o assistente “(…) não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.”.
Reconhece-se, facilmente, que a doutrina de tal assento[5] corresponde ao texto da lei, não impedindo o recurso aos assistentes relativamente à medida da pena, apenas o restringindo, exigindo para a sua admissibilidade a comprovação de um interesse próprio concreto em agir, que se traduza numa decisão desfavorável a um interesse pessoal dos assistentes, que careça de tutela por um tribunal superior.
Será assim, por exemplo, noutros casos em que um arguido é condenado numa pena suspensa na sua execução, sem que seja fixada uma condição da qual tal suspensão dependa (por exemplo, de pagar uma indemnização aos assistentes, ou de não frequentar a localidade onde reside e trabalha uma vítima particularmente vulnerável de um crime), ou se o arguido tivesse sido absolvido da acusação pela prática do crime de homicídio qualificado: então os assistentes teriam interesse direto em ver a decisão reapreciada por um tribunal superior. Reconhece-se, nestas hipóteses, um interesse pessoal dos assistentes no recurso em matéria estritamente penal.
Importa, ora, aferir se no caso concreto em apreço os assistentes têm o necessário interesse próprio concreto em agir.
Como será fácil de entender, os assistentes não têm um interesse pessoal direto, carecido de tutela jurídica, em pretender que o arguido seja condenado numa pena de 18 anos de prisão, em vez de ser numa pena de 14 anos e 8 meses de prisão: a estrutura teleológica das penas está associada, legalmente, à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade (artigo 40º, nº 1, do Código Penal), incumbindo ao Estado realizar tais fins que são comunitários e, logo, supra-individuais. Compete ao Ministério Público, no processo penal, colaborar com o tribunal na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objetividade, competindo em especial, designadamente, interpor recursos (artigo 53º, nº 1 e 2, alínea d), do Código de Processo Penal), enquanto os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja atividade subordinam a sua intervenção no processo, podendo (apenas) interpor recurso das decisões que os afetem, nos termos do disposto no artigo 69º, números 1 e 2, alínea c) do Código de Processo Penal.
Os assistentes não têm um interesse processual direto na duração da pena de prisão a aplicar ao autor do crime de homicídio qualificado, que é de natureza pública.
Por conseguinte, nem o acórdão recorrido, no segmento em que fixa a pena concreta, constitui uma decisão proferida contra os assistentes, como estes não têm interesse concreto e próprio em agir relativamente ao "quantum" da sanção.
Pelo exposto, este Tribunal não poderá apreciar a questão suscitada pelos assistentes em ver agravada a pena aplicada ao arguido, por faltarem dois pressupostos processuais positivos: a legitimidade dos recorrentes e o interesse em agir [artigo 401º, nº 1, al. b) e nº 2, do Código de Processo Penal], extravasando o âmbito do recurso, ainda, o objeto previsto na alínea c) do nº 2 do artigo 69º do mesmo texto legal.
Já quanto à impugnação do facto provado 32 da decisão da matéria de facto, os assistentes têm legitimidade e interesse em agir, uma vez que deduziram um pedido de indemnização civil, tendo o Tribunal "a quo" remetido as partes para os meios comuns da jurisdição cível, por despacho proferido numa sessão da audiência de julgamento[6].
Como o número 3 do artigo 496º do Código Civil (danos não patrimoniais) estatui que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494 (grau de responsabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso", a existência, ou não, de arrependimento efetivo por parte da pessoa que gerou esse dano poderá, em tese, influir na determinação do montante da indemnização. No plano do direito adjetivo, recorda-se que consta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro "no que se refere à disciplina dos efeitos da sentença, assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado penal, quer condenatório, quer absolutório, por acções civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do Código de Processo Penal de 1929, não figura no actualmente em vigor; adequa-se, todavia, o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção, ilidível por terceiros, da existência do facto e respectiva autoria".
O artigo 623.º do Código de Processo Civil, que reproduz o art. 674.º-A da sua versão anterior de 1961, confere valor probatório legal extraprocessual à decisão penal transitada em julgado em ação de natureza cível posterior: “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”
Daqui resulta que a condenação definitiva proferida em processo penal constitui relativamente a terceiros presunção ilidível no que concerne à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, as formas do crime, em quaisquer ações cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração e, para esta norma fazer sentido, entre as partes, ou seja entre aqueles que intervieram no processo penal, designadamente arguido e demandantes cíveis/assistentes, a decisão tem necessariamente eficácia absoluta quanto aos factos constitutivos da infração e da culpa, que não podem por isso ser de novo objeto de discussão dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos e da culpa sempre definitivos quanto ao arguido[7].
Embora o arrependimento posterior aos factos integrativos da infração não integre esse âmbito estrito (factos constitutivos da infração e da culpa, por serem referentes ao próprio crime e não a eventos posteriores) admite-se, em tese, que outros comportamentos do arguido e demandado, com relevância para a determinação da indemnização e apurados no processo penal, sejam integrados no âmbito da referida eficácia externa "inter partes" da decisão penal.
Por conseguinte, impõe-se apreciar o recurso da decisão da matéria de facto.

B - Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as seguintes questões suscitadas pelos recorrentes:
a) Impugnação da decisão da matéria de facto (facto provado 32) – recurso dos assistentes -;
b) Erro em matéria de direito na interpretação do artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82 de 23 de Setembro, 73º e 74º do Código Penal, devendo o arguido beneficiar da atenuação especial das penas aplicadas (recurso do arguido); ou, subsidiariamente,
c) Erro em matéria de direito na interpretação dos artigos 70º e 71º do Código Penal, do qual resultou excessividade da pena concreta aplicada pela prática de um crime de homicídio qualificado (recurso do arguido);
*
Para decidir as questões controvertidas, importará, primeiramente, concretizar o facto jurídico-processual relevante – a decisão da matéria de facto e a fundamentação jurídica das penas concretas aplicadas -.
II – FUNDAMENTAÇÃO
"1. Factos provados
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
1. No dia 12 de Abril de 2020, durante a tarde, B…, arguido nos presentes autos, participou num convívio que decorreu em casa de C…, sita no …, Maia, acompanhado por G…, seu irmão, F… e H….
2. A dada altura, o arguido e as restantes pessoas atrás indicadas resolveram sair de casa e deslocar-se a …, …, Maia, transportando-se no veículo automóvel de marca Fiat, modelo …, de cor azul e matrícula ..-..-FL.
3. No regresso de …, cerca das 18.30 horas, na …, próximo do número …., na Freguesia …, Concelho da Maia, o arguido, que seguia no banco de trás do referido veículo, envolveu-se em discussão com E…, tendo, a dada altura, todos os ocupantes saído da viatura.
4. Na via pública, o arguido e E… confrontaram-se fisicamente, após o que G… os separou e levou o arguido de volta ao veículo, fazendo-o entrar para o lugar do passageiro da frente.
5. Instantes depois, o arguido passou para o lugar do condutor, colocou o veículo em funcionamento e iniciou a condução, deixando para trás todas as pessoas que o acompanhavam na viagem.
6. Quando se encontrava já distanciado, o arguido inverteu a marcha e regressou ao mesmo local, circulando na hemi-faixa de rodagem esquerda, oposta à do sentido de marcha, conduzindo sempre em direcção ao corpo de E…, sem reduzir a velocidade, vindo a atingi-lo e a provocar-lhe, com a força do embate, a queda no chão, onde ficou, inanimado.
7. De seguida, apesar de estar ciente da gravidade do atropelamento que causara e de que havia colocado em perigo a vida de E…, o arguido abandonou o local, sem ter, de imediato, prestado auxílio ou providenciado pelo seu socorro médico.
8. Em consequência do atropelamento, E… sofreu:
- Um traumatismo abdominal fechado, com lesões traumáticas a nível da aorta, do baço e de um rim, com hemorragia consequente para a cavidade abdominal;
> Na região da cabeça:
- Múltiplas escoriações, dispersas, na face;
- Uma solução de continuidade, de bordos irregulares, na metade esquerda do lábio superior, com 1 cm por 0,5 cm de maiores dimensões;
- Uma solução de continuidade, de bordos irregulares, na região parieto-temporal direita, de 5 cm por 2 cm de maiores dimensões;
> Na região do pescoço:
- Uma escoriação na face lateral esquerda do pescoço, com 5 cm de comprimento;
- Uma escoriação avermelhada, horizontal, na linha média da face anterior do pescoço, com 2 cm de comprimento;
> Na região do tórax:
- Uma equimose, arroxeada, na região esternal, com 3 cm por 2 cm de maiores dimensões;
- Uma escoriação na região infra-escapular direita, com 15 cm por 5 cm de maiores dimensões;
> Na região do abdómen:
- Uma solução de continuidade na linha média da região abdominal, com 23 cm de comprimento;
> Na região ano-genital:
- Uma escoriação na região sagrada, com 1 cm de comprimento;
> Na região do membro superior direito:
- Uma escoriação, desidratada, na face posterior do ombro direito, com 8 cm por 5 cm de maiores dimensões;
- Uma área de múltiplas escoriações na face posterior do membro superior direito, numa área de 15 cm por 8 cm de maiores dimensões;
- Uma escoriação no terço médio da face anterior do antebraço direito, com 13 cm por 3 cm de maiores dimensões;
- Uma escoriação, com perda de integridade epidérmica no seu centro, ao nível do dorso da mão direita, com 7 cm por 6 cm de maiores dimensões;
> No região do membro superior esquerdo:
- Uma equimose, avermelhada, na face posterior do braço esquerdo, com 4 cm por 2 cm de maiores dimensões;
- Múltiplas escoriações dispersas pela face posterior do antebraço esquerdo, numa área de 12 cm por 5 cm de maiores dimensões;
- Múltiplas escoriações dispersas pelo dorso da mão esquerda;
> Na região do membro inferior direito:
- Múltiplas escoriações na face anterior do joelho direito, numa área de 10 cm por 9 cm de maiores dimensões;
- Uma escoriação com 2 cm por 1 cm de maiores dimensões no maléolo lateral;
> Na região do membro inferior esquerdo:
- Múltiplas escoriações na face anterior do joelho esquerdo, numa área de 9 cm por 4 cm de maiores dimensões;
- Uma equimose, avermelhada, com 9 cm por 4 cm de maiores dimensões, no dorso do pé esquerdo.
9. E… foi transportado, sedoanestesiado e entubado, para o Hospital …, onde deu entrada às 21.05 horas do mesmo dia e foi submetido a manobras de suporte avançado de vida, a transfusão sanguínea e a uma cirurgia abdominal, dado que apresentava sangue na cavidade abdominal, a uma esplenectomia (remoção do baço) e a nefrectomia unilateral (remoção de um rim), vindo a sofrer uma paragem cardiorrespiratória e a falecer no bloco operatório às 23.25 horas do mesmo dia.
10. A morte de E… foi devida às lesões traumáticas abdominais provocadas pelo atropelamento perpetrado pelo arguido.
11. O arguido não é titular de carta de condução.
12. Ao actuar da forma atrás descrita, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.
13. Agiu com o propósito de tirar a vida a E…, sabendo que um veículo em andamento é um meio particularmente perigoso e apto a causar a morte, tendo actuado motivado pela discussão atrás referida.
14. Além disso, agiu com o propósito de conduzir o automóvel atrás referido, sabendo que estava legalmente impedido de o fazer, por não ser titular de carta de condução.
15. Ademais, quis abandonar o local do atropelamento sem prestar de imediato socorro a E….
16. Tinha conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
17. Antes dos factos atrás descritos, o arguido tinha sido condenado, por sentença de 29 de Novembro de 2018, proferida no Processo Abreviado nº 502/18.2GAMAI do Juízo Local Criminal da Maia – Juiz 3, transitada em julgado em 11 de Janeiro de 2019, pela prática, em 9 de Maio de 2018, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (Cinco Euros), o que perfaz o montante global de € 400 (Quatrocentos Euros).
18. O arguido tem actualmente 21 (vinte e um) anos de idade e à data da prática dos factos atrás descritos tinha 20 (vinte) anos de idade.
19. É solteiro.
20. Concluiu o 1º ciclo do ensino básico, com 10 anos de idade, sem registo de retenções.
21. Depois, iniciou a frequência do segundo ciclo, o qual não concluiu, tendo abandonado o meio escolar.
22. Não teve experiência de actividade profissional ou laboral estruturada, realizando ocasionalmente vendas de carros usados.
23. Consumia por vezes de forma abusiva bebidas alcoólicas.
24. Antes dos factos em apreço, o arguido vivia com os seus pais, um irmão mais novo, uma companheira, uma sobrinha e o companheiro desta última, tratando-se de E….
25. Os membros do referido agregado familiar não trabalham, sendo beneficiários de rendimento social de inserção.
26. Residiam, à data, num acampamento, com reduzidas condições de habitabilidade.
27. O arguido encontra-se preventivamente preso à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de Leiria.
28. Em 5 de Agosto de 2020, envolveu-se numa rixa com um colega, tendo sido sancionado com a medida de 15 dias de permanência obrigatória no alojamento.
29. À parte essa situação, o arguido tem mantido em meio prisional um comportamento tendencialmente de acordo com as normas institucionais.
30. Iniciou a frequência de um curso de educação e formação de adultos, tendo em vista obter a habilitação equivalente ao 6º ano de escolaridade.
31. Tem recebido visitas dos seus familiares e da sua companheira.
32. Encontra-se actualmente arrependido de ter praticado os factos atrás descritos.

2. Factos não provados
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Recordada a fundamentação da decisão recorrida importa, ora, aferir o mérito da motivação dos recursos, apreciando as questões identificadas no relatório deste acórdão.

1ª questão – Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Para a devida apreciação do mérito das impugnações em apreço, julga-se útil começar por recordar os critérios legais de apreciação da prova e as regras que condicionam a impugnação das decisões em matéria de facto, tendo por base um alegado erro de julgamento.
De jure
A valoração da prova produzida em julgamento é realizada de acordo com a regra geral prevista no art. 127º do Código de Processo Penal, segundo a qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal - nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e ao princípio "in dubio pro reo" -.
Esta regra concede à julgadora uma margem de liberdade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Essa liberdade não é, pois – de todo - absoluta, estando condicionada pela prudente convicção dos julgadores e temperada pelas regras da lógica e da experiência. A formação dessa convicção não se resume, pois, a uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, exigindo uma atividade intelectual de análise crítica da prova baseada nos critérios legais, beneficiando da imediação com a prova e tendo sempre presente que a dúvida inultrapassável fará operar o já acima enunciado princípio "in dubio pro reo". Tal impossibilita que a julgadora possa formar a sua convicção de um modo puramente subjetivo e emocional.
Para os cidadãos – e os Tribunais superiores – poderem controlar a formação dessa convicção, o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal exige que a sentença deverá conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”, podendo o rigor dessa fundamentação ser aferido, também, com recurso à documentação da prova. Como decorre claramente da fundamentação da decisão da matéria de facto, acima reproduzida, a sentença recorrida satisfez tais exigências, podendo, por conseguinte, ser sindicada a convicção do Tribunal "a quo" em relação às provas produzidas em julgamento.
A livre apreciação da prova – ou, melhor, do livre convencimento motivado - não pode ser confundida com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação subjetiva e arbitrária da prova: a lei exige um convencimento lógico e motivado, assente numa avaliação das provas com sentido de responsabilidade e bom senso – que a decisão recorrida evidencia -.
O princípio da livre apreciação da prova não equivale ao livre arbítrio.
Tendo o tribunal "a quo" procedido a uma análise crítica dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, tal permitiu ao recorrente impugnar o processo de formação da convicção do julgador e este Tribunal só poderá revogar a decisão da matéria de facto recorrida, quando tal convicção não tiver sido formada em consonância com as regras da lógica e da experiência comum na análise dos meios concretos de prova produzidos de forma válida em julgamento, o que poderá ser aferido com base na análise da fundamentação da decisão e verificação da sua conformação, ou não, com a prova produzida em julgamento.
Na verdade, como é consabido, o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância.
A reapreciação das provas gravadas só poderá abalar a convicção acolhida pelo tribunal recorrido, caso se verifique que a decisão sobre matéria de facto:
- não tem qualquer fundamento nos elementos probatórios regularmente produzidos e ou examinados no julgamento;
- ou se os meios concretos de prova produzidos em julgamento não permitirem, racionalmente, sustentar suficientemente a decisão da matéria de facto.
No recurso da decisão da matéria de facto interessa apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal "a quo", de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não obter uma nova convicção do tribunal "ad quem" em resultado da apreciação de toda a prova produzida.
Embora a decisão da matéria de facto possa ser sindicada por iniciativa de recorrentes interessados, mediante prévio cumprimento dos requisitos previstos no artigo 412.º, 3 e 4, do Código de Processo Penal, através de impugnação com base em alegados erros de julgamento, a reapreciação da prova é balizada pelo ponto questionado pelos assistentes no estrito cumprimento do ónus de impugnação especificada imposto por tal preceito legal, cuja "ratio legis" assenta precisamente no modo como o recurso da matéria de facto foi consagrado no nosso sistema processual penal, incumbindo ao interessado especificar:
- os pontos sob censura na decisão recorrida; e
- as provas concretas que, em seu entender, impunham desfecho diverso nessa matéria, por contraposição ao juízo formulado pelo julgador - por referência ao consignado na ata, nos termos do estatuído no artigo 364º, 2, do Código de Processo Penal e com indicação/transcrição das concretas passagens da gravação em que apoia a sua pretensão - e as provas que devem ser renovadas.
Do exposto conclui-se que o objeto do recurso em apreço exige que se apure se os probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal "a quo", de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não de obter uma nova convicção do tribunal "ad quem" assente na apreciação da globalidade da prova produzida.
Assentes estes pressupostos genéricos cumpre, pois, descer ao caso concreto.
§ 1 - Tese dos assistentes recorrentes:
Os assistentes impugnam o facto considerado provado nº 32: "Encontra-se actualmente arrependido de ter praticado os factos atrás descritos.”
Para motivar o recurso, nesta parte, os assistentes baseiam-se nas próprias declarações do arguido, prestadas em audiência, das quais resulta manifesto que o mesmo não confessou ter praticado os factos intencionalmente, ter querido tirar a vida a E… nos termos que viriam a ser considerados provados.
Acrescentam que o tribunal apenas se baseou na lacónica declaração do arguido, após as alegações finais, que estava arrependido.
Porém, isso não será suficiente.
Sendo o arrependimento é um ato interior, a sua demonstração carece de ser ativa, visível, expressando uma assunção de culpa, pedindo desculpa aos familiares da vítima cuja morte causou, propondo-se ainda indemnizá-los na medida do possível.
Nada disso sucedeu.
Apenas verbalizou arrependimento e é apenas isso que deverá ser considerado provado, por resultar da prova produzida.

§ 2 - Tese do Ministério Público
Em resposta ao recurso dos assistentes, o Ministério Público limita-se a alegar ser indiferente para a decisão que o arguido esteja arrependido ou, apenas, que verbalize arrependimento, entendendo, ainda, que a formulação do tribunal é a mais correta.

Cumpre apreciar e decidir.
Em primeiro lugar, importa recordar a escassa fundamentação da decisão recorrida:
"(…) refira-se que em audiência o arguido reconheceu que atropelou E…, mas sustentou que não o queria matar, negando essa parte da acusação), (...) Reconheceu que depois desses confrontos regressou ao automóvel, passou a conduzi-lo no sentido em que o carro se encontrava, mas depois deu a volta, afirmando “só queria meter um susto, estou muito arrependido”.
Concretizada a fundamentação da convicção do tribunal, interessa primeiramente esclarecer se, conforme propugnado pelo Ministério Público na primeira instância, o facto considerado provado [o arguido encontra-se arrependido (…)] é equivalente a considerar provado que o arguido verbalizou arrependimento. Para consubstanciar esse entendimento, o Ministério Público limita-se a invocar um argumento jurídico infundamentado e, diga-se, "contra legem". Quanto à vertente jurídica da questão: um arrependimento factual sincero do arguido pela prática do crime é susceptível, designadamente, de integrar um fator de atenuação especial da pena, expressamente previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 72.º do Código Penal. Sendo o arrependimento efetivo em grau menor, o mesmo poderá operar como fator de individualização da pena previsto, de modo não taxativo, na alínea e) do n.º 2 do artigo 71.º do Código, como atenuante de caráter geral.
Importa ter ainda presente que a existência, ou não, de arrependimento efetivo por parte do autor de um crime influi ainda nas preocupações de prevenção especial, o que está relacionado com a necessidade de pena (artigos 40º, nº 1 e 71º, nº 1, "in fine", do Código Penal) e, por conseguinte, na determinação da sua extensão.
Porém, esta abordagem jurídica do tema do arrependimento é estranha à apreciação e decisão do recurso da decisão da matéria de facto: salvo o devido respeito, o Ministério Público da primeira instância subverteu o silogismo judiciário: os factos não são ou deixam de ser provados, consoante a sua relevância jurídica[8], dependendo a decisão unicamente da prova produzida em julgamento.
O acórdão recorrido fundamenta o facto provado de um modo insipiente, limitando-se a referir na fundamentação que o arguido declarou estar muito arrependido.
Na análise crítica da prova, o tribunal coletivo não teceu qualquer consideração sobre as declarações do arguido respeitante ao "arrependimento", nem em momento algum concretizou qualquer outra declaração do arguido que permita concluir pela existência de um arrependimento genuíno, nem referiu qualquer meio concreto de prova do qual o mesmo resulte. Embora não se confunda "arrependimento" com "confissão", dificilmente se pode compaginar um arrependimento relativamente a um crime que não seja confessado. A confissão traduz-se num juízo público de autocensura, assumindo a responsabilidade pelo sucedido, o que poderá constituir, seguramente, um primeiro passo para um verdadeiro arrependimento.
Tendo-se procedido à audição da prova gravada invocada pelos assistentes para impugnar o facto provado, não se pode extrair da globalidade das declarações do arguido que o mesmo esteja, de facto arrependido, nem resulta do seu teor uma sua qualquer conduta que evidencie tal arrependimento, merecendo provimento a impugnação do facto provado 32.
Porém, os recorrentes pretendem que se considere provado, em alternativa, que o arguido "Verbalizou estar arrependido de ter praticado os factos atrás descritos."
No entanto, isso também não resulta das declarações do arguido em que os recorrentes se baseiam, pois o arguido nunca assumiu ter praticado os factos, tal como resultaram provados – o arguido nunca assumiu ter querido matar o ofendido -.
Pelo exposto, altera-se a decisão da matéria de facto, transitando o facto provado nº 32 para a factualidade considerada não provada.

2ª questão – Do alegado erro em matéria de direito relativa à não aplicação do regime penal dos jovens:
O arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. h), do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 8 (oito) meses de prisão e, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 15 (quinze) anos de prisão;
Na fundamentação jurídica do acórdão, foi excluída a aplicação da atenuação especial da pena ao abrigo do regime penal dos jovens, não só por serem inexistentes quaisquer elementos que, positivamente, apontem para uma melhor reinserção através de uma atenuação especial da pena - sem prejuízo da idade do arguido merecer adequada ponderação na graduação da medida concreta de cada pena – como a natureza e o modo de execução do crime apontam no sentido contrário ao da justificação de uma especial atenuação das molduras sancionatórias a ter em conta. Concomitantemente, foi salientada a circunstância do arguido ter quase 21 anos de idade à data dos crimes e sublinhado que a personalidade do arguido, manifestada na prática do crime, na intensidade da vontade criminosa, bem expressas no elenco dos factos provados, também desaconselham a que se proceda no plano da definição das molduras abstratas a uma atenuação particular. De resto, também foi referido que o arguido tem um antecedente criminal e não evidencia integração social.
Sopesando todas estas circunstâncias, o tribunal coletivo entendeu não existirem razões sérias para concluir que da atenuação resultassem vantagens efetivas para a reinserção social do arguido.
Discordando de tal entendimento, o arguido motiva o seu recurso, alegando que os crimes "in iudicium" configuram um ato isolado, inopinado, sobre o qual o arguido denotou um juízo de censura, mostrando-se arrependido, permitindo uma prognose favorável sobre o futuro desempenho da personalidade, uma vez que o arguido assumiu o erro e manteve uma postura processual de colaboração com a justiça.
Alega ainda que dispõe de apoio familiar e no estabelecimento prisional procurou colmatar as falhas de aprendizagem, por forma a aquando da sua restituição à liberdade ter competências que lhe permitam integração profissional.
O Ministério Público respondeu, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, essencialmente, com base na fundamentação constante da mesma.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, importa destacar que os fundamentos de facto alegados na motivação de recurso não têm inteira correspondência com a factualidade considerada provada:
a) não se considerou provado que o arguido esteja, efetivamente, arrependido pela prática do crime;
b) não se provou qualquer evolução da sua situação pessoal;
c) o arguido já se envolveu numa rixa no estabelecimento prisional;
d) o arguido tem um antecedentes criminal;
De jure
O artigo 9º do Código Penal remete para legislação especial o regime penal dos indivíduos maiores de 16 e menores de 21 anos, impondo um regime penal próprio para os designados "jovens delinquentes" enquanto opção importante de política criminal que sublinha as finalidades de integração e socialização. Constitui um entendimento uniforme da jurisprudência que a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos – regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária – não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
Tendo o arguido cometido o crime antes de atingir vinte e um anos de idade, o tribunal “a quo” teve de aferir se deveria ser aplicado o benefício penal emergente do regime penal dos jovens delinquentes, atenuando especialmente as penas ao abrigo do art. 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro[9].
Tendo em conta os termos da condenação e o objeto do recurso do arguido, importa analisar o aludido regime legal, de modo a aferir se a situação do arguido não justifica a atenuação especial da pena decretada, tal como decidido, ou se o arguido tem razão ao entender que a sua situação permite uma prognose favorável sobre o seu futuro.

A - A razão de ser do regime penal especial dos jovens
A “ratio legis” do regime penal especial para jovens compreende-se, uma vez que a delinquência juvenil - em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta – constitui um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, mas com famílias algo desestruturadas, obrigando o legislador a procurar respostas e reações mais adequadas à prática por jovens adultos de crimes, que num ciclo de vida que corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório.
Como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça – no acórdão datado de 11 de Junho de 2003 (processo nº 1657/03) -, a ideia fundamental do regime é a de evitar que uma reação penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem, o que justifica a referência às vantagens para a reinserção social do jovem condenado na aplicação do regime do art. 4º do Decreto-Lei nº 401/82. Esse período de latência social - segundo a referida decisão - é circunscrito, neste caso, na fase de acesso à idade adulta, enquanto "fase de autonomia crescente face ao meio parental e de dependência crescente face à sociedade que faz dos jovens adultos uma categoria social heterogénea, alicerçada em variáveis tão diversas como são o facto de o jovem ter ou não autonomia financeira, possuir ou não uma profissão, residir em casa dos pais ou ter casa própria", e que potencia a delinquência transitória que é frequentemente estigmatizante nas suas consequências[10].
B – Atenuar, ou não atenuar especialmente as penas?
A afirmação de ausência de automatismo na aplicação da atenuação especial aos jovens delinquentes significa que o tribunal só se socorrerá dela quando tiver "sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado", na terminologia da lei (o já citado artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro)[11].
Por conseguinte, impõe-se valorar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes.
Neste sentido, deve este tribunal ter também presente o pensamento do legislador expresso no ponto 7 do preâmbulo do referido diploma legal: "As medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos.".
A gravidade dos crimes cometidos, patente na medida das penas aplicáveis é, pois, indicada pelo legislador como critério que também deverá ser ponderado. Tendo em conta a condenação pela prática de um crime gravíssimo (homicídio qualificado), numa pena de prisão muito longa, quase que basta este fator de ponderação para excluir a possibilidade de atenuação especial da pena ao abrigo do regime penal especial dos jovens.
A atenuação especial não pressupõe “uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente” – pois tal exigência é própria do regime geral da atenuação especial da pena previsto no artigo 72º, nº 1, do Código Penal e a questão jurídica em apreço é solucionada à luz do regime especial estatuído no citado artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro –.
A atenuação especial da pena em causa apenas depende da existência de "sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado", não estando em causa nessa ponderação preocupações de prevenção geral da criminalidade nem, diretamente, de defesa da comunidade. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 2003 (processo nº 149/03 – 5ª), disponível em www.stj.pt/jurisprudencia/sumariosdeacordaos/secçaocriminal, acrescenta ainda que a lei não exige – para que possa operar – a «demonstração» (mas a simples «crença» de «sérias razões») de que «da atenuação resultem vantagens para a [sua] reinserção social». De resto, a atenuação especial da pena a favor do jovem delinquente não pressupõe, em relação ao comportamento futuro, um «bom prognóstico», mas simplesmente um «sério» prognóstico de que dela possam resultar «vantagens» (quaisquer que elas sejam, pois que todas elas, poucas ou muitas, serão benvindas) para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado.
De tudo quanto ficou exposto, importa analisar a situação individual do arguido condenado nos presentes autos, de modo a aferir se estão reunidas aquelas sérias razões e se a resposta for positiva, atenuar especialmente as penas.
Impõe-se ter em conta o seguinte:
a) A globalidade dos crimes assume um grau de ilicitude e de culpa, no seu todo, de um grau muitíssimo elevado;
b) O arguido tem um antecedente criminal - por sentença de 29 de Novembro de 2018, proferida no Processo Abreviado nº 502/18.2GAMAI do Juízo Local Criminal da Maia – Juiz 3, transitada em julgado em 11 de Janeiro de 2019, pela prática, em 9 de Maio de 2018, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (Cinco Euros) -;
c) a situação pessoal do arguido não permite formular um juízo de prognose favorável, pois:
i. Apenas iniciou a frequência do segundo ciclo, o qual não concluiu, tendo abandonado o meio escolar;
ii. Não teve experiência de atividade profissional ou laboral estruturada, realizando apenas ocasionalmente vendas de carros usados;
iii. Ocasionalmente, consumia de forma abusiva bebidas alcoólicas;
iv. Antes dos factos em apreço, o arguido vivia com os seus pais, um irmão mais novo, uma companheira, uma sobrinha e o companheiro desta última;
v. Os membros do referido agregado familiar não trabalham, sendo beneficiários de rendimento social de inserção e residiam, à data, num acampamento, com reduzidas condições de habitabilidade;
vi. Já recluso, em prisão preventiva, em de Agosto de 2020, o arguido envolveu-se numa rixa, tendo sido sancionado com a medida de 15 dias de permanência obrigatória no alojamento.
vii. À parte essa situação, o arguido tem mantido em meio prisional um comportamento tendencialmente de acordo com as normas institucionais.
viii. Não se provou que o arguido esteja, verdadeiramente, arrependido pela prática dos crimes – não tendo confessado o crime de homicídio qualificado, pois negou sempre ter sido sua intenção matar o ofendido - nem alguma vez se censurou por ter conduzido novamente sem habilitação legal, apesar de ter um antecedente criminal por crime idêntico -;
Caracterizada a situação do arguido, conclui-se, sem margem para qualquer dúvida, que não existem "sérias razões para crer que da atenuação (especial da pena) resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
Pelo contrário.
A personalidade e situação pessoal do arguido geram fundadas preocupações de prevenção especial, baseadas na gravidade do crime de homicídio qualificado cometido, na ausência de inserção social e laboral, na falta de arrependimento e no comportamento em meio prisional marcado, negativamente, pela participação numa rixa.
Do exposto resulta que o recurso do arguido deverá ser julgado não provido quanto ao alegado erro em matéria de direito por exclusão da aplicação do regime penal especial dos jovens.

3ª questão: Da alegada excessividade da pena concreta aplicada pela prática de um crime de homicídio qualificado (recurso do arguido);
O arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. h), do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Para a graduação dessa pena, o tribunal teve em conta a moldura penal aplicável (de doze a vinte e cinco anos de prisão) e ponderou, concretamente, as circunstâncias provadas que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do arguido e contra ele, nos termos do disposto no artigo 71º, nº 2, do Código Penal:
a) As exigências de prevenção geral são muito elevadas, em relação ao crime de homicídio qualificado em função da sua gravidade e do alarme social que compreensivelmente provocou;
b) no plano da prevenção especial, reconheceu exigências significativas, considerando a ausência de integração profissional e a displicência revelada nos factos com que o arguido cometeu o crime de homicídio qualificado, nas circunstâncias provadas;
c) o arguido era próximo do ofendido, tendo estado no dia dos factos em convívio e seguindo no mesmo veículo, para além de partilharem o agregado familiar;
d) persistiu na vontade de agredir (neste caso, letalmente) o ofendido mesmo depois de ter sido separado pelo seu irmão, G…;
e) abandonou o local depois do atropelamento, sem cuidar do ofendido;
f) a multiplicidade, a gravidade e a extensão das lesões provocadas;
g) a intensidade dolosa – dolo direto – manifestado na prática do crime;
h) um antecedente criminal por condução sem habilitação legal, tendo cometido o homicídio, conduzindo de novo sem habilitação legal;
i) a idade do arguido - com 21 (vinte e um) anos de idade à data da condenação -;
j) a situação escolar, pessoal e familiar do arguido, bem como a ausência de inserção laboral estruturada;
O arguido recorrente impugnou a interpretação jurídica que culminou na determinação da pena concreta de catorze anos e oito meses de prisão, considerando que a ponderação não corresponde inteiramente aos critérios legais, resultando numa pena excessiva.
Em substituição da pena aplicada, defende que a mesma deverá ser fixada em 13 (treze) anos de prisão.
O Ministério Público pugna pela confirmação do acórdão recorrido, essencialmente, com base na fundamentação constante do mesmo.
Cumpre apreciar e decidir.
O crime de homicídio qualificado cometido pelo arguido é punível com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.
A lei penal geral define que “A determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” - art. 71º, 1, do Código Penal -.
Conclui-se da ratio desta estatuição, que a culpa possui a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena e a prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Segundo explicado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Novembro de 2009, relatado pelo Juiz-Conselheiro Santos Cabral, no processo nº 137/07.5GDPTM, "são fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa)".
A ilicitude e a culpa são, como se sabe, conceitos graduáveis.
Para o efeito, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, 2, do mesmo texto legal).
Em suma, impõe considerar que é a culpa concreta do agente que impõe uma retribuição justa, devendo ser respeitadas as exigências decorrentes do fim preventivo especial, referentes à reinserção social do delinquente, para além das exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade[12].
Tendo em consideração tais regras, importa graduar a pena, de acordo com os critérios legais, tal como concretizado pelo Tribunal "a quo", concorrendo circunstâncias agravantes da pena significativas (as circunstâncias que caracterizaram a prática do crime, a falta de um modo de vida estruturado do arguido, o antecedente criminal por condução sem habilitação legal e a participação numa rixa no estabelecimento prisional), concorrendo ainda outros fatores de ponderação da pena com eficácia atenuante média/reduzida: a falta de premeditação do crime - que foi cometido, embora com dolo direto, num claro assomo de fúria –, a juventude do arguido e a ausência de antecedentes criminais por crimes violentos.
Pelo exposto, a pretensão do arguido em ver reduzida a pena não tem o menor fundamento legal, considerando-se a pena aplicada bastante equilibrada – só não sendo mais longa a pena de prisão fixada por causa do concurso dos fatores atenuantes já acima referidos - aos quais não se soma o arrependimento que inexistiu, conforme já se decidiu -.
Nestes termos, o recurso do arguido não merece provimento.
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Das custas:
Sendo o recurso interposto pelos assistentes parcialmente provido e o recurso do arguido julgado não provido, apenas este último será condenado no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, do C.P.P. e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça individual, tendo em conta o a extensão do recurso, em 5 (cinco) unidades de conta.
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, por unanimidade:
a) julgar parcialmente provido o recurso dos assistentes C… e D… e, em consequência:
a. alterar a decisão da matéria de facto, passando o facto provado número trinta e dois a ser considerado não provado;
b. não conhecer o objeto do seu recurso quanto à medida da pena;
b) negar provimento ao recurso do arguido B….
Custas a cargo do arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça individual em 5 UC (cinco unidades de conta).

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 8 de Setembro de 2021.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Parecer subscrito pelo Procurador-Geral Adjunto Dr. Joaquim Lopes Gomes.
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[3] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[4] “Do Princípio da “Objectividade” ao Princípio da “Lealdade” do Ministério Público no Processo Penal”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 128, Março de 1996, pág.348.
[5] Como se afirma também em jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 18 de Janeiro de 2012), “a definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que a assistente pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo. (…) Exemplos de interesse em agir para este efeito têm sido fornecidos pela doutrina e jurisprudência (v. g. questionar-se a medida da pena para obviar à prescrição: decisão desfavorável quanto à matéria da culpa reflectindo-se no pedido cível formulado).
[6] Depois da formulação de pedido civil no processo penal, as partes são remetidas pelo tribunal penal para os tribunais civis, quando de acordo com o «prudente arbítrio» daquele tribunal se conclua que o pedido não deve ser conhecido no processo por as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou serem suscetíveis de gerar incidentes que retardam intoleravelmente o processo penal (artigos 72.º, n.º 1, e), e 82.º, n.º 3, CPP).
[7] Neste sentido, entre outros, Lebre de Feitas e Isabel Alexandre, em anotação ao artigo 623.º do Código do Processo Civil anotado, volume 2.º, 3ª edição, pág. 763 e o acórdão dom Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Janeiro de 2010 (processo nº 1164/07).
[8] Esta análise apenas faz sentido para determinar o objeto da prova, nos termos do disposto no artigo 124º, nº 1, do Código de Processo Penal: "Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis."
[9] Nos termos dessa norma, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena (…), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
[10] Recorda-se, a propósito, a proposta de Lei n.º 45/VIII (Diário da Assembleia da República, II S-A, de 21.9.2000, que visou a revisão desse regime) "comprovada a natureza criminógenea da prisão, sabe-se que os seus malefícios se exponenciam nos jovens adultos, já porque se trata de indivíduos particularmente influenciáveis, já porque a pena de prisão, ao retirar o jovem do meio em que é suposto ir inserir-se progressivamente, produz efeitos ressocializantes devastadores, constituindo um sério fator de exclusão (…)".
[11] No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Novembro de 2006 (processo nº 3135/06-3), a propósito dos crimes contra a propriedade, cometidos através de violência mais ou menos difusa e das imposições de prevenção geral determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afetados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano, considerou: "Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados".
[12] Considere-se, a este respeito, o entendimento expresso por Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, cujo teor se pode traduzir da seguinte forma: «o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena».
Movido por conceção semelhante, Maia Gonçalves, em anotação ao art. 72º do Código Penal anotado, da sua autoria, refere o seguinte: «a culpa do agente não é susceptível de uma medida exacta e, por isso, ao julgador é dada uma certa elasticidade na respectiva apreciação, elasticidade em que pode e, portanto, deve levar em conta as exigências de prevenção de futuros crimes».
Recorda-se, a propósito, que o princípio da culpa tem proteção normativa constitucional, decorrendo da dignidade da pessoa humana (art. 1º da Constituição da República Portuguesa) e do direito à liberdade (art. 27º, 1 do mesmo texto legal), conforme tem sido realçado pela doutrina – neste sentido, Maria Fernanda Palma, "Constituição e Direito Penal. As questões inevitáveis" in Perspectivas Constitucionais – Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra, 1997, a págs. 234 e Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. III, Lisboa, 1999, a págs. 25.
No mesmo sentido tem-se pronunciado a jurisprudência do Tribunal Constitucional: Acórdãos números 663/98, in Diário da República, II Série, de 15 de Janeiro de 1999, 89/2000, in Diário da República, II Série, de 4 de Outubro de 2000 e 202/2000, in Diário da República, II Série, de 11 de Outubro de 2000.
Como refere Figueiredo Dias, in loc cit., a págs. 215, «Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligado ao mandamento incondicional do respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção».
Considera-se errada a conceção segundo a qual é dado previamente ao Juiz, antes da consideração da culpa e da prevenção, um «ponto» médio (ou outro) da moldura penal, donde aquela deve partir (conceção que recebeu algum acolhimento da jurisprudência nacional - v.g., entre outros, o Ac. S.T.J., 85.11.13, B.M.J., 351º,-211 -.
Como defende Anabela Miranda Rodrigues, in A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, a págs. 142, «(…) o Juiz deve determinar o quantum exacto da pena em função da culpa e da prevenção e dos elementos para ela relevantes (…)».