HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
MEDIDAS DE COAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
RECURSO
Sumário


I. O habeas corpus contra a prisão ilegal por abuso de poder é um procedimento especial, no qual se requer ao STJ o restabelecimento do direito constitucional à liberdade pessoal, vulnerado por uma prisão ordenada, autorizada ou executada por autoridade incompetente, fora das condições legais ou que sendo originariamente legal se mantém para além do tempo ou da medida judicialmente fixada.
II. Não é uma via de impugnação do mérito ou da regularidade das decisões judiciais que decretam ou mantêm a prisão.
III. Embora não prevista na nossa Carta Magna, também a obrigação de permanência na habitação - que pode ser fiscalizada através de meios de controlo à distância, prevista como medida coativa no art. 201º do CPP (e no Cód. Penal como modalidade de cumprimento da pena de prisão) consubstancia uma restrição constitucionalmente admissível do direito fundamental à liberdade ambulatória.
IV. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos entende e tem reafirmado invariavelmente que “a prisão domiciliar (“l’assignation à résidence) é considerada, pelo seu grau de intensidade, como privação de liberdade na aceção do artigo 5 da Convenção -ver caso BUZADJI c. RÉPUBLIQUE DE MOLDOVA – um key case -, (queixa n.º 23755/07)  , - acórdão de 5 julho 2016 (Grande Chambre).
V. “Observa que os princípios Letellier não distinguem os diferentes regimes de acordo com o tipo de privação de liberdade”. Concluindo ser de aplicar “os mesmos critérios para todo o período de privação de liberdade, independentemente do local de detenção do requerente”.
VI. Também a Jurisprudência do STJ, ainda que não unânime, entende que o habeas corpus permite reagir contra a abusiva privação da liberdade ambulatória em virtude de ilegal obrigação de permanência na habitação, vulgarmente designada “prisão domiciliar”.

Texto Integral


O Supremo Tribunal de Justiça, delibera:


I. RELATÓRIO:

O Requerente:

AA, de 26 anos e os demais sinais dos autos, atualmente em obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica,

arguido no processo em epigrafe, a correr termos no Juízo Central Criminal … ... - Juiz …, apresenta a vertente providência de habeas corpus, com fundamento na alteração dos pressupostos da medida coativa de obrigação de permanência na habitação com fiscalização por meios eletrónicos de controlo à distância/OPHVE, peticionando que se revogue substituindo-a por outro idêntica à aplicada a outros coarguidos no processo.

1. a petição:

Para tanto alega:

1. no 1º interrogatório, quando lhe foi aplicada a medida de coação de OPHVE estava indiciado, como coautor, dos seguintes crimes:

a) um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203º e 204º, nº 2 alínea e) do Código Penal (NUIPC 643/19…);

b) nove crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artºs 33º, 34º, nº 2 da Lei 39/2009, sendo quatro na forma tentada, nos termos do disposto nos artºs 23º e 73º do Código Penal (NIPC 643/19…);

c) um crime de dano, p. e p. pelo artº 212º, nºs. 1 e 3, do Código Penal (NUIPC 643/19…);

d) 3 crimes de ofensas à integridade física qualificada, p.e p. pelos artºs 14º, nº 1, 26º e 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, com referência à alínea a) do nº 2 do artº 132º do Código Penal (NUIPC 620/20…).

2. foi acusado desses mesmos crimes.

3. No despacho de pronúncia não foi pronunciado pelos seguintes:

a) como coautor de um crime de dano, p. e p. pelo artº 212º, nºs. 1 e 3, do Código Penal (NUIPC 643/19…);

b) como coautor de 3 crimes de ofensas à integridade física qualificada, p.e p. pelos artºs 14º, nº 1, 26º e 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, com referência à alínea a) do nº 2 do artº 132º do Código Penal (NUIPC 620/20…).

4. Depois da decisão instrutória ficou com os seguintes:

a) como coautor de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203º e 204º, nº 2 alínea e) do Código Penal (NUIPC 643/19…);

b) Como coautor de nove crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artºs 33º, 34º, nº 2 da Lei 39/2009, sendo quatro na forma tentada, nos termos do disposto nos artºs 23º e 73º do Código Penal (NIPC 643/19…).

5. No processo estão constituídos, acusados e pronunciados 31 arguidos (seis em OPHVE onde se inclui o Requerente e 12 apenas com TIR).

6. Destes 12 arguidos apenas com TIR, alguns com mais um crime que o Requerente e outros com menos um crime que ele, mas 12 arguidos estão acusados e pronunciados pelos mesmos crimes que o Requerente a quem foi aplicada apenas o TIR, ou seja:

a) como coautores de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203º e 204º, nº 2 alínea e) do Código Penal (NUIPC 643/19…);

b) como coautores de nove crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artºs 33º, 34º, nº 2 da Lei 39/2009, sendo quatro na forma tentada, nos termos do disposto nos artºs 23º e 73º do Código Penal (NIPC 643/19…).

7. O Requerente, pós decisão instrutória, entre os 6 arguidos com a medida de coação aplicada em 1º interrogatório (OPHVE), é o único que está pronunciado para julgamento com os mesmos crimes dos outros 12 arguidos a quem foi aplicado TIR.

8. Não é uma questão de “menos crimes”, mas sim de igualdade e de alteração de pressupostos entre a aplicação da medida de OPHVE e a decisão instrutória.

9. O princípio da igualdade está, desde a decisão instrutória, claramente violado.

10. O arguido requereu a alteração da medida aplicada em 1º interrogatório, dadas as mutações substanciais, que se deram com a decisão instrutória e que permitem, a nosso ver, atenuar a medida de coação aplicada.

11. O Tribunal de 1ª instância decidiu manter a medida de coação, por entender que os pressupostos são iguais, à altura em que lhe foi aplicada a OPHVE: “não cabe neste momento fazer um juízo antecipatório da valoração da prova oportunamente a fazer”.

12. “Na esteira da doutrina e da jurisprudência correntes, as medidas de coação estão sujeitas à condição “rebus sic standibus”, sempre temperada pela imutabilidade da decisão enquanto não sobrestarem circunstâncias fundamentais ou significativas que justifiquem uma “reformatio in pejus”.

13. Ou seja, a decisão é “intocável e imodificável enquanto não sobrevierem motivos que justifiquem legalmente a nova tomada de posição”.

14. No caso vertente considera este Tribunal manterem-se “inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação ao aludido arguido da medida de OPHVE”.

15. Entende o Requerente que as conclusões constantes da decisão em questão não estão fundamentadas, nem sustentadas, quando tal é obrigatório, face à alteração de circunstâncias que estão na base da aplicação da medida de coação em questão.

16. A decisão alvo desta providência limita-se a concluir e não a decidir; o arguido fica sem saber porque se mantém a medida de coação, a não ser que se mantém porque se mantém, ou seja porque os fundamentos que anteriormente a sustentaram e que se reportavam à alegada prática de muitos mais crimes e mais graves, são os mesmos?!

17. Pergunta o Requerente: de que forma esses pressupostos se mantêm, se ocorreu uma redução significativa do tipo e número de crimes imputados? Como podem os pressupostos manter-se, se encurtaram e se alteraram significativamente em benefício do arguido?

18. Não existe explicação na decisão sindicada, que sustente a manutenção do cárcere do arguido e a privação da sua liberdade, sendo que está assente que o Requerente vai a julgamento pela alegada prática de crimes que são exatamente iguais aos crimes dos outros 12 arguidos que têm como medida de coação o TIR e desiguais dos crimes imputados em sede de 1º interrogatório e de acusação!

19. Há na decisão sindicada uma clara ilegalidade da prisão do arguido, da sua coartação de liberdade e claramente insustentada ou injustificada e em violação do art.º 13.º e do art.º 32.º ambos da CRP, assim como do art.º 205.º, igualmente, da CRP.

20. O Requerente não tem antecedentes criminais, como a maioria dos arguidos.

21. Não se vislumbra, em nosso entender, que seja violado o princípio “rebus sic stantibus” ao alterar-se a medida de coação ao Requerente.

22. Pelo contrário, não alterar (adaptar) a medida de coação é que viola o princípio da igualdade consagrado na Constituição, o princípio da adequação e da proporcionalidade nomeadamente em comparação com os outros 12 arguidos.

23. Assim, não pode manter-se inalterada a medida de coação aplicada ao Requerente quando se alteraram os pressupostos de facto e de Direito que estiveram na base da aplicação da OPHVE, no 1º interrogatório.

Requer que seja declarada ilegal a privação de liberdade do arguido Requerente e a manutenção da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação e que se determine a sua alteração para a mesma medida dos outros 12 co-arguidos neste processo a quem são imputados, para julgamento, os mesmos crimes alegadamente cometidos no mesmo local no mesmo momento e com os mesmos intervenientes!

1. informação judicial:

O Sr. Juiz no Juízo central criminal ... – Juiz …, onde o processo corre termos, em fase de julgamento, informando, em conformidade com o estabelecido no artigo 223.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, sobre as condições em que se mantém a OPHVE aplicada ao Requerente, esclarece (em síntese):

O arguido AA foi sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em 26/06/2020, ficando o mesmo, entre os demais arguidos igualmente sujeitos a interrogatório judicial, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.

Por despacho proferido em 15/07/2021, foi alterado o estatuto coactivo do arguido, ficando o mesmo sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica (OPHVE), tendo em conta o teor do relatório elaborado pela DGRSP e o facto de ter sido equacionada no despacho proferido após primeiro interrogatório judicial, a aplicação desta medida em substituição da prisão preventiva.

Encontrava-se o arguido indiciado dos seguintes crimes:

- como co-autor, um crime de violência após a subtração, p. e p. pelos art.º 203.º, 204.º, nº 2 al. e) e 211.º do Código Penal em concurso efetivo com um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art.º 34.º, nº 2 da Lei 39/2009 de Julho – NUIPC 643/19…;

- como co-autor, três crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº 1, 26.º e 145.º, nº 1 al. a) e nº 2, com referência à al. e) do nº 2 do art.º 132.º do Código Penal - NUIPC 620/20….

Deduzida acusação em 21/12/2020, foi o arguido acusado da prática, como coautor, de:

- um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal (NUIPC 643/19…);

- nove crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 33.º, 34.º, n.º 2, da Lei n.º 39/2009, sendo quatro na forma tentada, nos termos do disposto nos art.ºs 23.º e 73.º do Código Penal (NUIPC 643/19…);

- um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal (NUIPC 643/19…);

- 3 crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 14.º, n.º 1, 26.º e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, com referência à alínea e) do n.º 2 do art.º 132.º do Código Penal (NUIPC 620/20…).

Requerida e aberta a instrução, veio o arguido a ser pronunciado pela prática de:

- como co-autor, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.º 203.º, 204.º, nº 2 al. e) do Código Penal – NUIPC 643/19…; e

- como co-autor, de nove crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 33.º 34.º, nº 2 da Lei 39/2009 de Julho, sendo quatro na forma tentada, nos termos do disposto nos artigos 23.º e 73.º do Código Penal – NUIPC 643/19…;

Após a prolação do despacho de pronúncia, foi reapreciado o estatuto coactivo do arguido, sendo entendimento do Tribunal inexistirem alterações de facto ou de direito relativamente aos fundamentos do despacho que determinou a aplicação da medida de coacção de OPHVE ao arguido AA, a não ser relativamente ao número de crimes imputados (tal como em relação ao arguido BB, que se mantém sujeito igualmente à medida de coacção de OPHVE), mas a quem ainda continuam imputados crimes graves, sendo que tal diminuição do número de crimes imputados não acarreta, só por si uma diminuição das exigências cautelares, pelo que foi determinado que o arguido continuasse a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de OPHVE.

Remetidos os autos para julgamento, foi uma vez mais reapreciado o estatuto coactivo do arguido, após pelo mesmo ter sido requerida (em 14/07/2021) a alteração da medida de coacção.

Por despacho proferido em 16/07/2021, ficou expressamente consignado no mesmo que: “Não cabe neste momento fazer um juízo antecipatório da valoração da prova oportunamente a fazer.

Por outro lado, neste momento nada nos autos faz antever uma redução das necessidades cautelares que estiveram na base da aplicação das medidas de coacção em curso.

Na esteira da doutrina e jurisprudência correntes, as medidas de coacção estão sujeitas à condição «rebus sic stantibus», sempre temperada pela imutabilidade da decisão enquanto não sobrestarem circunstâncias fundamentais ou significativas que justifiquem uma «reformatio in pejus».

Ou seja, a decisão é «intocável e imodificável enquanto não sobrevierem motivos que justifiquem legalmente nova tomada de posição» (vd. Ac. da R.P. de 16.10.1991, Procº nº 9120589).

No caso vertente considera este Tribunal manterem-se «inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação ao aludido arguido da medida de OPHVE».

Esse juízo foi não só considerado pelo juiz que se decidiu pela aplicação dessa medida de coacção, como ainda pelos sucessivos Mmºs. Juízes titulares do processo.

Nada de relevante ou significativo resultou, em termos de diminuição das exigências cautelares do processo.

Assim, atenta a prova reunida nos autos, à gravidade objectiva dos factos, ao alarme social deles decorrente, à intensidade do dolo, aos pressupostos cautelares que o caso requer, às necessidades de estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas penais violadas e das necessidades de prevenção geral positiva ou de integração e a prevenção especial de neutralização ou de segurança, ao indiciado perigo de fuga, ao

perigo de continuação da actividade delituosa, à insuficiência e inadequação de outras medidas de coacção não detentivas ou institucionalizadas em conjugação com o disposto nos artºs. 193º nº 1 e nº 2, 204º, 209º e 202º nº 1 alínea a) do Código de Processo Penal, determina-se que o supra aludido arguido continue a aguardar os ulteriores termos do processo em regime de OPHVE, termos em que se reexaminam os respectivos pressupostos e mantém a mesma, consoante o disposto no artº. 213º., do Código de Processo Penal,  indeferindo a substituição ora peticionada nos termos do artº. 212º., do Código de Processo Penal”.

Atento o supra exposto, o facto de os despachos que determinaram a aplicação ao arguido da medida de coacção de OPHVE terem transitado em julgado, a circunstância de os perigos que estiveram subjacentes à decisão de aplicação de tal medida de coacção se manterem inalterados e ainda o facto de não se encontrar ainda esgotado o prazo máximo legalmente admissível para a referida medida de coacção, entende-se que a petição de habeas corpus não tem fundamento, não se verificando sequer nenhuma das situações elencadas no nº. 2 do artigo 222º do CPP.

É aliás, nosso entendimento, perante a clareza do artigo 222, nº. 2, do C.P.P., que os fundamentos elencados pelo arguido requerente poderiam, quanto muito, sustentar um eventual recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, por o arguido não se conformar com o indeferimento da sua pretensão (requerimento de 14/07/2021 e despacho de 16/07/2021), não estando reunidos os pressupostos legais para a providência requerida.


*


Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e o Defensora do Requerente, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP):

I. FUNDAMENTAÇÃO:

Dos elementos com que vem instruído o processo, com relevância para a decisão do pedido de habeas corpus extraem-se os seguintes dados de facto e processuais:

a) factos:

1. Contra o Requerente e outros coarguidos, corre termos no Juízo Central Criminal de ... -Juiz … o processo comum com o n.º 52/20….

2. Na fase de inquérito foi o arguido detido e apresentado pelo Ministério Público a 1ª interrogatório judicial em 26 de junho de 2020.

3. Interrogatório a que procedeu o Juiz no Juízo de Instrução Criminal …. – Juiz …, informando os arguidos detidos dos factos imputados pelo Ministério Público, da qualificação jurídica e dos elementos de prova.

4. O Requerente não prestou declarações.

5. O JIC, por despacho da mesma data, transcrito em súmula no termo do auto daquela diligência, julgou fortemente indiciado ter o arguido, aqui Requerente cometido, em coautoria e em concurso efetivo, factos que integravam os seguintes crimes:

a) Um crime de violência após a subtração p- e p. pelos arts. 203º, 204º alª e) e 211º do Cód. Penal;

b) Um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 34º n.º 2 da Lei n.º 39/2009;

c) Três crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 145º n.º 1 al.ª a) e n.º 2 por referência ao art.º 132º n.º 2 al.ª e) do Cód. Penal.

6. O JIC, mediante promoção do Ministério Público e audição do defensor, julgando fortemente indiciados perigos de continuação da atividade criminosa, de perturbação e da tranquilidade públicas e de perturbação do decurso do inquérito., aplicou ao Requerente a medida de coação de prisão preventiva.

7. O JIC, por despacho de 15 de julho de 2020, ouvido o Ministério Público, substitui a prisão preventiva em que o requerente se encontrada, impondo-lhe a medida coativa de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica

8. Ficou, assim o Requerente obrigado a permanecer na residência sita na Rua …, lote …, … …-…, em ....

9. Encerrado o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra o Requerente e outros arguidos no processo.

10. Requerida a instrução, o JIC, por despacho de 19.04.2021, pronunciou o Requerente para julgamento em Tribunal coletivo, pelos seguintes crimes, cometidos em coautoria e em concurso efetivo:

a) um crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203º e 204º n.º 2 al.ª c) do Cód. Penal

b) nove crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 33º, 34º n.º 2 da Lei n.º 39/2009, sendo quatro na forma tentada;

11. No mesmo despacho, reexaminando a medida de coação em que ao Requerente se encontrava (OPHVE), decidiu mantê-la.

12. Recebido o processo no Juízo Central Criminal ..., o Juiz, por despacho de 2.06.2021, agendou o julgamento para o dia 9.09.2021, com a marcação das datas para o caso de adiamento e para a continuação da audiência.

13. Reexaminando a medida coativa do Requerente, no mesmo despacho, decidiu que continua a aguardar os ulteriores termos do processo na mesma situação, ou seja obrigado a permanecer na habitação, fiscalizada através de vigilância eletrónica.

14. O Requerente está, assim, nesta data, privado da liberdade ambulatória em cumprimento da medida coativa de permanência na habitação que lhe foi imposta nos autos, a qual cumpre na residência indicada.

b) o direito:

1. direito fundamental à liberdade pessoal:

O direito à liberdade pessoal –liberdade ambulatória- é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais e na generalidade dos regimes jurídicos dos países civilizados.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, “considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça …”, no artigo III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual.

Proclama no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso.

No artigo XXIX (29º) admite que o direito à liberdade individual sofra as “limitações determinadas pela lei” visando assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da ordem pública.

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no artigo 9.º consagra; “todo o indivíduo tem direito à liberdade” pessoal. Proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que “ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos”.

Estabelece também: “toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal”.

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos/CEDH (Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais), no art. 5º reconhece que “toda a pessoa tem direito à liberdade”. Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal - n.º 1 al.ª a) – ou detido e preso quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infração, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infração ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido – n.º 1 al.ª c).

Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH/) “enfatiza desde logo que o artigo 5 consagra um direito humano fundamental, a saber, a proteção do indivíduo contra a interferência arbitrária do Estado no seu direito à liberdade. O texto do artigo 5º deixa claro que as garantias nele contidas se aplicam a “todos”. As alíneas (a) a (f) do Artigo 5 §1 contêm uma lista exaustiva de razões permissíveis sobre as quais as pessoas podem ser privadas de sua liberdade. Nenhuma privação de liberdade será compatível com o artigo 5.º, n.º 1, a menos que seja abrangida por um desses motivos ou que esteja prevista por uma derrogação legal nos termos do artigo 15.º da Convenção, (ver, inter alia, Irlanda v. Reino Unido, 18 de janeiro de 1978, § 194, série A n.º. 25, e A. e Others v. O Reino Unido, citado acima, §§ 162 e 163)[1].

Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece, no art. 6º, o direito à liberdade pessoal.

Não consagrando o habeas corpus, reconhece, no art. 47º, o direito de ação judicial contra a violação de direitos ou liberdades garantidas pelo direito da União.

Todavia, assinala E. Maia Costa, os textos internacionais relativos aos direitos humanos preveem genericamente um recurso para os tribunais com carácter urgente contra a privação da liberdade ilegal, mas tal garantia não se confunde com o habeas corpus[2].

A Constituição da República, no artigo 27º n.º 1, reconhece e garante o direito à liberdade individual, à liberdade física, à liberdade de movimentos. 

O direito a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é um direito absoluto.

À semelhança da CEDH, a Constituição da República, no art. 27º n.º 2, admite expressamente que o direito à liberdade pessoal possa sofrer restrições.

Entre estas sobressai, desde logo (n.º 3), “a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar”, nos casos de (b) “prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos”.

2. a providência da habeas corpus:

A Constituição da República, em linha com CEDH, também de certo modo, na sequência das duas Constituições que a precedem (a de 1911 e a de 1933), aderindo à tradição anglo-saxónica[3], consagra no art. 31º, o habeas corpus como garantia extraordinária, expedita e privilegiada contra a prisão (e a detenção) arbitrária ou ilegal[4].

A privação do direito à liberdade por meio da prisão só não configura abuso de poder e, consequentemente, será legal se se contiver nos estritos parâmetros do art. 27º n.ºs 2 e 3 da Constituição. A prisão é ilegal quando não tenha sido decretada pelo tribunal competente em decisão judicial (fundamentada) que aplica medida de coação verificados os respetivos pressupostos ou em sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou com a aplicação de medida de segurança; tiver sido ordenada por autoridade incompetente; tiver sido efetuada por forma irregular; ultrapassar a duração da medida de coação aplicada ou da pena concretamente fixada pelo tribunal.

 “Não é qualquer abuso de poder que justifica habeas corpus”. A providência de habeas corpus exige a verificação “cumulativa de dois requisitos: o abuso de poder; a existência de prisão ou detenção ilegal”. O “abuso de poder exterioriza-se nomeadamente na existência de medidas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrária ou gravosas[5].

Entre nós, é na Constituição República de 1911[6] que pela primeira vez surge consagrado o habeas corpus –no título II (Dos Direitos e Garantias Individuais), art. 3º n.º 31[7] –, por influência da Constituição brasileira de 1891[8], (transcrevendo o § 22º do artigo 72º[9]) que, por sua vez, se inspirou na constituição norte-americana[10] (se bem que o Código de Processo Penal do Brasil de 1832, já previa esta providência (artigo 340º)[11].

A Constituição de 1933 reafirmou o habeas corpus como providência excecional contra o abuso de poder, remetendo a sua regulamentação para lei especial[12] (remissão eliminada na revisão de 1971[13]).

Observando a imposição constitucional, o Decreto-Lei nº 35.043, de 20 de Outubro de 1945[14], estabeleceu o regime jurídico do habeas corpus.

Da exposição de motivos, pela consistência das justificações e da finalidade da providência transcreve-se:

“(…) consiste na intervenção do poder judicial para fazer cessar as ofensas do direito de liberdade pelos abusos da autoridade.

Providência de carácter extraordinário, só encontra oportunidade de aplicação, (…) quando o jogo normal dos meios legais ordinários deixa de poder garantir eficazmente a liberdade dos cidadãos.

O habeas corpus não é um meio de reparação dos direitos individuais ofendidos (…). É antes um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade. (…) De outro modo tratar-se-ia de simples duplicação dos meios legais de recurso”.

Instituiu-se o habeas corpus liberatório em duas modalidades, um contra a detenção abusiva e outro, diferenciado, para a prisão ilegal.

Segundo Adriano Moreirao habeas corpus não tem nenhuma característica substancial, mas é apenas como que, entre os vários processos normais de tutela da liberdade, um processo de reserva para os casos em que não existe esse processo normal, ou de facto o indivíduo está impossibilitado de a ele recorrer”.

“O habeas corpus, na sua função normal, não é pois mais do que – um processo destinado a restituir a pessoa, ilegalmente privada da sua liberdade física pela autoridade, à tutela do processo comum[15].

No entendimento de M. Cavaleiro de Ferreira, “diz-se providência extraordinária, porque os trâmites processuais e o mecanismo normal do funcionamento da administração devem, por si, ser salvaguarda suficiente para evitar a contingência de prisões ilegais[16]”.

Regime que, mantendo a conceção e a arquitetura[17], transitou para o Código de Processo Penal de 1929 – artigos 312º a 324º.

E transitou também para a atual Constituição da República, estabelecendo-se o prazo de 8 dias para a decisão da providência.

Na alteração do CPP de 1929 que se seguiu à proclamação da Constituição de 1976, operada pelo Decreto-Lei n.º 320/76 de 4 de maio, estatuiu-se que o esgotamento do prazo sem decisão, determinava a imediatamente restituição do detido ou preso à liberdade[18].

E, ainda que simplificado (concentrado em dois artigos substantivos, e outros dois procedimentais), o regime passou para o vigente Código de Processo Penal (de 1987), e que, na parte substantivo referente à prisão ilegal (art. 222º) não sofreu qualquer alteração.

O habeas corpus é, pois, uma garantia (“direito-garantia”), não um direito fundamental autónomo (“direito-direito”). O bem jurídico-constitucional que o habeas corpus visa proteger é o direito fundamental à liberdade[19] pessoal, permitindo reagir, imediata e expeditamente, “contra o abuso de poder, por virtude de detenção ou prisão ilegal”.

No habeas corpus discute-se exclusivamente a legalidade da prisão à luz das normas que estabelecem o regime da sua admissibilidade”. “Procede-se necessariamente a uma avaliação essencialmente formal da situação, confrontando os factos apurados no âmbito da providência com a lei, em ordem a determinar se esta foi infringida. Não se avalia, pois, se a privação da liberdade é ou não justificada, mas sim e apenas se ela é inadmissível. Só essa é ilegal”.

“De fora do âmbito da providência ficam todas as situações enquadráveis nas nulidades e noutros vícios processuais das decisões que decretaram a prisão”

“Para essas situações estão reservados os recursos penais, (…). O habeas corpus não pode ser reconvertido num “recurso abreviado”, (…) O processamento acelerado do habeas corpus não se coaduna, aliás, com a análise de questões com alguma complexidade jurídica ou factual, antes se adequa apenas à apreciação de situações de evidente ilegalidade, diretamente constatáveis pelo confronto entre os factos sumariamente recolhidos e a lei[20].

3. regime legal e procedimento:

Dando expressão legislativa ao texto constitucional [21], o art. 222º n.º 2 do CPP estabelece que a petição de habeas corpus “deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Tem como denominador comum configurar situações extremas de detenção ou prisão determinadas com abuso de poder ou por erro grosseiro, patente, grave, isto é, erro qualificado na aplicação do direito.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de “os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos susceptíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão”[22].

Tem sublinhado a jurisprudência deste Supremo Tribunal que a providência de habeas corpus constitui uma medida expedita perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei. Não constitui um recurso sobre atos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais. Esta providência não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade[23].

Atento o carácter extraordinário da providência, para que se desencadeie exame da situação de detenção ou prisão em sede de habeas corpus, há que deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no art. 222.º, n.º 2, do CPP”[24].

O habeas corpus contra a prisão ilegal por abuso de poder é um procedimento especial, no qual se requer ao tribunal competente o restabelecimento do direito constitucional à liberdade pessoal, vulnerado por uma prisão ordenada, autorizada ou executada fora das condições legais ou que sendo originariamente legal se mantém para além do tempo ou da medida judicialmente decretada ou em condições ilegais.

É também um procedimento de cognição limitada e instância única no qual somente é possível valorar “a legitimidade de uma situação de privação de liberdade, a que [o Juiz] pode por fim ou modificar em razão das circunstâncias em que a prisão se produziu ou se está realizando, mas sem extrair destas -do que as mesmas têm de possíveis infracções ao ordenamento- mais consequências que a da necessária finalização ou modificação daquela situação da privação da liberdade[25] .

Não é um recurso, - ordinário ou extraordinário. É uma providência que visa colocar perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão da ilegalidade da prisão em que o requerente se encontra nesse momento ou do grave abuso com que foi imposta. Visa apreciar se a prisão foi determinada pela entidade competente, se o foi por facto pelo qual a lei a admite, se se mantém pelo tempo decretado e nas condições legalmente previstas. Para o que pode ser necessário equacionar da legalidade formal ou intrínseca do ato decisório que determinou a privação de liberdade, mas não mais que isto.

Não é uma via procedimental para submeter ao STJ a reapreciação da decisão da instância que determinou a prisão ou à ordem da qual o requerente está privado da liberdade. Não se destina a questionar o mérito do despacho judicial ou da sentença condenatória que impôs a prisão nem a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades de que possam enfermar.

Na conformação constitucional e no seu desenho normativo, o habeas corpos é uma providência judicial urgente. “Visa reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal” decretada ou mantida com violação “patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação[26].

O Juiz decide-a em 8 dias, em audiência contraditória –art. 31º n.º 3 da Constituição.

Conhecendo da petição de habeas corpus, o STJ, nos termos do art. 223º (procedimento) n.º 4 do CPP, delibera no sentido de:

a) Indeferir o pedido por falta de fundamento bastante;

b) Mandar colocar imediatamente o preso à ordem do Supremo Tribunal de Justiça e no local por este indicado, nomeando um juiz para proceder a averiguações, dentro do prazo que lhe for fixado, sobre as condições de legalidade da prisão;

c) Mandar apresentar o preso no tribunal competente e no prazo de vinte e quatro horas, sob pena de desobediência qualificada; ou

d) Declarar ilegal a prisão e, se for caso disso, ordenar a libertação imediata.

4. pressuposto da atualidade:

Na arquitetura traçada pela Constituição da República e na conformação normativa do CPP, a providência em apreço pressupõe a efetividade e atualidade da prisão ilegal. A doutrina vai maioritariamente neste sentido[27], havendo, contudo quem sustente que a nossa Magana Carta não exclui o denominado habeas corpus preventivo[28].

A Jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido unanime[29] na exigência da verificação do pressuposto da atualidade da prisão ilegal. No Ac. de 18/07/2014[30] sustenta-se: “A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe, além do mais, uma actualidade da ilegalidade da prisão aferida em relação ao tempo em que é apreciado aquele pedido”.

E no Ac de 11/02/2016[31] entendeu-se que: “A viabilidade do habeas corpus, como meio direccionado exclusivamente para a tutela da liberdade, exige uma privação de liberdade actual, não servindo, por isso, como mecanismo declarativo de uma ultrapassada situação de prisão ilegal. Do mesmo modo, também o habeas corpus não pode ser utilizado como meio preventivo de uma eventual futura prisão ilegal. Só a efectiva privação de liberdade pode fundamentar aquela providência”.

Entende-se que é esta a interpretação que melhor se conjuga com a evolução desta providência na nossa ordem constitucional. Como se referenciou, a Constituição de 1911 previa expressamente o habeas corpus preventivo, estabelecendo: “Dar-se-á o habeas corpus sempre que o individuo sofrer ou se encontrar em iminente perigo do sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder”.  Modalidade que a Constituição de 1933 não manteve: E que a Constituição de 1976 também não adotou. Seguramente que o legislador constituinte não desconhecia o texto e, consequentemente, as modalidades daquela primeira inscrição constitucional do habeas corpus e também não ignorava a modificação conformada pela Constituição de 1933. Neste quadro histórico-constitucional certamente que se a sua vontade tivesse sido a de admitir o habeas corpus preventivo ter-se-ia servido de uma fórmula igual ou equivalente aquela que era dada à providência na Constituição da primeira República. Mas não adotou, nem na versão de 1976, nem nas quatro subsequentes alterações. pelo que não existe base constitucional, para sustentar o referido entendimento.

É também essa a interpretação que o legislador ordinário fez daquele comando constitucional. Como alguns autores reconhecem, no regime do Código de Processo Penal, a providência dirige-se contra a prisão ilegal, isto é, a efetiva privação da liberdade, pois que somente a atualidade da prisão ilegal pode justificar qualquer dos atos que podem decorrer do seu deferimento: mandar colocar imediatamente o preso à ordem do STJ; mandar apresentar o preso ao juiz em 24 horas; ordenar a libertação imediata.

Evidentemente que só pode libertar-se quem já está encarcerado, privado da liberdade ambulatória, seja porque a ilegalidade da prisão resulta de ter sido ordenada ou executada por entidade incompetente, seja porque o foi por facto que não admite essa medida de coação ou essa sanção, seja porque foi mantida para além do prazo legal ou judicialmente fixado ou fora das condições legalmente estabelecidas.

A colocação do preso à ordem do Supremo Tribunal de Justiça, tal como a apresentação do preso ao juiz determinado, somente tem sentido (jurídico e prático) se a pessoa está efetivamente privada da liberdade ambulatória. Não sendo assim, o habeas corpus requerido em favor da conservação da sua liberdade era-lhe penosamente prejudicial. Nessa situação (se está em liberdade), deferida que fosse a providência – e estando fora de causa a libertação imediata pela simples razão de não estar encarcerado -, tinha de ser preso para, nessa situação, ser colocado à ordem do STJ ou para ser apresentado em 24 horas ao juiz determinado. A lei não prevê, nem teria qualquer sentido, que o requerente ou beneficiário da providência seja colocado em liberdade à ordem do STJ, ou que em liberdade se apresente perante o juiz em 24 horas.

Consequentemente, se a pessoa não está presa, não se verifica um dos pressupostos nucleares da providência de habeas corpus.

4. a medida coativa de OPHVE:

A Constituição da República, no art. 28º n.º 2 consagra a excecionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva, estabelecendo que “tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei”.

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, estabelece que o direito à liberdade pode ser restringido, podendo a pessoa dela ser privada temporariamente “se for preso …, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infração, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido” –art.º 5º n.º 1 al.ª b)-, conferindo-lhe o “direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo” – n.º 3.

Por sua vez, o Pacto internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no art. 9º dispõe: “a prisão preventiva não deve constituir regra geral, contudo, a liberdade deve estar condicionada por garantias que assegurem a comparência do acusado no acto de juízo ou em qualquer outro momento das diligências processuais, ou para a execução da sentença”.

Embora não prevista na citada norma da nossa Lei Fundamental, também a obrigação de permanência na habitação fiscalizada através de meios de controlo à distância, prevista como medida coativa no art. 201º do CPP consubstancia uma modalidade de restrição constitucionalmente admissível do direito fundamental à liberdade ambulatória, porque de hierarquia legal inferior à prisão preventiva, comportando menor intromissão na vivência pessoal do arguido a ela sujeito e por se repercutir igualmente sobre o cumprimento da pena de prisão a que venha a ser condenado.

Conforme enfatiza o TEDH, no caso Tomaso c. Itália – arrêt/acórdão de 23.02.2017 - e é sua jurisprudência constantemente -, “entre a privação e a restrição da liberdade, há apenas uma diferença de grau ou intensidade, não de natureza ou essência.”  No caso Navalny c. Rússia reafirma que a “prisão domiciliar é considerada” “em vista da sua gravidade e intensidade, a quantidade de privação de liberdadeuma modalidade de privação da liberdade “na acepção do artigo 5 da Convenção“ (ver Buzadji v. A República da Moldávia [GC], no. 23755/07, § 104, ECHR 2016 e os casos aí citados). “O Tribunal considerou que este tipo de privação de liberdade requer razões relevantes e suficientes, tal como acontece com a prisão preventiva. Especificou que as noções de “grau” e “intensidade” da jurisprudência, como critérios de aplicabilidade do artigo 5º, referiam-se apenas ao grau de restrições à liberdade de movimento, e não às diferenças de conforto ou de regime interno em diferentes locais de detenção. Assim, o Tribunal aplicaria os mesmos critérios para a privação de liberdade, independentemente do local onde o requerente foi detido”.

No caso BUZADJI c. RÉPUBLIQUE DE MOLDOVA – um key case -, (queixa n.º 23755/07) , - arrét/acórdão de 5 juillet 2016 (Grande Chambre) -  afirmou, em linha com a sua jurisprudência que identifica, que a obrigação de permanência na habitação, isto é, “a prisão domiciliar (“l’assignation à résidence) é considerada, pelo seu grau de intensidade, como privação de liberdade na aceção do artigo 5 da Convenção. Explicitando: “é verdade que a prisão domiciliar geralmente envolve menos restrições e menos dor ou inconveniência para a pessoa sob prisão domiciliar do que a detenção na prisão. A razão para isso é que a detenção requer a integração do indivíduo em um ambiente novo e frequentemente hostil, onde ele deve compartilhar as atividades e recursos de seus companheiros de prisão, respeitar a disciplina e estar sujeito a vários graus de controle. Por exemplo, os detidos não podem escolher livremente quando vão para a cama, fazem suas refeições, fazem sua própria higiene pessoal e saem para caminhadas ou outras atividades. Portanto, se tiverem que escolher entre a privação de liberdade em um centro de detenção e prisão domiciliar, como foi o caso aqui, a maioria das pessoas normalmente optará pela segunda medida.

No entanto, o Tribunal observa que os princípios Letellier não distinguem os diferentes regimes de acordo com o tipo de privação de liberdade.

Concluindo ser de aplicar “os mesmos critérios para todo o período de privação de liberdade, independentemente do local de detenção do requerente”.

A medida cautelar de obrigação de permanência na habitação com ou sem fiscalização através de meios de controlo eletrónico à distância, rege-se por igual quadro normativo que a prisão preventiva. Se admitida e indispensável a assegurar a eficácia do processo penal (e nenhum outro), uma vez determinada só pode manter-se enquanto for justificada pelas necessidades de desenvolvimento regular do procedimento e/ou de assegurar a execução da condenação (futura ou já decretada, mas que ainda não é definitiva) e não pode, em qualquer caso, exceder o tempo que a lei determinar – art. 27º n.º 3 da Constituição da República.

Aos pressupostos gerais de qualquer medida coativa, excluindo-se destas, para este efeito, o termo do identidade e residência (TIR). enunciados nos artigos 191º (legalidade), 192º (constituição de arguido; não haver de fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal), 193º (necessidade e adequação às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionalidade à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas) e 204º (fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas) e ainda ao procedimento específico estabelecido no art. 194º n.º 3 (medida privativa preferente) e 201º (inadequação e insuficiências da medidas coativas não privativas da liberdade).

A decisão que impuser a OPHVE deve estar motivada –art. 205º n.º 1 da CRP - com a indicação da factualidade fortemente indiciada e sua qualificação jurídica e das razões de facto que justificam as exigências cautelares (os perigos de fuga, de continuação da atividade criminosa, de perturbação da investigação ou de perturbação da ordem e da tranquilidade pública) e a inadequação e insuficiências das restantes medidas coativas.

A decisão judicial que impuser a OPHVE pode ser impugnada através da interposição de recurso.

Para encurtar a privação preventiva da liberdade – através também da obrigação de permanência na habitação -, ao mínimo requerido pelas finalidades do procedimento penal, impõe-se controlar periodicamente se subsistem ou se, ao invés, se atenuaram ou cessaram as exigências cautelares que determinaram a sua aplicação, devendo ser revogada ou substituída por outra medida de coação logo que se verifiquem circunstâncias que tal justifiquem, ou se as que a tinham determinado deixaram de subsistir ou simplesmente enfraqueceram ou se atenuaram.

Para tanto, o tribunal procede ao reexame dos respetivos pressupostos em cada caso concreto  sempre que tal lhe seja requerido pelo arguido a ela sujeito ou pelo Ministério Público e, oficiosa –cfr. AUJ n.º 3/1996 -, e obrigatoriamente, no prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame, podendo para o efeito “solicitar a elaboração de perícia sobre a personalidade e de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na sua realização”.

No reexame dos pressupostos p juiz decide se ela se mantém ou decreta a sua substituição ou revogação.

Em qualquer altura pode e deve ser revogada “por despacho do juiz”, sempre que se verificar ter sido aplicada fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou tiverem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.

Está sujeita aos prazos legalmente estabelecidos no art. 215º - cfr. art, 218º n.º 3 do CPP.

A Jurisprudência deste Supremo Tribunal, ainda que com alguma discordância, tem vindo a entender que o habeas corpus permite reagir contra qualquer medida privativa da liberdade, incluindo, pois, a OPHVE. Também assim aqui se entende.

5. no caso:

O Requerente invoca a ilegalidade da privação da liberdade em que presentemente se encontra, em cumprimento da medida coativa de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica/OPHVE alegando, em síntese, que está a ser tratado desigualmente relativamente aos arguidos no mesmo processo. Alega ainda que a decisão judicial que procedeu ao último reexame da referida medida coativa não está fundamentada em conformidade com a evolução dos factos e crimes que lhe eram imputados no interrogatório judicial e na acusação e que a imputação que restou na pronúncia e subsiste para julgamento contêm menos crimes e de menor gravidade.

A primeira e importante nota a salientar é que não só não tem qualquer correspondência com a realidade processualmente documentada nos autos a alegada diversidade incriminatória entre o despacho do Juiz de Instrução que lhe aplicou, primeiramente a prisão preventiva, depois a OPHVE, como, ao invés do que o Requerente se se esforça por tentar induzir, da instrução até resultou pronunciado por mais crimes que aqueles que o JIC tinha inicialmente julgado indiciados. Efetivamente, no despacho de aplicação daquela medida coativa consta a sua indiciação por quatro (4) crimes. No despacho final da instrução, acabou pronunciado por dez crimes e a maior parte destes mais gravemente punidos.

O que, seria, desde logo, suficiente para julgar manifestamente infundada a pretensão do Requerente na parte em que ampara a petição liberatória na alegada alteração dos pressupostos em que se fundou a imposição da OPHVE.

Quanto ao princípio da igualdade, estando em causa medidas coativas, como certamente bem compreenderá, teria de reportar-se tanto às incriminações como, também e sobretudo, às exigências cautelares que cada arguido demanda no caso concreto. Como não deve ignorar que, em conformidade com o acima realçado, nesta providencia extraordinária e urgente não pode indagar-se e, consequentemente, estabelecer-se comparações entre as exigências cautelares que demanda cada um dos restantes 30 arguidos no processo. O princípio da igualdade obriga a tratar identicamente situações que são material e processualmente iguais, em todos e cada um dos aspetos. Não há tratamento desigual de situações que em algum segmento ou vertente não se demonstra que sejam absolutamente idênticas.  Não se evidenciando a total igualdade das exigências cautelares relativamente a este ao aos seus coarguidos, sempre a argumentação do Requerente soçobraria.  De qualquer modo, a invocação do princípio da igualdade não é motivo legalmente firmado para poder fundamentar a providência de habeas corpus. Os fundamentes desta estão taxativamente enunciados no art.º 222º n.º 2 do CPP.

 Por outro lado, como muito bem ilustra o que vem alegado pelo Requerente, designadamente nos pontos 15 (onde afirma que “as conclusões constantes da decisão em questão não estão fundamentadas, nem sustentadas, quando tal é obrigatório”), 16 (onde assevera “a decisão alvo desta providência limita-se a concluir e não a decidir; o arguido fica sem saber porque se mantém a medida de coação”) 18 (onde expende “não existe explicação na decisão sindicada, que sustente a manutenção do cárcere do arguido”) e 21 (alegando: “não se vislumbra, em nosso entender, que seja violado o princípio “rebus sic stantibus” ao alterar-se a medida de coação ao Requerente”), com a vertente providência de habeas corpus veio impugnar a decisão judicial que lhe manteve a medida coativa de OPHVE, questionando a manutenção dos pressupostos que a determinaram, pretendendo que se revogue a decisão judicial que, reexaminando, a manteve, como claramente expressa, alegando que “não pode manter-se inalterada a medida de coação aplicada ao Requerente quando se alteraram os pressupostos de facto e de Direito que estiveram na base da aplicação da OPHVE” e terminando a peticionar, precisamente,  “que se determine a sua alteração para a mesma medida dos outros 12 coarguidos neste processo a quem são imputados, para julgamento, os mesmos crimes”.

Desconsidera, ostensivamente, que o habeas corpus é uma providência extraordinária, destinada, conforme se salientou, unicamente a por fim a situações de abusiva privação da liberdade porque efetuadas ou ordenadas por entidade incompetente, motivada por factos em que a lei não a admite ou mantidas para além dos prazos fixados na lei ou em decisão judicial. Não é uma via de impugnação do mérito ou da regularidade das decisões judiciais de que o Requerente discorde.

Equivocou-se, manifestamente, ao pretender discutir nesta providência a manutenção ou, da sua perspetiva, a alteração dos pressupostos da medida coativa que lhe foi aplicada e tem sido persistentemente mantida. Aqui, o Supremo Tribunal de Justiça mais não pode que verificar, expeditamente, se a atual privação da liberdade do Requerente é ilegal, isto é, se se enquadra em alguma das situações tipificadas no art.º 222º n.º 2 do CPP

Vejamos então: 

a. OPHVE decretada pelo juiz competente:

Verifica-se que o Requerente se encontra em cumprimento da medida de coação ora em epígrafe aplicada pelo Juiz de instrução criminal. Na sequência do 1º interrogatório judicial foi-lhe imposta prisão preventiva, Mas, logo depois, substituída pela OPHVE. O Juiz que a aplicou, por despacho fundamentado julgou verificados os pressupostos para a submissão do Requerente às referidas medidas de coação.

Reexaminados os respetivos pressupostos foi sucessivamente mantida pelo Juiz de instrução e no último reexame pelo Juiz de julgamento.

Consequentemente, o arguido, aqui Requerente está, desde que lhe foi imposta a OPHVE e atualmente, privado da liberdade ambulatória, por decisão proferida nos autos pelos Juizes funcionalmente competentes, motivada na verificação dos pressupostos substantivos e processuais de que depende a indispensabilidade da mesma.

Aliás, o Requerente não alega que a obrigação de permanência na habitação foi ordenada por entidade incompetente, não escorando o habeas corpus no disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 222º do CPP. 

b. por facto que a lei permite:

A prisão preventiva, como se exarou no despacho do Juiz de instrução, proferido logo após o primeiro interrogatório judicial do arguido detido. fundou-se na existência de fortes indícios de ter cometido factos que poderiam integrar a previsão dos crimes enunciados acima – vd. ponto dos factos.

O crime de furto qualificado pelo qual está pronunciado é punido com a pena de 2 a 8 anos de prisão, pelo que admite a aplicação de medida coativa mais gravosa.

Cada um dos 5 crimes de ofensa à integridade física qualificada na forma consumada, de que o arguido vem acusado, previstos na Lei que estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos são punidos com a pena de 1 a 6 anos de prisão, integrando-se, por isso na definição legal de criminalidade violenta – art.º 1º al.ª j) do CPP.

Está, pois, o Requerente, pronunciado por diversos crimes que até constam do catalogado do art.º 202º n.º 1, nas alíneas a) a e) do CPP.

É, por conseguinte, bem claro que o arguido tem estado privado da liberdade, primeiro em prisão preventiva, logo depois em cumprimento da OPHVE por factos pelos quais a Constituição da República e a lei – o CPP -, admitem a restrição do direito fundamental à liberdade pessoal ambulatória.

O Requerente também não invoca o fundamento consagrado na al.ª b) do n.º 2 do art. 222º do CPP.

c. mantida nos prazos legais:

A privação da liberdade em prisão preventiva ou em OPHVE tem prazos diferenciados, estabelecidos em função de cada fase - e subfase - do processo penal e da sua complexidade – normal ou excecional - e da tipologia do crime ou crimes investigados, pronunciados e julgados.

No caso, o processo está na fase de julgamento. Assim, não constando da informação prestada que tenha sido declara especial complexidade, o prazo da manutenção do Requerente sujeito a medida coativa privativa da liberdade é de 1 ano e 6 meses até que seja proferida decisão condenatória em 1ª instância.

Pelo que, tendo-se indiciado a privação da liberdade, para este efeito, com a aplicação da prisão preventiva decretada em 26 de junho de 2020, o prazo da sua manutenção em OPHVE só se esgotará em 26 de dezembro de 2021.

Aliás, o requerente também não alega que a sua privação da liberdade se mantenha, nesta data, para além do prazo legal – art. 215º n.º n.º 2 do CPP.

Assim, conclui-se que o Requerente não se encontra em situação de “prisão domiciliária” ilegal, inexistindo abuso de poder ou qualquer situação suscetível de integrar o disposto no art.º 31º n.º 1 da Constituição da República ou alguma das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal que consagram o regime que delimita o âmbito de admissibilidade da providência contra a prisão ilegal e arbitrária.

Não se verificando no caso situação fáctica ou jurídica que possa subsumir-se em qualquer daquelas previsões normativas conclui-se pelo indeferimento do habeas corpus em apreço por manifesta falta de fundamento - artigo 223.º, n.º 4, alínea a) e n.º 6, do Código de Processo Penal.

III. DECISÃO:

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal-, deliberando nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 223.º do CPP, delibera:

- indeferir, por manifestamente infundada, a petição de habeas corpus, apresentada pelo Requerente.

- condenar o Requerente na sanção processual cominada no art.º 223º n.º 6 do CPP, que se fixa em 6UCs.


*


Custas pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs (art. 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais).


Supremo Tribunal de Justiça, 23 de julho de 2021.


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

Helena Moniz (Juíza Conselheira adjunta)

Clara Sottomayor (Juíza Conselheira Presidente em serviço de turno)

_________

[1] GRAND CHAMBER, CASE OF AL-JEDDA v. THE UNITED KINGDOM, (Application no. 27021/08). JUDGMENT, in 7 July 2011
[2] Habeas corpus: passado, presente, futuro, revista JULGAR - n.º 29 – 2016, pag. 223.
[3] Iniciada ou pelo menos desde o «Habeas corpus Act» de 1679.
[4] Autores e obra citada, pag. 508.
[5] Autores e obra citada, pag 508.
[6] Aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, na sessão do 19 de Junho do 1911.
[7] 31.º Dar-se-á o habeas corpus sempre que o individuo sofrer ou se encontrar em iminente perigo do sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder.
A garantia do habeas corpus só se suspende nos casos do estado do sitio por sedição, conspiração, rebelião ou invasão estrangeira.
Uma lei especial regulará a extensão desta garantia e o seu processo.
[8] Jorge Miranda, O constitucionalismo liberal luso-brasileiro, Lisboa, 2001, págs. 51/52.
[9] § 22. Dar-se-ha o habeas-corpus sempre que o individuo soffrer ou se achar em imminente perigo de sofrer violencia, ou coacção, por illegalidade, ou abuso de poder.
[10]  Jorge Miranda, ob. cit. pág. 48/49;
[11] E. Maia Costa, HABEAS CORPUS: PASSADO, PRESENTE, FUTURO, Revista Julgar, N.º 29 – 2016.
[12] Artigo 8º, § 4º: “Poderá contra o abuso de poder usar-se da providência excepcional do habeas corpus, nas condições determinadas em lei especial
[13] Lei nº 3/71, de 16 de Agosto.
[14] Diário do Govêrno n.º 233/1945, Série I de 1945-10-20.
[15] Sobre o Habeas corpus, “Jornal do Fôro”, Ano 9º, nºs. 70/73, 1945, págs. 228/229.
[16] Curso de Processo Penal, vol. II, reimpressão, Lisboa, 1981, págs. 477/478.
[17] Na exposição de motivos do DL n.º 185/72 fez-se constar: “Em virtude de as garantias da legalidade da prisão deverem inserir-se no sistema do Código de Processo Penal, incluiu-se nele, substancialmente inalterada, a regulamentação do habeas corpus, a que procedera o Decreto-Lei n.º 35043, de 20 de Outubro de 1945, para dar cumprimento à parte final do § 4.º do artigo 8.º da Constituição. Quer dizer: realiza-se, neste ponto, uma pura e simples «codificação» de normas vigentes, e não qualquer mudança de conteúdo (…)”.
[18] Funcionando a secção do STJ com todos os Juizes em exercício.
[19] E. Maia Costa, publicação cit., pag. 236.
[20] E. Maia Costa, publicação cit., pag.
[21] Ao art. 31º da Constituição da República.
[22] Ac. STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196
[23] Ac. STJ de 20/09/2017, Proc. 82/17.6YFLSB, e jurisprudência aí citada (máxime: por remissão para o Ac. de 4.02.2016, proc. 529/03.9TAAVR-E.S1), ECLI:PT:STJ:2017:82.17.6YFLSB.D4.
[24] Ac. STJ de 10/08/2018, Proc. 398/17.1PASXL-B.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[25] Tribunal Constitucional de Espanha (Sala Primeira), Sentença 21/2018 de 5.03.2018 (recurso de amparo 3766-2016), in BOE (Boletim Oficial do Estado) n.º 90 de 12.04.2018
[26] Ac. STJ de 9/08(2017 cit.
[27] Assim Maia Costa In Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça 2016. Almedina -2ª edição revista, pág. 854; Paulo Pinto de Albuquerque, inComentário do Código de Processo Penal, 4º ed., pág. 638.
Também assim Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada I, 2010, pág. 346 para quem, “a providência de habeas corpus é, desde a sua efectiva introdução na nossa ordem jurídica, uma providência meramente conservatória, liberatória ou desconstitutiva e não também preventiva. Reage a uma detenção ou prisão efectiva e actual, e não ao simples perigo iminente de detenção ou de prisão” -
[28] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (artigos 1º a 107º), Coimbra Editora, 4ª ed. Revista (2007), pag. 510.
[29] Cfr Ac. de 8/02/2017, proc. 404/11.3PULSB-A; Ac. de 7/11/2012, proc. 19996/97.1TDLSB-H.S1; Ac. de 11/11/2010, proc. 610/08.8PBSXL-B.S1, in www.dgsi.pt.
[30] 211/12.6GAMDB-A.S1. in www. Dgsi.pr
[31] Proc. 741/12.0TXPRT-F, in www. dgsi.pt