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DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTAS SOLIDÁRIAS
TITULARIDADE
PRESUNÇÃO DE COMPROPRIEDADE
Sumário
I- Nas contas coletivas solidárias qualquer um dos credores – depositantes ou titulares da conta – tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, ou seja, o reembolso de toda a quantia depositada (acrescida dos respetivos juros, se os houver), ficando o banco liberado para com todos, contanto que restitua a totalidade dos montantes a um deles (art. 512º do Cód. Civil). II- A titularidade da conta não predetermina a propriedade dos fundos nela contidos, que pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou mesmo até porventura a um terceiro. III- No caso de uma ordem de restituição dos valores depositados sobre uma conta solidária transmitida, não pelo primitivo co-titular, entretanto falecido, mas pelos herdeiros deste, releva a interpretação do disposto no regime definido pelos arts. 512º e 516º do Código Civil, a qual impõe ao Banco o cumprimento da obrigação de restituição de acordo com o critério supletivo que se inscreve naquela norma: o da presunção, iuris tantum, de igualdade de comparticipações (ou de contitularidade em partes iguais).
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório
A. C. e mulher M. C. instauraram, no Juízo Local Cível de Braga do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, acção declarativa sob a forma de processo comum contra Banco ..., Sociedade Aberta, S.A., pedindo que esta seja condenada a restituir/repor na conta de D.O. nº .........................86, titulada por eles, autores, e aberta na sucursal da ré em Braga, a quantia de € 42.159,78, acrescida de juros de juros à taxa legal, contados a partir da entrada em juízo desta acção, até integral pagamento.
Para fundamentar a respectiva pretensão alegaram, em resumo, que o autor marido celebrou com a ré um contrato de depósito bancário à ordem, em regime de conta conjunta ou colectiva, no qual figuravam como titulares, para além dele próprio, o Sr. M. M., entretanto falecido.
Este M. M., apesar de figurar como titular da conta, apenas a movimentava a débito, como procurador ou autorizado, para agilizar pagamentos em nome deles, autores, sendo tal conta sempre movimentada a crédito e provisionada por quantias que eles sucessivamente foram transferindo de França, onde residiam, quantias essas que, como tal, eram da sua exclusiva propriedade e não também do dito M. M..
Tendo-se deslocado em Agosto de 2018 à agência da ré em Braga, e solicitado informação sobre o saldo da dita conta bancária, tomaram conhecimento que as quantias que ali tinham depositado, no montante de € 42.159,78, haviam sido levantadas e entregues aos herdeiros do referido M. M., na sequência de um procedimento de habilitação de herdeiros promovido por estes, mas sem que eles, autores, tivessem dado à ré qualquer autorização para esse efeito, recusando-se esta, apesar de instada a tal, a repor na referida conta bancária a quantia que, consideram, foi ilegal e abusivamente entregue a quem não era dela proprietário.
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Citada, contestou a Ré, pugnando pela total improcedência da acção (ref.ª 33653238).
Em abono da sua defesa alegou, em síntese, que a referida conta bancária tinha sido aberta em nome dos dois referidos titulares, mas no regime de solidariedade, podendo, como tal, ser movimentada a débito e a crédito por qualquer deles, mesmo que desacompanhado do outro.
Se no âmbito das relações entre o autor marido e o referido M. M. era intenção daquele que este fosse apenas seu procurador ou autorizado, isso nunca lhe foi comunicado, pelo que o desconhecia, assim como desconhecia a origem do dinheiro ou de quem era a propriedade dos fundos creditados na referida conta bancária.
Tendo-lhe sido participado o falecimento do titular M. M., os respectivos filhos promoveram e comprovaram a sua habilitação como herdeiros daquele, após o que, já devidamente habilitados, transmitiram à agência bancária instruções para que todos os valores depositados na conta em questão lhes fossem entregues, o que ela, ré, cumpriu.
Mais suscitou a ré o incidente de intervenção acessória de M. M. e de P. M., herdeiros do referido M. M..
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Admitida a requerida intervenção acessória e citados para a causa, os chamados ofereceram contestação (ref.ª 34580558), na qual alegaram, em síntese, que, tanto quanto conseguiram apurar, os dinheiros que os autores aqui reclamam pertenciam na totalidade ao seu progenitor, esclarecendo que este, enquanto vivo, elaborava projectos para construção de moradias e, desde 1991, no contexto de uma relação que estabeleceu com o demandante, este último lhe angariava clientes em França, que lhe pagavam a si parte dos preços dos serviços prestados, transferindo-os depois o autora para a conta solidária em referência nesta causa.
Mais alegaram que, por vontade do seu pai, o finado M. M., e na convicção de que o dinheiro depositado na referida conta pertencia àquele, procederam ao levantamento dos fundos, sendo os mesmos entregues, na totalidade, ao chamado M. M..
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Realizada audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade objetiva e subjetiva da instância; foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ª 168831895).
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Procedeu-se a audiência de julgamento (ref.ªs 170693575 e 171073764).
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Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença (ref.ª171142039), nos termos da qual, julgando pela total improcedência da demanda, decidiu absolver do pedido a ré Banco ..., Sociedade Aberta, S.A.
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Inconformados com a sentença, dela interpuseram recurso os Autores (ref.ª 38590900), tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«110.º A decisão do tribunal a quo revela-se contraditória no que concerne à livre apreciação crítica da prova, valoração dos pontos concretos da matéria de facto e ilações retiradas da subsunção da matéria de facto à matéria de direito, que configuram error in judicando. 111.º O teor da decisão propalada, para além de não analisar todo o circunstancialismo à luz das responsabilidades legais e técnicas suscetíveis de serem imputadas à Ré, também não estabeleceu qualquer relação de causa e efeito entre a factualidade descrita, o objeto da ação e o pedido dos Autores. 112.º Não obstante os depoimentos testemunhais e prova documental apresentada, o Tribunal a quo tece uma apreciação crítica a partir de um raciocínio lógico que se afigura transversal à produção da prova, eximindo-se implicitamente de analisar presunções legais e judiciais, latentes nos autos e na prova produzida, produzindo uma decisão que, em ultima ratio, beneficia a conduta dos Chamados, suscetível de constituir crime público. 113.º No que concerne à matéria de facto, os pontos concretos n.ºs 2, 5, 10, 11, 12 e 13 da matéria de facto, infra enunciados, considerados objetivamente provados na decisão, descontextualizados da conduta ardilosa dos Chamados e do dever de diligência da Ré, tendo como consequência uma fundamentação contraditória, devem ser reapreciados com um sentido crítico conducente à procedência da ação. 114.º Em relação ao ponto concreto n.º 2 da matéria de facto, deve ser considerado provado que o dinheiro depositado ao longo dos anos provinha de poupanças dos autores, sendo o Autor, marido, que movimentava a conta a crédito (tempos: [00:04:18] a [00:04:51] e [00:05:23] a [00:05:38] testemunha, M. F.). 115.º No que concerne ao ponto concreto da matéria de facto n.º 05, deve ser considerado provado que todos os montantes depositados pelos autores ao longo dos anos eram sua propriedade, sendo o M. M. que movimentava a conta, apenas a débito (vide v.g. excerto de depoimento de M. F., tempos: [00:04:45] a [00:04:51], que o Tribunal considerou credível, e da testemunha S. P., tempos [00:03:09] a [00:04:07], em sentido inverso, ao qual o Tribunal não atribui nenhuma credibilidade). 116.º No tocante ao ponto concreto n.º 10 da matéria de facto, deve ser considerado provado com relevância para a decisão da causa que a Ré cedeu, negligentemente, à pressão dos Chamados para agilizar e concluir o processo de habilitação de herdeiros (vide extrato de depoimento da funcionária M. R., tempos: [00:02:06] a [00:03:20]). 117.º No que respeita ao ponto concreto n.º 11 da matéria de facto, deve ser valorado no sentido da procedência da ação que as instruções de transferência detinham índole artificioso, por parte dos Chamados, visando apoderar-se de quantia que não lhes pertencia, as quais a Ré, diligentemente, não devia acatar (vide excerto de depoimento de M. R., tempos: [00:04:09] a [00:05:17]). 118.º Relativamente ao ponto concreto n.º 12 da matéria de facto, deve ser considerado provado com relevo para a procedência da ação que, tratando-se de um documento que contraria as normas bancárias, foi aceite por erro grosseiro da Ré, em violação dos deveres de diligência a que está adstrita (vide excerto de depoimento de S. F., tempos: [00:05:26] a [00:05:50]). 119.º Quanto ao ponto concreto n.º 13 da matéria de facto, atinentes ao circunstancialismo dos factos, deve ser provado, com a valoração que se impõe a uma justa decisão, que o Banco cumpriu uma ordem ilegítima ao entregar aos dois referidos herdeiros o valor por eles solicitado (vide excerto de depoimento de M. R., tempos de gravação: [00:06:14] a [00:06:59]). 120.º Os concretos pontos da matéria de facto a) e b) foram considerados não provados, respetivamente por omissão na recolha de elementos, não obstante os indícios existentes, no caso do ponto concreto da matéria de facto a) e por erro de análise dedutivo-jurídica e violação do princípio da inversão do ónus da prova, no caso do ponto concreto da matéria de facto b). 121.º Em relação ao ponto concreto da matéria de facto a), conjugando-se com toda a factualidade julgada provada, designadamente o interesse e a situação dos autores, pelo facto de serem emigrantes e analfabetos, deve ser considerado provado que “pelo facto de os autores serem analfabetos e estarem emigrados em França, o Autor pretendeu excluir da conta a autora, esposa, colocando em lugar dela o M. M., para o representar” (vide excerto do depoimento de M. F., tempos: [00:07:39] a [00:07:47] por via do qual se pode provar, indiretamente, este facto). 122.º No tocante ao ponto concreto da matéria de facto b), deve ser considerado provado, por não existirem quaisquer indícios que contrariem que todos os movimentos a crédito foram executados pelos Autores, tendo o Tribunal a quo, na sua apreciação violado o princípio da inversão do ónus da prova, preceituado pelo artigo 344.º, n.º 2 do CC, uma vez que nem exigiu à Ré, coativamente, todo o historial dos depósitos, nem cominou essa falta da Ré com a inversão do ónus da prova, considerando provado este ponto concreto da matéria de facto. 123.º O cômputo dos factos provados, na valoração suprarreferida e dos não provados que ora se impugnam deve ser conclusivo no sentido de considerar provado que todas as quantias depositadas eram pertença dos autores, uma vez que não existem quaisquer indícios em sentido inverso. 124.º A decisão recorrida labora em erro de julgamento ao desonerar a Ré de qualquer responsabilidade, defendendo apenas a possibilidade de os Autores poderem intentar a ação contra os Chamados. 125.º Omite a conduta da Ré, bem como a produção da prova em relação à admissão da entrega do dinheiro, por erro ou engano, não obstante reiteradamente admitida nos depoimentos, indiretamente na contestação e por via da fundamentação do incidente de intervenção acessória provocada. 126.º Desvia-se da questão essencial a decidir ao atribuir relevância à conduta dos Chamados, em detrimento da factualidade que, comprovadamente, responsabiliza a Ré. 127.º Enferma de contradições em relação às ilações quanto à imputação da responsabilidade da Ré, em violação do artigo 608.º, n.º 2 do CPC, não tendo, em nossa opinião, resolvido a questão colocada, mediante a factualidade e o pendor conclusivo da sentença, aparentemente, favorável aos Autores. 128.º Resulta claro da douta sentença em apreço, a violação das disposições do artigo 607.º, n.º 3, n.º 4, e n.º 5, do CPC, ao não extrair as devidas ilações dos indícios probatórios e da factualidade dos autos. 129.º Na produção da prova e apuramento da verdade material violou o princípio da inversão ónus da prova, previsto no artigo 344.º, n.º 2, não aplicando a Ré o referido ónus, em virtude da não apresentação de toda a documentação referente aos movimentos a crédito. 130.º Quanto à matéria de direito, a sentença recorrida assenta numa interpretação purista dos artigos 73.º a 75.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras, aprovado pelo decreto-lei n.º 298/92, de 31, desassociada da factualidade dos autos. 131.º Por outro lado, a fundamentação baseada na jurisprudência, invocada pela douta sentença, confunde movimentos de rotina com levantamentos efetuados por herdeiros de cotitulares, sem conhecimento de cotitulares estranhos à herança. 132.º A jurisprudência invocada não tem respaldo no caso em apreço, dele difere substancialmente, pela inexistência de contitulares estranhos à herança, caraterísticas dos pedidos e a causa de pedir que não se identificam com o caso em apreço, cujas realidades não são susceptíveis de fundamentara total improcedência da ação nos moldes que a decisão pretende fundamentar. 133.º A fundamentação de direito sustentada no Acórdão do STJ invocado (Ac. STJ, de 15/12/2017) bem como a restante jurisprudência emanada dos Tribunais superiores, relativamente à presunção do artigo 516º do CC, bem como à “diligência e prudência exigíveis a um profissional bancário” não se enquadra, em rigor, na fundamentação de direito da decisão. 134.º Evidencia assim a douta sentença, tanto na matéria de facto elencada, como na matéria de direito uma posição contraditória com a realidade dos autos e as disposições do artigo 607.º,n.º 2, 3 e 4 do CPC, designadamente: a)Não aborda o âmago da questão essencial (entrega de todo o saldo da conta a herdeiros de um dos cotitulares, por lapso confesso); b)Na produção da prova e dicotomia (valoração) factos provados factos não provados não valoriza criticamente a conduta confessa da Ré; c)Não subsume à matéria de direito os devidos pontos concretos da matéria de facto, tendentes a deduzir ou ilidir as devidas presunções, em conformidade com o pedido e a causa de pedir. 135.º Atentos à matéria de facto e de direito supra impugnada, na perspetiva dos recorrentes, a apreciação da prova, que motiva a improcedência da ação, viola as disposições do artigo 607.º, ao não deduzir dos factos apurados as devidas presunções, comumente aceites pela lei, designadamente a ínsita no artigo 516.º do CC e na jurisprudência, não valorando toda a matéria de facto no sentido de obter justiça, quanto ao mérito da decisão.
Termos em que e nos demais de direito: a) Deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e ser revogada a sentença, emanada pelo Tribunal a quo; b) Consequentemente, por força da reapreciação da prova, nos termos impugnados, deve ser julgada procedente a demanda dos Autores, com as legais consequências. FAZENDO-SE, ASSSIM, JUSTIÇA».
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Contra-alegou a ré pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª 39056602).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (ref.ª 173836912).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do(a) recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
i) – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
ii) –Do incumprimento pelo Banco dos deveres decorrentes do contrato de depósito e as consequências daí decorrentes.
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto.
A. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. No dia 24 de Outubro de 1991, na agência de Braga do Banco ..., foi aberta uma conta bancária de depósitos à ordem, a que coube o nº ............04, em regime de conta solidária, sendo titulares M. M. (1º titular) e o aqui autor A. C. (2º titular).
2. Ao longo de vários anos, a referida conta foi movimentada a crédito e a débito, tendo-o sido a crédito pelos autores, com transferências sucessivas de França, e a débito por M. M., para agilizar pagamentos que, em nome dos autores, fossem necessários realizar, nomeadamente conta da água, telefone, impostos e tudo mais que fosse necessário.
3. No ano de 2018, em deslocação à agência bancária onde se encontra domiciliada a referida conta, os autores solicitaram informação do saldo constante da mesma e nesse momento verificaram que não tinham aí qualquer provisão, pois o valor tinha sido levantado na sua globalidade.
4. O valor depositado na identificada conta de depósitos à ordem e numa conta poupança associada, que à data de 16/03/2018 perfazia o montante global de € 42.159,78, tinha sido entregue aos herdeiros do M. M..
5. Ao longo de vários anos, nomeadamente entre 8 de Julho de 2005 e 13 de Dezembro 2017, os movimentos a crédito na referida conta de depósitos à ordem foram realizados pelos autores e nunca pelo M. M..
6. Ao Banco réu nunca foi comunicado que, ao nível da sua relação com o autor marido, o M. M. era apenas seu procurador.
7. O Banco réu ignorava, por nunca lhe ter sido dito, a quem pertencia o direito de propriedade dos valores que, ao longo do tempo, foram depositados na referida conta bancária.
8. O titular M. M. faleceu no dia 19 de Dezembro de 2017.
9. Este óbito foi participado ao Banco pelos seus herdeiros, os filhos M. M. e P. M., que facultaram ao Banco todos os elementos para o efeito de se habilitarem, perante este, como seus únicos herdeiros, designadamente a respectiva escritura de habilitação.
10. Concluído o respectivo processo, o Banco habilitou-os como herdeiros do titular falecido.
11. Já habilitados, aqueles M. M. e P. M. transmitiram ao Banco instruções para que todos os valores em depósito lhes fossem entregues, parte por levantamento em numerário à boca de caixa, parte por transferência para diferentes contas bancárias.
12. Esta ordem foi transmitida por documento assinado pelos dois, entrado no Banco no dia 19 de Março de 2018 e no qual se mencionava o valor global sobre que incidia a ordem: € 42.067,53, ou seja, a totalidade dos valores em depósito.
13. O Banco cumpriu esta ordem, entregando aos dois referidos herdeiros o valor em causa.
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B. E deu como não provados os restantes factos e, designadamente, que:
a) Pelo facto de os autores serem analfabetos, o procurador entendeu excluir da conta a autora esposa e colocar em lugar dela o seu nome.
b) Desde o dia em que a conta foi aberta, não existiram, em momento algum, movimentos a crédito executados por M. M., tendo sido por ele sempre realizados a débito, na qualidade de procurador autorizado e não de titular.
c) Por volta do ano de 1991, o autor propôs ao falecido M. M. arranjar-lhe clientes em França, nomeadamente emigrantes, para a elaboração de projectos para a construção de moradias.
d) Os clientes que o autor angariava em França pagavam parte do seu preço a si, que por sua vez o entregava ao finado M. M..
e) A fórmula que o autor e o finado M. M. arranjaram para que esses valores fossem entregues por aquele a este último foi a de criarem a conta bancária identificada em 1.
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V. Fundamentação de direito.
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
1.1. Em sede de recurso, os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que os recorrentes indicam quais os factos que pretendem que sejam decididos de modo diverso, bem como a redação que deve ser dada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, pelo que podemos concluir que cumpriram suficientemente o ónus estabelecido no citado art. 640º.
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1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (1):
- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
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1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que os Autores/recorrentes pretendem:
i) - A modificação/alteração de redação da resposta positiva aos pontos 2, 5, 10, 11, 12 e 13 dos factos provados da decisão recorrida.
ii) - A alteração da resposta negativa para positiva das alíneas a) e b) dos factos não provados da decisão recorrida
Vejamos, circunstanciadamente, cada um dos factos impugnados.
Ponto 2 dos factos provados.
O referido ponto fáctico tem a seguinte formulação:
“2. Ao longo de vários anos, a referida conta foi movimentada a crédito e a débito, tendo-o sido a crédito pelos autores, com transferências sucessivas de França, e a débito por M. M., para agilizar pagamentos que, em nome dos autores, fossem necessários realizar, nomeadamente conta da água, telefone, impostos e tudo mais que fosse necessário”.
Resposta pretendida: Julgar provado que o dinheiro depositado ao longo dos anos era pertença dos autores, fruto do seu trabalho e se destinava a poupanças dos autores e a agilizar pagamentos.
Os Autores alicerçam essa pretensão recursória no depoimento da testemunha M. F. (conclusão 114º).
A referida testemunha, taxista de profissão, com 51 anos de idade, conhece os autores há cerca de 30 anos, os quais, além de seus clientes habituais (costumava - e costuma - transportá-los, com regularidade, os quais já eram clientes do seu falecido pai, que também exercia a profissão de taxista), são também seus amigos, privando com eles com regularidade (“era visita de casa”).
Os autores estiveram emigrados em França (tendo regressado a Portugal há cerca de 3 anos) e os AA. vinham sempre a Portugal por altura das vindimas e para limparem os terrenos/bouças.
Conhecia igualmente o Sr. M. M., que era uma pessoa de confiança (“confiavam nele 100%”, “era uma pessoa de bem”) e amiga dos autores. Mais declarou que era o Sr. M. M. quem costumava levantar o dinheiro de que aqueles precisavam quando estavam em Portugal e quem procedia aos pagamentos que estes tivessem de fazer cá em Portugal, nomeadamente para pintar as casas, fazer as vindimas, limpar campos/bouças ou pagar impostos (IMI), sendo gratificado pelos Autores pela prática de tais atos.
Há três anos, aquando da vinda dos autores a Portugal, a testemunha M. F. tomou conhecimento através deles que o M. M. tinha falecido. Tendo transportado os AA. à agência do Banco, na cidade de Braga, os AA. tomaram então conhecimento que a conta bancária não tinha qualquer saldo, tendo-se mostrado transtornado (“nem estou bem”, disse-lhe o Autor marido).
Nunca assistiu aos AA. a depositar dinheiro na conta, mas sim a solicitar ao M. M. para levantar dinheiro da conta.
Embora tenha referido que dinheiro depositado na conta em causa era pertença dos AA., por o autor marido lhe ter dito por diversas vezes que havia enviado o dinheiro de França, a verdade é que, como se concluiu na motivação da sentença recorrida, tal não passa de uma mera convicção subjetiva, não demonstrando “possuir uma sólida razão de ciência sobre essa matéria”.
Daí que, coincidindo a nossa convicção no tocante ao facto impugnado com a do Mmº Julgador “a quo”, se conclua pela improcedência do ponto fáctico impugnado.
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Ponto 5 dos factos provados.
O aludido ponto fáctico tem o seguinte conteúdo:
“5. Ao longo de vários anos, nomeadamente entre 8 de Julho de 2005 e 13 de Dezembro 2017, os movimentos a crédito na referida conta de depósitos à ordem foram realizados pelos autores e nunca pelo M. M.”.
Resposta pretendida: Deve ser considerado provado que os montantes depositados pelos autores ao longo dos anos eram sua propriedade e fruto do seu trabalho.
Também quanto a este ponto fáctico impugnado, os Autores estribam a sua pretensão recursória, essencialmente, no depoimento da testemunha M. F., invocando também o depoimento da testemunha S. P. (conclusão 115º).
Em bom rigor, o âmbito da pretensão recursória atinente à impugnação do ponto fáctico em apreço coincide com o já analisado no ponto fáctico antecedentemente analisado, posto estar em causa a demonstração da titularidade ou da propriedade dos autores dos montantes por estes depositados ao longo dos anos na conta bancária objeto dos autos.
No tocante à invocação do depoimento da testemunha S. P., mulher do chamado P. M., sempre se dirá que a mesma não reconheceu que o dinheiro depositado era pertença dos autores, afirmando, sim, ser sua convicção que o referido dinheiro pertencia ao seu falecido sogro, versão esta que que, nos termos devidamente explicitados na motivação da sentença recorrida, se tem como inverosímil.
Quanto ao mais, concretamente quanto ao depoimento da M. F., valendo aqui os fundamentos supra explicitados a propósito do ponto 2 dos factos provados, que por brevidade e economia se dão aqui por integralmente reproduzidos, resta concluir, sem mais desenvolvimentos, pela improcedência da impugnação do referido ponto fáctico.
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Ponto 10 dos factos provados.
A redação do referido ponto fáctico é a seguinte: “10. Concluído o respectivo processo, o Banco habilitou-os como herdeiros do titular falecido”.
Resposta pretendida: Deve ser considerado provado que a Ré cedeu à pressão dos chamados para agilizar e concluir o processo de habilitação de herdeiros.
Conforme bem assinala o Banco recorrido nas suas contra-alegações, o facto que os Autores pretendem, em sede de apelação, que conste da matéria de facto dada como provada não foi alegado na petição inicial, nem se consubstancia num facto instrumental que resulte da instrução da causa, nem num facto complementar ou concretizador dos alegados naquele articulado e resultante da instrução da causa (art. 5º, n.ºs 1 e 2 do CPC), pelo que não se vislumbra fundamento legal para que o mesmo possa ser considerado como provado.
Sempre se acrescentará que a testemunha M. R., funcionária do Banco … há 45 anos, e que teve intervenção directa nos procedimentos que levaram à entrega aos herdeiros do M. M. das quantias depositadas na conta, declarou que, após ter sido solicitado pelos herdeiros do primitivo co-titular falecido a restituição dos valores depositados, encaminhou o processo de habilitação de herdeiros para o Departamento das entidades externas do Banco para tratar do assunto. Este serviço, após conclusão do processo, deu autorização de pagamento correspondente a metade dos valores depositados (o que corresponde à norma do Departamento das entidades externas quando a conta tem dois titulares).
Nessa decorrência, a testemunha fez o recibo de quitação e a ordem de pagamento e, nesta, por lapso, indicou a totalidade dos valores depositados, e não a metade do saldo (cfr. documentos de fls. 106 a 127).
Após ter-se apercebido do lapso, diligenciou junto dos herdeiros pela devolução do montante pago a mais, o que foi por estes expressamente recusado.
Sucede que, do depoimento da referida testemunha M. R. - bem como do depoimento da testemunha S. F., funcionária da ré desde o ano de 1997 e actualmente gerente do balcão onde está sedeada a conta bancária mencionada nos autos -, não resultou indiciado algum elemento que nos permita retirar de que o Banco cedeu à pressão dos chamados para agilizar e concluir o processo de habilitação de herdeiros.
Como se disse, o referido processo de habilitação de herdeiros foi analisado e conduzido por umDepartamento das entidades externas do Banco, pelo que só após a sua conclusão foi dada a ordem de pagamento - se bem que esta padeceu de um lapso que a testemunha assumiu M. R. -, o que contraria a aventada pretensão recursória.
Pelo exposto, improcede a impugnação deduzida quanto ao ponto fáctico em causa.
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Ponto 11 dos factos provados.
Reproduzindo o ponto fáctico impugnado:
“11. Já habilitados, aqueles M. M. e P. M. transmitiram ao Banco instruções para que todos os valores em depósito lhes fossem entregues, parte por levantamento em numerário à boca de caixa, parte por transferência para diferentes contas bancárias”.
Resposta pretendida: “Afigurando-se em desconformidade com a realidade a provar propõe-se que este ponto concreto da matéria de facto seja valorado no sentido da procedência da ação, na medida em que as próprias instruções de transferência têm um índole sub-reptício, que visa apoderar-se indevidamente de quantia que lhes pertencia, aliás como bem refere a Ré, em relação à conduta dos Chamados”.
A discordância dos recorrentes quanto ao ponto fáctico em apreço não traduz uma efetiva impugnação da matéria de facto, pretendendo antes aqueles que, na reapreciação da matéria de direito, a referida facticidade seja valorada no sentido da procedência da ação.
Como é bom de ver, trata-se de questões distintas e inconfundíveis, sendo que a questão colocada pelos recorrentes jamais constituiria fundamento de modificação da enunciada matéria de facto.
Sendo assim, resta concluir pela inalteração do ponto facto em causa.
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Ponto 12 dos factos provados.
O teor do ponto fáctico impugnado é o seguinte:
“12. Esta ordem foi transmitida por documento assinado pelos dois, entrado no Banco no dia 19 de Março de 2018 e no qual se mencionava o valor global sobre que incidia a ordem: € 42.067,53, ou seja, a totalidade dos valores em depósito”.
Resposta pretendida: “Tratando-se de um documento cuja elaboração contraria as normas bancárias emanadas pela Ré, tendo ocorrido por erro grosseiro da ré, que nunca aceita, nem podia aceitar que in casu a ordem incidisse sobre o valor total do depósito, deve este ponto concreto da matéria de facto ser valorado, no sentido da procedência da ação, visto que a Ré foi negligente e naquele caso concreto não cumpriu os deveres de diligência”.
Também neste ponto, os recorrentes não deduzem uma verdadeira impugnação da matéria de facto, invocando, sim, um eventual erro de julgamento na subsunção dos factos concretos provados à correspondente previsão normativa abstrata, questão esta que é completamente estranha à impugnação da matéria de facto.
Termos em que também aqui se concluiu pela manutenção do referido ponto fáctico.
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Ponto 13 dos factos provados.
O referido ponto fáctico apresenta a seguinte formulação:
“13. O Banco cumpriu esta ordem, entregando aos dois referidos herdeiros o valor em causa”.
Resposta pretendida: “Atento o circunstancialismo em que estes factos ocorreram, deve neste ponto concreto da matéria de facto ser considerado provado que o Banco cumpriu uma ordem ilegítima ao entregar aos dois referidos herdeiros o valor em causa”.
O segmento que os recorrentes pretendem ver aditado comporta matéria manifestamente conclusiva ou de direito, pelo que a impugnação deduzida jamais poderá proceder.
Como é sabido, a distinção entre matéria de facto e matéria de direito tem sido controversa, quer na doutrina quer na jurisprudência.
Nas palavras de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora (2), dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírica-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (a vontade real do declarante – art. 236º, n.º 2 do Cód. Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratório; as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria).
Acrescentam os citados autores que, embora a área dos factos cubra, principalmente, os eventos reais, também pode abranger as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto (nexo causal – art. 563º do CC; lucros cessantes – art. 563º do CC; vontade hipotética ou conjetural das partes cessantes – arts. 292º e 293º do CC). Tais juízos de facto traduzem realidades de uma zona empírica que faz parte do thema probandum. Trata-se da zona imediatamente contígua à dos juízos de valor e à dos juízos significativo-normativos, que, esses sim, integram a esfera do direito, como sejam, a fixação do sentido decisivo da declaração de vontade (art. 236º do CC), se a falta do interesse do credor no cumprimento parcial da obrigação por impossibilidade parcial da prestação imputável ao devedor tem ou não escassa importância para o credor (art. 802, n.º 2 do CC), se a alteração das circunstâncias básicas do contrato é normal ou anormal.
Deste modo, “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes” (3).
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, os juízos conclusivos ou de valor não retratam ocorrências da vida real, quer internas, quer externas, mas sim o efeito e consequência dessas mesmas ocorrências, conclusões essas que cabe ao julgador extrair na prolação da sentença, dos factos dados como provados. Trata-se de matéria que não se cinge ao elencar do facto, mas tem em si, explicita ou implicitamente, considerações valorativas sobre esse facto, ou seja, apreciações que ultrapassam a objetividade do facto e trazem consigo a subjetividade da análise valorativa de uma determinada ocorrência da vida real. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova (4).
“A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso, o facto conclusivo deve ser havido como não escrito. No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito” (5).
Feitas estas breves considerações torna-se evidente que o enunciado segmento cujo aditamento é requerido pelos recorrentes - o Banco cumpriu uma ordem ilegítima ao entregar aos dois referidos herdeiros o valor em causa (sublinhado nosso) - encerra inequivocamente matéria de índole conclusiva ou jurídica, na medida em que comporta em si a solução jurídica do litígio em discussão nos autos, pelo que o mesmo nunca poderia dar-se como provado.
Com efeito, estando em discussão nos autos saber se o Banco incorreu em responsabilidade contratual ao entregar aos herdeiros de um co-titular falecido de uma conta solidária a totalidade dos valores depositados não faz sentido dar-se como provado que o pedido de restituição dessas quantias era ilegítimo.
Saber se a referida ordem que o Banco cumpriu é, ou não, ilegítima será conclusão a extrair na sentença dos factos materiais, concretos e precisos alegados e provados. Esse juízo eminentemente conclusivo e jurídico apenas poderá ser formulado na sentença a jusante, aquando da apreciação crítica da matéria de facto provada, e não na fase da enunciação dos fundamentos de facto, pelo que o mesmo jamais poderia ser incluído no elenco factual a considerar.
Nesta conformidade, atenta a sua inviabilidade, improcede o ponto fáctico impugnado.
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< alínea a) dos factos não provados:
Recordemos o teor da aludida alínea:
“a) Pelo facto de os autores serem analfabetos, o procurador entendeu excluir da conta a autora esposa e colocar em lugar dela o seu nome”.
Resposta pretendida: “Pelo facto de os autores serem analfabetos e estarem emigrados em França, o Autor pretendeu excluir da conta a autora esposa, colocando em lugar dela o M. M., para o representar”.
Em primeiro lugar, e diversamente do aduzido pelos recorrentes, inexiste qualquer lapso na formulação da resposta dada, posto a mesma corresponder ao que foi alegado pelos próprios autores na 1ª parte do art. 4º da petição inicial.
Em segundo lugar, embora a testemunha M. F. tenha referido que a Autora mulher não sabia assinar, não foi produzida nenhuma prova que atestasse o intuito que presidiu à abertura da conta bancária solidária tendo como titulares o M. M. (1º) e o Autor A. C. (2ª), e a razão para a não indicação ou exclusão como co-titular da autora mulher.
Acresce que, com vista à procedência da impugnação deduzida, é manifestamente insuficiente a mera invocação da convicção subjetiva dos recorrentes no sentido de se ter cumprido “a vontade dos autores e não do Sr M. M., em representação e interesse dos autores”.
Nesta conformidade, julga-se improcedente a mencionada impugnação do ponto fáctico em discussão.
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< alínea b) dos factos não provados:
Recordemos também esta alínea:
b) Desde o dia em que a conta foi aberta, não existiram, em momento algum, movimentos a crédito executados por M. M., tendo sido por ele sempre realizados a débito, na qualidade de procurador autorizado e não de titular.
Decisão pretendida: Desde a sua abertura, a conta sempre foi alimentada a crédito pelos autores.
Relativamente ao ponto impugnado, subscreve-se igualmente o juízo formulado pelo Mm.º Juiz “a quo” no sentido de que, “da conjugação da prova testemunhal e documental não é possível afirmar com absoluta certeza que, desde 24/10/1991, data de abertura da conta, não existiram movimentos a crédito executados por M. M.”, sem embargo da demonstração dos factos descritos nos pontos 2 e 5, também eles referentes aos movimentos a crédito executados exclusivamente pelo autor e a débito executados exclusivamente pelo M. M..
Sustentam, porém, os recorrentes que, na sua apreciação da matéria em causa o Tribunal a quo violou o princípio da inversão do ónus da prova, preceituado pelo art. 344.º, n.º 2 do CC, “uma vez que nem exigiu à Ré, coativamente, todo o historial dos depósitos, nem cominou essa falta da Ré com a inversão do ónus da prova, considerando provado este ponto concreto da matéria de facto”.
Estipula o art. 344º, n.º 2, do CC, que há «inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações».
Decorre do citado preceito estar a inversão do ónus da prova dependente da verificação de dois pressupostos (6):
i) que a prova de determinada factualidade, por ação da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer, o que inculca que a prova que foi inviabilizada seja decisiva para demonstrar a realidade do facto;
ii) que tal comportamento, da mesma parte contrária, lhe seja imputável a título de culpa, não bastando a mera negligência.
Como se refere no Ac. do STJ de 12/05/2016 (relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt., “as dificuldades que rodeiam litígios, como o presente, cujo resultado depende do apuramento de factos distanciados no tempo não afectam apenas a posição dos AA. no que concerne aos depósitos que alegadamente teriam sido efectuados e para cuja prova seriam determinantes alguns documentos arquivados pelo R. Também o R., conquanto seja depositário da documentação, acaba por se defrontar com semelhantes dificuldades relativamente ao exercício do seu direito de defesa, tendo em conta a elevadíssima massa documental que sustenta a infinidade de operações bancárias, o relacionamento mantido com a sua rede de clientes e os problemas que decorrem da gestão dessa massa documental. Circunstâncias que no caso concretamente se mostram ainda agravadas pelo facto de os documentos a que os AA. aludem terem sido emitidos quando ainda estava em actividade” o Banco ..., “entretanto integrado, por via de fusão, no Banco R., tornando ainda mais compreensíveis as dificuldades que foram relatadas pelo R. no que concerne à localização e envio de toda a documentação relacionada com os factos controvertidos”.
No caso em apreço constata-se que o Banco Réu juntou aos autos variados extratos, incluindo extratos com mais de 10 anos e de períodos anteriores à transferência da conta bancária de que o Autor marido era co-titular, do Banco ... para o Banco Réu, mais tendo alegado não possuir em arquivo os extractos relativos aos anos de 1991 e 1992 (cfr. fls. 105).
Sendo assim, no contexto invocado pelo R. para a falta de junção de todos os demais documentos que porventura poderiam relevar para a decisão da causa, podemos afirmar que o R. fez a demonstração prevista no art. 431º, n.º 2, do CPC, impedindo a aplicação da sanção civil prevista no art. 344º, nº 2, do CC.
Por conseguinte, sendo verdade que nem todos os factos que os AA. alegaram foram considerados provados, não emerge dos autos um circunstancialismo suficientemente claro (actuação maliciosa ou inércia da parte do Banco R.) que seja susceptível de determinar a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344º, nº 2, do CC, nada havendo a censurar à opção da 1ª instância quando procedeu à livre apreciação dos meios de prova (7).
Termos em que improcede este fundamento da impugnação
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Em suma, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto aos factos impugnados com a convicção formada pelo Mmº Juiz “a quo”, impõe-se-nos confirmar na íntegra a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
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2. Reapreciação da decisão de mérito.
2.1. – Da responsabilidade contratual do Banco recorrido, perante os autores, pela entrega, na totalidade, dos fundos existentes na conta bancária identificada nos autos aos herdeiros de um dos co-titulares da referida conta.
Na sentença recorrida foi entendido que, estando em causa uma conta solidária, “a questão da propriedade ou da titularidade económica do dinheiro nelas depositado é assunto que, a priori, apenas interessa no plano das relações internas dos contitulares entre si, e não no âmbito das relações externas, destes com o banco”, pelo que “qualquer litígio que surja entre os titulares de determinada conta relativamente à propriedade dos valores aí depositados, ou entre os titulares e os herdeiros de um dos falecidos titulares, é uma questão que apenas respeita às relações internas entre estes, situando-se para além da relação contratual estabelecida entre aqueles e o banco, quando procederam à abertura da conta”
Donde, tendo “sido comunicado o falecimento de um dos titulares solidários da conta, e habilitados perante si os seus sucessores, mais não fez a ré do que cumprir as obrigações que para ela decorriam do contrato de abertura de conta quando, em observância da ordem que lhe foi transmitida, entregou aos chamados a totalidade dos fundos que então estavam em depósito”, concluindo que a Ré não incorreu em qualquer responsabilidade contratual, nem deixou de observar qualquer regra de conduta ou dever de diligência que, como entidade bancária, era expectável que cumprisse, nomeadamente nos termos dos arts. 73.º a 75.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
Insurgem-se os recorrentes contra o assim decidido, aduzindo, entre o mais, que a jurisprudência invocada na sentença impugnada não tem respaldo no caso em apreço, dele diferindo, substancialmente, pela inexistência de contitulares estranhos à herança, além de que a fundamentação de direito sustentada no Acórdão do STJ de 15/11/2017 (8), tal como a restante jurisprudência emanada dos Tribunais superiores, relativamente à presunção do art. 516º do CC, bem como à “diligência e prudência exigíveis a um profissional bancário”, não se enquadra, em rigor, na fundamentação de direito da decisão.
Resumidamente, o diferendo que está na base da demanda radica, por um lado, na existência de uma conta bancária de depósitos à ordem, com o n.º ............04, em regime de conta solidária, sendo titulares M. M. (1º titular) e o autor A. C. (2º titular), que foi aberta em 24/10/10991, na agência de Braga do Banco ...; por outro lado, tendo falecido o co-titular M. M. (1º titular) em 19/12/2017, os respetivos herdeiros participaram o óbito e habilitaram-se comos seus únicos herdeiros, tendo subsequentemente requerido a entrega de todos os valores em depósito em nome daquele co-titular, o que foi deferido pelo Banco, que entregou aos dois herdeiros (ora chamados) o total dos valores depositados.
Além de os AA. se arrogarem os únicos titulares dos fundos de conta bancária colectiva solidária, pretendem ser ressarcidos pelo Banco recorrido por, “ao arrepio da lei”, ter permitido a entrega da totalidade dos valores depositados aos herdeiros do falecido M. M., o qual não era titular da conta, mas sim apenas “autorizado” ou “procurador”.
Está, por conseguinte, em causa apurar da licitude da conduta do Banco recorrido de entregar a tolidade dos fundos aos dois sucessores do co-titular M. M., procedimento que, na perspectiva dos recorrentes, se deve ter por ilícito e culposo, nessa medida se impondo a sua responsabilização pela restituição da totalidade dos fundos que indevidamente entregou àqueles.
Estamos, assim, no âmbito da responsabilidade contratual decorrente dos contratos de abertura de conta e de depósito bancário estabelecidos entre os titulares da referida conta e o Banco recorrido, cabendo aferir se, no tocante à entrega da totalidade dos fundos depositados aos herdeiros do falecido co-titular M. M., o Banco recorrido incumpriu algum dos deveres a que estava legalmente vinculado.
Como bem se salienta na sentença recorrida – cuja fundamentação, nesta parte, seguiremos de perto –, embora normalmente associados, o contrato de abertura de conta e o contrato de depósito bancário constituem realidades distintas, que mantêm juridicamente a sua autonomia.
Regra geral, o estabelecimento de uma relação de clientela entre o Banco e o cliente tem início com a abertura de conta. Com ele, o Banco abre uma conta, nos seus livros, em nome do cliente. Esta conta, na maior parte dos casos, é uma conta de depósitos, na qual é creditado o valor dos depósitos efetuados pelo cliente ou por terceiros, ou financiado pelo Banco, e debitado o valor de levantamentos feitos pelo cliente ou de pagamentos ou transferências efetuadas por sua ordem (9).
Segundo José Engrácia Antunes, designa-se por contrato de conta bancária, também designado correntemente “contrato de abertura de conta”, “o contrato celebrado entre um banco e um cliente através do qual usualmente se constitui, disciplina e baliza a respectiva relação jurídica bancária” (10).
Ele constitui, por regra, “o contrato bancário primogénito”, sendo “o contrato bancário matriz”. “Esse contrato, através do qual se estabelece a relação jurídica fundamental entre banco e cliente, e que fixa as regras matriciais da relação entre as partes, tendencialmente duradoura, não se confunde com a pluralidade de outras relações negociais que podem sobrevir-lhe. De entre estas, a mais usual é a celebração dum contrato de depósito bancário – embora possam existir ouras, como, p. ex., as convenções de cheque, emissões de cartões bancários, de empréstimo, de crédito ao consumo, etc”.
O aludido contrato de abertura de conta tem um significado muito mais extenso do que a constituição de uma conta no banco. É um negócio extremamente amplo e complexo, decorrendo daqui a relação bancária geral (11).
Corporizando a constituição da relação contratual entre cliente e banco, a abertura de conta não dispõe de qualquer regime legal explícito. Ele assenta, no essencial, nas cláusulas contratuais gerais e nos usos bancários, sendo ainda de ter presente as regras contidas no Aviso do BP n.º 11/2005, de 13/07, relativo às condições gerais de abertura de contas, alterado pelo Aviso do BP n.º 2/2007, de 2/02 (12).
Trata-se de um negócio legalmente atípico, embora socialmente típico (13).
Já o depósito bancário pode designar-se como a “convenção acessória do contrato de conta bancária através do qual o cliente (depositante) entrega uma quantia pecuniária ao banco (depositário), ficando este investido no direito de dela dispor livremente e no dever de restituir outro tanto da mesma espécie e qualidade nos termos acordados” (14).
O depósito bancário é configurado como um contrato atípico, que reúne elementos comuns da conta corrente mercantil (art. 347.º do C. Comercial) e de contrato de mandato. (art. 1157.º do Código Civil - CC), e cujo objecto se desdobra em actividades próximas do mútuo oneroso (1142.º e ss. do CC) e do depósito (art. 1185.º do CC).
Não corresponde ao típico contrato de depósito, porque transfere para o Banco a propriedade da quantia depositada, ficando o titular da conta com apenas um direito de crédito sobre o Banco (15).
No fundo, pode dizer-se que o depósito bancário, sendo um negócio indireto, tem a natureza jurídica de um depósito irregular, por ter por objecto coisas fungíveis, pois que em regra é constituído por depósito de dinheiro (art. 1205º do CC).
O depósito bancário é hoje fundamentalmente uma convenção acessória (normal ou natural, embora não necessária) do contrato de conta bancária (16).
O depósito bancário está regulado, em geral, pelo Dec. Lei n.º 430/91, de 2/11 (alterado pelo Dec. Lei n.º 88/2008, de 29/05).
No caso versado nos autos mostra-se provado que, no dia 24/10/1991, na agência de Braga do então Banco ..., foi aberta uma conta bancária de depósitos à ordem, a que coube o n.º ............04, em regime de conta solidária, com dois titulares, sendo o 1º titular M. M. e o 2º titular o recorrente A. C..
Mais se provou que, ao longo de vários anos, a referida conta foi movimentada a crédito e a débito, tendo-o sido a crédito pelos autores, com transferências sucessivas de França, e a débito por M. M., para agilizar pagamentos que, em nome dos autores, fossem necessários realizar, nomeadamente conta da água, telefone, impostos e tudo mais que fosse necessário.
A enunciada facticidade é, pois, demonstrativa não só da celebração de um contrato de abertura de conta, como também de um contrato de depósito bancário que lhe estava associado.
E, como concluiu o Mm.º Juiz “a quo”, a referida factualidade permite também inferir “que os fundos existentes em depósito na conta à data de 16/03/2018, no montante de € 42.159,78, que depois foram entregues pela ré aos herdeiros do M. M., seriam pertença dos autores”.
Concorda-se também com o explanado na sentença recorrida na parte em que se refere que à decisão do litígio – que apenas opõe o Banco ao cliente autor e à esposa deste – “não será verdadeiramente relevante a questão da propriedade ou da titularidade económica do dinheiro objecto do contrato de depósito bancário também estabelecido entre as partes. Determinantes, sim, serão os termos em que foi celebrado o contrato de abertura de conta e o regime escolhido para a movimentação da mesma pelos diferentes titulares – o autor e o decesso M. M. que, tanto quanto se provou, na sua relação com o Banco réu era titular e não um mero procurador ou autorizado, como alegaram os demandantes na petição inicial”.
As contas à ordem podem ser singulares (as que só têm um titular) e colectivas (com mais do que um titular); estas, por sua vez, atendendo à distribuição dos poderes de gestão e movimentação entre os contitulares, podem ser solidárias, conjuntas (17) ou mistas (18).
Nas contas coletivas solidárias, também chamadas “contas ou”, qualquer um dos credores – depositantes ou titulares da conta – tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, ou seja, o reembolso de toda a quantia depositada (acrescida dos respetivos juros, se os houver), ficando o banco liberado para com todos eles, contanto que restitua a totalidade dos montantes a um deles (art. 512º do CC) (19).
Nessas contas, que resultam de vontade das partes e a que o Banco é, em regra estranho, permite-se a qualquer co-titular delas poder movimentá-las, total ou parcialmente, independente de ser seu depositante (de fundos), assentando as mesmas normalmente numa relação de confiança (“fidutia”) existente entre os seus co-titulares e é escolhida por estes para facilitar a movimentação da conta em ordem a prosseguir um objetivo comum. Porém, essa solidariedade só se verifica do lado ativo, e já não do lado passivo (20).
Como escreve o Professor António Meneses Cordeiro (21), as “contas bancárias solidárias têm um regime que resulta das respectivas aberturas de conta. No omisso, caberá recorrer às regras gerais sobre obrigações solidárias, verificando, caso a caso, as adaptações que se mostrem necessárias. Como ponto de partida, importa” sublinhar que “nos depósitos bancários, a solidariedade funciona seja no interesse dos depositantes, seja no interesse do banqueiro; paralelamente tem desvantagens para todos eles. Com efeito, cada depositante tem a vantagem de poder movimentar sozinho, o saldo; tem a desvantagem de poder ser despojado do seu valor, por acto unilateral do seu parceiro. Quanto ao banqueiro: tem a vantagem de poder exonerar-se perante um único depositante, com toda a simplificação burocrática e jurídica que isso implica; tem a desvantagem de poder ver aumentar a volatilidade dos depósitos. (…) Ao celebrar uma abertura de conta corrente com solidariedade, todos sabem que qualquer dos seus titulares pode esgotar o seu saldo (…), independentemente de, na origem, os fundos serem seus. Trata-se, sempre, entre os contitulares, de uma situação fiduciária, que não pode ser oposta ao banqueiro. Este não sabe quem era dono dos fundos (pode, até, ser um terceiro) nem é bom que saiba no interesse de todos”.
Logo que sejam satisfeitas as condições de mobilização da conta, o Banco terá de cumprir.
A conta solidária tem, assim, um elemento fiduciário bastante vincado, posto que qualquer um dos titulares pode proceder ao levantamento da quantia por inteiro, mesmo quando nas relações internas só parte dela lhe pertencer.
Com efeito, a titularidade da conta não predetermina a propriedade dos fundos nela contidos, que pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou mesmo até porventura a um terceiro, não havendo, assim, que confundir a titularidade da dita conta com a propriedade dos valores/importâncias nela depositadas (22) (23) (24).
O problema da titularidade do depósito ou conta aberta não se confunde, pois, com o da propriedade do dinheiro depositado, e que poderá ser levantado por qualquer dos meios contemplados na lei, por qualquer dos contitulares da conta à ordem. O direito de crédito dimanando da relação obrigacional ou creditícia, oriunda do contrato ou acordo de depósito, que pode ser exercido por qualquer dos titulares da conta ou depósito, sendo o Banco o devedor, distingue-se do direito real sobre a mercadoria-dinheiro, que fora depositado.
Uma coisa são as regras de movimentação da conta, outra a titularidade ou a propriedade das quantias nela depositadas (ou, melhor dizendo, o direito à sua restituição).De facto, são inconfundíveis e independentes a legitimidade para movimentação da conta, inerente à qualidade de contitular inscrito no contrato de depósito e dela directamente decorrente, e a legitimidade para dispor livremente das quantias que a integram, esta indissociável do direito de “propriedade” sobre as quantias depositadas (25).
Como se refere no Ac. do STJ de 26/10/2004 (relator Afonso Correia), in www.dgsi.pt. “são perfeitamente distintos o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários, e que se traduz num poder de mobilização do saldo, e o direito real que recai sobre o dinheiro (de que podem apenas algum ou alguns dos depositantes ser titulares, em função das partes respectivas), direito real que, por efeito do contrato de depósito celebrado com o banco, se transferira para este no momento da entrega do numerário".
Nas palavras do Prof. Pinto Coelho (26): "Esquece-se, com efeito, por vezes que a relação jurídica que nasce da abertura da conta de depósito é uma relação jurídica de obrigação, e confunde-se o direito de crédito desta emergente para os titulares da conta com a propriedade dos bens objecto do depósito, isto é, com o direito real sobre estes. O depositante, como credor solidário, tem apenas um direito de crédito, isto é, o direito a receber a prestação a que está adstrito o devedor, o direito a exigir a entrega da importância do depósito. Mas esse direito não pode confundir-se com a propriedade da quantia depositada; é atribuído por igual a todos os titulares da conta, e a importância do depósito pode pertencer a um só deles ou até a um terceiro, e é evidente que, na totalidade, não pode integrar-se no património ou constituir riqueza de todos".
Sucede que a característica de solidariedade da conta bancária,por força do recurso ao regime geral da obrigações solidárias previsto no art 512º e segts. do CC, remete, necessariamente, para a consideração do disposto no art. 516º do CC, nos termos do qual: «Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito».
Perante esta norma não oferecerá dúvidas que a questão da repartição da propriedade do dinheiro respeita às relações internas dos titulares da conta bancária ou aos respectivos herdeiros, em caso de sucessão mortis causa, sendo por isso matéria a que o Banco é alheio (27).
Mas como compatibilizar aquela obrigação de restituição do Banco, quando instado para tal, com esta obrigação de não interferência desse mesmo Banco em litígio relativo à propriedade dos valores nele depositados? Ou, doutro modo, qual deve ser o comportamento do Banco ao cumprir uma ordem sobre uma conta solidária transmitida, não pelo primitivo co-titular, entretanto falecido, mas pelos herdeiros deste?
Ora, neste ponto releva a interpretação do art. 516º do CC, a qual impõe ao Banco o cumprimento da obrigação de restituição de acordo com o critério supletivo que se inscreve naquela norma: o da presunção de igualdade de comparticipações (ou de contitularidade em partes iguais) (28) (29) (30) (31).
Donde decorre que os herdeiros do co-titular falecido M. M. apenas poderiam ser autorizados a levantar e a fazer sua a metade dos valores em depósito a coberto da presunção, iuris tantum, derivada de a conta se mostrar aberta em regime de solidariedade e de serem dois os primitivos titulares (32).
Acontece que, no caso em apreço, ao ser interpelado pelos herdeiros do 1º titular falecido para cumprir a obrigação de restituição a que estava contratualmente vinculado e ao decidir entregar-lhes a totalidade dos valores depositados, e não apenasmetade, o Banco afastou a presunção de igualdade de quota na conta comum do art. 516º do CC. Porém, não cabia à entidade bancária decidir quanto à ilisão da referida presunção, pois não podia aquela deixar de aplicar tal presunção quando interpelada para cumprir a obrigação de restituição a que estava contratualmente obrigado e a cujo cumprimento não tinha fundamento legal para se eximir.
Na verdade, nas relações internas, desconhecendo-se o acordo ou a relação jurídica de que resultou a sua abertura (pois não se mostra que tenha sido estipulada qual a quota parte que a cada titular compita), havia que presumir, nos termos do regime definido pelos arts. 512º e 516º do CC, que ambos os titulares da conta participavam no crédito em partes iguais e, nesse contexto, presumindo-se que participavam ambos, em partes iguais, no referido crédito, o procedimento do Banco recorrido, ao atribuir os fundos em exclusivo aos herdeiros do 1º titular, em vez de os repartir por aqueles e pelo 2º titular (ora recorrente), acabou por ilidir a referida presunção de contitularidade.
A sua decisão de restituição da totalidade dos valores depositados traduziu-se, na prática, numa forma de dirimir o litígio entre os herdeiros do 1º titular e o 2º titular da conta, substituindo-se a uma decisão judicial na definição da propriedade do dinheiro depositado, o que lhe estava vedado.
Atento o dissídio sobre a titularidade dos fundos em depósito, não cabia ao Banco recorrido resolver esse conflito, nem sequer antecipar a solução do mesmo, tomando partido por qualquer dos interessados.
O Banco deveria ter, pois, estendido os efeitos da solidariedade ao regime da propriedade dos valores em débito, não obstante esta propriedade respeitar às relações internas entre os titulares, sendo alheia à relação contratual bancária.
Consequentemente, ao invés de proceder ao pagamento da totalidade dos valores em depósito, deveria apenas ter pago aos herdeiros do titular falecido a metade do saldo da conta.
Quer isto dizer que o procedimento adotado pelo Banco recorrido ao proceder ao pagamento, na íntegra, das disponibilidades monetárias aos herdeiros do contitular falecido, e não apenas do valor correspondente à quota-partedaquele contitular, incumpriu o contrato a que estava obrigado. Tal comportamento, além de ilícito e culposo, causou danos ao autor marido, já que este se viu desapossado de metade do valor dos fundos depositados (arts. 562º, 563º, 564º, n.º 1, 762º, 798º, 799º, n.º 1, todos do CC).
Discorda-se, assim, da solução sustentada na decisão recorrida, posto que, em face do incumprimento contratual, se impõe a condenação do Banco Recorrido no pagamento ao autor marido de metade dos valores restituídos aos herdeiros do falecido M. M., no valor de 21.079,89€ (33) (e não na totalidade, como propugnado pelos Autores/recorrentes).
Ao referido montante acrescem juros, à taxa legal, contados desde a citação, e não da propositura da acção (art. 805º, n.º 1, do CC), até efetivo e integral pagamento.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como a apelação foi julgada parcialmente procedente, ambas as partes ficaram parcialmente vencidas no recurso, pelo que devem as mesmas ser responsabilizadas pelo pagamento das custas do recurso (bem como das da ação) na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o recorrente A. C. (fls. 6).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):
I - Nas contas coletivas solidárias qualquer um dos credores – depositantes ou titulares da conta – tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, ou seja, o reembolso de toda a quantia depositada (acrescida dos respetivos juros, se os houver), ficando o banco liberado para com todos, contanto que restitua a totalidade dos montantes a um deles (art. 512º do Cód. Civil).
II - A titularidade da conta não predetermina a propriedade dos fundos nela contidos, que pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou mesmo até porventura a um terceiro.
III - No caso de uma ordem de restituição dos valores depositados sobre uma conta solidária transmitida, não pelo primitivo co-titular, entretanto falecido, mas pelos herdeiros deste, releva a interpretação do disposto no regime definido pelos arts. 512º e 516º do Código Civil, a qual impõe ao Banco o cumprimento da obrigação de restituição de acordo com o critério supletivo que se inscreve naquela norma: o da presunção, iuris tantum, de igualdade de comparticipações (ou de contitularidade em partes iguais).
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VI. DECISÃO
Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, revogando parcialmente a sentença recorrida, decidem condenar a ré, Banco ..., Sociedade Aberta, S.A., a restituir/repor na conta de D.O. nº .........................86, titulada pelo 1º autor, a quantia de € 21.079,89 (vinte e um mil e setenta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.
Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas da ação e da apelação a cargo dos Autores/apelantes e da Ré/apelada, na proporção do respetivo decaimento (art. 527º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o recorrente A. C..
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Guimarães, 13 de julho de 2021
Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)
1. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
2. Cfr. Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 407/409.
3. Cfr. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, p. 270.
4. Cfr. Acs. do STJ de 28/09/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 29/04/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Pinto Hespanhol); na doutrina, Tiago Caiado Milheiro, In Nulidades da Decisão Da Matéria de Facto, www.julgar.pt., e Antunes Varela, “Juízos de valor da lei substantiva, o apuramento dos factos na ação e o recurso de revista”, CJ, Ano XX, tomo IV, pp. 7 a 14.
5. Cfr. Ac. do STJ de 9/09/2014 (relatora Maria Clara Sottomayor) e de 1/10/2019 (relator Fernando Samões), in www.dgsi.pt.
6. Cfr., Ac. do STJ de 12/04/2018 (relatora Rosa Tching) e Ac. da RP de 1/02/2016 (relator Manuel Domingos Fernandes), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
7. Cfr. Ac. do STJ de 12/05/2016 (relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt., cuja fundamentação foi seguida de perto na apreciação e explanação da questão em apreço.
8. Por lapso, indicado como sendo de 15/12/2017.
9. Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Vol. I, Almedina, p. 221.
10. Cfr. Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2017, p. 483.
11. Cfr. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, Almedina, p. 73.
12. Cfr. José Engrácia Antunes, obra citada, p. 486 e António Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 4ª ed., Almedina, 2010, p. 510.
13. Cfr. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, Almedina, p. 87/88.
14. Cfr. José Engrácia Antunes, obra citada, pp. 495/496.
15. Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, obra citada, p. 222.
16. Cfr. José Engrácia Antunes, obra citada, p. 492.
17. A conta conjunta só pode ser movimentada a débito por todos ou com a autorização de todos os seus titulares [designada “conta e”].
18. Por exemplo, sendo solidária quanto a alguns dos titulares e conjunta quanto a outros.
19. Cfr. Paula Ponces Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário, Almedina, 1998, p.131 e J.P. Remédio Marques, A Penhora e a Reforma do Processo Civil (Em especial a penhora de depósitos bancários e do estabelecimento), Lex, 2000, p. 86, nota 153.
20. Na medida em que qualquer um dos contitulares pode esgotar o saldo, mas o Banco não pode tomar a iniciativa de escolher unilateralmente o contitular a quem o entregar, para se desonerar da sua obrigação.
21. Cfr., Depósito Bancário e Compensação, CJ STJ, Ano X, T1, 2002, pp. 5 a 10.
22. Cfr., Ac. do STJ de 15/12/2017 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt.
23. Como refere Rita Lobo Xavier a “designação «solidária» exprime exclusivamente a disponibilidade dos valores depositados na conta, independentemente de quem seja de facto e juridicamente o proprietário dos dinheiros depositados” - cfr. Dir. Estudos Sociais, Ano XXXVII (1995), n.º 137, p. 243.
24. Como refere João António Lopes Cardoso, ninguém ignora que é frequente depositarem-se montantes em nome de várias pessoas, sendo embora pertença exclusiva de uma só, isto para facilidade de movimentação; também ninguém esquece que, outras vezes, se depositam quantias pertencentes a pessoas diversas, quer para obtenção daquele objetivo, quer para possibilitar a utilização deles a pessoa em quem se confia ou a quem se está ligado por fortes laços de parentesco ou amizade (cfr. Partilhas Judiciais, Vol. I, 1990, Almedina, p. 439).
25. Cfr. Acs. do STJ de 4/06/2013 (relator Alves Velho), de 15-03-2012 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 31/03/2011 (relator Serra Baptista) e de 26/10/2010 (relator Moreira Alves), in www.dgsi.pt; Paula Ponces Camanho, obra citada, p.134/136 (nota 395) e L. Miguel Pestana de Vasconcelos, obra citada, p. 95.
26. Citado no Ac. do STJ de 22/02/1981, BMJ, n.º 304, pp. 444/452.
27. Cfr., neste sentido, Ac. da RE 23/02/2017 (relator Mário Serrano) in www.dgsi.pt.
28. Cfr., neste sentido, Ac. da RE 23/02/2017 (relator Mário Serrano) e Ac. do STJ de 15/12/2017 (relator António Piçarra), disponíveis in www.dgsi.pt., sendo que o acórdão do STJ confirmou aqueloutro acórdão da RE, negando a revista.
29. A mesma presunção de contitularidade em partes iguais do dinheiro depositado, embora se não encontre genericamente afirmada na lei para os casos de depósitos bancários com pluralidade de titulares, aparece expressamente consagrada no n.º 5 do art. 780º do CPC a propósito da “penhora de depósitos bancários”: “Sendo vários os titulares do depósito, o bloqueio incide sobre a quota-parte do executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais” [cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 15-03-2012 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt.].
30. Nos termos do art. 1.º, n.º 7.º do Código do Imposto do Selo, “[o]s valores e dinheiro depositados em contas conjuntas, guardados em cofres de aluguer ou confiados a qualquer pessoa ou entidade, consideram-se pertencentes em partes iguais aos respectivos titulares, salvo prova em contrário, tanto da Fazenda Nacional como dos interessados”.
31. Segundo as Condições Gerais dos Depósitos à Ordem (Pessoas Singulares) junto do Banco Comercial, mais concretamente das “Condições Gerais de Contas de Registo e Depósito de Instrumentos”, a cl.ª 8ª, com a epígrafe “Morte de contitular” estipula: “Falecendo algum dos contitulares, procede-se ao bloqueio correspondente à sua quota-parte em cada categoria de instrumentos financeiros, com arredondamento por excesso”.
32. Diga-se em jeito de parêntesis que o Departamento das entidades externas do Banco R. que avaliou o processo de habilitação de herdeiros do falecido titular deliberou que aqueles, enquanto sucessores do primitivo co-titular, apenas teriam direito a receber metade dos valores depositados (o que corresponde à norma do Departamento quando a conta solidária tem dois titulares), sendo que o pagamento na totalidade ficou a dever-se a um lapso da funcionária do balcão, M. R., aquando da elaboração da ordem de pagamento, conforme por esta expressamente reconhecido em sede de audiência de julgamento. E o próprio Banco réu, em sede de contestação, deixou em aberto a hipótese de, no limite, se poder entender que os herdeiros do M. M. apenas poderiam ser autorizados a levantar e a fazer sua a metade dos valores em depósito a coberto da presunção derivada de a conta se mostrar aberta em regime de solidariedade (art. 22º a 24º da contestação).
33. € 42.159,78 : 2 = 21.079,89.