RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
ESBULHO
VIOLÊNCIA
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
CASO JULGADO
Sumário


I- A procedência da providência cautelar de restituição provisória da posse depende da verificação de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
II- A posse é um poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – art. 1251º do CC.
III- O esbulho consiste na perda de retenção ou fruição, ou a sua possibilidade de o fazer, da coisa ou direito.
IV- Por outro lado, ocorre a violência quando se use de coação física ou moral, nos termos do art. 255º do CC, se forem praticados atos que constranjam a vontade do possuidor, obrigando este a submeter-se ao desapossamento.
V- É matéria controvertida, tanto na doutrina como na jurisprudência, a questão de saber se, na caracterização da violência, esta tanto pode ser exercida sobre pessoas, como sobre as coisas, ou se o conceito deve ser limitado à coação exercida sobre o possuidor.
VI- Ora, de acordo com o n.º 2 do citado art. 255º, a ameaça integradora da coação moral tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do esbulhado ou de terceiro.
VII- Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder.
VIII- Não podemos confundir a questão da força ou autoridade do caso julgado com a exceção dilatória do caso julgado. Efetivamente, a autoridade do caso julgado, embora pressupondo a existência de uma decisão transitada em julgado, não se confunde com a exceção do caso julgado. Esta destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e pedido. Aquela – a autoridade de caso julgado – importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art. 498º do CPC.
IX- Os procedimentos cautelares constituem instrumentos processuais destinados a prevenir a violação grave ou de difícil reparação de direitos, derivada da demora natural de uma decisão judicial.

Texto Integral


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

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1 RELATÓRIO

Nos presentes autos de procedimento cautelar de restituição provisória da posse (1) em que figura como requerente Fábrica da Igreja Paroquial de X, com sede na Rua …, nº …, freguesia de X, concelho de Barcelos, e requeridos M. A., residente no Lugar de ..., freguesia de X, concelho de Barcelos, J. O., residente no Lugar de ..., freguesia de X, concelho de Barcelos, e J. A., residente no lugar de ..., freguesia de X, concelho de Barcelos, decidiu-se por sentença de 16-12-2020, pela sua procedência parcial, ordenando-se a restituição provisória da posse à Requerente do prédio descrito em 1) e 3) dos factos provados e foram os Requeridos condenados a remover a vedação descrita em 16) dos factos provados e a absterem-se de praticar quaisquer actos que ponham em causa a posse da Requerente sobre o referido prédio.
O auto de restituição provisória da posse consta de fls. 81 dos autos.
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Notificados da decisão, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 366º n.º 6 e 372º do Código de Processo Civil, vieram os Requeridos deduzir oposição, nos termos constantes de fls. 87 a 94, onde, em síntese, alegam que a cedência do prédio que efectuaram à Requerente foi meramente precária, pelo que a posse por aquela exercida sobre o prédio é ilegítima, ademais porque a Requerente tomou posse do prédio na pendência da acção que correu termos entre as partes e onde aquela pretendia ver reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio, o que não conseguiu.
Sustentaram, ainda, que devem dar-se como não provados os factos dados por provados em 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12) e 13) cuja fundamentação assentou na autoridade do caso julgado, pois o caso julgado apenas abrange o segmento decisório.
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A Requerente pronunciou-se quanto ao teor da documentação junta pelos Requeridos e pugnou pela condenação destes como litigantes de má fé.
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Procedeu-se à realização da audiência final, nos termos e ao abrigo do disposto no 367º/1 do CPC, como da respectiva acta melhor consta.
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No final, foi proferida a seguinte decisão:
“Destarte e por todo o exposto, julga-se improcedente a oposição deduzida pelos Requeridos M. A., J. O. e J. A. e, consequentemente, mantém-se a restituição provisória da posse ordenada nos autos.
Custas a cargo dos Requeridos – artigo 539º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Notifique e registe.”
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Inconformados com essa decisão, apresentaram os Requeridos recurso de apelação contra ambas as decisões, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

– 1ª questão: - quer o pedido principal, quer o subsidiário desta providência, ambos se reduzem ao mesmo objeto – “impedimento do direito de servidão de passagem”. Porém, compulsando a causa de pedir não se identifica qual o prédio dominante e serviente da servidão de passagem, nem a localização e extensão do caminho de servidão – verificando-se uma contradição entre o pedido e a causa de pedir.
– 2ª questão: - “esbulhar” uma coisa é privar, retirar alguém do seu uso – o que já contém em si violência sobre uma coisa.
Por isso, a violência a que se refere o artº 1279, conjugado com o artº 1261º,2 e o artº 255 todos do CC, exige uma carga maior – o “esbulho violento”. Este pressupõe sempre uma coação sobre pessoas por via direta ou indireta.
– Para que a coação indireta se verifique é necessário que a violência sobre as coisas seja de tal maneira forte que constitua ela própria uma ameaça que amedronta o possuidor a não reagir, a deixar-se desapossar da coisa.
– Provando-se apenas que … “na terceira semana de Novembro/2020, os Requeridos entraram no prédio e colocaram uma vedação composta de estacas e arame em toda a extensão da confrontação com caminho vicinal, situado a norte, ficando a Reqte impedida de aceder ao mesmo para proceder à sua manutenção e limpeza” (facto 16 e 17 da 1ª decisão), concluímos que:
a) – o meio de vedação é frágil; um simples alicate abriria uma entrada num minuto … - cfr. doc. 9 da PI.
b) – confrontando o terreno com o adro da igreja da Reqte - cfr. doc. 4 da PI cautelar - torna-se desnecessário o acesso pelo caminho de servidão.
c) – a colocação de 3 ou 4 fiadas de arame amarradas a estacas após a decisão do ac. RG de 15.10.2020 com o esclarecimento de que os Requeridos foram absolvidos de todos os pedidos (incluindo do pedido de entrega e inutilidade superveniente da lide) tal atuação só pode significar que os Requeridos, anteriores possuidores do prédio, procederam ao exercício do seu direito de retomarem a posse do prédio conforme o faziam antes da instauração da ação nº 1942/18 (e não que pretenderam amedrontar alguém …).
d) – contrariamente aos Requeridos, a Reqte não usufrui do prédio, já que apenas precisa de lá entrar para “manutenção e limpeza”.
e) – tratando-se de um prédio rústico, cultivando-o os Requeridos com ervas aromáticas, fica assegurada a manutenção e limpeza do prédio.
– Sobre a tese aqui defendida vide:
- Manuel Rodrigues, in “a Posse”, 1981, pág. 366;
- Orlando de Carvalho, in “Dtº das Coisas”, pág. 283/284;
- Miguel Teixeira de Sousa, in anot. ao ac. da Rel. Guimarães de 6.12.2018, procº nº 2817/18.0T8VCT in blogippc.blogspot.com.
- Ac. RG de 19.3.2020, dgsi, procº 281/19.6T8PRG (um cadeado).
- ac. STJ de 19.5.2020, in CJ/STJ II, pág. 68, que procura definir a Jurispª sobre a matéria - negando a providª de r.p.p. num caso igual ao dos autos – “foi colocada uma rede para impedir a utilização de um caminho” …
- outros Ac.s recusam a providência em casos como a colocação de um pedregulho à entrada de um caminho, etc.
- vide, ainda “o conceito de violência” e a evolução da Jurispª, Carlos Gabriel Silva Loureiro, in “O Direito em Dia”, publicado na Net em 10.11.2020.
– 3ª questão: - Deve também indeferir-se o pedido subsidiário (artº 362 e 379, CPC), uma vez que para além do “fumus boni juris”, a lei exige a “grave lesão e dificilmente reparável” – que inexiste e nem sequer foi alegada pela Reqte – cfr. parte final do facto 17 da 1ª decisão.
– 4ª questão: - Deve dar-se como “Provada” a matéria alegada no item 1º, 2º, 3º e 4º da Oposição, conjugada com a decisão do ac. RG de fls 41, ss. e com o Facto 15 da 2ª decisão – “desde 4.12.2019, a Reqte está na posse do prédio”.
Para tanto, os Requeridos apresentam como meio de prova o doc. 1, junto à n/Oposição, não impugnado pela Reqte e o aludido ac. de fls 41, ss.
– 5ª questão: - Deve dar-se por adquirido no presente recurso que na decisão de improcedência do Pedido de entrega formulado pela aqui Reqte na ação nº 1942/18, o douto ac. RG de 15.10.2020 (fls 41, ss) teve em consideração a “confirmação da sentença recorrida na parte em que a autora não logrou provar a aquisição derivada da propriedade referente à parcela de terreno em causa, nem a aquisição originária, nem ainda pode beneficiar da presunção inerente à posse prevista no artº 1268-1, CC” – cfr. fls 61v.
– 6ª questão: - Deve dar-se como adquirido no presente recurso que na decisão de improcedência do pedido de entrega formulado pela A. aqui Reqte no procº 1942/18, o aqui douto ac. RG de 15.10.2020 teve consideração que a Reqte ocupou o prédio em 4.12.2019, tendo esclarecido em despacho posterior que a decisão do acórdão contemplou também essa questão, ao revogar o pedido de inutilidade superveniente da lide, mais esclarecendo que a Reqte não tinha o direito de pedir a entrega do prédio aos RR, aqui Requeridos – cfr. doc. 3 da Oposição, não impugnado pela Reqte.
10ª – 7ª questão: - considerando-se as conclusões anteriores e o douto ac. RG de 15.10.2020, estão definitivamente julgadas as seguintes questões:
1ª – a escritura de justificação e doação de 30.9.04 não transmitiu a propriedade do imóvel para a A. e, por essa questão, a A/Reqte não podia, nem pode aqui, pedir a entrega do mesmo imóvel;
2ª – a A/Reqte não tem a posse do imóvel, por si e antepossuidores (alegação que fez tb na ação 1942/18) e por esta questão não podia, nem pode aqui, pedir a entrega aos Requeridos do imóvel;
3ª – a “posse” por via da ocupação que a Reqte fez do imóvel em 4.12.2019 e consequente pedido de inutilidade superveniente da lide foi considerado naquele douto ac. RG, tendo sido revogado o pedido de inutilidade superveniente da lide, pelo que também com base nessa questão declarou ilegítima a ocupação que fez do imóvel em 4.12.2019 – cfr. esclarecimento do doc. 3 junto à Oposição Cautelar, pelo que não pode a Reqte submeter novamente tais questões (propriedade e posse do prédio e ocupação de 4.12.2019) como fundamento deste novo pedido, e agora sob a capa da restituição do prédio, por ofensa de caso julgado.
11ª – 8ª questão: - com o devido respeito, face à decisão das questões submetidas à apreciação daquele douto ac. RG, que julgou a improcedência dos pedidos, vg, de entrega, não vemos como é possível qualificar como “esbulho violento” o ato dos RR de, após a decisão do douto acórdão, procederem ao normal exercício do seu direito, recuperando a posse do prédio de que vinham usufruindo desde há dezenas de anos – cfr. factos provados 1 a 8 e facto 10 e 11 da 2ª decisão recorrida.
12ª – 9ª questão: - Deve dar-se como “não provados” os factos 4) a 13), inclusive da 1ª decisão cautelar recorrida, conforme pedido final dos Requeridos na sua Oposição, uma vez que:
- “o caso julgado num 1º processo, transitado, não se estende aos factos aí dados como provados para efeito desses mesmos factos poderem ser invocados, isoladamente, da decisão a que serviram de base, num outro processo … os fundamentos de facto não adquirem quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de modo a poderem impor-se extra processualmente” – cfr. douto e recente ac. STJ de 17.5.2018, procº 3811/13.3T8PRD, dgsi no qual se expôs grande resenha doutrinal e jurisprudencial desta questão.
13ª – 10ª questão: - tendo o douto ac. RG de fls 41, ss integrado na decisão a ocupação que a Reqte fez do prédio em 4.12.2019, negando à aqui Reqte o direito de ter pedido a entrega e de ocupar o prédio, revogando o pedido da Reqte de inutilidade superveniente da lide, com base nesse facto, aquela decisão transitada, no fundo, considerou ilegítima a ocupação da Reqte desde aquela data, pelo que, não pode, ao arrepio dessa decisão vir astuciosamente colocar a mesma questão, ao abrigo do instituto da “restituição de posse”.
14ª – 11ª questão: - sem prejuízo da conclusão anterior, a investidura da posse define a natureza da mesma. Assim, se em 4.12.2019 se discutia em julgamento o direito da Reqte pedir a entrega do prédio, o ato de ocupação de 4.12.2019 só pode ter a natureza de “violência” nos termos do nº 2, parte final, do artº 1267, CC, não se iniciando a nova posse.
À não reação dos Requeridos, não pode atribuir-se qualquer efeito jurídico, na medida em que, face à ocupação abrupta que os muitos representantes da Reqte fizeram em 4.12.2019, os Requeridos decidiram aguardar pelo resultado da ação, evitando o confronto e mais conflitualidade.
15ª – No momento da instauração da providência cautelar e no momento da decisão, quer a Reqte, quer o douto Tribunal recorrido, sabiam que o Venerando Tribunal da Rel. Guimarães havia negado à Reqte o Dtº de Propriedade sobre o imóvel.
16ª – 12ª questão: - Ora, sendo esta providência um meio cautelar de defesa do direito de propriedade correspondente ao imóvel possuído e, sabendo a Reqte que um Tribunal lhe recusou ser titular do direito de propriedade, age de má fé e fraude à lei o “possuidor” que se socorre da r.p.p.
Com toda a clareza, a propósito diz Manuel Rodrigues, in “a Posse”, 1981, pág. 326 … “a ninguém é lícito defender um direito provisório, criado exclusivamente para a defesa de um direito definitivo quando se sabe que este não existe”. E mais … “encarrega a sua consciência, diziam os escritores antigos aquele que se defende com ações possessórias quando sabe que o direito que elas tutelam não existe” – ob. cit. pág. 326.
17ª – 13ª questão: - por outra via … exigindo a nossa lei para a Posse o “corpus” e o “animus sibi habendi” (artº 1251, CC), falta o “animus” à posse daquele que, pelo menos no momento da instauração da ação e da decisão cautelar, sabe que o Tribunal lhe negou a propriedade do imóvel, ou seja, não pode agir como proprietário, que não é!.
18ª – 14ª questão: - sem prescindir, considerando a 2ª decisão recorrida quando diz … “a partir de inícios de Dezembro/2019, a Requerente tomou posse da parcela, exercendo sobre a mesma atos de posse, posse essa que foi esbulhada em meados de Novembro/2020 por ação dos Requeridos”, não restam dúvidas que estamos perante uma posse inferior a um ano e um dia – “posse” essa que não permite o recurso à providência recorrida.
19ª – 15ª questão: - entendeu ainda a douta decisão recorrida que existiu uma “vacatio” na posse do prédio entre 1.8.2018 e 4.12.2019 – o que não pode admitir-se, face ao artº 1257-1, 2ª parte do CC e ao facto de, na opinião de P. Lima e A. Varela … “não é de admitir a perda de posse pelo simples abandono enquanto se não constituir uma posse de um ano e um dia, em benefício de outrem …” (C. Civil anotado – 3º vol., in anot. ao artº 1267).
20ª – 16ª questão: - deve aditar-se aos Factos Provados mais o seguinte: - “entre 1.8.2018 e 4.12.2019, os Requeridos mantiveram-se na posse do prédio, nele entrando e abrindo regos de escoamento das águas vindas da Igreja” – matéria alegada e provada através do doc. 21 da Oposição, conjugado com o depoimento das seguintes testemunhas:
a) - M. C.:
Ao m. 1:00, disse … “nasci na casa destes herdeiros” e ao m. 7:55 diz… “ser jornaleira neste campo e vai lá 3 vezes por semana”.
Ao m. 9:24 – adv: - “antes da ocupação (do terreno) pela Junta Fabriqueira (com postes e arames), quem é que estava na posse do terreno?
Testª:- “Eram os herdeiros… o M. A., o J. O. e o J. A.”.
Adv (ao m. 9:45): - “Mas, antes disso, não é verdade que ali durante um ano o terreno ficou sem ser cultivado?”
Test:- “ninguém cultivou, apenas fazia, fizeram lá uns regos, que era por causa de escoar as águas, mais nada”.
Adv: - “mas quem fez esses regos?”
Testª: “os herdeiros”.
Adv:- “mas as águas vinham de onde ?”
Testª:- “que vêm da Igreja, tem ali uns buracos, cai tudo para o lado deles e eles então…”.
b) - Depoimento de M. S., tio dos Requeridos e que ali vai com frequência.
Interrogado pelo ilustre advogado da Reqte:
Ao m. 23:45: - “desde 1 de Agosto a Dezembro de 2019 fabricaram o terreno?”
Test:- “não fabricaram”.
Adv:- “mas o Sr. disse há bocado que fizeram regos de drenagem da água recentemente ?”
Test:- “quando tinha a plantação de ervas aromáticas, faziam regos e depois no pousio também faziam.
Adv:- tem a certeza?”
Test:- “certeza absoluta”.
21ª – Deve retirar-se do Facto 15º da 1ª decisão recorrida a expressão “por si e antepossuidores”, face às decisões do douto ac. RG de 15.10.2020 (fls 41, ss e esclarecimento do doc. 3 da Oposição dos Requeridos), uma vez que a Reqte não beneficia do disposto no artº 1256, CC (junção de posses).
22ª – Face aos factos provados 1 a 8 e 10 e 11 da 2ª decisão e às conclusões anteriores, os Requeridos sempre beneficiariam de “melhor posse”.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vªs Exªs doutamente suprirão,
Deve revogar-se as doutas decisões recorridas, absolvendo os Requeridos do Pedido, por ser conforme ao Direito e à Justiça.

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Notificada do recurso apresentado pelos Rdºs, a Rte apresentou as suas contra-alegações, que se encontram finalizadas com a apresentação das seguintes conclusões:

a) - Não se verifica qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir.
b) - Atento o quadro factual dado como provado, deve entender-se que o esbulho da posse da Requerente por parte dos Requeridos foi violento.
c) - Vem prevalecendo na jurisprudência o entendimento de que a violência tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre as coisas.
d) - A destruição (ou a construção) duma coisa, ou a sua alteração, pode ser o meio de impedir a continuação da posse, coagindo, física ou moralmente, o possuidor a abster-se dos actos de exercício do direito correspondente.
e) - Tendo os Requeridos obstruído o acesso ao prédio, vedando-o e impedindo o possuidor de o usufruir, estamos perante uma coacção física sobre coisas, que coarcta a Requerente.
f) - Estão preenchidos todos os requisitos de que depende a restituição provisória da posse.
g) - Todavia, caso assim não se entendesse, o que não se concebe, sempre estariam verificados os requisitos necessários para o decretamento da restituição da posse, nos termos dos artigos 362º e 379º do Código de Processo Civil.
h) - Os Recorrentes fazem uma interpretação manifestamente abusiva do acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1942/18.2T8BCL.
i) - Os Recorrentes tentam colocar na pena dos Venerandos Desembargadores algo que os mesmos nunca escreveram.
j) - A escritura de justificação e doação constitui título válido de aquisição do prédio objecto dos autos por parte da Requerente.
k) - A posse invocada neste processo não colide com o decidido no âmbito do processo n.º 1942/18.2T8BCL.
l) - O despacho do Tribunal da Relação de Guimarães junto com a oposição como documento n.º 3, tendo apenas por objecto uma reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de partes, não produz qualquer caso julgado material e não permite a interpretação feita pelos Recorrentes nas suas alegações.
m) - Não resulta da decisão proferida no âmbito do processo n.º 1942/18.2T8BCL que tenha sido reconhecida aos Requeridos a posse do prédio objecto dos autos.
n) - Da factualidade provada no processo n.º 1942/18.2T8BCL, não se mostra verificado o elemento subjectivo da posse.
o) - De tal factual idade resulta que os aqui Requeridos não cultivavam o terreno na convicção de serem proprietários do mesmo, mas sim porque o seu antecessor havia determinado que o prédio deveria continuar a ser cultivado até a Requerente iniciar a construção do Salão Paroquial ou da residência do Pároco.
p) - Verifica-se assim um claro conhecimento por parte dos Requeridos do direito que a Requerente possuía sobre aquele prédio.
q) - Os pontos 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12) e 13) da decisão do Tribunal a quo de 16112/2020, correspondem integralmente ao vertido nos pontos 16), 19), 20), 22), 23), 24), 25), 29) e 31) dos factos provados da sentença proferida no âmbito do processo n.º 1942/18.2T8BCL, a qual transitou em julgado.
r) - A autoridade de caso julgado visa garantir a coerência e a dignidade das decisões judiciais.
s) - O respeito por uma decisão transitada em julgado implica a impossibilidade de a mesma poder ser objecto de uma decisão posterior que a contradiga.
t) - Todas as questões que devam considerar-se antecedentes lógicos e indispensáveis do julgado devem considerar-se abrangidas pela autoridade do caso julgado.
u) - O que está em causa na presente providência é unicamente a posse da Requerente, sendo que a mesma foi suficientemente demonstrada nos autos.
v) - O “animus” da posse encontra-se devidamente sustentado no facto de o prédio ter sido doado à Requerente e de lhe ter sido entregue voluntariamente, livre de bens e plantações pelos Requeridos, passando a ocupar o mesmo posteriormente e a praticar nele actos de posse.
w) - Todos os Requeridos, em sede de depoimento prestado em 12/11/2019 no âmbito do processo n.º 1942/18.2T8BCL, declararam que consideravam o prédio entregue à aqui Requerente.
x) - Não tendo havido qualquer posse por parte dos Requeridos, não se pode falar em perda da posse, nem em vacatio da posse no período compreendido entre 1 de Agosto de 2018 e 4 de Dezembro de 2019.
y) - A Requerente não concorda com a douta decisão do Tribunal a quo quanto à alteração do ponto 15 dos factos provados da sentença que decretou a providência cautelar, pois considera ter ficado suficientemente demonstrado que a sua posse sobre o prédio objecto dos autos se iniciou em 01/08/2018.
z) - De qualquer forma, e ainda que se considerasse que os Requeridos estavam na posse do prédio até à sua entrega à Requerente, o que não se concebe e não resulta da factualidade provada, nunca seria aplicável o regime da perda da posse, previsto no artigo 1267º do Código Civil.
aa) - A ter havido posse dos Requeridos, o que não aceita, a mesma foi voluntariamente cedida à Requerente, tomando-se assim irrelevante que a posse da Requerente seja inferior a um ano e um dia.
ab) - A posse da Requerente não foi adquirida com violência.
ac) - Se considerássemos os Requeridos possuidores, o que não se concebe, tendo estes entregado o prédio à Requerente, manifestando-o através de uma comunicação escrita, sempre se deveria entender que esta adquiriu a posse de forma legítima, de acordo com o disposto no artigo 1263º, alínea b) do Código Civil.
ad) - O ponto que os Recorrentes pretendem aditar inclui matéria de direito (“mantiveram-se na posse”), pelo que tal pretensão não poderia ser atendida
ae) - Os Recorrentes não dão cumprimento ao disposto no artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
af) - Os Recorrentes não indicam com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, limitando-se a transcrever frases soltas de duas testemunhas, de forma incompleta e sem qualquer contextualização.
ag) - Os Recorrentes não alegam por que razão consideram que os depoimentos invocados impunham uma decisão diversa da recorrida.
ah) - O Tribunal a quo desvalorizou os depoimentos em causa, pelo que os Recorrentes, para cumprimento do disposto no artigo 640º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, tinham de pôr em crise a convicção do Tribunal quanto aos referidos depoimentos, fundamentando por que razão os mesmos impunham decisão diversa, o que não fizeram.
ai) - Como muito bem considerou o Tribunal a quo, as afirmações das testemunhas em causa são manifestamente insuficientes para o Tribunal concluir que os Requeridos mantiveram a posse do terreno.
aj) - Todavia, e sem conceder, mesmo que se demonstrasse que os Requeridos abriram de facto regos do prédio objecto dos autos, o que não se concebe, tal seria de todo insuficiente para se concluir que os mesmos se mantiveram na posse do terreno, tendo em conta quer a irrelevância dos actos em causa quer a não demonstração do elemento subjectivo da posse.

NESTES TERMOS
E nos demais que Vossas Excelências doutamente suprirão será feita JUSTIÇA.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida a este Tribunal.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes Requeridos, estes pretendem:
- haver contradição entre o pedido e a causa de pedir (conclusão 1ª - 1ª questão das alegações);
- haver inexistência de violência no esbulho (conclusões 2ª a 5ª - 2ª questão das alegações);
- haver inexistência do requisito “perículum in mora” no pedido subsidiário (conclusão 6ª - 3ª questão das alegações);
- que quanto à matéria de facto, se deva dar como “Provada” a matéria alegada no item 1º, 2º, 3º e 4º da Oposição (conclusão 7ª - 4ª questão das alegações);
- que se dê como adquirido o desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela requerente contra os Requeridos (conclusões 8ª e 9ª - 5ª e 6ª questões das alegações);
- que se dê como definitivamente julgadas determinadas questões decididas na acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL (conclusão 10ª - 7ª questão das alegações);
- que se dê como definitivamente julgadas determinadas questões decididas na já referida acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL (conclusão 10ª - 7ª questão das alegações);
- que se afira da impossibilidade em qualificar como “esbulho violento” o acto dos requeridos atento o desfecho da dita acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL (conclusão 11ª - 8ª questão das alegações);
- que quanto à matéria de facto, se deva dar como “não provados” os factos 4) a 13), inclusive da 1ª decisão cautelar recorrida (conclusão 12ª - 9ª questão das alegações);
- que se afira da impossibilidade da requerente vir colocar idêntica questão, ao abrigo do instituto da “restituição de posse”, atento o desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os Requeridos, que considerou ilegítima a ocupação do prédio por aquela desde 4-12-2019, (conclusão 13ª - 10ª questão das alegações);
- que se avalie do efeito do desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os Requeridos relativamente à investidura da posse (conclusões 14ª e 15ª - 11ª questão das alegações);
- que se avalie do efeito do desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os Requeridos relativamente a esta providência (conclusão 16ª - 12ª questão das alegações);
- que se avalie da falta do elemento subjectivo da posse da Requerente, em face ao desfecho da já aludida acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL (conclusão 17ª - 13ª questão das alegações);
- que se afira do efeito do desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os Requeridos, em virtude de estarmos perante uma posse (da requerente) inferior a um ano e um dia – “posse” essa que não permite o recurso à providência recorrida (conclusão 18ª - 14ª questão das alegações);
- inexistir uma “vacatio” na posse do prédio entre 1.8.2018 e 4.12.2019 (conclusão 19ª - 15ª questão das alegações);
- que quanto à matéria de facto, se adite aos factos provados mais o seguinte: - “entre 1.8.2018 e 4.12.2019, os Requeridos mantiveram-se na posse do prédio, nele entrando e abrindo regos de escoamento das águas vindas da Igreja” (conclusão 20ª - 16ª questão das alegações);
- que em face do desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os Requeridos, se proceda a uma alteração à matéria de facto (conclusão 21ª);
- que se reaprecie a decisão de mérito da providência face aos factos provados 1 a 8 e 10 e 11 da 2ª decisão e às conclusões anteriores (conclusão 22ª).
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3 – OS FACTOS

1ª decisão (de 16-12-2020):

FACTOS PROVADOS:

Nos termos do disposto nos artigos 294º, nº1 e 365º, nº1, do Código de Processo Civil, consideram-se indiciariamente provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
1 – O prédio rústico denominado de «...», destinado a cultura arvense de regadio, com a área de 1020m2, que confronta de norte com caminho vicinal, de sul e nascente com M. M. e de poente com Igreja, inscrito na matriz sob o artigo ..., está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../2005-01-21 da freguesia de X e está inscrito a favor da Requerente pela apresentação n.º 09/2005-01-21 por «aquisição …por doação de A. O. cc Maria na com. de adquiridos, ... X, Barcelos. CLÁUSULA: Condicionada à sua não transmissão e à construção no mesmo do Salão Paroquial e/ou Residência Paroquial.»
2 – No dia 30 de Setembro de 2004, foi outorgada escritura pública de «Justificação e Doação» na qual intervieram A. O. e mulher Maria, na qualidade de primeiros outorgantes, J. G., D. M., J. O., na qualidade de segundos outorgantes e o Padre A. C., em representação e com Presidente da Fábrica da Igreja Paroquial de X, foi declarado que:
Declarou o primeiro outorgante:
Que é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, do prédio rústico, composto de terreno de cultura arvense de regadio, sito no Lugar de ..., freguesia de X, concelho de Barcelos, com a área de 1020 m2, a confrontar a norte com caminho vicinal, sul e nascente com Maria e poente Igreja, não descrito na Conservatória do Registo Predial de …, inscrito na matriz sob o nome do justificante sob o artigo … …
Tal imóvel veio à sua posse por lhe ter sido doado verbalmente por seu pai, já falecido, M. L., viúvo de M. O., residentes que foram ambos no Lugar de ..., … doação essa que teve lugar em 1971, em dia e mês que não pode precisar;
Não obstante não ter título formal de aquisição do referido prédio, foi ele que sempre o possuiu desde aquela data até hoje, logo há mais de 20 e mesmo 30 anos, em nome próprio, gozou todas as utilidades por ele proporcionada, pagou os respectivos impostos, fez obras de conservação, plantou-o e colheu os frutos, com o animo de quem exerce direito próprio, sendo reconhecido como seu dono por toda a ene, fazendo-o de boa fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, continua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém;
Tais factos integram a figura jurídica da usucapião, que invoca, como causa e aquisição do referido prédio, por não poder comprovar a sua aquisição pelos meios extrajudiciais normais.
Disseram os segundos outorgantes que, por serem inteiramente verdadeiras, confirmam as declarações que antecedem.
(…)
Disse mais o primeiro outorgante:
Que doa o imóvel, à Fábrica da Igreja Paroquial de X, representada pelo terceiro outorgante, com a condição de que a donatária não o alienar, seja onerosamente, seja gratuitamente; e ainda com a condição de o imóvel ser destinado a nele ser edificado, obtidas as necessárias licenças, o Salão Paroquial e ou a Residência do respectivo Pároco.
Atribui à doação o valor de €500,00.
Pelo terceiro outorgante foi dito que aceita para a Fábrica da Igreja Paroquial de X, sua representada, a presente doação, nos temos exarados.
Declarou a primeira: Que confirma as declarações prestados por seu marido, nomeadamente, quanto à natureza do prédio doado, de bem próprio dele; e que dá autorização a seu marido para a doação por ele acabada de efectuar. (…)»
3 – O prédio rústico situado na Travessa ..., destinado a cultura arvense de regadio, com a área de 1020m2, que confronta de norte, sul e poente com herdeiros de A. O. e de nascente com Travessa ..., está inscrito na matriz predial rústica de Barcelos sob o art. … (proveniente do artigo …) da União de Freguesias de X, ... a favor da Autora Fábrica da Igreja Paroquial de X.
4 – O prédio doado por A. O. pela escritura de justificação e doação referida em 2) é o que está representado a fls. 15 dos autos com tracejado.
5 – Os Requeridos são filhos de uma sobrinha de A. O. e esposa M. M..
6 – Os Requeridos, sem autorização e consentimento da Requerente, ocuparam o prédio supra identificado, nomeadamente efectuando e cultivando uma plantação de ervas aromáticas, e fizeram-no até 1 de Agosto de 2018.
7 – Isso deveu-se ao facto de o tio-avô dos réus, A. O., dizer sempre que enquanto não se iniciassem as obras de construção do Salão Paroquial e/ou Residência do Pároco, o prédio doado deveria continuar a ser cultivado para não ficar a monte.
8 – O Requerido M. A., em data não concretamente apurada do ano de 2015, no âmbito da revisão do PDM de Barcelos, solicitou à Câmara de Barcelos que o terreno localizado atrás da igreja de X fosse incluído em zona de construção (espaço urbano) para viabilizar a edificação que a Fábrica da Igreja ali pretende levar a efeito e que se destina a fins sociais.
9 – A Requerente, pelo menos em final de Março de 2018, através do Dr. A. R., interpelou os réus, por carta, no sentido de restituir o prédio.
10 – De seguida, a Requerente instaurou acção contra os Requeridos, que correu termos no Juízo Local Cível de Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL, na qual peticionou o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio em causa bem como a sua restituição por parte dos Requeridos.
11 – Após a instauração dessa acção e citação dos Réus, estes comunicaram à Requerente terem limpo as ervas aromáticas do prédio e consideraram o mesmo entregue à Requerente.
12 – Os Requeridos foram citados na mencionada acção em 1 de Agosto de 2018.
13 – A ocupação do prédio ocorreu, pelo menos, até 1 de Agosto de 2018, sendo que em tal data, os Requeridos entregaram à Requerente o prédio doado livre de bens e plantações.
14 – Por essa razão, o pedido de restituição do imóvel foi julgado extinto por inutilidade superveniente da lide.
15 – A Requerente, por si e antepossuidores, desde pelo menos 1 de Agosto de 2018 que está na posse do prédio descrito em 1) e 3), zelando pelo mesmo, procedendo à sua limpeza e conservação, entrando nele sempre que entende, cortando a erva, vedando-o com vigas e arames, topografando-o, ocupando-o com veículo, nele depositando pedras, gravilha e materiais inertes, de forma contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, agindo como sua dona, na convicção de não lesar direitos alheios.
16 – Em data não concretamente apurada, mas que se situa na terceira semana do passado mês de Novembro, os Requeridos entraram no referido prédio e colocaram uma vedação, composta por estacas e arame em toda a extensão da confrontação com o caminho vicinal situado a norte.
17 – Tal vedação impede a entrada no mencionado prédio, estando a Requerente impedida de aceder ao mesmo para proceder à sua manutenção e limpeza.
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FACTOS NÃO PROVADOS:

Com interesse para resolução da causa não se provou que:
a) A Requerente paga as contribuições e lavra o prédio descrito em 1) e 3).
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

No que concerne à factualidade dada por assente sob os pontos 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12) e 13) a mesma foi dada por provada na sentença proferida na acção que correu termos pelo Juízo Local Cível de Barcelos - J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL e confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, cujas cópias se encontram juntas a fls. 21 a 63 dos autos, decisão essa já transitada em julgado. Pelo que, ao abrigo da excepção da autoridade do caso julgado, deve ser aqui dada por provada.
Diga-se, ainda, que a documentação junta a fls. 10, 11, 12 a 18 e 19 comprova a factualidade constante dos pontos 1), 2) e 3).
Já o teor da sentença proferida na acção que correu termos pelo Juízo Local Cível de Barcelos - J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL, atesta o facto vertido no ponto 14.
O decidido quanto à demais matéria de facto resultou da análise crítica da prova testemunhal produzida, manifestamente sincera, isenta e evidenciando conhecimento directo dos factos sobre os quais incidiu, e com recurso ao juízo próprio que preside aos procedimentos cautelares.
Declarou a testemunha A. F. que em Novembro de 2019 foi contratado pelos representantes da Autora para proceder à vedação do terreno em questão nos autos, que fica por detrás da Igreja, trabalho esse que realizou – limpou o terreno e vedou-o com esteios de cimento e arame, tendo deixado uma abertura para acesso ao mesmo do lado do caminho.
Referiu, ainda, que há cerca de três ou quatro semanas, também a mando dos representantes da Autora, estendeu gravilha no terreno em questão.
Explicou que realizou tais trabalhos de dia, à vista de toda a gente e sem que ninguém suscitasse qualquer problema.
Mencionou, por fim, que presentemente o terreno em causa está totalmente vedado, o que impede o acesso ao mesmo por parte da Autora.
Já a testemunha J. D. referiu, com foros de rectidão e seriedade, que a mando dos representantes da Autora, capeou erva no mencionado terreno, que fica por detrás da Igreja de X, três vezes – no início do presente ano, no meio do ano e no início do mês de Novembro. Realizou tais trabalhos de dia, à vista de todos e sem qualquer oposição.
Afirmou, ainda, que há cerca de três semanas viu os Requeridos a tirarem a vedação que a Autora havia colocado no terreno e a colocarem outra, mas toda a volta. Com esta vedação, os Requeridos fecharam o acesso para o terreno, que era feito pelo caminho sito junto à Igreja, impedindo a Autora de aceder ao terreno e de o usar.
A testemunha A. S., que é secretária administrativa do Srº Padre A., um dos representantes da aqui Autora, há cerca de 17 anos, confirmou a utilização que é dada pela Autora ao terreno em questão nos autos desde que o mesmo lhe foi entregue pelos Requeridos, os trabalhos de limpeza e manutenção que a Autora tem ordenado e o estado actual do mesmo – encontra-se totalmente vedado, o que impede o acesso da Autora ao mesmo.
No que respeita ao facto dado por não provado, o Tribunal assim o considerou por ausência de prova nesse sentido.
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2ª decisão (de 23-03-2021):
Da discussão da causa, e com relevo para a mesma, no que respeita à matéria da oposição deduzida pela requerida, provaram-se os seguintes factos:
1 - Na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... estava inscrito o prédio «Campo da ..., de lavradio e mato, no Lugar de ..., freguesia de X, a confrontar do norte com J. O., do sul com caminho, do nascente com António e do poente com S. M.».
2 - Pela apresentação n.º 9 de 06.06.1976, ao prédio descrito em 1) foi averbado que «o prédio supra n.º ... é misto e compõe-se de duas casas, sendo uma de dois pavimentos e outra de um pavimento ambos com a área coberta de 153 m2, coberto com 207m2, casa da adega com 58 m2, 3 dependências com 222,5m2, na qual está incluída a casa do alambique, e terrenos de lavradio, situado no Lugar de ..., freguesia de X, concelho de Barcelos, a confrontar do norte e poente com estrada municipal e caminho público, do sul com caminho público, do nascente com ribeiro e L. L. …inscrito na matriz sob os artigos 30 e … urbanos e …, …, …, …, …, … e … rústicos. A este prédio foi anexado o descrito sob o n.º … fls. 104 do …».
3 - No dia 06.07.1976, relativamente ao prédio identificado em 1) foi inscrito que:
Pela apresentação 9, com n.º de inscrição 44513, a aquisição por sucessão hereditária a favor de Manuel, casado com M. O., no regime da comunhão de bens, residente no lugar de ... freguesia de X, concelho de Barcelos, sendo sujeito passivo J. L. e mulher M. J., casados que foram no regime da comunhão de bens e que residiam no mesmo lugar e freguesia.
Pela apresentação 10, com n.º de inscrição 44514, a aquisição de ½ por partilha extrajudicial a favor de Manuel, viúvo, residente no lugar de ... freguesia de X, concelho de Barcelos e sendo sujeito passivo M. O..
Pela apresentação 11, com n.º de inscrição 44515, a aquisição de ½ por doação e ½ por partilha extrajudicial a favor de A. O., casado com Maria, no regime da comunhão de adquiridos, residente no lugar de ... freguesia de X, concelho de Barcelos e sendo sujeitos passivos Manuel e M. J..
4 - Pela apresentação n.º .../20100730 foi averbado ao prédio descrito em 1) «Misto – a) casa de 2 pisos – s.c.257,50 m2 – art. 169; b) casa de 2 pisos – s.c. 418 m2 – art. 30; c) Campo da ... e Moinhos com cultura, ramada, 4 oliveiras e 50 fruteiras – 25.000 m2 – art. 575 rústico; norte estrada municipal, sul A. L. e ribeiro; nascente J. C.; poente L. L..»
5 - O prédio misto situado em ..., com a área total de 25675,5m2, sendo 675,5m2 de área coberta e 25.000m2 de área descoberta, inscrito na matriz sob os artigos .. e .. urbanos e … rústico, e que é composto por a) casa de 2 pisos – s.c.257,50 m2 – art. 169; b) casa de 2 pisos – s.c. 418 m2 – art. 30; c) Campo da ... e moinhos com cultura, ramada, 4 oliveiras e 50 fruteiras – 25.000 m2 – art. 575 rústico; norte estrada municipal, sul A. L. e ribeiro; nascente J. C.; poente L. L., está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../20100730, da freguesia de X e está inscrito a favor de M. A., J. O. e J. A., pela apresentação n.º ... de 2010/07/30, por aquisição por legado, sendo sujeito passivo A. O..
6 - O prédio rústico denominado Campo da ... e moinhos, situado em ..., com a área total de 25.000m2 de área descoberta, inscrito na matriz sob o artigo ..., e que é composto por cultura, ramada, 4 oliveiras e 50 fruteiras; norte estrada municipal, sul A. L. e ribeiro; nascente J. C.; poente L. L. e ribeiro, está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/20170206, da freguesia de X e está inscrito a favor de M. A., J. O. e J. A., pela apresentação n.º ... de 2010/07/30, por aquisição por legado, sendo sujeito passivo A. O. e corresponde a uma reprodução da descrição n.º .../20100730.
7 - O prédio rústico situado em ..., descrito como Campo da ... e moinhos com cultura, ramada, 4 oliveiras e 50 fruteiras, que confronta norte estrada municipal, sul A. L. e ribeiro; nascente J. C.; poente L. L. e ribeiro, está inscrito na matriz predial rústica de Barcelos sob o art. ... (proveniente do artigo …) da União de Freguesias de X, ... a favor dos réus M. A., J. O. e J. A..
8 - O prédio rústico situado em ..., descrito como Campo da ... e moinhos com cultura, ramada, 4 oliveiras e 50 fruteiras, que confronta norte estrada municipal, sul A. L. e ribeiro; nascente J. C.; poente L. L. e ribeiro, estava inscrito na matriz predial rústica de Barcelos sob o art. … (proveniente do artigo …) da União de Freguesias de X, ... a favor dos réus M. A., J. O. e J. A..
9 - O prédio rústico denominado de «...», destinado a cultura arvense de regadio, com a área de 1020m2, que confronta de norte com caminho vicinal, de sul e nascente com M. M. e de poente com Igreja, inscrito na matriz sob o artigo ..., está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../2005-01-21 da freguesia de X e está inscrito a favor da autora pela apresentação n.º 09/2005-01-21 por «aquisição …por doação de A. O. cc Maria na com. de adquiridos, ... X, Barcelos. CLÁUSULA: Condicionada à sua não transmissão e à construção no mesmo do Salão Paroquial e/ou Residência Paroquial.».
10 - Desde tempos imemoriais e até 31.07.2018, o terreno rústico de A. O. de 25.000 m2, melhor identificado em 1) a 4), em tempos rodeado a ramada, foi sempre agricultado por ele e depois da sua morte pelos aqui Requeridos, como um todo único, a milho e erva e depois com ervas aromáticas, desde a casa de habitação até às paredes exteriores do adro da igreja e ao caminho vicinal, sito a norte/nascente do prédio.
11 - A parcela doada por A. O. à autora, melhor identificada em 9), pelo menos desde 1970 e até 31.07.2018, sempre foi cultivada, quer pelo doador, quer pelos Requeridos, com milho e erva e, mais recentemente, com uma plantação de ervas aromáticas, juntamente com o restante terreno, como um todo único, sem quaisquer limites ou barreiras físicas, desde as casas de habitação, até às paredes exteriores do adro da igreja e ao caminho vicinal.
12 - Em 28.10.1999, foi lavrado Testamento por A. O., no qual declarou «Que outorgou testamento público em 14.10.1997 no Primeiro Cartório Notarial desta cidade, exarado desde folhas …, que quer válido mas com as seguintes ressalvas:
Um: A instituída usufrutuária sua mulher poderá abater quaisquer árvores das propriedades legadas.
Dois: Da propriedade formada pelo “Campo da … e …”, inscrita na actual matriz sob o artigo …, e concretamente da Bouça da …, a que na anterior matriz correspondia o artigo … lega à Fábrica da Igreja de X uma parcela de terreno com 600 m2, de forma rectangular, na estrema norte da mesma Bouça, a confrontar do poente com a igreja paroquial, do nascente e sul com propriedade donde é desanexada e do norte com caminho de servidão de vizinhos vários, legado este que faz para a construção de um salão paroquial, do nascente e sul com a propriedade donde é desanexada e do norte com caminho de servidão de vizinhos vários, legado este que faz para a construção de um salão paroquial e desde que a edificação do mesmo seja feita no prazo de três anos após o seu falecimento.
Que em tudo o mais mantém o testamento em causa. (…)»
13 - Em data não concretamente apurada, a aqui Requerente, através do seu ilustre mandatário, deu entrada no processo registado sob o nº 1942/18.2T8BCL, da Instância Local Cível de Barcelos – Juiz 3 de um requerimento com o seguinte teor:
“(…)
1 – Considerando o teor do documento nº 4 junto com o requerimento apresentado pela A. Em 22/10/2019 – email remetido pelo R. M. A. no dia 03 de setembro de 2018 no qual refere que os RR. dão o terreno como entregue em 01/08/2018.
2 – Considerando que todos os RR., em sede de depoimento de parte prestado em audiência de julgamento no dia 12 de novembro de 2019, declararam que consideravam o prédio entregue,
3 – Considerando que a A. reconhece que o prédio objecto dos autos tem a área e configuração constante da planta junta com a contestação como doc 1,
4 – Considerando que o prédio em causa se encontra actualmente livre de pessoas e bens e que os RR. retiraram todas as plantações no mesmo,
5 – Os representantes da A., no passado dia 4 de Dezembro, de manhã, entraram no prédio e procederam à sua limpeza e à vedação e ocupação do mesmo, conforme fotografias que se juntam – docs. 1 a 8
6 – Tudo sem qualquer oposição dos RR.
7 – Tendo em conta todos estes factos, requer-se que seja extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos formulados nas alíneas b) e d). (…)”.
14 - Em data 12 de Novembro de 2020, a Requerente mandou despejar brita no terreno em questão nos autos.
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Procede-se à alteração do facto dado por indiciariamente provado na sentença proferida nestes autos sob o nº 15), o qual passa a ter a seguinte redacção:
- A Requerente, por si e antepossuidores, desde pelo menos 4 de Dezembro de 2019 que está na posse do prédio descrito em 1) e 3), zelando pelo mesmo, procedendo à sua limpeza e conservação, entrando nele sempre que entende, cortando a erva, vedando-o com vigas e arames, topografando-o, ocupando-o com veículo, nele depositando pedras, gravilha e materiais inertes, de forma contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, agindo como sua dona, na convicção de não lesar direitos alheios.
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FACTOS NÃO PROVADOS:

Com interesse para a resolução da causa, não resultaram indiciariamente provados os seguintes factos alegados nos artigos do requerimento de oposição:

a) No final da vida, o tio-avô dos Requeridos dizia que tinha dado um terreno atrás da igreja à Requerente para ela fazer um salão paroquial dentro do prazo de três anos após a sua morte.
b) Após a morte do tio-avô, em 10 de Março de 2010, a Requerente começou a dizer que o tio-avô havia permitido a mudança do terreno dado para o lado direito da igreja, com o argumento que não era autorizado construir atrás da igreja.
c) E tal foi a pressão sobre os Requeridos ainda com o argumento de que a Requerente tinha de construir em três anos que os Requeridos permitiram essa ocupação entre os anos de 2010 a 2017, tendo a Requerente ali construído uns muros no ano de 2011 através de peditório na freguesia, passando o terreno a ser usado como parque de automóveis.
d) Ao mesmo tempo, a Requerente em 2013 foi à matriz e ao registo e pediu a alteração das confrontações de acordo com a localização do terreno ao lado da igreja.
e) Passados uns anos, um membro da Requerente avisou os Requeridos que a Requerente os enganara, pois era permitido construir atrás da igreja, após o que os Requeridos reocuparam de novo essa área em 2017, unindo-a ao restante prédio deles agricultando-a como um todo único a milho e ervas aromáticas.
f) Face à pressão com ameaça de ação judicial e pedido de indemnização por atraso da obra, o Requerido Manuel no dia e após que recebeu a citação para a ação nº 1942/18 (1.8.2018) - os outros 2 Requeridos estavam ausentes – enviou um email ao distº advogado da Requerente a dar o terreno como entregue, mas o terreno localizado atrás da igreja, isto enquanto se decidia a questão judicial.
g) Não obstante o email do Manuel, a Requerente não aceitou aquela entrega.
h) Como a Requerente não reocupou o terreno atrás da igreja que, na sua tese, não era esse o reivindicado, os Requeridos mantiveram a posse do terreno de 1.020 m2 atrás da igreja entrando nele com trator e fazendo regos para escoamento da água de todo o prédio, mas sem o agricultar, o que sucedeu até 4 de Dezembro de 2019.
i) O Requerido Manuel dispunha-se a entregar o prédio à Requerente atrás da igreja até à decisão da questão.
j) Em data 12 de Novembro de 2020, a Requerente foi repelida de despejar brita no terreno em questão nos autos pelos Requeridos que chamaram a GNR ao local.
j) A partir de 12.11.2020, a Requerente não mais entrou no terreno.
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A demais matéria alegada pelos Requeridos no articulado de oposição não foi considerada pelo Tribunal, por este entender que é inócua para a questão a decidir. E isto porque se trata quer de meras conclusões fácticas, quer de meras conclusões jurídicas.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

No que concerne à factualidade ora dada por assente sob os pontos 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11) e 12) a mesma foi dada por provada na sentença proferida na acção que correu termos pelo Juízo Local Cível de Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL e confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, cujas cópias se encontram juntas a fls. 21 a 63 dos autos, decisão essa já transitada em julgado. Pelo que, ao abrigo da excepção da autoridade do caso julgado, deve ser aqui dada por provada.
Diga-se, ainda, que os Requeridos juntaram aos autos, a fls. 108 a 117vs, 119 – 120, 124, 127, 144, 150 a 15, documentação relativa às descrições prediais e inscrições matriciais a se referem grande parte dos factos supra aludidos, bem como cópia do testamento outorgado por A. O. – mencionado em 12) dos factos provados.
No que respeita ao facto constante do ponto 13), o mesmo corresponde à transcrição do documento junto a fls. 137 – requerimento remetido pelo ilustre mandatário da Requerente ao processo que correu termos pelo Juízo Local Cível de Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL. Tal documento, de natureza particular, não foi impugnando pela Requerente, pelo que faz fé do respectivo conteúdo.
Quanto ao facto enunciado em 14), foi o mesmo comprovado pelas declarações prestadas em sede de audiência final pela testemunha A. F., construtor civil contratado pela Requerente para proceder à obra em questão, que confirmou ter levado aquela a cabo em meados de Novembro do ano passado, bem como pela testemunha AS, vizinho do local em questão, que declarou ter assistido a tais trabalhos, recordando-se que os mesmos foram levados a cabo no dia 12 de Novembro, pois tal data corresponde ao aniversário do seu filho.
O Tribunal procedeu à alteração do facto dado por indiciariamente provado sob o nº 15) na sentença proferida nestes autos e fê-lo porque, em virtude da prova produzida em sede de audiência, ficou convencido que a posse da Requerente sobre o terreno em questão não se iniciou na data da entrega do mesmo por parte dos Requeridos – 1 de Agosto de 2018 –, mas antes em 4 de Dezembro de 2019. Isso mesmo resulta do documento junto a fls. 137 – requerimento remetido pelo ilustre mandatário da Requerente ao processo que correu termos pelo Juízo Local Cível de Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL – que, como se disse, não foi impugnado, mas também das declarações prestadas por M. C., que trabalha como jornaleira para os Requeridos há cerca de 12 anos, que dispunha de conhecimento directo de tal matéria, porquanto desloca-se ao local, para tratar da terra, cerca de três vezes por semana.
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Relativamente ao facto enunciado em a), o mesmo foi referido pelas testemunhas M. C. – jornaleiro dos Requeridos há cerca de 12 anos – e M. S., tio dos Requeridos -, que afirmaram ter ouvido da boca do falecido A. O. que tinha dado um terreno atrás da igreja à Requerente para ela fazer um salão paroquial dentro do prazo de três anos após a sua morte.
Acontece que, o Tribunal não ficou totalmente esclarecido acerca das circunstâncias que rodearam as alegadas conversas mantidas entre as referidas testemunhas e o falecido A. O., razão pela qual não logrou ultrapassar o patamar da dúvida relativamente à veracidade ou não de tal matéria, o que determinou a conclusão a que se chegou.
Foi por total ausência de prova nesse sentido que o Tribunal considerou como não provados os factos enunciados nas alíneas b), c), e), f), g) e i).
Nem as testemunhas indicadas pelos Requerentes e ouvidas em sede de audiência final – M. C., trabalha como jornaleira para os Requeridos há cerca de 12 anos; AS, morador da freguesia de X; M. S., tio dos Requeridos; A. F., construtor civil -, nem os documentos juntos com a oposição fizeram a mínima prova de que após a morte de A. O., a Requerente começou a dizer que aquele havia permitido a mudança do terreno dado para o lado direito da igreja, com o argumento que não era autorizado construir atrás da igreja, nem que a Requerente fez pressão sobre os Requeridos com o argumento de que tinha de construir em três anos levando aqueles a partir essa ocupação entre os anos de 2010 a 2017, tendo a Requerente construído no terreno em questão nos autos uns muros no ano de 2011 através de peditório na freguesia, passando o terreno a ser usado como parque de automóveis.
Também não foi feita pelas aludidas testemunhas quanto referência ao facto vertido em e) - passados uns anos, um membro da Requerente avisou os Requeridos que a Requerente os enganara, pois era permitido construir atrás da igreja, após o que os Requeridos reocuparam de novo essa área em 2017, unindo-a ao restante prédio deles agricultando-a como um todo único a milho e ervas aromáticas -, sendo certo que os documentos juntos com a oposição o não comprovam.
O mesmo se digna quanto ao facto constante da alínea g), que não foi referido por nenhuma das testemunhas, nem resulta de qualquer documento. Diga-se que a ausência da prática de atos de posse por parte da Requerente não significa que aquela não aceitou a entrega do terreno.
No que respeita ao facto constante da alínea d) – a Requerente em 2013 foi à matriz e ao registo e pediu a alteração das confrontações de acordo com a localização do terreno ao lado da igreja – o documento matricial junto aos autos, por si só, não contextualiza a alegação feita pelos Requeridos.
Quanto ao que, alegadamente, esteve na base da entrega do terreno levada a cabo pelos Requeridos em 1 de Agosto de 2018, referida nas alíneas f) e i) dos factos dados por não provados -, diga-se que nenhuma das testemunhas indicadas afirmou que foi devido à pressão exercida pela Requerente que os Requeridos agiram de tal modo, nem a propositura por parte da Requerente contra os Requeridos da acção que correu termos pelo Juízo Local Cível de Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL por ser entendida como pressão suficiente para justificar a entrega do prédio. Aliás, o email remetido pelo Requerido M. A. ao ilustre mandatário da Requerente, junto a fls. 20 dos autos, não demonstra pressão alguma.
O Tribunal deu por não provado que em 12 de Novembro de 2020, a Requerente foi repelida de despejar brita no terreno em questão nos autos pelos Requeridos que chamaram a GNR ao local, porquanto do documento junto pelos Requeridos para atestar tal facto, constante de fls. 141 – 142 (auto de notícia), não resulta que a GNR foi chamada ao local, mas antes que, no dia 20 de Novembro, os Requeridos foram ao posto da GNR apresentar uma denúncia.
No que concerne à alegada posse do terreno em questão nos autos entre 1 de Agosto de 2018 e 4 de Dezembro de 2019, a testemunha M. C. referiu que os Requeridos fizeram uns regos para escoamento de águas e M. S. mencionou que os Requeridos tinham o terreno em pousio. Ora, tais alegações são manifestamente insuficientes para o Tribunal concluir que os Requeridos mantiveram a posse do terreno, porquanto não se sabe em que data foram abertos os regos, de que modo tal sucedeu, quem interveio nessa operação. Acresce que, tal conclusão se acha contrariada pela atitude tomada pelos Requeridos, que proceder à limpeza do terreno e retiras as ervas aromáticas que aí se achavam.
O Tribunal considerou como não provado que a partir de 12.11.2020, a Requerente não mais entrou no terreno, porque a prova produzida nesta sede não contrariou o assente na decisão de restituição provisória da posse – que os Requeridos vedaram o terreno em data não concretamente apurada, mas que se situa na terceira semana de Novembro de 2020.
Refira-se que a testemunha M. S. – tio dos Requeridos – referiu que estes voltaram a ocupar o terreno em Dezembro de 2020. Acresce que as fotografias juntas aos autos para atestar tal matéria foram impugnadas, não tendo o respectivo conteúdo sido confirmado por nenhuma testemunha.

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

I) Da contradição entre o pedido e a causa de pedir (conclusão 1ª - 1ª questão das alegações)

Pensam os apelantes requeridos haver contradição entre o pedido e a causa de pedir. Para tanto entendem que quer o pedido principal, quer o subsidiário desta providência, ambos se reduzem ao mesmo objeto – “impedimento do direito de servidão de passagem”. Porém, compulsando a causa de pedir não se identifica qual o prédio dominante e serviente da servidão de passagem, nem a localização e extensão do caminho de servidão.
Com o que discorda a apelada requerente, que entende não se verificar qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Quid iuris?

Antecipando desde já a decisão, diga-se não assistir qualquer razão aos recorrentes.
Com efeito, como bem refere a apelada, a causa de pedir da presente providência é a posse da Requerente sobre o prédio descrito no artigo lº do requerimento inicial e sua violação por parte dos Requeridos, consubstanciada na colocação de uma vedação que impede o acesso ao mesmo. Em consonância com tal causa de pedir, a Requerente vem peticionar a restituição provisória da posse e a remoção da vedação. Assim, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, não é invocado pela Requerente qualquer direito de servidão de passagem.
Inexiste, pois, a alegada contradição.

II) Da inexistência de violência no esbulho (conclusões 2ª a 5ª - 2ª questão das alegações)

Concluem os apelantes requeridos, que face à factualidade apurada, inexiste violência no esbulho. E isto porque, a violência a que se refere o artº 1279, conjugado com o artº 1261-2 e o artº 255 todos do CC, exige uma carga maior – o “esbulho violento”. Este pressupõe sempre uma coação sobre pessoas por via direta ou indireta. Para que a coação indireta se verifique é necessário que a violência sobre as coisas seja de tal maneira forte que constitua ela própria uma ameaça que amedronta o possuidor a não reagir, a deixar-se desapossar da coisa.
Com o que discorda a requerente, pois deve entender-se, tal como muito bem considerou o Tribunal a quo na douta decisão proferida nestes autos em 16/12/2020, atento o quadro factual dado como provado, (…) que o esbulho da posse da Requerente por parte dos Requeridos foi violento. E isto porque, há esbulho sempre que alguém é privado, total ou parcialmente, contra sua vontade, do uso ou fruição do bem possuído ou da possibilidade de continuar esse exercício.
Que dizer?

Dispõe o art. 377º do CPC que: “No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.
A restituição provisória de posse exige para a sua procedência a verificação cumulativa de vários pressupostos: a) Posse, b) Esbulho, c) Violência (2). Ou dito de outro modo, a procedência da providência cautelar de restituição provisória da posse depende da verificação de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
A posse é um poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – art. 1251º do CC.
O esbulho consiste na perda de retenção ou fruição, ou a sua possibilidade de o fazer, da coisa ou direito.
Por outro lado, ocorre a violência quando se use de coacção física ou moral, nos termos do art. 255º do CC, se forem praticados actos que constranjam a vontade do possuidor, obrigando este a submeter-se ao desapossamento.
Noutros termos, o esbulho caracteriza-se, pela privação total ou parcial, do poder do possuidor de exercer os actos correspondentes ao direito real que se traduzem na retenção, fruição do objecto da coisa ou da possibilidade de o continuar a exercer.
Mas esta privação só pode constituir fundamento de restituição provisoria de posse se for ilícita ou violenta – art. 1279º do CC.
A exequibilidade prática de tal direito encontra-se garantida pelo disposto nos arts. 377º do CPC e agora, mesmo que não exista violência, também pelo processo cautelar comum, previsto nos arts. 362 e segs. do mesmo código por via do disposto no art. 379º.
Quanto à posse a mesma é aceite pelos recorrentes, apesar das vicissitudes invocadas, para além de constar do ponto 15) dos factos provados de ambas as sentenças recorridas.
O segundo elemento necessário para que seja decretada a restituição provisória da posse é o esbulho.
O esbulho supõe que o possuidor ficou privado da posse que tinha. Nesse ponto resulta dos factos dados como provados na primeira sentença recorrida que:
16 – Em data não concretamente apurada, mas que se situa na terceira semana do passado mês de Novembro, os Requeridos entraram no referido prédio e colocaram uma vedação, composta por estacas e arame em toda a extensão da confrontação com o caminho vicinal situado a norte.
17 – Tal vedação impede a entrada no mencionado prédio, estando a Requerente impedida de aceder ao mesmo para proceder à sua manutenção e limpeza.
Assim, é manifesto que existe esbulho dado que a requerente está impedida de se deslocar ao prédio em causa, ao contrário do alegado pelos recorrentes nas alegações.
Por fim, invocam os recorrentes que não existiu violência dado que o “esbulho violento” pressupõe sempre uma coação sobre pessoas por via direta ou indireta, e que para que a coação indireta se verifique é necessário que a violência sobre as coisas seja de tal maneira forte que constitua ela própria uma ameaça que amedronta o possuidor a não reagir, a deixar-se desapossar da coisa.
Ora, no âmbito desta providência é necessário, ainda, que o esbulho seja violento, nos termos do art. 393º do CPC e do art. 1279º do CC, segundo o qual “o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”.
A violência está definida no art. 1261º/2 do CC. Segundo aí se refere “considera-se violenta a posse, quando, para obtê-la, o possuidor usou de coação física, ou de coação moral nos termos do artigo 255º”.
É matéria controvertida, tanto na doutrina como na jurisprudência, a questão de saber se, na caracterização da violência, esta tanto pode ser exercida sobre pessoas, como sobre as coisas, ou se o conceito deve ser limitado à coacção exercida sobre o possuidor.
Ora, de acordo com o nº 2 do citado art. 255º, a ameaça integradora da coacção moral tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do esbulhado ou de terceiro.
Assim, não pode afastar-se liminarmente a relevância da acção do esbulhador sobre a coisa, havendo que analisar, em concreto, em que medida a violência exercida afecta a relação do possuidor com essa mesma coisa, adiantando-se que a caracterização como esbulho violento, para efeitos do disposto no art. 1279º do CC, não se limita ao uso da força física contra as pessoas, sendo ainda de considerar violento o esbulho quando o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa face aos meios ou à natureza dos meios usados pelo esbulhador e, por isso, há-de considerar-se privado da posse, em virtude de acção violenta dos esbulhadores, exercida sobre a coisa.
Teremos de ter em atenção que uma acção concretizadora de esbulho se não pode confundir com um acto de turbação da posse, porquanto se, porém, o possuidor não perde o contacto com a coisa possuída, mas é meramente inquietado na sua posse por alguém não legitimado a fazê-lo, temos a turbação (3).
Só de acções de restituição provisória de posse ou acções de esbulho violento se pode falar se o possuidor, mercê de acto violento, perde o contacto com a coisa possuída. Se o possuidor apenas for perturbado ou turbado na sua posse, pode ele recorrer a tribunal para nela ser mantido ou restituído (art. 1278º do CC).
Como assim, a actuação dos requeridos consubstancia inequivocamente um comportamento violento dirigido à coisa dado que os Requeridos entraram no prédio e colocaram uma vedação composta de estacas e arame em toda a extensão da confrontação com caminho vicinal, situado a norte, ficando a Reqte impedida de aceder ao mesmo e nessa medida estão preenchidos os requisitos desta providência cautelar.

III) Da inexistência do requisito “periculum in mora” no pedido subsidiário (conclusão 6ª - 3ª questão das alegações)

Defendem também os apelantes requeridos o indeferimento do pedido subsidiário do procedimento cautelar, por notória falta de alegação dos respetivos requisitos “periculum in mora”, ou seja, para além do “fumus boni iuris”, deve o Requerente alegar (o que não fez) a grave lesão e dificilmente reparável.
Com o que discorda a apelada requerente, que entende estarem verificados os requisitos necessários para o decretamento da restituição da posse, nos termos dos arts. 362º e 379º do CPC.
Quid iuris?

Antes de mais, diga-se que com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder. E isto porque, de harmonia com disposto no art. 554º/1 do CPC, que admite expressamente a formulação de pedidos subsidiários, “diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente em caso de não proceder um pedido anterior”.
Ora, verificando-se que o pedido subsidiário não chegou a ser apreciado, em virtude da procedência do pedido principal, não se entende porque foi agora suscitada no recurso esta questão, até porque estamos perante uma questão nova: quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi tratada na sentença recorrida.
Todavia, sempre se dirá o seguinte: os procedimentos cautelares genericamente previstos nos arts. 362º e ss. do CPC, são meios de tutela provisória do direito que quem os deduz se arroga, sendo dependentes de uma acção já pendente ou que seguidamente vai ser proposta pelo requerente (art. 362º/2 do CPC), tendo sempre natureza urgente (art. 363º do CPC), porquanto visam acautelar o efeito útil da acção a que alude genericamente o art. 2º/2 do CPC, impedindo “que durante a pendência de qualquer acção, declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica” (4).
Para além da demonstração do referido perigo da demora inevitável do processo, os mesmos dependem ainda da prova sumária do direito ameaçado e da justificação do receio da lesão [art. 365º/1) do CPC], bem como da probabilidade séria da existência do direito, também genericamente prevista no art. 368º do CPC, não exigindo esta prova o mesmo grau de convicção que a prova dos fundamentos da acção impõe, atenta a estrutura simplificada própria do procedimento cautelar, consonante, aliás, com o respectivo fim específico, bastando consequentemente o chamado fumus boni iuris. «Trata-se de uma prova sumária que não produz a "plena convicção (moral)", exigida para o julgamento da causa, mas apenas um grau de probabilidade aceitável para decisões urgentes e provisórias, como são as próprias daqueles procedimentos» (5) (6).
Posto este enquadramento geral dos procedimentos cautelares, relativamente ao procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse, e em decorrência da previsão ínsita no art. 377º do CPC, o mesmo exige, como já vimos supra, a alegação de factos que constituam a posse, o esbulho e a violência, sendo ainda que “ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no artigo 377º, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum” – art. 379º do CPC.
Ora, estando reunidos, na perspectiva dos factos alegados, os pressupostos da providência cautelar específica de restituição provisória da posse e tendo a apelada requerente optado, por interpor a presente providência cautelar, não faz sentido averiguar agora dos pressupostos do procedimento cautelar comum, que não está aqui em causa.
Na verdade, tal seria assim, se não se encontrassem reunidos os pressupostos da providência cautelar específica de restituição provisória da posse, caso em que a requerente poderia ter optado por recorrer ao procedimento cautelar comum (art. 362º do CPC; cfr. também o art. 379º do CPC). E se o fizesse, tornaria efectivamete a sua posição mais difícil, já que, como diz Abrantes Geraldes (7), “(…) ao invés do que decorre do regime da restituição provisória da posse torna-se necessária a prova do perigo de lesão grave e dificilmente reparável para o requerente, não bastando por isso a prova da qualidade de possuidor aliada à prova de actos de esbulho ou de turbação (…)” (8).
Nos termos do art. 362º do CPC “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.”.

No caso concreto, como se disse, a requerente optou, assim, por intentar o procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse previsto nos arts. 377º e ss. do CPC, e não o procedimento cautelar comum, considerando que o esbulho efectuado pelos requeridos foi com violência nos termos do art. 1261º do CC. Apesar de à cautela, o ter feito subsidiariamente, o que nem chegou a ser apreciado, em virtude da procedência do pedido principal como já supra referido.
Nessa sequência, não decidiu instaurar “um procedimento cautelar comum para a defesa da posse”, em que certamente apelaria ao disposto no art. 379º do CPC.
Não assiste, pois, também aqui, qualquer razão aos apelantes.

IV) Da alteração da matéria de facto (conclusão 7ª - 4ª questão das alegações)

Divergem os apelantes da decisão da matéria de facto, pretendendo que se dê como “Provada” a matéria alegada no item 1º, 2º, 3º e 4º da Oposição, conjugada com a decisão do ac. RG de fls 41, ss. e com o Facto 15 da 2ª decisão – “desde 4.12.2019, a Reqte está na posse do prédio”. Para tanto, os Requeridos apresentam como meio de prova o doc. 1, junto à n/Oposição, não impugnado pela Reqte e o aludido ac. de fls 41, ss.
Como decorre do disposto no art. 640º do CPC, a parte que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve, sob pena de rejeição do recurso, especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1).
Cumpre, pois, apreciar.

São os seguintes os factos que os recorrentes pretendem que sejam dados como provados:
Em 20.7.2018, a Requerente, ali Autora, instaurou a ação nº 1942/12.2T8BCL de reivindicação contra os aqui Requeridos, pedindo:

a) – se declare que a autora é legítima proprietária do prédio rústico, composto de terreno de cultura arvense de regadio, sito no lugar de ..., freguesia de X, concelho de Barcelos, descrito na C. R. Predial ... sob o nº …/X e inscrito sob o artº …;
b) – Os RR, aqui Requeridos, sejam condenados a restituir à autora, livre de pessoas e bens, o supra referido prédio, devendo os RR. retirar todas as plantações realizadas no mesmo;
c) – Os RR. sejam condenados a abster-se de praticar qualquer ato que ofenda ou perturbe o direito de propriedade da autora sobre o prédio em causa.
d) – Os RR. sejam condenados a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 50€ por cada dia de atraso no cumprimento do vertido em b) e c) – cfr. Relatório do douto Ac. RG de 15.10.2020, notificado às partes em 16.10.2020, transitado em julgado em 18.11.2020, junto ao RI desta providência e parte final da PI da citada ação, in doc. 1, aqui reproduzido.

Nessa ação, no que ora importa, a A, ora Reqte, alegou ipsis verbis (causa de pedir):
a) – “a A. é dona e legítima proprietária do prédio rústico identificado em a) do item anterior (cfr. item 1º do doc. 1);
b) – “a A. adquiriu o prédio rústico supra descrito a A. O. e mulher M. M., ambos já falecidos, através da escritura de justificação e doação de 30.9.2004, extraída de fls. 89 a 91 do livro de notas para escrituras diversas nº …-D, do 2º cartório notarial da … (item 2º);
c) – “De qualquer modo, a A. por si, ante possuidores e ante proprietários está em exclusivo na posse pública contínua, pacífica, titulada e de boa fé do prédio descrito no artº 1º desta peça, zelando pela sua conservação, arrendando-o e recebendo as respetivas rendas, pagando as contribuições devidas, cultivando-o e colhendo frutos, posse essa que dura há mais de 10, 20, 30 e mais anos com “animus domini”, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, agindo como sua dona, na convicção de não lesar direitos alheios, assim adquiriu a propriedade do prédio também por usucapião – cfr. item 3º a 10º do doc. 1.

Mais alegou que essa posse presume-se nos termos do artº 1252 do C. Civil e tendo a qualidade de possuidor, igualmente se presume proprietário – artº 1268 do C. Civil – cfr. item 11º e 12º do doc. 1.

Mais alegou que apesar do prédio ter sido doado válida e eficazmente à A, os RR. sem consentimento ou autorização daquela ocupam o mesmo, nomeadamente efetuando e cultivando uma plantação de ervas aromáticas … agindo como se fossem titulares de algum direito sobre o prédio descrito em 1º - cfr. item 14º, 15º e 18º do doc. 1.
Estes factos são alusivos à alegação e pedido efectuados na acção instaurada pela Requerente contra os Requeridos, que correu termos no Juízo Local Cível de Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL, acção já referida nos factos provados, bem como o seu desfecho, designadamente sob os pontos 10 – e ss. da sentença de 16-12-2020, que ordenou a restituição provisória da posse à Requerente do prédio descrito em 1) e 3) dos factos provados e condenou os Requeridos a remover a vedação descrita em 16) dos factos provados e a absterem-se de praticar quaisquer actos que ponham em causa a posse da Requerente sobre o referido prédio.
Como assim, constando já dos factos provados a menção à instauração e desfecho da acção nº 1942/12.2T8BCL, nada justifica que se consignem também nos factos provados os termos da referida acção, pois nada mais acrescentaria.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam já do processo, entende-se nada haver aqui a alterar.

V) e VI) Deve dar-se como adquirido o desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela requerente contra os Requeridos (conclusões 8ª e 9ª - 5ª e 6ª questões das alegações)

Entendem os apelantes que deve dar-se por adquirido no presente recurso que na decisão de improcedência do Pedido de entrega formulado pela aqui Reqte na ação nº 1942/18, o douto ac. RG de 15.10.2020 teve em consideração a “confirmação da sentença recorrida na parte em que a autora não logrou provar a aquisição derivada da propriedade referente à parcela de terreno em causa, nem a aquisição originária, nem ainda pode beneficiar da presunção inerente à posse prevista no artº 1268-1, CC”, bem como que deve dar-se como adquirido no presente recurso que na decisão de improcedência do pedido de entrega formulado pela A. aqui Reqte no procº 1942/18, o aqui douto ac. RG de 15.10.2020 teve consideração que a Reqte ocupou o prédio em 4.12.2019, tendo esclarecido em despacho posterior que a decisão do acórdão contemplou também essa questão, ao revogar o pedido de inutilidade superveniente da lide, mais esclarecendo que a Reqte não tinha o direito de pedir a entrega do prédio aos RR, aqui Requeridos.
Com o que discorda a requerente, pois entende que o acórdão apenas negou o direito de propriedade invocado pela aqui Requerente, sendo que os Recorrentes, ao longo das suas alegações, confundem constantemente propriedade com posse. Ora, o que está em causa na presente providência é unicamente a posse da Requerente, sendo que a mesma foi suficientemente demonstrada nos autos. Por sua vez, a acção principal a instaurar será uma simples acção possessória.
Quid iuris?

Diga-se, desde já, que tem razão a requerente quando refere que o invocado acórdão apenas negou o direito de propriedade invocado pela aqui Requerente e que ao longo das suas alegações, os Recorrentes confundem constantemente propriedade com posse. E, estando em causa na presente providência unicamente a posse da Requerente relativamente ao prédio disputado, a aludida acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL apenas se pronunciou relativamente ao direito de propriedade da requerente e já não quanto à posse.
Destacada a separação das questões, que não podem ou devem ser misturadas, importa todavia dar razão aos recorrentes quando pretendem que se dê como adquirido neste processo o esclarecimento que relativamente à acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL, o Ac. da RG de 15.10.2020 teve em consideração que a Reqte ocupou o prédio em 4.12.2019, tendo esclarecido em despacho posterior (9) que a decisão do acórdão contemplou também essa questão, ao revogar o pedido de inutilidade superveniente da lide, mais esclarecendo que a Reqte não tinha o direito de pedir a entrega do prédio aos RR, aqui Requeridos. Esclarecimento que se impõe, face ao ponto 14 – dos factos provados na 1ª decisão (16-12-2020), à excepção da parte final - mais esclarecendo que a Reqte não tinha o direito de pedir a entrega do prédio aos RR, aqui Requeridos -, cuja ilação não é assertiva, pois o que consta do Ac. de 17-12-2020 é que “Assim, face à argumentação aí expendida conclui-se, ainda que implicitamente, que os réus não tinham fundamento para ter procedido à restituição do imóvel à autora.”. Resta acrescentar que deste desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL não decorre qualquer efeito para a(s) sentença(s) recorridas.
Assim se decidindo estas concretas questões.

VII) Questões a dar como definitivamente julgadas (conclusão 10ª - 7ª questão das alegações)

Entendem os apelantes que se devem dar como definitivamente julgadas determinadas questões decididas na já referida acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL, a saber:

1ª – a escritura de justificação e doação de 30.9.04 não transmitiu a propriedade do imóvel para a A. e, por essa questão, a A/Reqte não podia, nem pode aqui, pedir a entrega do mesmo imóvel;
2ª – a A/Reqte não tem a posse do imóvel, por si e antepossuidores (alegação que fez tb na ação 1942/18) e por esta questão não podia, nem pode aqui, pedir a entrega aos Requeridos do imóvel;
3ª – a “posse” por via da ocupação que a Reqte fez do imóvel em 4.12.2019 e consequente pedido de inutilidade superveniente da lide foi considerado naquele douto ac. RG, tendo sido revogado o pedido de inutilidade superveniente da lide, pelo que também com base nessa questão declarou ilegítima a ocupação que fez do imóvel em 4.12.2019 – cfr. esclarecimento do doc. 3 junto à Oposição Cautelar, pelo que não pode a Reqte submeter novamente tais questões (propriedade e posse do prédio e ocupação de 4.12.2019) como fundamento deste novo pedido, e agora sob a capa da restituição do prédio, por ofensa de caso julgado.
Com o que discorda a requerente, entendendo tratar-se de uma interpretação totalmente abusiva da decisão judicial em causa.
Quid iuris?

Como já se referiu relativamente à questão anterior, o invocado acórdão apenas negou o direito de propriedade invocado pela aqui Requerente e ao longo das suas alegações, os Recorrentes confundem constantemente propriedade com posse. Dito isto, para além do esclarecimento que ali se deu como adquirido, nada mais se impõe aqui acrescentar, não só por estar em causa uma interpretação que não é totalmente correcta (não foi declarada ilegítima a ocupação que [a Reqte] fez do imóvel em 4.12.2019), como também porque não resulta daí qualquer efeito para a(s) sentença(s) recorridas, que apenas contendem com a restituição da posse.
Tratando-se de um pressuposto errado, a interpretação dos Recorrentes de que a decisão proferida no âmbito do processo nº 1942/18.2T8BCL lhes reconheceu a posse do prédio objecto dos autos.
Não assiste, pois, aqui, razão aos apelantes.

VIII) Atento o desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela requerente contra os Requeridos, não é possível qualificar como “esbulho violento” o acto destes (conclusão 11ª - 8ª questão das alegações)

Entendem os apelantes que face à decisão das questões submetidas à apreciação daquele douto ac. RG, que julgou a improcedência dos pedidos, vg, de entrega, não vemos como é possível qualificar como “esbulho violento” o ato dos RR de, após a decisão do douto acórdão, procederem ao normal exercício do seu direito, recuperando a posse do prédio de que vinham usufruindo desde há dezenas de anos.
Discordando a requerente da interpretação que os requeridos fazem da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL relativamente a este processo.
Quid iuris?

Continuamos no domínio da confusão feita pelos Recorrentes entre propriedade e posse. É que, como já referido, a posse invocada neste processo em nada colide com o decidido no âmbito do processo nº 1942/18.2T8BCL. Com efeito, nestes autos, a Requerente alega tão só o exercício da posse desde o momento da entrega do prédio por parte dos Requeridos.
Sendo, pois, incorrecta a ilação pretendida.

IX) Da alteração da matéria de facto: deve dar-se como “não provados” os factos 4) a 13), inclusive da 1ª decisão cautelar recorrida (conclusão 12ª - 9ª questão das alegações)

Entendem os apelantes que se devem dar como “não provados” os factos 4) a 13), inclusive da 1ª decisão cautelar recorrida, conforme pedido final dos Requeridos na sua Oposição, uma vez que:

- “o caso julgado num 1º processo, transitado, não se estende aos factos aí dados como provados para efeito desses mesmos factos poderem ser invocados, isoladamente, da decisão a que serviram de base, num outro processo … os fundamentos de facto não adquirem quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de modo a poderem impor-se extra processualmente” – cfr. douto e recente ac. STJ de 17.5.2018, procº 3811/13.3T8PRD, dgsi no qual se expôs grande resenha doutrinal e jurisprudencial desta questão.
Com o que discorda a requerente, pois, os pontos 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12) e 13) da douta decisão do Tribunal a quo de 16/12/2020, correspondem integralmente ao vertido nos pontos 16), 19), 20), 22), 23), 24), 25), 29) e 31) dos factos provados da sentença proferida no âmbito do processo nº 1942/18.2T8BCL, a qual transitou em julgado. E, como muito bem considerou o Tribunal a quo, (…) sendo uma realidade distinta da excepção de caso julgado, a autoridade de caso julgado visa garantir a coerência e a dignidade das decisões judiciais.

Tendo-se o Tribunal a quo, quanto a esta questão, pronunciado no seguinte sentido:
Começam os Requeridos por sustentar que que devem dar-se como não provados os factos dados por provados em 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12) e 13) cuja fundamentação assentou na autoridade do caso julgado, pois o caso julgado apenas abrange o segmento decisório.
Estatui o n.º 1 do artigo 619.º do Código de Processo Civil que «transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele dentro dos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º».
E estabelece o artigo 621.º do mesmo código que «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado um determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo de preencha ou o facto se pratique.»
Por outro lado, o n.º 1 do artigo 580.º do mesmo diploma dispõe que «as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado.»

E acrescenta o artigo 581.º do mesmo diploma que:

«1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. (...)»
O caso julgado pode ser material ou formal conforme resulta dos arts. 619.º e ....º do Código de Processo Civil.
O caso julgado material, que é aquele que aqui interessa, é normalmente considerado numa dupla perspectiva: como excepção de caso julgado e como autoridade de caso julgado. Enquanto excepção, o caso julgado, tem uma função negativa, a qual pressupõe a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado e tem por fim evitar que o tribunal, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie ou reafirme o anteriormente decidido, já enquanto autoridade de caso julgado, o mesmo tem uma função positiva que corresponde à imposição da primeira decisão à segunda decisão de mérito, isto é, decidida com força de caso julgado material uma determinada questão de mérito, não mais poderá ela ser apreciada numa acção subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.
Como escreve Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, pág. 354) «a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado um obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida».
É este também o entendimento da Jurisprudência nacional, sendo disso exemplo os acórdãos do STJ de 07.05.2015, proc. 15698/04.2YYLSB-C.L1.S1, relatado por Granja da Fonseca e do T.R.Porto de 06.06.2016, proc. 1226/15.8T8PNF.P1, relatado por Caimoto Jácome, ambos publicados in www.dgsi.pt.
Assim, a excepção dilatória do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois da primeira, entre as mesmas partes, sobre o mesmo objecto e baseada na mesma causa de pedir, ter sido decidida por sentença que não admita recurso ordinário, e obsta ao conhecimento do mérito da causa e, consequentemente importa a absolvição da instância (tudo conforme arts. 576.º, n.º 1, 577.º, al. i), 578.º e 580.º, todos do Código de Processo Civil).
No caso em apreço não se verifica a excepção de caso julgado, pois não há identidade de pedido nem de causa de pedir.
Contudo, impunha-se ao Tribunal aferir se se verificava, face ao teor do processo registado sob o nº 1942/18.2T8BCL, da Instância Local Cível de Barcelos – J3, uma situação de autoridade do caso julgado, e foi o que o Tribunal fez em sede de decisão, tendo concluído que os factos elencados sob os nºs 1 a 13 dos factos provados assim deveriam ser considerados em virtude da verificação de tal instituto.
É que a figura da autoridade do caso julgado tem a ver com a existência de relações, já não de identidade jurídica, mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto dessa primeira causa, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na acção posterior.
A respeito do alcance da autoridade do caso julgado, escreve Teixeira de Sousa (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, págs. 578 e 579) que «o caso jugado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (…) que pode ser, por exemplo, a condenação ou absolvição do réu ou o deferimento ou indeferimento da providência solicitada. Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.»
Assim, os limites objectivos do caso julgado integram as questões preliminares que constituem o antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva da sentença, abrangendo todas as questões e excepções suscitadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor. Ou seja, a autoridade do caso julgado da sentença não se estende a todos os motivos objectivos da mesma, mas abrange as questões preliminares que constituiriam as premissas necessárias e indispensáveis à prolação da decisão. Assim se conclui que o caso julgado abrange o envolvente segmento decisório e a decisão das questões preliminares que sejam seu antecedente lógico indispensável, não sendo de excluir o recurso à parte da motivação da decisão para alcançar e fixar o verdadeiro conteúdo da mesma decisão.
Deste modo, consideramos que, quando o réu suscite defesa por excepção - e referimo-nos às excepções peremptórias -, alegando factos destinados a impedir, modificar ou extinguir o direito alegado pelo autor, e porque tais questões serão objecto de julgamento e de resolução (como são os casos da prescrição, da caducidade, do pagamento, da excepção do não cumprimento do contrato, etc.), deve entender-se que a decisão tomada sobre tal questão está abarcada na força de caso julgado do decidido.
Entender doutro modo seria possibilitar que em nova acção o réu viesse alegar (deduzindo pretensão fundada em tais factos) factos que na acção principal tinha alegado como meio da defesa na anterior e que aí foram apreciados e decididos - e que não podem assim voltar a ser discutidos pelas partes.
Assim, todas as questões que devam considerar-se antecedentes lógicos e indispensáveis do julgado, devem considerar-se abrangidas pela autoridade do caso julgado, obrigando as partes (identidade de partes referida no art. 581.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, não importando as diferentes posições que assumam nas acções) quanto ao efeito jurídico que delimita a acção e quanto à causa de pedir.
Refira-se, ainda, que apesar de não podermos confundir a questão da força ou autoridade do caso julgado com a excepção dilatória do caso julgado, devemos considerar que o conhecimento e decisão da questão da força do caso julgado deve estar sujeita aos mesmos moldes e condicionalismos da excepção, já que ambas visam a mesma finalidade (se bem que com amplitudes diferentes, já que a excepção abrange toda a matéria da segunda acção, e daí que o tribunal pura e simplesmente se deva abster de conhecer do pedido, enquanto que a força do caso julgado implica apenas que se dê como decidida e assente uma questão - ou várias - que estão em causa, juntamente com outra ou outras na nova acção e que são pressupostos ou fundamentos jurídicos da decisão a proferir) - qual seja a de evitar que a contradição entre decisões judiciais sobre a mesma questão, relativamente às mesmas partes e quando estas repetem os mesmos fundamentos.
Quid iuris?

Como bem exposto na decisão recorrida e ora acabado de transcrever, não podemos confundir a questão da força ou autoridade do caso julgado com a excepção dilatória do caso julgado. Efectivamente, a autoridade do caso julgado, embora pressupondo a existência de uma decisão transitada em julgado, não se confunde com a excepção do caso julgado. Esta destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. Aquela – a autoridade de caso julgado – importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art. 498º do CPC.
Devendo, pois, concluir-se que andou bem o Tribunal a quo ao julgar provados os pontos 4) a 13) da decisão que decretou a providência cautelar.

X) Atento o desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os Requeridos, que considerou ilegítima a ocupação do prédio por aquela desde 4-12-2019, não podia a mesma vir colocar idêntica questão, ao abrigo do instituto da “restituição de posse (conclusão 13ª - 10ª questão das alegações)

Entendem os apelantes que tendo o douto ac. RG de fls 41, ss integrado na decisão a ocupação que a Reqte fez do prédio em 4.12.2019, negando à aqui Reqte o direito de ter pedido a entrega e de ocupar o prédio, revogando o pedido da Reqte de inutilidade superveniente da lide, com base nesse facto, aquela decisão transitada, no fundo, considerou ilegítima a ocupação da Reqte desde aquela data, pelo que, não pode, ao arrepio dessa decisão vir astuciosamente colocar a mesma questão, ao abrigo do instituto da “restituição de posse”.
Tendo-se a requerente pronunciado que relativamente aos requisitos da providência cautelar, reitera-se que o acórdão proferido no âmbito do processo n." 1942118.2T8BCL não pôs em causa a posse exercida pela Requerente após a entrega do prédio por parte dos Requeridos, nem considerou tal posse ilegítima. O acórdão apenas negou o direito de propriedade invocado pela aqui Requerente.
Quid iuris?

Sobre esta questão, já houve pronuncia supra em VII, para onde se remete, a fim de evitar repetições.
Não assiste, pois, também aqui, razão aos apelantes.

XI) Há que avaliar o efeito do desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os Requeridos relativamente à investidura da posse (conclusões 14ª e 15ª - 11ª questão das alegações)

Entendem os apelantes que sem prejuízo da conclusão anterior, a investidura da posse define a natureza da mesma. Assim, se em 4.12.2019 se discutia em julgamento o direito da Reqte pedir a entrega do prédio, o ato de ocupação de 4.12.2019 só pode ter a natureza de “violência” nos termos do nº 2, parte final, do artº 1267, CC, não se iniciando a nova posse. À não reação dos Requeridos, não pode atribuir-se qualquer efeito jurídico, na medida em que, face à ocupação abrupta que os muitos representantes da Reqte fizeram em 4.12.2019, os Requeridos decidiram aguardar pelo resultado da ação, evitando o confronto e mais conflitualidade. No momento da instauração da providência cautelar e no momento da decisão, quer a Reqte, quer o douto Tribunal recorrido, sabiam que o Venerando Tribunal da Rel. Guimarães havia negado à Reqte o Dtº de Propriedade sobre o imóvel.
Discordando a requerente da interpretação efectuada pelos recorrentes.
Quid iuris?

Continuam os recorrentes a lavrar no mesmo erro, de interpretação quanto ao desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL e da confusão feita entre propriedade e posse. É que, como já referido amiúde, a posse invocada neste processo em nada colide com o decidido no âmbito do processo nº 1942/18.2T8BCL. Com efeito, nestes autos, a Requerente alega tão só o exercício da posse desde o momento da entrega do prédio por parte dos Requeridos. Nada mais havendo aqui a analisar.
Sendo, pois, incorrecta a leitura pretendida.

XII) Há que avaliar o efeito do desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os Requeridos relativamente a esta providência (conclusão 16ª - 12ª questão das alegações)

Entendem os apelantes que sendo esta providência um meio cautelar de defesa do direito de propriedade correspondente ao imóvel possuído e, sabendo a Reqte que um Tribunal lhe recusou ser titular do direito de propriedade, age de má fé e fraude à lei o “possuidor” que se socorre da r.p.p.
Discordando a requerente da interpretação efectuada pelos recorrentes, pois o que está em causa na presente providência é unicamente a posse da Requerente, sendo que a mesma foi suficientemente demonstrada nos autos. Por sua vez, a acção principal a instaurar será uma simples acção possessória.
Quid iuris?

Valendo aqui integralmente as considerações expendidas supra, designadamente em XI, dá-se aqui tudo por reproduzido, a fim de evitar repetições.
Resta acrescentar que é pressuposto do decretamento da providência cautelar de Restituição Provisória da Posse a prova de que o requerente da providência é titular da posse sobre o bem cuja restituição é ordenada. E a prova da titularidade da posse sobre o bem não se confunde com a prova da titularidade do direito de propriedade sobre esse mesmo bem (10).
Não assiste, pois, também aqui, razão aos apelantes.

XIII) Atento o desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os Requeridos, falta o elemento subjectivo da posse daquela (conclusão 17ª - 13ª questão das alegações)

Entendem os apelantes que exigindo a nossa lei para a Posse o “corpus” e o “animus sibi habendi” (artº 1251, CC), falta o “animus” à posse daquele que, pelo menos no momento da instauração da ação e da decisão cautelar, sabe que o Tribunal lhe negou a propriedade do imóvel, ou seja, não pode agir como proprietário, que não é!.
Quanto ao elemento subjectivo da posse da requerente, entende esta que o “animus” da posse se encontra devidamente sustentado no facto de o prédio ter sido doado à Requerente e de lhe ter sido entregue voluntariamente, livre de bens e plantações pelos Requeridos, passando a ocupar o mesmo posteriormente e a praticar nele actos de posse. Além do mais, como resulta das transcrições juntas aos autos em 23/02/2021, todos os Requeridos, em sede de depoimento prestado em 12/11/2019 no âmbito do processo nº 1942/18.2T8BCL, declararam que consideravam o prédio entregue à aqui Requerente. Ora, todas estas circunstâncias reforçam a convicção da Requerente em agir como dona do referido prédio.
Quid iuris?

Antecipando desde já a decisão, diremos que também aqui não assiste qualquer razão aos recorrentes, que voltam a lavrar no mesmo erro da sua interpretação quanto ao desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL e da confusão que fazem entre propriedade e posse.
Passando a transcrever-se o que assertivamente consta da sentença recorrida de 23-03-2021 quanto a esta questão, ao que plenamente aderimos: Também não foi feita prova, em sede de oposição, que levasse a concluir que no período em que deteve o prédio a Requerente agiu sem animus possidendi. Diga-se que, até à data em que a Requerente foi esbulhada da posse do imóvel – o que ocorreu cerca de um mês após a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu definitivamente o processo registado sob o nº 1942/18.2T8BCL da Instância Local Cível de Barcelos – J3 -, a Requerente praticou atos de posse sobre os mesmos, e fê-lo convicta de que aquele lhe pertence porque lhe foi doado.
Ora, não faltando o elemento subjectivo da posse da requerente, também aqui não assiste razão aos apelantes.

XIV) Atento o desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os Requeridos, estamos perante uma posse (da requerente) inferior a um ano e um dia – “posse” essa que não permite o recurso à providência recorrida (conclusão 18ª - 14ª questão das alegações)

Entendem os apelantes que considerando a 2ª decisão recorrida quando diz … “a partir de inícios de Dezembro/2019, a Requerente tomou posse da parcela, exercendo sobre a mesma atos de posse, posse essa que foi esbulhada em meados de Novembro/2020 por ação dos Requeridos”, não restam dúvidas que estamos perante uma posse inferior a um ano e um dia – “posse” essa que não permite o recurso à providência recorrida.
Já a requerente entende ter ficado demonstrado que os Requeridos, em 1 de Agosto de 2018, entregaram voluntariamente o terreno objecto dos autos à Requerente. Aliás, o Tribunal a quo deu como não provado que tal entrega tenha sido feita em consequência de pressão com ameaça de acção judicial e pedido de indemnização - ver ponto f) dos factos não provados, o qual, saliente-se, não foi impugnado no presente recurso. Ou seja, a ter havido posse dos Requeridos, o que não aceita, a mesma foi voluntariamente cedida à Requerente. Toma-se assim irrelevante que a posse da Requerente seja inferior a um ano e um dia.
Quid iuris?

Entendem os recorrentes que uma posse inferior a um ano e um dia, não permite o recurso à providência de restituição provisória de posse. Entendimento que não tem qualquer base factual, face à previsão legal do art. 1278º do CC, atendendo a que ficou demonstrado que a requerente tomou posse do terreno objecto dos autos em virtude da sua entrega voluntária por parte dos requeridos, o que ocorreu em 1 de Agosto de 2018, apesar de apenas existirem actos de posse por parte da requerente desde pelo menos 4 de Dezembro de 2019.
Não assiste, assim, razão aos apelantes.

XV) Da inexistência de uma “vacatio” na posse do prédio entre 1.8.2018 e 4.12.2019 (conclusão 19ª - 15ª questão das alegações)

Discordam os apelantes do entendimento da decisão recorrida de que existiu uma “vacatio” na posse do prédio entre 1.8.2018 e 4.12.2019 – o que não pode admitir-se, face ao artº 1257-1, 2ª parte do CC e ao facto de, na opinião de P. Lima e A. Varela … “não é de admitir a perda de posse pelo simples abandono enquanto se não constituir uma posse de um ano e um dia, em benefício de outrem …” (C. Civil anotado – 3º vol., in anot. ao artº 1267).
Com o que discorda a requerente/recorrida, por estarmos perante uma entrega do prédio manifestada através de uma comunicação escrita, pelo que sempre se deveria entender que esta adquiriu a posse de forma legítima, de acordo com o disposto no artigo 1263°, alínea b) do Código Civil.
Quid iuris?

Também aqui não é correcta a interpretação que os recorrentes fazem da alteração do facto dado por indiciariamente provado sob o nº 15) na decisão recorrida de 23-03-2021. Inexistindo qualquer “vacatio” na posse do prédio entre 1.8.2018 e 4.12.2019, nem perda da posse por parte dos recorrentes pelo abandono.
Efectivamente, como bem se refere na mencionada decisão, depois de se ter aludido à ausência de consequência pelo facto de o Tribunal ter procedido à alteração do facto dado por indiciariamente provado na sentença proferida nestes autos sob o nº 15), é que, o que resulta evidente é que os Requerentes, em 1 de Agosto de 2018, voluntariamente, consideraram entregue à Requerente a parcela de terreno em causa nos autos (o que equivale a dizer que, nessa data, os Requerentes cederam a posse da parcela à Requerente). Entre essa data e o início de Dezembro de 2019, tal parcela não foi detida por ninguém – não ficou comprovada nos autos a prática de atos de posse nesse período nem pela Requerente, nem pelos Requeridos. A partir de inícios de Dezembro de 2019, a Requerente tomou posse da parcela, exercendo sobre a mesma atos de posse com animus possidendi, posse essa de que foi esbulhada, em meados de Novembro de 2020, por acção dos Requeridos, que não demonstraram fundamento que justifique tal actuação. É que não podemos esquecer que a Requerente detém um título que, aparentemente, lhe dá direitos sobre a parcela – a doação feita por A. O..
Não assiste, pois, também aqui, qualquer razão aos apelantes.

XVI) Da alteração da matéria de facto (conclusão 20ª - 16ª questão das alegações)

Divergem os apelantes da decisão da matéria de facto, pretendendo que se adite aos factos provados mais o seguinte: - “entre 1.8.2018 e 4.12.2019, os Requeridos mantiveram-se na posse do prédio, nele entrando e abrindo regos de escoamento das águas vindas da Igreja”.
Para tanto, defendem que tal matéria alegada resultou provada através do doc. 21 da Oposição, conjugado com o depoimento das testemunhas M. C. e M. S., cujos depoimentos pontualmente transcrevem.
Indicam o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamentam a sua pretensão.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC.

Cumpre, pois, apreciar.

Antes de mais, diga-se que relativamente ao facto em questão já a decisão recorrida se pronunciou, constando do elenco dos factos não provados na decisão de 23-03-2021, a alínea h) com o seguinte teor:

h) Como a Requerente não reocupou o terreno atrás da igreja que, na sua tese, não era esse o reivindicado, os Requeridos mantiveram a posse do terreno de 1.020 m2 atrás da igreja entrando nele com trator e fazendo regos para escoamento da água de todo o prédio, mas sem o agricultar, o que sucedeu até 4 de Dezembro de 2019.
bem como da motivação que:
No que concerne à alegada posse do terreno em questão nos autos entre 1 de Agosto de 2018 e 4 de Dezembro de 2019, a testemunha M. C. referiu que os Requeridos fizeram uns regos para escoamento de águas e M. S. mencionou que os Requeridos tinham o terreno em pousio. Ora, tais alegações são manifestamente insuficientes para o Tribunal concluir que os Requeridos mantiveram a posse do terreno, porquanto não se sabe em que data foram abertos os regos, de que modo tal sucedeu, quem interveio nessa operação. Acresce que, tal conclusão se acha contrariada pela atitude tomada pelos Requeridos, que proceder à limpeza do terreno e retiras as ervas aromáticas que aí se achavam.
Ora, verificando-se que os recorrentes não requerem a supressão da mencionada alínea h), o ora pretendido sempre se revelaria incompatível com ela.
De qualquer forma, revisitada a respectiva prova produzida, designadamente, analisado o documento invocado e ouvida a gravação integral, em audiência de julgamento, do depoimento das testemunhas M. C. e M. S., conclui-se não assistir razão aos apelantes. Não se tendo adquirido, assim, convicção diferente daquela obtida pelo Tribunal da 1ª instância, mesmo sem a mais valia que representa a imediação.
Verificando-se que os apelantes, no essencial, dissentem da decisão, assentando exclusivamente na sua versão dos factos e interpretação que fazem da prova que seleccionam e que pretendem ter ficado demonstrada.
Porém os apelantes não podem limitar-se a invocar apenas parte da prova que lhe é alegadamente favorável, em abono da alteração dos factos, ignorando a análise crítica efectuada pelo Tribunal a quo a essa mesma prova, decidindo em causa própria.
E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjectiva convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem julga é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, devem eles efectivar uma concreta e discriminada análise objectiva, crítica, lógica e racional de toda a prova, de sorte a convencerem o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. O que não lograram.
Resultando evidente nos autos, que na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido elencou de forma clara e exaustiva os seus argumentos. Alegar como fazem os recorrentes, invocando particularidades já analisadas na motivação, é ocultar e rodear a bem assinalada falta de prova da sua ocorrência mencionada na motivação.
Diga-se ainda, quanto à incongruência da sua pretensão, que ficou apurado que os Requerentes, em 1 de Agosto de 2018, voluntariamente, consideraram entregue à Requerente a parcela de terreno em causa nos autos.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se nada haver aqui a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação da matéria de facto.

XVII) Atento o desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os Requeridos, pretendem estes uma alteração à matéria de facto (conclusão 21ª)

Divergem os apelantes da decisão da matéria de facto, pretendendo que se retire do Facto 15º da 1ª decisão recorrida a expressão “por si e antepossuidores”, face às decisões do douto ac. RG de 15.10.2020 (fls 41, ss e esclarecimento do doc. 3 da Oposição dos Requeridos), uma vez que a Reqte não beneficia do disposto no artº 1256, CC (junção de posses).
Quid iuris?

Valendo aqui integralmente as considerações expendidas supra, designadamente em XI, XII e XIII sobre o erro de interpretação dos recorrentes quanto ao desfecho da acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL e da confusão feita entre propriedade e posse, dá-se aqui tudo por reproduzido, a fim de evitar repetições. Podendo até entender-se que a requerente adquiriu a posse nos termos do art. 1263º, b) do CC e inexistindo qualquer “vacatio” na posse do prédio entre 1.8.2018 e 4.12.2019, como já supra mencionado em XV, é, pois, impróprio afirmar-se que não houve sucessão na posse.
Não assiste, assim, também aqui, razão aos apelantes.

XVIII) Reapreciação da decisão de mérito da providência (conclusão 22ª)

Entendem os apelantes que face aos factos provados 1 a 8 e 10 e 11 da 2ª decisão e às conclusões anteriores, os Requeridos sempre beneficiariam de “melhor posse”.
Ora, atendendo a que se decidiu pela improcedência das conclusões anteriores, prejudicada fica a reapreciação da decisão em conformidade com o seu acolhimento.
Logo, face à factualidade indiciariamente provada, a solução do tribunal a quo, que julgou improcedente a oposição deduzida, só pode merecer o nosso integral acolhimento, uma vez que os Requeridos não lograram fazer valer a sua razão de molde a impor uma decisão diversa da já proferida.
Como se sabe, os procedimentos cautelares constituem instrumentos processuais destinados a prevenir a violação grave ou de difícil reparação de direitos, derivada da demora natural de uma decisão judicial.
Representam, por isso, uma garantia de eficácia, em relação à decisão a proferir no processo principal. Decorre da necessidade desta eficácia, a urgência do processo de providência cautelar e concomitantemente, a análise apenas sumária da situação de facto, “summaria cognitio”, de forma a fazer-se um mero juízo sobre a provável existência do direito, “fumus boni juris”, e o receio justificado da necessidade da providência, de forma a evitar que o direito seja seriamente afectado ou até inutilizado “periculum in mora”.
Como refere António Geraldes (11), os procedimentos cautelares “são, afinal, uma antecâmara do processo principal, possibilitando a emissão de uma decisão interina ou provisória destinada a atenuar os efeitos erosivos decorrentes da demora na resolução definitiva ou a tornar frutuosa a decisão que, porventura, seja favorável ao requerente”.
Ora, in casu, impunha-se aferir se os factos apurados afastavam os fundamentos da providência decretada.
Tendo o Tribunal a quo decidido com assertividade e ponderação.
Nada havendo, pois, a censurar na decisão a quo.

Termos em que se confirma e mantém as decisões impugnadas, recusando-se provimento ao recurso.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – A procedência da providência cautelar de restituição provisória da posse depende da verificação de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
II – A posse é um poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – art. 1251º do CC.
O esbulho consiste na perda de retenção ou fruição, ou a sua possibilidade de o fazer, da coisa ou direito.
Por outro lado, ocorre a violência quando se use de coacção física ou moral, nos termos do art. 255º do CC, se forem praticados actos que constranjam a vontade do possuidor, obrigando este a submeter-se ao desapossamento.
III – É matéria controvertida, tanto na doutrina como na jurisprudência, a questão de saber se, na caracterização da violência, esta tanto pode ser exercida sobre pessoas, como sobre as coisas, ou se o conceito deve ser limitado à coacção exercida sobre o possuidor.
Ora, de acordo com o nº 2 do citado art. 255º, a ameaça integradora da coacção moral tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do esbulhado ou de terceiro.
IV – Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder.
V – Não podemos confundir a questão da força ou autoridade do caso julgado com a excepção dilatória do caso julgado. Efectivamente, a autoridade do caso julgado, embora pressupondo a existência de uma decisão transitada em julgado, não se confunde com a excepção do caso julgado. Esta destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. Aquela – a autoridade de caso julgado – importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art. 498º do CPC.
VI – Os procedimentos cautelares constituem instrumentos processuais destinados a prevenir a violação grave ou de difícil reparação de direitos, derivada da demora natural de uma decisão judicial.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando as decisões recorridas.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
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Guimarães, 13-07-2021

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Braga - JL Cível - Juiz 3
2. Vide, L. P. Moitinho de Almeida, in Restituição de Posse e Ocupações de Imóveis, Coimbra Editora, pág. 22.
3. Vide, Guerra da Mota, Manual da Acção Possessória, Athena, 1980, pág. 134.
4. Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, pág. 23.
5. Cfr. Ac. STJ de 22-03-2000, Agravo n.º 154/00 - 7.ª Secção, disponível in www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
6. Note-se que assim continua a ser genericamente porquanto, em face da inovação introduzida pelo art. 369º do actual CPC, que introduziu no nosso regime a Inversão do contencioso, só nos casos em que esta tenha sido requerida é que se exige que a matéria de facto adquirida no procedimento cautelar permita a formação pelo juiz de uma convicção segura relativamente à efectiva existência do direito que o requerente do procedimento pretende com este acautelar.
7. In “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV vol. Pág. 63, nota 79.
8. Vd, no mesmo sentido, os acs. da RL de 24.6.99, in CJ t. III, pág. 129; de 6.4.00, in CJ , t. II, pág 130; e da RC de 23.5.00, in CJ t. III, pág. 23.
9. Cfr. Ac. de 17-12-2020, que indeferiu o pedido de reforma, proferido posteriormente à sentença proferida nestes autos em 16-12-2020 e que ordenou a restituição provisória da posse à Requerente do prédio descrito em 1) e 3) dos factos provados e condenou os Requeridos a remover a vedação descrita em 16) dos factos provados.
10. Vd. neste sentido, o Ac. desta RG de 17-04-2008, proferido no Proc. nº 165/08-1 e acessível in www.dgsi.pt.
11. In “Temas da Reforma de Processo Civil”, III Vol. pág. 35.