Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CAMINHO PÚBLICO
PROPRIEDADE PRIVADA
ATRAVESSADOURO
INTERESSE COLETIVO
Sumário
I- Pretendendo os autores ver reconhecido que determinada faixa de terreno corresponde a caminho público têm o ónus de alegar e provar que a lei a classificou como estando integrada no domínio público ou que tal caminho é utilizado, desde tempos imemoriais, pela comunidade local na satisfação de um interesse coletivo. II- Estando em causa um caminho cujo leito é privado importa ainda, para distinguir dos atravessadouros, a alegação e prova de que tal interesse coletivo é relevante. III- Provando-se que determinado caminho que se inicia numa estrada municipal, ainda que acessível a quem nele pretenda transitar, serve apenas de acesso a pé e de veículos a cinco habitações que o ladeiam e a prédios rústicos não pode o mesmo ser qualificado como caminho público mesmo que exista há mais de 100 anos.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I – Relatório
M. L. e mulher, M. T., instauraram a presente acção popular, sob a forma de processo comum, contra M. J., R. G., F. G. e I. R., peticionando que:
a) se declare e que seja reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …º da União das Freguesias de ..., .... e ..., concelho de ... e descrito na C.R. Predial de ...s, freguesia de … sob o nº …;
b) se declare e seja reconhecido que o caminho identificado sob os artigos 13º a 22º é uma via pública cuja dominialidade pertence à Autarquia Local – União de Freguesias de ..., .... e ...;
c) se condene os réus a reconhecer o sobredito nas alíneas a) e b);
d) se condene os réus a demolir o muro de vedação referido sob os artigos 23º a 25º da petição inicial, que construíram em manifesta violação daquele espaço público e assim restituírem o caminho à situação anterior àquelas obras;
e) se condene os réus a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade dos autores e ainda do caminho público existente.
Alegaram para o efeito, e em síntese, que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito no Lugar de ..., União da Freguesia de ..., .... e ..., do Concelho de ..., que confronta do sul com o caminho público que separa o prédio dos autores do prédio dos réus, caminho que se inicia noutro caminho público, principal do lugar, dirige-se no sentido nascente-poente, com cerca de 100 metros de comprimento, e que serve de acesso a pé e de veículos a cinco casas do lugar, bem como de diversos prédios rústicos.
Invocaram que o caminho se encontra em calçada à portuguesa na maior extensão do seu percurso, que é servido por postes de iluminação pública, obras que foram feitas pela Junta de Freguesia e com o fim público de acesso aos prédios de todos os residentes, sendo a Autarquia Local que o limpa e cuida e que suporta o seu custo, existindo desde tempos imemoriais, estando, como sempre esteve, aberto e acessível a todos que pretendem por ele transitar.
Por fim, afirmaram que a 1ª ré, há cerca de 3 anos, no lado norte daquele caminho e a confinar com o prédio dos réus, construiu ilicitamente um murete de blocos que encimou por rede suportada em esteios, ocupando o caminho público, no comprimento de cerca de 30 metros e na espessura de 20/30 centímetros, impedindo os autores de acederem à via pública, causando prejuízo e violando a propriedade pública sobre o caminho e também dos autores e que, apesar de já terem instado a Junta de Freguesia, obrigando a 1ª ré a retirar aquela vedação, a Autarquia Local nada resolveu.
*
Ao abrigo do disposto no art. 13º da Lei nº 83/95, de 31 de agosto, que aprovou a lei que regulamenta o direito de participação procedimental e de acção popular, foi proferido despacho a julgar não ser manifestamente improvável a procedência dos pedidos formulados em b) e c) – quanto a este último ao reporte ao pedido na alínea b) –, d) e e) – este último apenas no referente ao caminho público.
No respeitante aos demais pedidos, foi dado o contraditório aos autores para se pronunciarem sobre a sua inadmissibilidade processual.
*
Os autores manifestaram a sua vontade de desistir do pedido formulado sob a alínea a) e ainda de parte dos pedidos formulados nas alíneas c) e e), somente quanto ao que aí se alude ao pedido em a), reformulando o petitório da ação.
*
Foi proferido despacho a julgar válida e relevante a desistência parcial dos pedidos e a ordenar o cumprimento do disposto nos art. 15º e 16º da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto e no art. 569º do C.P.C. ex vi art. 12º, nº 2 da Lei 83/95.
*
A Câmara Municipal de ... veio requerer a sua intervenção a título principal no processo, declarando que o aceitava na fase em que se encontrava.
*
Os réus deduziram contestação, invocando, em primeira linha, a ilegitimidade passiva da ré R. G. e, consequentemente, pugnando pela sua absolvição da instância.
Em segunda linha, impugnaram os factos constantes da petição inicial, sustentando que o prédio dos autores confronta a nascente com um caminho de servidão, não revestindo o caminho em causa nos autos natureza pública.
Mais alegaram que o muro foi construído há mais de 20 anos e em terreno dos réus, sendo que a Junta de Freguesia reconheceu e reconhece a natureza privada do caminho e os próprios autores também, caminho com origem no caminho público dito da Capela - actual estrada municipal – que antes era térreo, no sentido nordeste-sudoeste, que servia algumas casas e terrenos agrícolas, com cerca de 100 metros, contados desde a estrada até uma zona em que bifurcava para servir terrenos agrícolas.
Acrescentaram que nesses primeiros 100 metros, o caminho estava integralmente implantado nos prédios da ré R. G. e da 1ª ré e seu marido, existindo do lado poente um muro em pedra que, nos últimos 50 metros, o suportava, pois, o prédio contíguo situava-se num plano inferior, muro que, pelo menos nessa zona, integrava o prédio dos réus.
Ainda, descreveram que, junto à casa dos réus, e entre ela e um outro edifício seu, o caminho passa por um terreiro que utilizavam para diversos fins, nunca ninguém tendo posto em crise a titularidade de tal parcela de terreno, que era exclusivamente utilizada pelos seus donos e para passagem dos titulares da servidão, esclarecendo que a razão material subjacente à presente acção se prende com o facto dos autores pretenderem utilizar a parcela para acesso carral à parte agrícola do seu prédio.
Narraram, também, que as três casas entretanto construídas do lado poente do caminho têm devido acesso, sendo que, dos documentos constantes dos processos de licenciamento requeridos pelos autores para construção, ampliação e reconstrução consta a informação de que o caminho em causa é particular, tendo quase a totalidade dos moradores de ... apresentado um abaixo assinado junto da Câmara Municipal defendendo a titularidade pela 1ª ré do terreno fronteiro à casa e por onde passa um caminho de servidão, na sequência de um diferendo entre autores e réus por causa da construção do muro de vedação pela 1ª ré em 2000, para o qual requereu um licenciamento.
Por fim, que há 3 ou 4 anos o caminho foi calcetado, não tendo os réus autorizado o calcetamento a partir do início da sua casa de habitação, tendo sido colocado, na mesma ocasião, um poste da Eletricidade …, e que, apenas os moradores e os titulares do direito de servidão de passagem utilizavam e utilizam o caminho.
Terminam, pugnando, pela improcedência da acção e pela absolvição dos réus dos pedidos.
*
Os autores responderam à excepção invocada pelos réus pugnando pela sua improcedência e impugnaram os documentos juntos pelos réus com a sua contestação.
*
Foi proferido despacho ao abrigo do artigo 590º, nº 3 do C.P.C. notificando os autores para procederem à cabal identificação do prédio dos réus e à junção da certidão do registo predial actualizada do referido imóvel, o que fizeram, e foi determinada a rectificação do art. 14.º da petição inicial.
*
No dia 08/01/2020 foi proferido despacho a dispensada a realização de audiência prévia, foi indeferida a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da ré R. G., foi proferido despacho saneador, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Foi admitida a prova indicada pelas partes nos articulados e designadas datas para a realização da audiência de julgamento.
*
Procedeu-se a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos:
“Nestes termos, julga-se a presente ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, decide-se absolver os réus dos pedidos formulados pelos autores. (…)”
*
Não se conformando com esta sentença vieram os autores dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“a) Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls., que julgou totalmente improcedente a acção, por não provada e, em consequência, absolveu os RR. dos pedidos formulados;
b) Os apelantes não se conformam com a presente sentença, pois ante a matéria de facto provada a decisão de direito sempre deveria ser outra, “in casu” decidindo pela natureza pública do caminho cuja dominialidade pertence à Autarquia Local – União de Freguesias de ..., .... e ...;
c) Ora, entendeu o Tribunal “a quo” ser de concluir, que o caminho em causa nos autos, nunca constituiu um caminho público, por ser utilizado, essencialmente, pelos proprietários dos prédios urbanos e rústicos a que dava acesso, não obstante estar aberto e acessível a quem por ele pretendesse transitar;
d) Esta posição do Tribunal “a quo”, é errada, porquanto não considerou ou valorizou adequadamente o meio em causa, no caso, de ser um meio rural, com poucos habitantes e com um “modus vivendi” diferente dos grandes aglomerados e cujas necessidades de deslocação são as próprias de quem vive nesses meios, mas que não deixam de ser ou ter relevância pública local e olvidou aspectos fundamentais da consideração da dominalidade dos caminhos, que quando verificados por si só importam na classificação do caminho como público, como sucede, quando este existe desde tempos imemoriais, tem infraestruturas publicas e está no uso directo e imediato do público, que o usa sem restrições e que não constitui um qualquer atravessadouro nem se mostra implantado na propriedade de privados, antes está demarcado e separado das propriedades privadas, como neste caso sucede;
e) Assim, com especial interesse para a natureza do caminho importa considerar os seguintes factos provados sob os pontos 10. a 14. da matéria de facto inserta na fundamentação da sentença, que aqui por brevidade se dão por reproduzidos;
f) Destes factos, resulta a dominialidade do caminho, tal qual o define o acórdão uniformizador proferido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça. Pois o aludido caminho, desde tempos imemoriais, que está ao serviço e é usado de forma directa e imediata pela população do Lugar ... e da Freguesia de ..., em ...;
g) Na verdade, o que ocorre relativamente a um caminho que ligando duas zonas do lugar/povoação, é que permite aos respetivos moradores aceder à escola, minimercado, festas e romarias, locais de trabalho, campos de cultivo e residências de familiares existentes/sitas nesta última, sendo que nesta existem igualmente rede electrica, rede de água, bem como permite, a partir da Rua - estrada principal, que é identificada como antiga estrada da Capela, aceder às casas de habitação existentes. Isto importa necessariamente a conclusão de que tal caminho é uma ligação com interesse local, destinado ao trânsito de pessoas e veículos e incorporado no sistema viário da zona e não como resulta da sentença que lhe atribuiu um interesse privado ou sem relevância de interesse público;
h) Sendo certo que, o grau e relevância do interesse colectivo satisfeito pelo caminho em causa não depende de um juízo quantitativo sobre o número efectivo de utilizadores, bastando-se com a existência objectiva de certo equipamento colectivo, de uso potencialmente público, pela generalidade da comunidade que, porventura, tenha interesse em a ele aceder - independentemente do número real de interessados que, em cada momento, dele efectivamente se utilize;
i) Sucede que, se mostra provado que o caminho existe há mais de 100 anos, que por ele transitam todas as pessoas do Lugar e da Freguesia, sem qualquer restrição, que este está aberto ao público, que foi intervencionado com a prática de diversos actos, como a sua pavimentação, a construção de rede electrica e a sua iluminação, de forma legitima, pela autarquia (Junta de Freguesia) de ... e Município de ..., que exerce sobre ele jurisdição, administrando-o, melhorando-o e conservando-o, pelo que não pode duvidar-se que se trata de um caminho público pertencente àquela entidade pública;
j) O caminho assume o seu caracter público, porque está a ser usado pela população e as suas infraestruturas foram construídas e são mantidas a expensas públicas e que se encontram no uso direto e imediato do público;
k) Na verdade, desde sempre foi utilizado a pé, de carros agrícolas e tractores, bem como veículos automóveis e também pelas pessoas que viessem a ..., da freguesia de ... e desta para outras localidades das redondezas;
l) O caminho sempre teve o seu leito e orientação definidos e demarcado dos terrenos vizinhos por muros, erguidos de um lado e do outro da sua margem, aliás como se pode verificar nas fotografias juntas a fls. no auto de inspecção judicial;
m) Além disto, não se provou que se trate de um mero caminho de servidão, como foi alegado pelos réus, na sua contestação, cujo leito faça parte integrante de prédios particulares, sendo certo que o caminho tem o seu leito, bem demarcado dos terrenos vizinhos, por muros erguidos de um e outro lado da sua margem;
n) Sendo certo que, não resulta da sentença, nem o próprio Tribunal conclui conforme alegado pelos Réus que se tratava de um caminho de servidão;
o) Sendo de notar que esta última circunstância, de não se ter provado que o leito do caminho em litígio pertence ao prédio dos RR., impediria, desde logo, que se pudesse qualificar o mesmo como atravessadouro;
p) O caminho em questão serve de via de comunicação de diversas propriedades à Estrada Municipal (antiga estrada da Capela) e que desde sempre foi livremente utilizado a pé, de carros agrícolas e tractores e pelas pessoas que viessem à povoação de ..., ... ou pelas pessoas que viessem de ..., ..., para outros lugares da freguesia ou outras localidades das redondezas;
q) Assim, a factualidade apurada permite concluir, que se trata de um caminho público, por, desde tempos imemoriais, estar no uso directo e imediato do público, visando a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância;
r) Com efeito, o caminho em questão, para além de dar acesso às propriedades que o marginam, satisfaz o interesse objectivo do trânsito, deslocação e comunicação das pessoas das indicadas povoações, dando satisfação às necessidades colectivas dessas populações;
s) E a potencial utilização de certo equipamento colectivo por um número – não interessa se maior ou menor de cidadãos, bastará. Aliás, é nesta perspectiva, que se tem por correcta, o grau e relevância do interesse colectivo satisfeito pelo caminho em causa não deverá depender de um juízo quantitativo sobre o número efectivo de utilizadores, bastando-se com a existência objectiva de certo equipamento colectivo, de uso potencialmente público pela generalidade da comunidade que, porventura, tenha interesse em a ele aceder (independentemente do número real de interessados que, em cada momento, a ele efectivamente aceda);
t) O seu uso generalizado e comum pelas pessoas das mencionadas povoações assim o demonstra de forma suficiente, para que se tenha por cumprido o ónus que incumbia aos autores de provar a sua afectação à utilidade pública, já que revela uma utilização associada à satisfação das necessidades sociais e da vida económica das pessoas dos locais servidos pelo dito caminho.
u) Ademais, não resulta provado que o caminho esteja integrado em alguma propriedade privada, antes existente num lugar e que desde tempos imemoriais liga duas ruas desse lugar (a estrada municipal/Estrada da Capela àquele lugar de ...), a prova do seu uso imemorial pela população basta para se considerar tal caminho como caminho público, não se impondo nenhuma interpretação restritiva do assento.
v) Importa ainda salientar em defesa da posição sufragada pelos apelantes, o decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, Processo nº 42/14.5TBMTR.G1, Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS, no acórdão proferido em 22-06-2017, que decidiu – “Se um caminho não se integra em nenhuma propriedade privada a prova do seu uso imemorial pela população é suficiente para se considerar tal caminho como público, não se impondo, neste caso, a interpretação restritiva do “Assento” que definiu o conceito de “caminhos públicos”, já que esta interpretação restritiva pressupõe o atravessamento de propriedade alheia”;
w) Ou seja, e em síntese, tendo os apelantes provado o que melhor resulta dos pontos 10. a 14. da matéria de facto, que aqui por brevidade se dão por reproduzidos e consequentemente, não tendo os apelados provado (e o ónus da prova era seu, em conformidade com o n.º 2 do art.º 342.º do C.C.) que a parcela de terreno que constitui o leito do caminho é parte integrante do seu prédio (como defendiam no articulado de contestação), o que, de acordo com a Jurisprudência acima citada, “é o quantum satis para se reconhecer a natureza pública ao caminho que não atravessa propriedade privada”, ainda que tal caminho faça a ligação entre o Lugar de ... e a Rua/estrada municipal ou estrada da Capela e demais lugares da freguesia de ....
x) Pelo que, a matéria de facto provada, no entendimento dos apelantes, sempre seria e é suficiente, para uma decisão de direito diversa da proferida pelo Tribunal “a quo”, in casu” a classificação do caminho como público e cuja dominialidade pertence à Autarquia Local – União de Freguesias de ..., … e ….
y) Subsidiariamente, para o caso de se não entender da suficiência da matéria de facto provada, tendo em vista a classificação do caminho como público, sempre os apelantes impugnam a matéria de facto, quanto aos factos mencionados nas alíneas a) e b) dos factos não provados, por os mesmos atenderam ao fim público do uso do caminho e à administração que sobre o mesmo é feito pela autarquia, com fim público.
z) Atento o julgamento da matéria de facto que consta da decisão de fls. e que aqui se dá por reproduzida, o apelante não aceita a factualidade dada como não provada pelo Tribunal “a quo” sob as alíneas a) e b) da douta sentença, pois entende que tais factos, ante o ónus da prova imposto às partes e da prova produzida em audiência de julgamento, deveriam ser dados como provados, na media em que os depoimentos de parte prestados pelos autores, M. L. e mulher M. T., gravados em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 29/10/2020 das 14:41:07 às 16:15:27 minutos e das 16:16:12 às 16:52:57 minutos, respectivamente, e das testemunhas M. B., com depoimento gravados em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 17/11/2020 das 15:29:24 às 15:54:04 minutos, de A. P., com depoimento gravado em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 17/11/2020 das 15:54:38 às 16:18:26 minutos, de M. A., com depoimento gravado em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 17/11/2020 das 16:19:53 às 16:54:13 minutos e de F. L., actual Presidente da Câmara Municipal e anterior Presidente da Junta de Freguesia de ..., com depoimento gravado em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 21/12/2020 das 10:22:50 às 10:53:48 minutos, cujas passagens foram transcritas supra e aqui se dão por reproduzidas, atenta a forma como foram prestados e a qualidade das testemunhas, porque conhecedoras da realidade do local e ainda porque intervieram directamente nas obras realizadas no caminho, resultam claros e suficientes quanto ao facto de a Junta de Freguesia ter calcetado o caminho com o fim público de acesso aos prédios de todos os residentes e ainda de que tal caminho é conservado e cuidado pela Junta de Freguesia;
aa) Resulta dos depoimentos que a autarquia interveio no caminho em causa infraestruturando-o com a pavimentação, colocação de iluminação e construção da rede de água, sendo esta quem assegura a sua manutenção e custeia os gastos de energia electrica que é feita no caminho;
bb) Que a limpeza deste como de outros caminhos da Freguesia, e como forma habitual de proceder, era feito mediante solicitação dos moradores e com recurso aos meios da Câmara Municipal por a Junta de Freguesia não dispor de funcionários;
cc) As realizações destas infraestruturas no dito caminho constituem actos de posse levados a efeito pela autarquia num bem que considera do domínio público e que coloca ao serviço da população e inequivocamente, tais infraestruturas ali realizadas constituem actos de conservação, manutenção e de beneficiação do caminho;
dd) Não se afigura correcto considerar que as intervenções feitas pela autarquia não visassem o fim público e designadamente de acesso aos prédios dos residentes. Tanto mais que, o Senhor Presidente da Câmara, além de dar conta das obras realizadas no caminho, quer da iluminação pública quer da rede de água, explicou o sucedido quanto à pavimentação que a Junta de Freguesia mandou executar em 2009/10, sendo que a intervenção até aquele local resultou de ter sido determinado que apenas seria feito até às casas do arruamento, ou seja, por ser este o local mais premente e de maior utilidade para os moradores;
ee) Sendo de considerar, quanto à natureza do caminho, que o Senhor Presidente da Câmara, não teve dúvidas em considerar que o caminho apesar de apenas estar pavimentado em parte, constituía um único caminho (era todo ele o mesmo caminho desde a parte onde se inica – na Estrada Municipal até ao fim junto aos campos) e com natureza pública, concluindo mesmo tratar-se de um caminho vicinal da responsabilidade da Junta de Freguesia;
ff) Pelo que, sendo um caminho de natureza pública resulta que aquele muro edificado pelos RR. identificado sob os artigos 23.º a 25.º da petição inicial, está a ocupar o seu leito, atenta contra este bem do domínio público e como tal, deve ser demolido e restituído o caminho á situação anteriores a tais obras.
gg) Sendo errada a decisão por erro na apreciação da matéria de facto e ainda por erro na aplicação do direito, este Tribunal “ad quem” pode alterá-la, uma vez que do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto aqui em causa;
hh) E fazendo a alteração, como deve fazer, é no sentido de dar como provados as alíneas a) e b) da factualidade não provada, ou seja, de que o caminho foi calcetado pela Junta de Freguesia com o fim público de acesso aos prédios de todos os residentes e que o mesmo é reparado e cuidado pela Junta de Freguesia, impondo-se em consequência a subsunção jurídica adequada dos factos, o que determina a procedência da acção, declarando além do mais, que o caminho identificado sob os artigos 13.º e 16.º da petição inicial é uma via pública cuja dominialidade pertence à Autarquia Local – União de Freguesias de ..., .... e ... e os RR. condenados a demolir o muro de vedação referido sob os artigos 23º a 25º da petição inicial, que construíram no caminho público e restituírem o caminho à situação anterior àquelas obras, devendo ainda ser condenados a absterem-se da prática de quaisquer atos que atentem contra o caminho público;
ii) Donde a sentença apelada ter violado, entre outros, o disposto nos art.s 202.º, 342º, do Código Civil, artigo 4.º do D.L. nº 477/80 de 15/10, artigo 84.º, nº 1 al. d) da Constituição da República Portuguesa.
jj) Funda-se, ainda, o presente recurso no disposto nos artºs 607º, 615º nº 1 als. b) e c), e 662º, do CPC.”
Pugnam pela revogação da sentença apelada, substituindo-a por outra que julgue a acção totalmente procedente.
*
Foram apresentadas contra-alegações e os apelados procederam à ampliação do objecto do recurso ao abrigo do art. 636º nº 2 do C.P.C. impugnando os pontos nº 11, 12, 14 e 15 dos factos provados, os quais não foram impugnados pelos apelantes.
*
Os apelantes responderam à ampliação do recurso.
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:
A) Saber se, em face da matéria de facto dada como provada, ocorreu um erro de julgamento;
B) Na negativa, apurar se o facto de eventualmente se considerar provada a matéria sob as al. a) e b) dos factos não provados permitiria que a subsunção jurídica fosse outra.
C) Por fim, se é de conhecer da ampliação do recurso.
*
II – Fundamentação
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. Os autores residem em ..., União das Freguesias de ..., .... e ..., do concelho de ..., há 57 anos e são cidadãos eleitores com os nº … e ….
2. Sob as APs. 4 e 5 de 2005/09/26, encontra-se averbada a favor dos autores a propriedade do prédio urbano, sito em ..., União das Freguesias de ..., .... e ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …/20050926, com matriz predial urbana nº …, com a seguinte composição: “Casa de cave e rés-do-chão destinada a habitação e quintal anexo”, e confrontações: “Norte: M. L. – Sul: Herdeiros de J. F. – Nascente: Caminho de servidão – Poente: M. E.”.
3. Na caderneta predial urbana emitida pelos Serviços de Finanças de ..., constam as seguintes confrontações: “Norte: L. C., Sul: Herdeiros de J. F., Nascente: Caminho servidão, Poente: M. E.”.
4. O referido prédio adveio à posse e propriedade dos autores por o terem adquirido pela escritura notarial de partilha e compra e venda outorgada a fls. 114 a 116 do Livro de Notas para Escrituras diversas nº 4-A, no Cartório Notarial de ..., da Notária L. M., no dia 21 de setembro de 2005.
5. Há mais de 10, 15 e 20 anos que os autores, por si e antecessores, estão na posse, uso e fruição do aludido prédio, habitando-o, fazendo aí as refeições e recebendo amigos e familiares e retirando dele as demais utilidades que lhe são inerentes, fazendo obras e benfeitorias, pagando os impostos sobre ele incidentes, dando-o de arrendamento e recebendo as respectivas rendas.
6. O que tudo sempre têm feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo dos seus direitos de propriedade sobre aquele prédio.
7. Sob a AP. nº 1 de 1968/06/21, encontra-se averbada a favor de M. J., falecido marido da 1.ª ré, a aquisição por doação e partilha do prédio urbano, sito em ..., União das Freguesias de ..., .... e ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …/20190313, com matriz predial urbana nº …, com a seguinte composição: “Casas sobradadas, parte telhada e parte colmassas e uma leira de terra junta”, e confrontações: “Norte e poente – caminho; - sul: terras de M. J.; - nascente: terras dos herdeiros de A. A.”.
8. O prédio referido em 7 integra o património comum do casal formado pela 1ª ré e pelo seu falecido marido M. J., sendo herdeiros e titulares de tal património, para além da 1ª ré, o 3º réu e a 4ª ré, filhos de ambos.
9. A 2ª ré R. G. é filha da 1ª ré e de B. N..
10. Entre os prédios supra referidos existe um caminho, que tem o seu início na estrada municipal – antigo caminho público da Capela –, dirigindo-se no sentido nordeste-sudoeste, com cerca de 3 metros de largura, com 90 metros de comprimento, sendo 60 metros em calçada à portuguesa e os restantes 30 metros em terra batida, passando por um terreiro junto ao prédio identificado em 7, terminando numa zona que bifurca para o acesso a terrenos agrícolas.
11. É servido de iluminação pública há pelo menos 40 anos.
12. O caminho foi calcetado pela Junta de Freguesia em 2009/2010, a pedido do autor marido, terminando o empedramento junto da casa dos autores.
13. O caminho serve de acesso a pé e de veículos a cinco habitações dispostas em banda de cada lado do caminho e à descrita em 7, bem como a prédios rústicos.
14. O caminho existe há mais de 100 anos e está, e sempre esteve, aberto e acessível a quem pretende por ele transitar.
15. Em 2000 a 1ª ré construiu, no lado norte do caminho e a confinar com o prédio dos autores, um muro em blocos, com 30 metros de comprimento e largura de 18 centímetros, que encimou por uma rede, que acompanha o caminho em terra batida.
16. Para a construção do muro referido em 15, a 1ª ré requereu um licenciamento municipal, o qual foi deferido, constando dos documentos que instruíram o processo que o caminho em causa é particular.
17. Os autores reagiram reclamando perante o Município de ....
18. Nessa mesma altura, foi dirigido um abaixo assinado ao Presidente da Câmara Municipal de ..., onde os assinantes declaram que o caminho é de servidão.
19. Em 2008/2009, o autor marido requereu o licenciamento para a reconstrução do prédio identificado em 2.
20. Dos documentos que instruíram o processo referido em 19 consta que o prédio dos autores confronta com caminho de servidão.
21. Em data não concretamente apurada, os autores construíram uma churrasqueira no seu prédio.
22. A churrasqueira foi construída num anterior acesso directo que os autores tinham da parte rústica do seu prédio à parte actualmente pavimentada do caminho.
*
Não se provou:
a) O caminho foi calcetado pela Junta de Freguesia com o fim público de acesso aos prédios de todos os residentes.
b) O caminho é reparado, limpo e cuidado pela Junta de Freguesia.
c) Os autores instaram a Junta de Freguesia no sentido de obrigar a 1ª ré a retirar a vedação que colocou no caminho.
d) Os réus não autorizaram que o caminho fosse calcetado a partir do início da habitação que lhes pertence
*
Pretendem os autores ver reconhecido a dominialidade do caminho que confronta a nascente com o seu prédio urbano sito em ....
Defendem que a esta conclusão se pode chegar face à matéria de facto dada como provada. Para a possibilidade de assim não se entender pretendem ver reapreciada a matéria de facto de modo a que a matéria constante das al. a) e b) dos factos não provados passe a integrar os factos provados e, deste modo, ver reconhecida a referida dominialidade.
Vejamos.
Antes de mais, em princípio, a classificação de uma coisa como pública depende da lei que a retira do comércio jurídico privado e que a submete ao domínio de uma pessoa de direito público com vista à sua afectação à satisfação de uma necessidade colectiva – art. 84º nº 2 da C.R.P..
É, entre outros, o caso das estradas – al. d) e f) do mesmo preceito; Dec.-Lei nº 222/98 de 17 de Julho que aprovou o Plano Rodoviário Nacional; 26º nº 1 a) da Lei nº 34/2015 de 27 de Abril, que aprovou o Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional.
Presentemente a lei não alude aos caminhos públicos.
A doutrina e a jurisprudência distinguem os caminhos – vias que ligam lugares ou localidades ou ligam localidades a prédios rústicos – dos atravessadouros ou atalhos – caminho alternativo que encurta o percurso entre dois pontos, normalmente entre caminhos públicos, através de um ou mais prédios particulares.
No que concerne à caracterização de um caminho como público a doutrina e a jurisprudência dividiram-se:
Uns, fundamentando-se no art. 380 do C.C. de 1867, preceito sem correspondência no C.C. de 1966 que, segundo eles, se manteria em vigor, defenderam que era público o caminho construído ou apropriado por uma pessoa colectiva de direito público. Com efeito, dispunha tal preceito: “são públicas as coisas naturais ou artificiais, apropriadas ou produzidas pelo Estado e corporações públicas e mantidas debaixo da sua administração, das quais é lícito a todos, individualmente ou colectivamente utilizar-se”.
Outros, propugnaram que o uso directo e imediato pelo público em geral, desde que imemorial, associado a um fim de utilidade pública, permitia caracterizar o caminho como público independentemente de quem a construiu e conservou.
Pretendendo pôr fim a esta divergência surgiu o Assento nº 7/89 de 19/04/89 (Solano Viana), publicado no DR I-A de 2 de Junho de 1989, que decidiu que: “São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”.
Este acórdão considerou que o art.º 380º do C.C. de 1867 estava revogado e que algumas vias de comunicação terrestre, como as estradas municipais e os caminhos públicos, não fazem parte do domínio público do Estado (D.L. 477/80 de 15/10 – artº 4) concluindo que “quando a dominialidade de certas coisas não está definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afectadas de forma directa e imediata ao fim de utilidade pública que lhes está inerente”.
Subjacente à adopção daquela segunda tese por este Acórdão esteve a frequente dificuldade de encontrar registos ou documentos comprovativos de construção, aquisição, administração e conservação de caminhos por entidades públicas e a defesa do interesse público impedindo a apropriação de coisas públicas por particulares.
Este uso imemorial não exclui outras formas de aquisição da dominialidade através da afectação da coisa à utilidade pública, i.e., à satisfação de necessidades colectivas. Com efeito, o acima referido uso directo e imediato pelo publico desde tempos imemoriais constitui uma presunção ilidível de dominialidade. Por “tempos imemoriais” entende-se “(…) os vivos não sabem quando começou; não o sabem por observação directa, nem o sabem pelas informações que lhes chegaram dos seus antecessores. A existência, portanto, de um documento que revele o início da posse não destrói, só por si, a sua natureza imemorial.” – Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª Ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1987, p. 283.
Uma vez que a aplicação em termos literais da doutrina do referido Assento, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, conduziria a qualificar os atravessadouros como caminhos públicos, o que contrariaria o disposto no art. 1383º do C.C. (como, aliás, já havia assinalado o Cons. Baltazar Coelho no voto vencido àquele Assento) o S.T.J. passou mais tarde a interpretar o mesmo Assento de forma restritiva exigindo a satisfação de interesses colectivos de certa relevância.
Assim, lê-se no Ac. do S.T.J. de 10/11/1993 (Martins da Costa), in C.J./S.T.J., Ano I, Tomo III, p. 135:
“I - O Assento de 19 de Abril de 1989 deve ser interpretado restritivamente, no sentido de a publicidade dos caminhos exigir a sua afectação à utilidade pública ou seja, à satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
II - Quando assim não aconteça, e se destinem apenas a fazer a ligação entre os caminhos públicos por prédio particular, com vista ao encurtamento não significativo de distância, os caminhos devem classificar-se de atravessadouros, figura esta que não foi excluída por aquele Assento e que está prevista no artigo 1383 do Código Civil.”
A razão de ser desta interpretação prende-se com a necessidade de “encontrar o justo equilíbrio entre os direitos dos particulares e o interesse da população”.
A satisfação de interesses colectivos relevantes verifica-se quando o fim visado pela sua utilização é comum à generalidade das pessoas a apreciar casuisticamente tendo em atenção a realidade concreta da localidade onde o caminho se situa.
Com efeito, os caminhos públicos têm subjacentes interesses colectivos de bem maior relevância do que aqueles que definem os atravessadouros, onde pode haver uma mera soma de utilidades individuais.
No mesmo sentido, entre outros, vide Ac. do S.T.J. de 28/05/2009 (Maria dos Prazeres Beleza) e de 30/01/2013 (Lopes do Rego).
Mas a evolução da jurisprudência não ficou por aqui, pois o Ac. do S.T.J. de 28/05/2013 (Salazar Casanova), decidiu:
“I - A interpretação restritiva do assento de 19-04-1989, de acordo com a qual os caminhos devem considerar-se públicos quando, desde tempos imemoriais, estão no uso direto e imediato público e afetados a interesses coletivos de certo grau ou relevância, pressupõe que tais caminhos atravessam propriedades privadas.
I - Por isso, não se verificando a previsão constante do aludido assento interpretado restritivamente, tais caminhos são atravessadouros e, consequentemente, devem considerar-se abolidos face ao disposto no art. 1383.º do CC, ressalvados os casos contemplados no art. 1384.º do CC.
III - No caso de passagem ou caminho, que não se integra em nenhuma propriedade privada, existente num lugar e que desde tempos imemoriais liga duas ruas desse lugar, a prova do seu uso imemorial pela população basta para se considerar tal caminho como caminho público, não se impondo nenhuma interpretação restritiva do assento.”
Assim, aquela interpretação restritiva apenas se justifica para distinguir caminhos públicos de atravessadouros, mas já não quando o reconhecimento da natureza pública de um caminho, por este não atravessar qualquer propriedade privada, não implica a compreensão de qualquer direito ou interesse particular.
Revertendo ao caso em análise, desde já, adiantamos que a decisão recorrida não enferma de erro de julgamento uma vez que os autores não lograram provar os factos constitutivos do direito de que se arrogam (art. 342º nº 1 do C.C.).
Desde logo, não alegaram sequer que a lei classificou a área em litígio como estando integrada no domínio público.
No mais, para prova da dominialidade da área em causa, incumbia-lhes provar que a mesma corresponde a um caminho; a utilização do mesmo, desde tempos imemoriais, pela comunidade local na satisfação de um interesse colectivo relevante e o facto dos réus haverem impedido à sua utilização
Ora, provaram a existência de um caminho que se inicia na estrada municipal, que se dirige no sentido nordeste-sudoeste, com cerca de 3 metros de largura, com 90 metros de comprimento, sendo 60 metros em calçada à portuguesa e os restantes 30 metros em terra batida, passando por um terreiro junto ao prédio dos réus e que termina numa zona que bifurca para o acesso a terrenos agrícolas.
Mas, da matéria de facto dada como provada não resulta provada a utilização do mesmo pela comunidade local na satisfação de qualquer interesse colectivo. Com efeito, embora o mesmo seja acessível a quem nele pretenda transitar, aquele serve apenas de acesso a pé e de veículos a cinco habitações que o ladeiam e a terrenos rústicos. A simples utilização do caminho há mais de 100 anos, logo desde tempos imemoriais, desacompanhada da prova da referida afectação a utilidade pública não basta para a sua qualificação como caminho público. Assim, fica naturalmente prejudicada a análise da maior ou menor relevância do interesse colectivo e não há que fazer quaisquer considerações acerca da aplicação ou não da interpretação restritiva do Assento.
Uma vez mais, e contrariamente ao defendido pelos apelantes, era a eles autores que incumbia provar que o caminho em questão era público (ou que existia uma servidão predial de passagem a favor do seu prédio nos termos dos art. 1543º, 1547º do C.C.), o que não lograram fazer, e não aos réus a prova que o caminho em litígio está dentro do seu prédio e que seria um “caminho particular”.
*
Por fim, quanto à matéria de facto impugnada subsidiariamente importa referir que a matéria inserta na al. a) dos factos não provados nunca teria a virtualidade de poder ser considerada provada uma vez que corresponde a matéria conclusiva e no que concerne à matéria da al. b), ainda que esta fosse considerada provada, o desfecho da acção seria o mesmo. Com efeito, tendo em atenção as considerações feitas supra, o eventual facto do caminho ser objecto de reparação, limpeza e cuidado pela Junta de Freguesia, não tem a virtualidade de, sem mais, conduzir à conclusão que o mesmo foi apropriado pela mesma e afecto à utilidade pública.
Assim, não é de proceder à reapreciação da matéria de facto por a mesma consubstanciar a prática de um acto inútil, o que não é permitido (art. 140º do C.P.C.).
Por todo o exposto, improcede a apelação.
*
Face ao decidido supra fica prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso.
*
As custas da apelação são da responsabilidade dos apelantes face ao seu decaimento (art. 527º nº 1, 2 do C.P.C.).
*
Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:
I – Pretendendo os autores ver reconhecido que determinada faixa de terreno corresponde a caminho público têm o ónus de alegar e provar que a lei a classificou como estando integrada no domínio público ou que tal caminho é utilizado, desde tempos imemoriais, pela comunidade local na satisfação de um interesse colectivo. II – Estando em causa um caminho cujo leito é privado importa ainda, para distinguir dos atravessadouros, a alegação e prova de que tal interesse colectivo é relevante. III – Provando-se que determinado caminho que se inicia numa estrada municipal, ainda que acessível a quem nele pretenda transitar, serve apenas de acesso a pé e de veículos a cinco habitações que o ladeiam e a prédios rústicos não pode o mesmo ser qualificado como caminho público mesmo que exista há mais de 100 anos.
*
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e consequentemente confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
**
Guimarães, 13/07/2021
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)