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PENAS DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO DAS PENAS
Sumário
I – A autonomia entre a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão e a pena principal de prisão leva a distinguir entre a prescrição dessa pena de substituição e a prescrição da pena principal de prisão. II – Quanto à pena de prisão principal, a prescrição só começa a correr a partir da notificação do despacho que revogou a suspensão da sua execução. III – Decorre de jurisprudência recente que na alínea d) do número 1 do artigo 122.º do Código Penal, onde se referem os casos não referidos nas alíneas anteriores desse número, as quais aludem sempre a penas de prisão, não cabem todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, mas as penas de prisão inferiores a dois anos de prisão, sejam ou não suspensas na sua execução. IV – Se as penas de prisão suspensas na sua execução forem iguais ou superiores a dois anos e inferiores a cinco anos, caberão, como caberiam se não fossem suspensas na sua execução, na alínea c) desse número, a qual estabelece um prazo de prescrição de dez anos. V – Se as penas de prisão suspensas na sua execução forem de cinco anos, caberão, como caberiam se não fossem suspensas na sua execução, na alínea b) desse número, a qual estabelece um prazo de prescrição de quinze anos.
Texto Integral
Proc. nº 1304/00.8PUPRT.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I – O Ministério Público veio interpor recurso do douto despacho do Juiz 8 do Juízo Central Criminal do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que declarou prescrita a pena de dois anos e três meses de prisão suspensa na sua execução em que nestes autos foi condenado B….
Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
1. Não ocorre a invocada prescrição da pena (suspensa na sua execução) de prisão aplicada nestes nossos autos ao arguido, porquanto somente se deve começar a contar tal prazo a partir do dia do transito em julgado da decisão da revogação da suspensão;
2. A posição da ilustre juíza de cuja decisão se recorre, baseou-se num raciocínio artificioso, de que a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, é uma pena autónoma, encontrando-se, sujeita a um prazo prescricional igualmente autónomo;
3. O arguido B… foi condenado, nestes autos, por acórdão transitado em julgado em 13 de Setembro de 2010, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão pela prática, em 29 de Dezembro de 2000, de um crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 203º, 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal, suspensa na sua execução, mas por despacho de 10 de Outubro de 2011, foi revogada a suspensão da execução da pena e ordenado o cumprimento de pena pelo arguido;
4. Deste despacho não foi ainda o arguido notificado, tendo-se revelado infrutíferas as diligências desenvolvidas no sentido de o localizar e notificar do aludido despacho;
5. Pela nossa parte, entendemos que a posição da Mª Juíza mais não é do que uma construção teórica e ficcionada, com vista a obter e declarar a prescrição;
6. Porem e defendendo a nossa tese, já como noutros autos anteriormente e noutras situações fizemos, citando-se, por todos o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-05-2008, in www.dgsi.pt, a cuja tese aí contida aderimos;
7. Pela nossa parte, aderimos à tese de que no caso de revogação de uma pena de prisão- como veio a ser o caso ou situação destes autos-, o prazo de prescrição da pena começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão de revogação da suspensão.
8. Esta nossa posição esta sedimentada na doutrina e na jurisprudência maioritária, como seja a de Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2ª edição atualizada pag. 384, em anotação ao artigo 122º do Código Penal, no seu item 6 que: “…o inicio do prazo de prescrição da pena verifica-se no dia do trânsito da decisão que tiver aplicado a pena e não necessariamente no dia do trânsito da condenação. Portanto, sendo proferida decisão de substituição da pena, o prazo conta-se do dia do respetivo transito (expressamente neste sentido, José Osório, in actas CP / Eduardo Correia, 1965b:237, cuja posição foi acolhida pela comissão). No caso de revogação da pena de substituição, o dies a quo é o do transito do despacho que revoga a pena de substituição aplicada e manda executar a pena principal (acórdão do TRL, de 10.9.2009, in CJ, XXXIV,4, 132)…”;
9. De acordo com aquele jurisconsulto, na citada obra e em anotação ao artigo 125º do Código Penal, item 3. “…A prescrição da pena suspende-se quando a execução não pode começar ou continuar a ter lugar ….”;
10. Continuando a citar-se este doutrinador “…Nos casos das alíneas b) e c) do nº1 do artigo 120º, não há prazo máximo para a suspensão da prescrição. Portanto, verificando-se o facto suspensivo, o processo permanece indefinidamente suspenso ate que cesse o facto suspensivo. Esta suspensão do prazo não é inconstitucional, na medida em que se deve a facto imputável ao arguido”;
11. Exatamente o que ocorreu no caso presente em que não foi possível- apesar de todas as diligencias efetuadas nesse sentido-, como a própria Sra. Juíza considera, notificar o arguido da decisão que lhe revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos;
12. Também de acordo com o disposto no artigo 126º do Código Penal (interrupção da prescrição), continuando a aderir à posição daquele doutrinador, em anotação a este artigo e no seu item 6, que nos casos als.b) e c) do nº1 do artigo 125º, em que ao há prazo máximo para a suspensão da prescrição…., verificando-se o facto suspensivo, a pena permanece indefinidamente suspensa ate que cesse o facto suspensivo, pelo que não funciona o limite do artigo 126º nº3;
13. Nestes termos, não devendo acolher-se a tese da Sra. Juíza que considera autónoma a pena de substituição da inicial pena de prisão aplicada ao arguido, não ocorrerá, qualquer prescrição da pena de prisão, aplicada ao arguido, cuja execução, inicialmente lhe foi suspensa e, posteriormente, viria a ser revogada, porque não tendo sido a mesma ainda notificada e daí transitada em julgado, a mesma mantem-se suspensa, porque o prazo da prescrição apenas começará a correr no dia em que transitar em julgado, de acordo com o que dispõe o artigo 122º nº2, do Código Penal; Situação esta que ainda não ocorreu nestes autos!
14. Deverá a decisão da Mª Juíza, ser revogado por violação dos artigos 122º nº2, 125º, 126º, 50º, 56º, todos do Código Penal;
15. E tal despacho substituído por outro que declare ainda não prescrita a presente pena de prisão aplicada ao arguido, cuja revogação da sua inicial suspensão da execução, ainda não foi possível notificar-se e, desta forma, os autos continuarem a aguardar pela mesma.»
O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer onde alega o seguinte:
«(…)
No despacho recorrido, a Mmª Juíza, seguindo a jurisprudência dominante, considerou, que a pena de prisão suspensa é uma pena autónoma, pelo que não pode ser enquadrada nos prazos de prescrição das penas de prisão previstos nas als. a) a c) do art.º 122º, nº1 do Código Penal, mas no prazo previsto na al. d) do art.º 122º, nº1 do Código Penal.
Tendo-se como correcto tal enquadramento parece-nos que haveria que julgar prescrita a pena e assim teria o recurso que improceder.
Embora no recurso não se faça referência há jurisprudência recente, Ac. SJT de 02/28/2018 proferido no processo 125/97.8IDSTB-A.S1, e no Ac. do TRL de 02/21/2019, proferido no processo 387/07.4PEAMD.L1-9 que não comunga do enquadramento feito pela Mmª Juíza recorrida.
Refere-se no ponto II do Sumário do Ac. do STJ. “Nãoédefensávelaposiçãoque,emabstracto,defendeaaplicaçãododispostonala.d)doart.122.ºdoCP(prazode4anos)àpenadesubstituição(penadesuspensãodaexecuçãodapenadeprisão).Meternomesmocaldeirão,dacitadaal.d),todasaspenasdesuspensãodaexecuçãodapenadeprisão,quepodemoscilarentreoprazode1e5anos(art.50.º,n.º5,doCP–prazosdesuspensão)eque,também,podemsubstituirpenasdeprisãoaté5anos(n.º1doart.50.º),éalgoquepodecontender,alémdomais,comopróprioprincípiodaculpa.Naal.d)cabemtodasaspenasdeprisão(inferioresa2anos,suspensasounãonasuaexecução,epenasdemulta)nãoabrangidasnasals.anteriores.”
Segundo este entendimento e uma vez que arguido B… foi condenado, nestes autos, por acórdão transitado em julgado em 13 de Setembro de 2010, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão pela prática, em 29 de Dezembro de 2000, de um crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 203º, 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal, cuja pena ficou suspensa na sua execução, o prazo de prescrição seria de 10 anos, previsto na alínea c) do nº1 do artigo 122º do Código Penal.
Este Tribunal da Relação é assim convidado a optar entre a posição defendida no despacho recorrido e a defendida no Ac. SJT de 02/28/2018 (prazo de prescrição 10 anos).
Por nós, propendemos a aderir à orientação seguida pelo STJ no acórdão de 28/02/2018 e nesse caso a pena não estaria prescrita.
Assim, embora por razões diferentes das invocadas na motivação de recurso, somos do parecer que a pena não se encontrará prescrita.»
II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se deve, ou não, ser declarada prescrita a pena de dois anos e três meses de prisão suspensa na sua execução em que nestes autos foi condenado B….
III - É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:
«B… foi condenado nestes autos por acórdão transitado em julgado em 13 de Setembro de 2010, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão pela prática, em 29 de Dezembro de 2000, de um crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 203º, 204º, n.º 2, al. e) do C.P.
Por despacho datado de 10 de Outubro de 2011, foi revogada a suspensão da execução da pena e ordenado o cumprimento de pena pelo arguido.
Deste despacho não foi ainda o arguido notificado, tendo-se revelado infrutíferas as diligências desenvolvidas no sentido de o localizar e notificar do aludido despacho.
Decidiu-se no Ac. do TRC, de 18 de Março de 2020, in www.dgsi.pt o seguinte: “Ora, o art. 50º, n.º 1, do Código Penal (versão em vigor à data da condenação), estabelecia o seguinte: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – finalidades da punição que, nos termos do art. 40º do Código Penal, são a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
A suspensão da execução da pena de prisão constitui, assim, uma autêntica pena autónoma, sendo em regra a sua medida concreta determinada de forma autónoma, sem que exista uma correspondência automática com a pena principal (cf. arts. 50º, n.º 5, 45º, n.º 1, 46º, n.º 1, e 60º do Código Penal). Assim, a suspensão da pena de prisão “não é um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, é uma pena autónoma com o seu próprio campo de aplicação, determinado na lei, um conteúdo político-criminal próprio e regime individualizado, os quais apresentam razoável complexidade e diversidade, podendo a suspensão da pena assumir várias modalidades” (cf. Ac. da Relação de Évora de 10.7.2007, no proc. 912/07-1, bem como Eduardo Correia, nas Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do BMJ, nomeadamente as 17ª e 22ª sessões, de 22.2 e 10.3.1964, e Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 90).
Apenas a revogação da suspensão da execução da pena de prisão determinará o cumprimento da pena principal (de prisão) fixada na sentença.
Esta consideração da autonomia da pena de substituição é essencial para a determinação dos prazos de prescrição das penas. O art. 122º, n.º 1, do Código Penal estabelece como prazo de prescrição da pena de prisão igual ou superior a 2 anos, e inferior a 5 anos, em 10 anos; e, nos restantes casos, o prazo de prescrição das penas encontra-se fixado em 4 anos – cf. alíneas c) e d) do preceito referido.
Decorre daqui que a pena principal aplicada ao recorrente prescreve em 10 anos, mas a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, prescreve em 4 anos.
O art.º 125º do Código Penal, que prevê os casos de suspensão da prescrição, estabelece o seguinte:
“1. A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
Vigorar a declaração de contumácia;
O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa de suspensão”.
O art.º 126º, por sua vez, sobre a interrupção da prescrição, determina:
“1. A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se:
a) Com a sua execução; ou
b) Com a declaração de contumácia.
2. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3. A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”.
(…)
A prescrição da pena principal aplicada só se coloca após o trânsito em julgado do despacho que revogar a pena de substituição, nos termos do art.º 56º do Código Penal – pois só nessa altura se pode considerar a sua verdadeira exequibilidade.
Até lá, a prescrição a considerar é a da pena em execução, a saber, a pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão.
Ora, o prazo de prescrição da pena de substituição, de 4 anos, não iniciou o seu curso enquanto a pena se encontrou em execução – a saber, até 9.2.2007, data em que se considerou a pena incumprida. E mesmo que se considerasse que, por não ter sido notificado ao arguido, o despacho proferido não teve a virtualidade de iniciar o decurso do prazo de prescrição da pena substitutiva, ter-se-ia de considerar o termo do prazo de suspensão da execução da pena de prisão, que ocorreria a 19.4.2009 (5 anos após o trânsito em julgado da decisão condenatória).
(…)
Em suma:
A pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma da pena de prisão (principal), encontrando-se sujeita a um prazo prescricional igualmente autónomo do prazo de prescrição da pena de prisão substituída;
A contumácia prevista no revogado art. 476º do Código de Processo Penal (atual art. 97º do CEPMPL) não pode ser declarada com fundamento na mera não notificação do arguido do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão;
Pelo que não tem a virtualidade de suspender ou interromper o decurso do prazo de prescrição da pena, nos termos dos arts. 125º, n.º 1, al. b), e 126º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal;
O prazo de prescrição da pena de prisão (principal) só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão que revogue a pena substitutiva e determine a execução da prisão;
Não ocorrendo outras causas suspensivas ou interruptivas da prescrição, para além da sua execução, a pena (substitutiva) de suspensão da execução da pena de prisão prescreve decorrido o prazo de 4 anos a contar do fim do período da suspensão.”
Aderindo ao entendimento vertido no acórdão sobredito, por com ele concordarmos na íntegra, temos nos presentes autos que a prescrição da pena de suspensão da execução da pena de prisão se iniciou no termo do prazo de suspensão, ou seja em 13 de Dezembro de 2012.
Assim sendo, o prazo de prescrição da pena de suspensão da execução da pena de prisão (4 anos) completou-se em 13 de Dezembro de 2016.
*
Nos termos expostos, declaro prescrita a pena de suspensão de execução da pena de 2 anos e 3 meses de prisão em que foi condenado B….
Comunique e notifique.
*
No mais, não se mostrando prescrita a pena de prisão, pois que o prazo de 10 anos só com a prescrição da pena de substituição, proceda-se como promovido.»
IV – Cumpre decidir
Os fundamentos em que assenta a declaração, pelo despacho recorrido, de prescrição da pena em apreço (dois anos e três meses de prisão suspensa na sua execução) são os seguintes:
Como é orientação da doutrina e da jurisprudência citadas, a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma da pena de prisão (principal). Por isso, encontra-se sujeita a um prazo prescricional igualmente autónomo do prazo de prescrição da pena de prisão substituída.
Daqui decorre que, neste caso, tendo em conta o disposto no artigo 122.º, n.º 1. do Código Penal, a pena principal de prisão prescreve em dez anos (alínea c) desse número) e a pena de substituição de suspensão dessa pena prescreve em quatro anos (alínea d) desse número).
Não ocorrendo, neste caso, outras causas suspensivas ou interruptivas da prescrição para além da sua execução (a contumácia não pode ser declarada com fundamento na mera não notificação do arguido do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão - que se verifica neste caso -, pelo que não tem a virtualidade de suspender ou interromper o decurso do prazo de prescrição da pena, nos termos dos artigos. 125º, n.º 1, b), e 126º, n.º 1, b), do Código Penal), a pena (substitutiva) de suspensão da execução da pena de prisão prescreve decorrido o prazo de quatro anos a contar do fim do período da suspensão.
Por tais motivos, a pena de suspensão de execução da pena de prisão ora em apreço terá prescrito quatro anos depois de 13 de dezembro de 2012, ou seja, em 13 de dezembro de 2016
O recorrente Ministério Público não aceita o primeiro desses pressupostos (o de que a pena de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma em relação a esta) e, por isso, considera que, no caso em apreço, o prazo de prescrição da pena começa a correr apenas a partir do trânsito em julgado do despacho de revogação da suspensão de execução em causa (o qual ainda não ocorreu), que determina a execução da pena de prisão principal.
Não deve, porém, deixar de ser considerado tal pressuposto, aceite pela doutrina e jurisprudência dominantes, basicamente porque a autonomia da suspensão da execução da pena de prisão, regulada nos artigos 50.º a 57.º do Código Penal, se justifica por tal pena de substituição ter um conteúdo político-criminal próprio, ligada a um propósito de prevenção especial positiva, bem distinto do da pena principal de prisão (essa autonomia não é, certamente, e ao contrário do que se afirma na motivação do recurso em apreço, uma «construção teórica e ficcionada» baseada num «raciocínio artificioso»). Esse pressuposto é também aceite pelo Ministério Público junto desta instância no seu parecer.
A autonomia entre a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão e a pena principal de prisão leva a distinguir entre a prescrição dessa pena de substituição e a prescrição da pena principal de prisão. No caso em apreço, a eventual prescrição da pena de substituição (que foi declarada pelo despacho recorrido) não implica a prescrição da pena principal de prisão resultante da revogação dessa suspensão (nesse sentido se pronuncia, entre outros, o acórdão da Relação de Coimbra de 18 de março de 2020, processo n.º 359/03.8PBVLC.C1, relatado por Ana Carolina Cardoso, inwww.dgsi.pt, em que se baseia o despacho recorrido). Uma vez que foi revogada a suspensão da execução da pena, por despacho ainda não transitado em julgado, a prescrição dessa pena de prisão principal (que será de dez anos) ainda não começou a correr. Quanto a essa pena de prisão, não há dúvida de que a prescrição só começa a correr a partir da notificação desse despacho (como afirmam a doutrina e a jurisprudência citadas na motivação do recurso, mas também o acórdão da Relação de Coimbra acima referido, em que se baseia o despacho recorrido).
Há que considerar ainda o seguinte.
O Ministério Público junto desta instância, no seu parecer, aceita os pressupostos de que parte o despacho recorrido com uma exceção: o prazo de prescrição da pena de substituição em causa não será de quatro anos, como considera tal despacho, mas antes de dez anos, como o da pena principal de prisão. Invoca, nesse sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de fevereiro de 2018, proc. n.º 125/97.8IDSTB-A.S1, relatado por Vinício Ribeiro, e o acórdão da Relação de Lisboa de 21 de fevereiro de 2019, proc. n.º 387/07.4PEAMD.L1-9, relatado por Abrunhosa de Carvalho, ambos in www.dgsi.pt.
Consideram esses acórdãos que na alínea d) do número 1 do artigo 122.º do Código Penal (onde se referem os casos não referidos nas alíneas anteriores desse número, as quais aludem sempre a penas de prisão) não cabem todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, mas as penas de prisão inferiores a dois anos de prisão, sejam ou não suspensas na sua execução. Se as penas de prisão suspensas na sua execução forem iguais ou superiores a dois anos e inferiores a cinco anos, caberão (como caberiam se não fossem suspensas na sua execução) na alínea c) desse número, a qual estabelece um prazo de prescrição de dez anos. Se as penas de prisão suspensas na sua execução forem de cinco anos, caberão (como caberiam se não fossem suspensas na sua execução) na alínea b) desse número, a qual estabelece um prazo de prescrição de quinze anos.
Assim, no caso em apreço, porque está em causa uma pena de prisão suspensa na sua execução superior a dois anos e inferior a cinco anos, o prazo de prescrição dessa pena só ocorreria dez anos (e não quatro anos) depois da data de 13 de dezembro de 2012.
Contra este entendimento, poderia dizer-se que contraria o princípio de que se parte, que é o da autonomia da pena de suspensão da execução da pena de prisão, autonomia que justificaria prazos de prescrição próprios, eventualmente diferentes dos da pena principal de prisão.
No entanto, a tese seguida nesses dois acórdãos tem razão de ser à luz da unidade e coerência do sistema e da ratio do instituto da prescrição. Afirma-se, nesse sentido, numa informação transcrita no supra referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
«(…) subsumir invariavelmente penas suspensas ao prazo prescricional de 4 anos da alínea d) apenas porque é uma pena substitutiva, ofende a ratio do instituto da prescrição, concretamente nas situações em que o período da suspensão tem a duração de 3, 4 ou 5 anos. Não raras vezes cominam-se penas de 5 anos de prisão suspensos por 5 anos e nesse casos, entender que o prazo prescricional é de 4 anos, atinge frontalmente a economia do instituto da prescrição que, como pressuposto negativo de punição, visa criar uma margem suficiente que, no mesmo passo, evite com equilíbrio, por um lado, o excessivo tempo sem que se inicie a respectiva execução (para que permaneçam válidas as exigências de prevenção especial) e simultaneamente, por outro lado, a ausência do condenado que obstaculiza ao cumprimento da pena (como foi manifestamente o caso dos autos) não pode prejudicar irremediavelmente a execução da mesma como uma necessidade da Justiça. E é nesse equilíbrio que o legislador, na temporalidade das penas, sempre exprimiu uma economia dos prazos prescricionais, no mínimo, pelo dobro dos tempos de prisão, precisamente para contrabalançar aqueles dois interesses opostos, evitando tempos excessivos lesivos para a utilidade da pena, ao mesmo tempo que visou conceder o tempo suficiente para tornar possível a execução da pena perante a indisponibilidade criada pelo arguido».
Nesta linha, afirma-se no acórdão da Relação de Lisboa supra referido:
«(…) o entendimento contrário levaria a soluções inaceitáveis, do ponto de vista da unidade do sistema jurídico e tendo em conta que se presume que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9º do CC). Basta pensar no caso de uma pena de cinco anos de prisão (o prazo de prescrição desta pena é de 15 anos – art.º 122º/1-d) do CP), cuja execução foi suspensa por igual período. Se se entender que se aplica à pena suspensa o prazo de prescrição previsto no art.º 122º/1-d) do CP (quatro anos), isso levará a que, na prática, o prazo de prescrição da pena principal seja de nove anos, caso a suspensão não seja revogada nos quatros anos seguintes ao decurso do prazo da suspensão. Ora, não foi certamente isso que quis o legislador e não é isso que resulta de uma interpretação sistemática da lei, tendo em conta a sua letra.»
Em resposta a uma possível invocação dos termos literais das referidas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal (que não mencionam expressamente penas de prisão suspensas na sua execução) afirma-se também na referida informação constante do supra mencionado acórdão da Supremo Tribunal de Justiça:
«Por outro lado, quanto à interpretação do “nomen juris” da pena de prisão aludida nas alíneas a) a c) do nº1 do art.122º do Cód.Penal, não pode esquecer-se que a dicotomia entre penas de prisão e penas substitutivas é uma classificação doutrinária que o legislador não assumiu expressamente no catálogo das penas previstas na parte geral do Código (não obstante as possibilidades previstas no art.43º do Cód.Penal), e não pode a doutrina reclamar os foros do princípio da legalidade a todas as classificações que procede, sendo certo que na alínea d) do nº1 do art.122º o legislador não refere a classificação ou a categorias da penas substitutivas, ou seja, quando expressa a pena de prisão não quer opor “a contrario” as penas substitutivas.»
Em conclusão, porque ainda não decorreu o prazo de prescrição da pena em apreço, deve ser dado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, embora com um fundamento diferente do que é invocado na respetiva motivação e sendo que tal fundamento é invocado no douto parecer do Ministério Público junto desta instância.
Não há lugar a custas (artigo 522.º do Código de Processo Penal). V – Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, determinando a revogação do despacho recorrido.
Notifique.
Porto, 7 de julho de 2021
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo