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TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
INCIDENTE
LEI 27/2019
DE 28/03
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário
1– Passado o prazo de recurso ou de reforma da decisão quanto a custas, tenham estas sido bem ou mal fixadas, já não poderá aquela decisão ser revertida em sede de reclamação do acto de contagem.
2– Atenta a característica de acessoriedade de um incidente deduzido na execução em relação à execução, não pode considerar-se o exequente/requerido como “mero réu”, que apenas dá resposta ao impulso processual, rectius, à instauração do procedimento incidental pelo “executado/requerente”. Deste modo, a doutrina que fundou o acórdão do Tribunal Constitucional nº 615/2018 não é aplicável aos incidentes deduzidos na execução para efeitos de considerar o exequente/requerido como um réu em acção contra ele instaurada.
3– O artº 14º nº 9 do RCP, na redacção dada pela Lei 27/2019, aplica-se, em matéria de oportunidade de pagamento e de elaboração da conta de custas e de exigibilidade de pagamento de remanescente de taxa de justiça, aos processos pendentes à data da entrada em vigor dessa Lei.
Texto Integral
Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I–RELATÓRIO.
1– 1-Caixa …, exequente nos autos, em que é executada VH, Lda, notificada do despacho proferido a 16/03/2020 - que indeferiu a reclamação que apresentou à conta de custas e em que pretendia que fosse dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça e fosse elaborada nova conta com imputação do pagamento desse remanescente da taxa de justiça à executada – e com ele não se conformando,
Veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: I-Foi a Recorrida que deu impulso processual ao incidente, cujos factos alegados e o pedido extravasam a acção executiva. II-O art. 14º, n.º 9 aditado pela Lei n.º 7/2012 de 13 de Fevereiro, impõe esta obrigação a quem tem “o impulso processual”, mesmo obtendo ganho na causa, pois quem inicia um processo tem que compensar a actividade do Tribunal e o dispêndio que esta representa para o Estado, da qual beneficia. III-Apesar do incidente se ter desenvolvido no seio de uma execução de que a Recorrente é Exequente, a taxa de justiça remanescente/custas e o objecto do presente recurso, é do próprio incidente, é a esse incidente que se deve atender.
IV-O Tribunal Constitucional decidiu no Acórdão 615/2018 de 21 Novembro de 2018, o seguinte:
“a)-Julgar inconstitucional, a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-o a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 4.º, n.º 9, do RCP; e, b)- Em consequência, negar provimento ao recurso.” V-O Tribunal Constitucional considerou que não devia ser imposta ao réu a obrigatoriedade do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por ter sido obrigado a intervir por demanda do autor, obtendo vencimento da acção. VI-Aplica-se nos presentes autos os fundamentos da decisão e a própria decisão, que julgou inconstitucional a obrigatoriedade do pagamento da taxa de justiça remanescente. VII-Independentemente da Recorrente ter exercido o direito do contraditório, o Tribunal a quo seria sempre chamado a decidir, sem realização de qualquer outra diligência, nomeadamente audiência e julgamento. VIII-O Decreto Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro – Regulamento das Custas Judiciais – entre as diversas alterações ao Código das Custas Judiciais, uma delas foi estabelecer um valor ao incidente, sem estar dependente do valor da acção. IX-Impendia ao Tribunal a quo fixar um valor ao incidente, não o tendo fixado, deveria ter condenado a Recorrida em custas, determinando o seu valor em UC. X-Ao abrigo do disposto no art. 7º, n.º 4 do Regulamento das Custas Judiciais a taxa de justiça dos incidentes é determinada pela tabela ii. XI-A taxa de justiça dos incidentes varia entre 1 UC a 14 UC, dependendo da espécie do incidente, sendo o maior valor (14 UC) referente ao incidente de maior complexidade. As custas do incidente de maior valor são de € 1.428,00 (mil quatrocentos vinte oito). XII-A Recorrente foi notificada para pagar o valor de € 15.453,00 (quinze mil quatrocentos cinquenta três euros), excedendo manifestamente os limites da tabela ii. XIII-Pressupondo que o Tribunal a quo assentou o valor do incidente no valor da execução (€ 2.791.659,72 (dois milhões setecentos noventa um mil seiscentos cinquenta nove euros setenta dois cêntimos)), andou mal na determinação do cálculo e contraria o espirito do Regulamento das Custas Judiciais.
Por outro lado, XIV-As alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2019 de 28/03 desobriga a parte que obteve ganho na acção a pagar o remanescente da taxa de justiça nas acções superiores a € 275.000,00. XV-O art. 11º da Lei n.º 27/2019 de 28 de Março refere: A presente lei entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação, aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data. XVI-Embora a execução interposta pela Recorrente estivesse pendente na data de entrada em vigor da Lei n.º 27/2019 de 28/03, a Recorrente foi notificada para pagar o remanescente da taxa de justiça no âmbito de um incidente. XVII-O art. 11º refere a aplicação da Lei n.º 27/2019 de 28 de Março nas acções executivas que derem entrada após a entrada em vigor da referida Lei, não referindo oposições, incidentes, reclamações, que correm por apenso nas execuções pendentes. XVIII-Nesse sentido é de aplicar o n.º 9 do art. 14º alterado pelo Lei n.º 27/2019 de 28/03, desresponsabilizando a Recorrente no pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Termos em que,
E sempre com o Mui Douto Suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso interposto pela Apelante, em consequência, deve ser considerada revogado a sentença e substituída por outra que dispense a Recorrente do pagamento da taxa de justiça remanescente.
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2– Não foram apresentadas contra-alegações.
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II–FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações (caso as haja) em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
-Se há fundamento para revogar a decisão recorrida em termos de dispensar a exequente/requerida, ora recorrente, de pagar a taxa de justiça remanescente.
Vejamos.
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2–Factualidade Relevante.
Para a decisão da questão sob recurso, importa considerar a seguinte factualidade que resulta da consulta electrónica do processo.
1º-No âmbito dos autos de execução a executada, VH, deduziu incidente em que pedia a aplicação dos efeitos do Plano de Revitalização aprovado no âmbito do PER da Sociedade FM, SA, pretendendo o perdão de 90% dos créditos comuns e o perdão integral dos juros remuneratórios ou moratórios associados ao crédito. 2º-A exequente, ora recorrente, opôs-se a essa pretensão da executada. 3º-Em 01/02/2017, a 1ª instância proferiu decisão a julgar improcedente a pretensão da executada/requerente e condenou-a em custas. 4º-A executada/requerente recorreu para a Relação de Lisboa que, julgou improcedente o recurso e condenou a executada/requerente em custas. 5º-Em 27/10/2019 foi elaborada a conta de custas do incidente, que liquidou o remanescente da taxa de justiça a pagar pela exequente/embargada, ora recorrente, no montante de 15 453€. 6º-A Exequente/embargada, notificada dessa conta de custas, dela apresentou reclamação em 07/10/2019, requerendo a respectiva reforma com vista a ser corrigida em termos de não lhe ser imputada a obrigação de pagar a taxa de justiça remanescente, que deverá ser imputada à parte vencida, a executada/requerente, VH. 7º-O Contador emitiu parecer em termos de assistir razão á exequente/requerida/reclamante. 8º-O Ministério Público, concordou com a posição do Contador. 9º-Por despacho de 16/03/2020, - que de resto remete para e reproduz o despacho proferido a 03/03/2010 no apenso dos embargos à execução - foi decidido indeferir a reclamação à conta apresentada pela ora recorrente. 10º-É desse despacho que vem interposto o presente recurso.
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3-A Questão Enunciada: Se há fundamento para revogar a decisão recorrida em termos de dispensar a exequente/requerida, ora recorrente de pagar a taxa de justiça remanescente.
A exequente/requerida, ora recorrente, baseia a sua pretensão de alteração da conta de custas – em termos de ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, com a respectiva imputação à executada/requerente – essencialmente em três fundamentos: i)-Omissão do dever de fixação do valor do incidente; ii)-Aplicação ao caso da doutrina decorrente do Acórdão nº 615/2018 do Tribunal Constitucional que julgou “…inconstitucional a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artº 14º nº 9 do RCP”; iii)-Aplicação ao caso do artº 14º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, na redacção dada pela Lei 27/2019, de 28 de Março.
Vejamos cada um destes argumentos
3.1-Omissão do dever de fixação de valor ao incidente.
A exequente/requerida, ora recorrente, defende que o tribunal recorrido deveria ter fixado valor ao incidente, que é diferente do valor da execução, condenando a recorrida em custas, determinando o respectivo valor em Unidades de Conta (UC) conforme decorre do artº 7º nº 4 do RCP. E esse valor, determinado em UC’s, não poderia ultrapassar 1 428€ (14 UC) que é o valor máximo de custas nos incidentes, conforme tabela anexa ao RCP. A notificação para pagar 15 453€ de remanescente de taxa de justiça no âmbito do incidente excede manifestamente os limites fixados na tabela II para os incidentes.
Vejamos então.
Em primeiro lugar realça-se que a exequente jamais reagiu quanto à decisão sobre custas e respectiva fixação.
Ora, nos termos gerais, as partes podem provocar a reapreciação da decisão sobre custas da sentença/despacho, por simples requerimento, ou, se for admissível o recurso, incluindo-a nas alegações, como se alcança dos nºs 1 e 3 do artº 616º do CPC.
O prazo para requerer a reforma da sentença quanto a custas é o geral, de 10 dias (artº 149º do CPC), e, sendo admissível recurso, o prazo é o da sua interposição, nos termos do disposto no nº 1 do artº 638º do CPC.
De acordo com Salvador da Costa, “…passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do acto da contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados” (Regulamento das Custas Processuais, Almedina, 2012 – 4ª edição, pág. 432)..
Isto é, elaborada a conta, como vem sendo tradicionalmente entendido, a reclamação da conta apenas poderá ter como objecto a correcção de um erro do funcionário que elaborou a conta, sejareferente às normas legais aplicáveis, seja às determinações do julgador, ou a lapso de escrita ou de cálculo (Ac. do STJ, de 13/07/2017, Lopes do Rego,www.dgsi.pt.
Portanto, após o decurso do prazo para impugnação da decisão de custas, tenham estas sido bem ou mal fixadas, já não poderá aquela decisão ser revertida em sede de reclamação do acto de contagem.
Significa isto que não pode proceder este fundamento da exequente/requerida ora reclamante.
- Quanto à aplicação do Acórdão nº 615/2018 do Tribunal Constitucional
A exequente, ora apelante, defende que a doutrina deste acórdão do Tribunal Constitucional é aplicável ao caso dos autos porque, entende, dever ser considerada ré no incidente deduzido pela executada.
Será assim?
Vejamos certas passagens desse acórdão que ajudarão a perceber a razão de ser daquela decisão do Tribunal Constitucional.
Assim, menciona o acórdão que “ 18…independentemente dos motivos que subjazem à dispensa do pagamento prévio de parte da taxa de justiça contemplado no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, ela não equivale a um caso de isenção de pagamento (previstos no artigo 4.º do RCP). A dispensa do pagamento prévio não desonera o sujeito processual beneficiário da liquidação da taxa devida pela utilização e prestação do serviço judiciário, constituindo tão-somente um diferimento ou protelamento do pagamento. A taxa de justiça, enquanto contrapartida relativa ao custo do serviço judiciário prestado, há de ser exigível e paga oportunamente.”
(…)
“19…a parte vencedora pode subsequentemente reaver a quantia despendida a título de custas de parte. Importa referir que a parte vencedora da ação dispõe de variadas vias para obter a compensação dos valores que despendeu a título de taxas de justiça: a remessa à parte responsável da respetiva nota discriminativa e justificativa para que esta proceda ao pagamento (artigo 25.º, n.º 1, do RCP) e a cobrança em execução de sentença (artigo 25.º, n.º 3, do RCP) ou a instauração de execução por custas que será apensada à execução por custas intentada pelo Ministério Público, nos termos do n.º 3 do artigo 36.º do RCP, configurando todas estas vias de obtenção da compensação, procedimentos ainda incluídos no âmbito do processo, por contraposição à necessidade de instauração de uma ação autónoma.”
(…)
“20… Mais complexa se afigura, porém, a resposta referente à análise sobre a proporcionalidade stricto sensu desta solução legislativa. Desde logo por não dever ignorar-se as especificidades que caracterizam a situação do réu que, no final do processo, vem a ser absolvido do pedido. A sua posição é diferente da assumida pelo autor da ação. Na verdade, não traduzindo a dispensa do pagamento prévio de parte da taxa de justiça qualquer forma de isenção, mas antes um mero adiamento do momento em que a parte será obrigada a liquidá-la, como contrapartida do serviço de justiça por si impulsionado, não oferece dificuldade de maior aceitar que o autor, mesmo tendo tido ganho de causa, total ou parcialmente, deverá proceder, no final da ação, após a elaboração da conta, ao pagamento da sua própria taxa, ou seja, do remanescente de que foi previamente dispensado. Quando se exige do autor que garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte, do que se trata é de prevenir a transferência da responsabilidade individual dos sujeitos processuais para a comunidade.”
(…)
“…Haverá razões que justifiquem a opção no sentido de ser a parte que litigou na ação que desencadeou a suportar a contrapartida do serviço público prestado e não a comunidade. Compreende-se que se exija a quem recorre à justiça (i.e., ao autor) que garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte.
Idêntica justificação já não é possível, porém, utilizar no que respeita a quem é acionado, sobretudo quando tem ganho final de causa. (…) Se o réu que apenas dá resposta ao impulso processual do autor, meramente defendendo-se, obtém a absolvição a final relativamente à totalidade do pedido o que significa o desmerecimento da causa que o levou aos tribunais, não se pode sustentar que tenha causado custos significativos à administração da Justiça. (…)O réu, neste caso, não teve uma conduta que justifique o pagamento de custos que em muito ultrapassam a utilização que fez do sistema de justiça. Nestas circunstâncias fazer depender da apreciação judicial a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não constitui remédio suficiente para prevenir o excesso da medida porque apenas fornece uma solução casuística ao problema, continuando a existir a possibilidade de se exigir do réu, que foi absolvido do pedido contra si apresentado e que se limitou a contestar, que suporte o pagamento do remanescente da taxa independentemente da utilização concreta que o réu fez do sistema de Justiça. Por outro lado, impor ao réu o impulso processual para reaver esse custo do autor vencido constitui sempre um ónus processual adicional e um risco acrescido que não encontram justificação nos interesses públicos prosseguidos, sendo, por isso desproporcionado e, nessa medida, excessivo.
A exigência do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que, por ser absolvido do pedido, venceu totalmente a ação civil e, por conseguinte, não é condenado em custas, obrigando-o a obter o montante que pagou em sede de custas de parte, revela-se, pois, uma solução inconstitucional porque comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2º, da Constituição.”
Pois bem, esta doutrina que emerge do citado acórdão do Tribunal Constitucional, baseia-se na distinção, rectius, diferença entre a posição do autor, visto como impulsionador do processo e que despoleta a intervenção do tribunal e, a posição do réu que “…apenas dá resposta ao impulso processual do autor, meramente defendendo-se…” e vem a obter a absolvição final relativamente à totalidade do pedido.
Ora, independentemente da bondade desta distinção assim operada pelo Tribunal Constitucional, a questão que se coloca é a de saber se essa doutrina é aplicável ao caso dos autos: incidente (anómalo) deduzido pela executada no âmbito da execução que lhe moveu a ora recorrente.
Isto é, poderá considerar-se a exequente/requerida um “mero réu” que apenas dá resposta ao impulso processual, rectius, à instauração de um incidente na execução pela instaurada?
A resposta a esta questão passa pela análise da natureza jurídica do incidente deduzido na execução.
Pois bem, em primeiro lugar importa lembrar que quem dá “impulso” à execução é o exequente que a instaura.
Instaurada a execução e uma vez citado o executado fica ele em posição de pagar voluntariamente (incluindo as custas) ou, em alternativa, no prazo de 20 dias, poder deduzir oposição à execução mediante embargos (artº 728º nº 1). Poderá ainda deduzir incidentes, nos termos gerais, desde que admissíveis. Daqui decorre que quer a oposição à execução por embargos, quer a oposição à penhora, quer a dedução de incidentes pelo executado, apesar de surgirem por iniciativa do executado e traduzirem enxertos declarativos, não deixam de estar ligados à execução, não mantendo uma verdadeira autonomia funcional desta.
Por isso, são diferentes os termos e a função específica da defesa em sede de acção executiva e em sede de acção/incidente declarativo.
Assim, na acção declarativa o direito de defesa corporiza-se num acto processual que é a contestação pelo qual o réu visa obviar à declaração do direito alegado pelo autor e consiste numa pretensão de absolvição do réu da instância ou do pedido mediante a invocação de factos com potencialidade para esse efeito.
Já na acção executiva, o direito de defesa do executado não pode ser reconduzido a uma simples contestação seja pelo respectivo conteúdo, seja pela sua expressão processual. E embora os incidentes declarativos suscitados no âmbito da execução apresentem alguma autonomia, designadamente em termos de instância, a verdade é que têm a característica de serem acessórios em relação à execução.
Ora, destas considerações percebe-se que não é comparável a actuação do executado/embargante/requerente de incidente em execução com um autor de uma acção declarativa; nem é equiparável a posição do exequente/embargado/requerido à de um (simples) réu em acção declarativa. Ou seja, não poderá considerar-se o exequente/embargado/requerido um “mero réu” que apenas dá resposta ao impulso processual, rectius, à instauração do processo de embargos ou à dedução de um incidente pelo “executado”.
Deste modo, a doutrina que fundou o mencionado acórdão do Tribunal Constitucional nº 615/2018 não é aplicável aos incidentes processados no âmbito de execuções para efeitos de considerar o exequente/embargado/requerido como um réu em acção ou incidente contra ele instaurado no âmbito da execução.
Por conseguinte, este fundamento do recurso não pode ter acolhimento.
3.3-Aplicação ao caso do artº 14º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, na redacção dada pela Lei 27/2019, de 28 de Março.
A recorrente defende que em face da nova redacção dada ao artº 14º nº 9 do RCP pela Lei 27/2019, a conta deveria ter sido reformada, como solicitou, em termos de ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça o qual deveria ter sido imputado, na conta, à parte vencida, no caso, a executada requerente do incidente. Isto porque foi esta quem ficou vencida em todas as instâncias e condenada nas custas do processo.
Será assim?
O artº 14º nº 9 do RCP na redacção dada pela Lei 27/2019, de 28/03, tem o seguinte teor:
“9 - Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.”
Esta Lei entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, ou seja, a 28/04/2019, como estabelece o respectivo artº 11º.
Porém, esse artº 11º pode prestar-se a equívocos quanto à respectiva aplicação no tempo na medida em que estabelece:
“A presente lei entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação, aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data.”
À primeira vista, numa leitura apressada da norma, poderia entender-se que todas as alterações introduzidas por esta Lei quanto aos diversos diplomas legais nela referidos só se aplicariam às execuções instauradas após a sua entrada em vigor (28/04/2019). Não cremos que essa seja uma interpretação admissível.
Na verdade, a Lei 27/2019, de 28/03, veio introduzir diversas alterações a vários diplomas leais, não se limitando a alterar aspectos da execução por dívidas de custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas judicialmente. Efectivamente, essa Lei procedeu a alterações à Lei de Organização do Sistema Judiciário (artº 2º), a alterações ao Código de Procedimento e de Processo Tributário (artº 3º), a alterações ao CPC, nos seus artº 87º e 88º (artº 4º), a alterações ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), concretamente aos respectivos artºs 14º, 26º e 35º (artº 5) e aditando um artº 26º-A ao RCP (artº 6º) e ainda alterações ao Código de processo Penal (artº 7º) e ainda ao DL 303/98, 07/10, relativo ao Regime de Custas no Tribunal Constitucional (artº 8º).
Portanto, essa Lei também regula outras matérias que não se inserem na dinâmica das execuções por dívidas de custas, multas não penais e sanções pecuniárias.
Ora, como os normativos relativos às custas não se aplicam apenas às execuções por dívidas de custas e multas não penais e sanções pecuniárias, antes são comuns a qualquer tipo de acção, declarativa ou executiva, a questão que se coloca é a de saber se o preceito do artº 14º nº 9, na redacção dada pela Lei em apreciação, se aplica em matéria de oportunidade de pagamento e de elaboração da conta de custas e de exigibilidade de pagamento de remanescente de taxa de justiça em processo pendente à data da entrada em vigor dessa Lei 27/2019.
Entendemos que sim.
Na verdade, em matéria de aplicação no tempo das leis processuais civis, na falta de disposição transitória especial, rege a norma-regra de aplicação imediata. Com efeito, as leis de processo têm a peculiaridade de se aplicarem tanto às acções instauradas no domínio da lei nova, como aos actos processuais que haja que praticar nas acções propostas no âmbito da lei antiga e ainda pendentes. É esse o entendimento que pensamos ser pacífico (Cf., entra outros, Alberto dos Reis, Processo Ordinário Civil e Comercial, vol. I, 1907, pág. 37; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novos Processo Civil, 2ª edição, pág. 14; Antunes Varela et alii, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 47; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, pág. 47).
A aplicação imediata das leis de processo e de custas tem como consequência a aplicação da Lei Nova a todos os actos nela previstos e regulados que venham a ser praticados a partir do momento em que essa Lei entra em vigor, mesmo em acções instauradas antes da vigência dessa nova Lei (Cf. J.H. Delgado de Carvalho, Custas de parte: problemas de aplicação da lei no tempo, bolg do IPPC, 04/2021, a propósito da aplicação no tempo da Lei 27/2019).
A ser assim, à data da elaboração da conta, em 27/09/2019, era aplicável a norma do artº 14º nº 9 do RCP na redacção da Lei 27/2019 que, como vimos, determina “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.”
Ora, a exequente/requerida nunca foi condenada em custas em nenhuma das instâncias. Por isso, devia ter sido dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça referido no artº 6º nº 7 do RCP e, esse valor, imputado à executada/requerente.
Quer isto significar que a conta não foi “…elaborada de harmonia comas disposições legais…”, o que constitui fundamento para a reforma da conta conforme decorre do artº 31º do RCP.
Por conseguinte, o recurso procede, devendo ser reformada a conta nos autos de incidente deduzido na execução, aplicando-se o artº 14º nº 9 do RCP, na redacção dada pela Lei 27/2019 e, em consequência, deve ser a exequente/requerida dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, que deve ser imputada à executada/requerente.
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III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar procedente o recurso e, em consequência deve ser reformada a conta de custas nos autos do incidente, aplicando-se o artº 14º nº 9 do RCP, na redacção dada pela Lei 27/2019 e, em consequência, ser a exequente/requerida dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, que deve ser imputada à executada/requerente.
Custas: pela executada/embargante (dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça neste recurso dada a simplicidade do mesmo, nos termos do artº 6º nº 7 do RCP).