ACÇÃO POPULAR CIVIL
INQUÉRITO JUDICIAL
Sumário

I– O inquérito judicial a sociedade é um processo especial, de jurisdição voluntária, para exercício de direitos sociais.

II– São três os requisitos essenciais para a instauração deste processo especial: a qualidade de interessado; a invocação do interesse que se pretende acautelar; a previsão legal (“nos casos em que a lei permita”).

III– Quanto à primeira, é entendimento unânime na doutrina a jurisprudência que a legitimidade activa para requerer o inquérito judicial à sociedade recai sobre os sócios; o conceito de “interessado” advém da circunstância de o sócio ter ainda de demonstrar que a informação foi requerida e lhe foi recusada e que tem direito a requerer que tal informação lhe seja prestada; carecendo assim os Requerentes de legitimidade activa.

IV– Quanto à finalidade do mesmo, o inquérito judicial é um meio de que dispõe o sócio de uma sociedade que lhe permite concretizar o seu direito à informação sobre a vida da sociedade, estabelecendo o Código das Sociedades Comerciais quais as situações mais específicas em que lhe é lícito lançar mão deste mecanismo, como o direito de informação stricto sensu, o direito de consulta da escrituração, livros e documentos, e o direito de inspecção dos bens sociais.

V– Assim, resulta que a afirmação “a acção popular civil, naturalmente a instaurar junto dos tribunais cíveis, pode revestir qualquer uma das formas previstas no Código de Processo Civil” tem naturalmente de ser entendida como podendo revestir qualquer uma das formas previstas no Código de Processo Civil, mas destinada e adequada à defesa dos interesses em causa – o que não é o caso do inquérito judicial à sociedade requerido pelos Recorrentes.

VI– Não pode deixar de se nortear a escolha do meio processual pela finalidade da AP - instrumento de participação e intervenção democrática dos cidadãos na vida pública, de fiscalização da legalidade, de defesa dos interesses das colectividades e de educação e formação cívica de todos, sendo uma forma peculiar de participação na defesa e preservação de valores essenciais, por pertencerem a uma mesma colectividade – o que não é manifestamente a finalidade do Inquérito Judicial à sociedade.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Relatório:


Em 11/3/2021, P… e J… interpuseram a presente acção contra V…; M… e C…, por apenso aos autos principais, denominando-a de Acção Popular de Inquérito Judicial e nos termos do art.º 52º, nº3 da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 31º e 1048º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pedindo que se ordene um Inquérito Judicial à Requerida, para apurar:
a)-Os nomes dos titulares dos interesses individualizados, e sua morada ou contactos, para apuramento e devolução de indemnizações;
b)-O valor individualizado do prejuízo e indemnizações de cada lesado, concretamente apurado;
c)-O valor global das indemnizações a pagar pela Requerida, aos titulares de interesses não individualizados;
Para atribuição das indemnizações aos lesados, no âmbito da ação principal.
Invocaram para tanto que interpuseram Ação Inibitória, na qualidade de representantes dos titulares dos direitos em causa que não tenham exercido o direito de auto exclusão previsto no art.º 14º e art.º 15º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto - Lei da Ação Popular, ou LAP - e art.º 11º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, pedindo, nos termos da Lei de Defesa do Consumidor, a condenação da Primeira Requerida, a ser:
a)-Inibida de cobrar aos consumidores valores que estes não tenham expressamente contratado, no âmbito dos serviços “Premium”, Go4Mobility, Mobibox, ou outros análogos, por via do mecanismo WAP BILLING aos quais os consumidores não tenham dado o seu consentimento expresso para contratar – art.º11º e 13º da Lei de Defesa do Consumidor.
b)-Devolver aos consumidores os valores que tenha cobrado ilicitamente, ou que tenha feito seus, à revelia de um contrato, no âmbito da alínea anterior - art.º 22º, n.º 3 da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.
Como fundamento dessa acção alegaram que a Requerida possui um mecanismo digital que consiste na celebração não autorizada pelos consumidores de um contrato jurídico, diretamente faturado aos clientes de contratos pós – pagos, e descontado no saldo de clientes pré-pagos.
Tal mecanismo, conhecido por WAP BILLING, consiste em permitir através do toque na superfície do touchscreen de um smartphone, a faturação direta, nos termos referidos na cláusula anterior, seja através de uma faturação posterior ou desconto no saldo do consumidor, em sites como:
a)-Eróticos ou de conteúdo erótico; b) De jogo; c) Astrologia; d) De conteúdo comercial ou vendas.
E que através do mecanismo designado pela R de WAP BILLING, a R tem-se permitido celebrar um contrato jurídico com o consumidor, sem que:
a)-O consumidor dê o seu consentimento expresso ao mesmo; b)- Forneça o seu Número de Contribuinte ou os dados de um Cartão Bancário, de crédito ou débito; c)- Forneça o seu nome ou dados pessoais.
Por via do WAP BILLING, os consumidores ao navegarem na Internet, e sem a intenção de contratar com quem quer que fosse, têm celebrado um contrato contra a sua vontade com a Requerida.
E tal contrato é a maior parte das vezes bastante caro e oneroso, e periódico, tendo um valor unitário médio de €3,99, renovando-se todos os meses e às vezes todas as semanas ou com um intervalo de vários dias, sem que o consumidor tenha de voltar a ativá-lo.
Chamando a Requerida a estes contratos ilegais, de: a)-Serviço Premium; b)-Serviço Mobibox; c)-Go4Mobility; como é patente nas queixas públicas no Portal da Queixa.
E tal mecanismo digital de nome WAP BILLING, pelo qual, qualquer cliente da R pode, sem intenção para tal, sem animus, de celebrar um negócio, pode ficar vinculado a um pagamento prestado por empresas terceiras, é intermediado e cobrado pela Requerida.
As entidades financeiramente beneficiárias desse serviço são, a própria Requerida, bem como empresas terceiras ligadas ao jogo, astrologia ou de conteúdo sexual ou comercial, designadamente a empresa GO4MOBILITY, com sede em Alcácer do Sal.
Sendo os consumidores contratados à força e contra a sua vontade, que se revoltam e têm um profundo desagrado, prejuízo psicológico e moral, e noção de falta de proteção das instituições em terem de ligar para a linha de apoio do cliente, para pedirem o cancelamento de tais serviços e a anulação das faturas.
E na maior parte das vezes os lesados, acima referidos, não conseguem anular esses serviços que não contrataram, por via do apoio ao cliente, tendo de suportar os custos dos serviços não contratados, e quando o conseguem, o contrato volta a ser reativado sem autorização.
A Requerida vale-se do facto de poder faturar aos consumidores diretamente estes valores médios, de €3,99, com IVA, por vezes com cobrança imediata, no caso de cartões pré-pagos, porque tem poder económico e pode a qualquer momento cancelar o serviço móvel e de internet se o cliente/consumidor não pagar.
Tal comportamento viola, entre outros, os art.º 8º e 9º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor).
Estes contratos forçados fazem os consumidores sentirem-se vítima de burla ou “fraude”, conf. art.º 217º do Código Penal.
A lei fixa um valor global de indemnização para os titulares dos interesses não identificados, a apurar em função do valor global dos negócios de WAPBILLING desde a prática destas burlas: Art. 22º, nº2 da LAP, que deverá ser apurado, com base numa estimativa fundamentada.
E um valor de indemnização, a fixar individualmente para os titulares dos interesses identificados: Art. 22º, nº3 da LAP, nos termos do Art. 483º, nº1 do Código Civil, que deve ser apurado, concretamente.
Sendo que os titulares dos interesses não identificados e os titulares dos interesses identificados, que os requerentes representam, previstos no art.º nº2 e nº3 da LAP, são interessados ou credores da requerida, nos termos dos art.º 1048º e 1050º do Código de Processo Civil, pelo que o presente inquérito deve servir para executar Perícia à Requerida, nos termos do art.1049º, nº1 e n.º 2, do Código de Processo Civil.
Devendo a Perícia apurar:
a)-Os nomes dos titulares dos interesses individualizados, e sua morada ou contactos, em ordem a apurar prejuízos, e indemnizações, desde pelo menos há 8 anos.
b)-O valor individualizado do prejuízo de cada lesado, concretamente apurado, e indemnizações a cada lesado, art.º 22º, n.º 2 da LAP, desde há pelo menos 8 anos.
c)-O valor global das indemnizações a pagar pela R aos titulares de interesses não individualizados: art.º 22º, n.º 3, da LAP, desde há pelo menos 8 anos.
d)-Inicio da prática por parte da Requerida do WAP BILLING.
Podendo o âmbito da Perícia ser objeto de ampliação no âmbito deste processo e no decurso do mesmo, nos termos do art.º 1049º, n.º 4 do Código de Processo Civil, se houver conhecimento de fatos que justifiquem ampliação do objeto do pedido.
Deverá o Perito, ou Investigador, nos termos do art.º 1049º, n.º 3 do Código de Processo Civil:
a)-Inspecionar os bens, computadores, livros e documentos da Requerida;
b)-Recolher por escrito, as informações prestadas pelos órgãos da sociedade, designadamente os Administradores supra referenciados, do Conselho de Fiscalização, e quaisquer pessoas ao serviço da Requerida;
c)-Solicitar ao Juíz do processo, que em tribunal, prestem depoimento as pessoas que se recusarem a fornecer os elementos pedidos, ou que sejam requisitados documentos em poder de terceiros.
A Perícia deverá ser realizada pela Polícia Judiciária, nos termos do art.º 2º, n.º 2, alínea b) do DL nº 137/2019, de 13/9.
Requer-se que a Perícia seja coadjuvada pelo Mandatário deste processo Dr. PG…, Advogado, nos termos do art.º 1049º, n.º 3, Cédula nº11233L.
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Os autos foram com “Vista” ao MºPº que, em 16/3/2021, promove:
Consigno que tomei conhecimento do teor da petição inicial e dos documentos juntos pelos Autores.
Considerando o disposto nos artigos 52º da CRP, 31º e 1048º do CPC e, bem assim, as disposições legais da Lei n.º 83/95 de 31/08, o Ministério Público entende que a presente acção popular tem viabilidade, sendo manifestamente provável a procedência do pedido, pelo que considera que a petição inicial deverá ser deferida.”
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Em 22/3/2021 foi proferido o seguinte Despacho Liminar:
P… e J… propuseram a presente acção popular sob a forma de processo especial de inquérito judicial a sociedade, contra V…, M… e C… , por apenso a anterior acção popular apresentada contra a V…, em que se pede que a Ré seja inibida de cobrar aos consumidores valores que estes não tenham expressamente contratado, no âmbito dos serviços “Premium”, Go4Mobility, Mobibox, ou outros análogos, por via do mecanismo WAP BILLING, aos quais os consumidores não tenham dado o seu consentimento expresso para contratar – Art.11º e 13º da Lei de Defesa do Consumidor a devolver aos consumidores os valores que tenha cobrado ilicitamente, ou que tenha feito seus, à revelia de um contrato, no âmbito da alínea anterior, pedindo na presente acção que seja ordenado inquérito judicial à sociedade Ré, devendo este procedimento seguir até serem apuradas as indemnizações individualizadas e globais a pagar aos TITULARES DOS INTERESSES E DIREITOS QUE NÃO SE AUTOEXCLUÍRAM NOS TERMOS DO ART. 22º DA LEI DA AÇÃO POPULAR, bem como da citada Lei de Defesa do Consumidor, referida no Art. 11º, nº4 da Lei nº24/96, de 31 de Julho.
O MºPº teve vista nos autos, tendo emitido o seu parecer sobre a viabilidade da acção.
Cabe, pois, proferir despacho liminar:
É sabido que a acção popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código de Processo Civil – art. 12º nº 2 da Lei de acção popular, não estando por isso vedado aos Autores o recurso ao processo especial de inquérito judicial a sociedade prevista no art. 1048º e seguintes do CPC, posto que se verifiquem os respectivos pressupostos.
Nos termos do art. 1048º, nº 1, o “interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alegará os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interesse averiguar e requer as providências que repute convenientes.”.
Acrescenta o nº 2 da mesma disposição legal: “São citados para contestar a sociedade e os titulares de órgãos sociais a quem sejam imputadas irregularidades no exercício das suas funções.”
E dispondo o nº3 “Quando o inquérito tiver como fundamento a não apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, seguem-se os termos previstos no artigo 67.º do Código das Sociedades Comerciais.”
Quer isso dizer que o inquérito tem lugar apenas nos casos em que a lei o permita, como refere o citado artº 1048º e, para além das situações a que se refere o artº 67º do CSC (não apresentação do relatório de gestão, contas de exercício e demais documentos de prestação de contas), pode ser requerido quando se encontre previsto na Lei qualquer direito do Autor em relação à sociedade Ré que tenha sido indevidamente preterido, como, por exemplo, o direito dos sócios à informação sobre a vida e os actos de gestão da sociedade.
No caso dos autos, estando em causa os direitos do conjunto de consumidores clientes da sociedade a que não lhe sejam cobrados valores de serviços que estes não tenham expressamente contratado, no âmbito dos serviços “Premium”, Go4Mobility, Mobibox, ou outros análogos, por via do mecanismo WAP BILLING, a que se refere já a acção pendente, não vemos que sentido tem a presente acção.
Alegam os Autores para fundamentar a presente acção os mesmos factos que invocaram na acção principal a que esta se encontra apensa, pretendendo nesta apurar o valor duma indemnização global aos consumidores afectados pela cobrança irregular dos serviços a que aquela se refere
Porém, o inquérito judicial a sociedade não serve para apurar o valor de serviços cobrados indevidamente aos clientes da sociedade Ré ou o valor das indemnizações que globalmente lhes caibam pela violação dos seus direitos, nem alegam os Autores qualquer outro direito passível de fundamentar a acção.
Com efeito, o direito dos consumidores à prestação de informações está contido na Lei de Defesa dos Consumidores, não sendo qualquer falta de prestação destas informações que está aqui em causa e que deve ser sujeito a inquérito.
O pedido formulado na presente acção implica a análise detalhada das bases de dados de clientes da Ré e da respectiva facturação, sendo pretensão dos Autores que esta análise e suas conclusões, produzam efeitos na acção popular previamente proposta.
Ora, a acção de inquérito judicial a sociedade não pode ser complemento da acção popular a que a mesma se encontra apensa, não servindo para fazer a prova que aí ou em incidente de liquidação, deva ser feita.
De qualquer forma, ainda que se pudesse equacionar a viabilidade de uma acção especial de inquérito judicial deveria a mesma servir para apurar a existência das irregularidades apontadas, em violação dos direitos dos consumidores, sendo possível a partir daí, extrair consequências em termos de apresentação de pretensões eventualmente indemnizatórias e não intentada à posteriori, como no presente caso, em que as pretensões dos Autores já foram apresentadas em acção prévia, para apurar os valores das indemnizações a fixar globalmente nos termos previstos no art. 22º, nº2 da Lei de acção popular.
Ou seja, a acção de inquérito judicial a sociedade serve para apurar a necessidade e/ou âmbito de uma posterior pretensão e não para fazer prova do quantum de consequências indemnizatórias duma pretensão já apresentada noutra acção cujo mérito ainda não foi conhecido.
Devemos ainda acrescentar que a pretensão formulada pelos Autores não é própria duma acção especial de inquérito judicial a sociedade em que o que se pretende é o acesso a informações recusadas ou ocultadas a que o Autor da acção tenha direito o que, como já vimos, não é aqui o caso.
Assim, o recurso ao inquérito judicial à sociedade Ré, no presente caso, não se mostra viável, devendo a acção ser indeferida liminarmente.
Pelo exposto, indefiro liminarmente a presente acção.
Sem custas.
Valor da acção: 30.000,01 euros
Notifique.
***

Não se conformando com a decisão proferida, dela recorreram os AA., concluindo como se segue:
OS REQUERENTES representam, nos termos da Lei nº83/95, de 31 de Agosto, LEI DA AÇÃO POPULAR, os lesados do WAPBILLING, que não se auto – excluiram, nos termos da LEI DA AÇÃO POPULAR e que são TITULARES DOS INTERESSES E DIREITOS às compensações e indemnizações devidas pela REQUERIDA V…, conforme consta da ação principal.
O WAPBILLING consiste num esquema fraudulento com existência de vários anos, de cobrança não autorizada de dinheiro tanto aos consumidores da REQUERIDA, nos cartões pré-pagos, como pós – pagos.
Os TITULARES DOS INTERESSES E DIREITOS que não se auto – excluíram, nos termos do Art. 14º e 15º da Lei nº83/95, de 31 de Agosto, pretendem obter compensações e indemnizações com o comportamento ilícito da REQUERIDA V…, conforme consta da acão inibitória principal.
Ora, o PEDIDO tem a ver com interesses de particular relevância social, que cabe também ao MINISTÉRIO PÚBLICO defender, nos termos da sua Lei Orgânica : Art. 10º, da Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto e Art. 325º, nº1 e nº2 do CPC: “ Compete ao Ministério Público, como interveniente acessório, zelar pelos interesses que lhe estão confiados, exercendo os poderes que que a lei processual confere à parte acessória e promovendo o que tiver por conveniente à defesa dos interesses da parte assistida”.
As razões desta ação são suficiente gravosas para os TITULARES DOS INTERESSES OU DIREITOS que se não auto – excluíram, em face da reiterada e antiga atitude e procedimento da REQUERIDA em esmagar os seus direitos patrimoniais (e que consubstanciam crime de Burla: Art. 217º, nº1, previsto e punido no Código Penal, como foi reiteradamente alegado), compensações que esses TITULARES DOS INTERESSES E DIREITOS reclamam há muito tempo. (pelo menos há 7-8 anos).
O Art.1048º, nº1 do CPC é taxativo ao permitir a viabilidade (também sustentada pela Douta Magistrada do Ministério Público) desta ação.
A saber, o Inquérito Judicial previsto no Art. 1048º,n º1 do CPC, não se prende diretamente com eventuais “irregularidades” dos órgãos sociais “no exercício das suas funções”, que são evidentes neste caso contudo, mas com os fundamentos do pedido de inquérito que o interessado, mas sim com o fato inerente de por força do Art. 22º, nº2 e nº3 da Lei nº83/95, de 31 de Agosto, a REQUERIDA V…, estar obrigada pagar aos REPRESENTADOS dos REQUERENTES.
Pretende-se pois, para lá da ação inibitória, apurar:
a)- “ A indemnização pela violação de interesses de titulares não individualmente identificados”- a ser fixada GLOBALMENTE
b)- as indemnizações, nos termos da responsabilidade civil, dos “titulares de interesses identificados” – que se pretende que a Peritagem venha a fixar.
Pretende-se sim apurar INDEMNIZAÇÕES que merecem a tutela do direito: Art. 22º, nº2 e nº3 e Art. 483º, nº1 do Código Civil.
10º Dispõe o Art. 483º, nº1 do Código Civil, que a indemnização é neste caso o direito indisponível, que obriga à procedência desta ação.
11º Ora, o Art. 22º, nº2 e nº3 e o Art. 483º, nº1 do Código Civil, são pedras angulares da obrigatoriedade da manifesta procedência desta ação, pois estão em causa interesses ou direitos alheios indisponíveis de milhões de lesados.
12º Este INQUÉRITO JUDICIAL não tem em vista a “não apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, no que refere o nº3 do Art. 1048º, nº3 do CPC, mas sim apurar INDEMNIZAÇÕES CONCRETAS E GLOBAIS, nos termos do Art. 22º, nº2 e nº3 da Lei nº83/95, de 31 de Agosto ( Lei da Ação Popular), e Art. 10º, nº2 da Lei da Defesa do Consumidor.
13º Embora esta ação de INQUÉRITO JUDICIAL esteja conexa com a ação principal, tem uma autonomia própria: destina-se a apurar indemnizações globais e individualizadas: Art. 22º , nº2 e nº3 da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, pois extravasa o pedido da ação principal, e é o meio próprio para identificar as responsabilidades da REQUERIDA em sede de compensações ou indemnizações a pagar aos consumidores lesados.
14º Sendo irrelevante que esta ação sirva para peritagem das bases de dados da REQUERIDA.
15º Os objetivos da ação principal - Inibitória- não poderiam surtir a necessidade deste escrutínio, como reconhece aqui a douta sentença a sua impossibilidade.
16º Esta ação de INQUÉRITO JUDICIAL é pois autónoma da ação inibitória principal, a contrário do afirmado pela douta sentença.
17º A autonomia deste INQUÉRITO JUDICIAL não se confunde pois com a natureza INIBITÓRIA da ação popular principal, pois de outro modo, como poderiam ser apuradas as indemnizações individualizadas e globais dos Arts. 22º, nº2 e nº3 da Lei nº83/95, de 31 de Agosto?
18º São conexas, mas não confundíveis as duas ações, pois de outro modo como pode ser apurado COM EXATIDÃO a indemnização aos consumidores (que a REQUERIDA NEGA EXISTIR aliás, nunca se podendo verificar a cooperação da mesma no apuramento dos danos e indemnizações).
19º Não estamos no âmbito de meras “irregularidades”, como pretende a douta sentença, mas de graves danos, que merecem uma firme tutela jurídica, com existência de anos.
20º Falha assim a douta sentença, ao fazer depender deste INQUÉRITO JUDICIAL, o “mérito” da ação inibitória, pois as duas têm conteúdos e alcances diferentes.
21º Não estão em causa, como refere a aliás douta sentença, informações recusadas, mas informações que a REQUERIDA nunca prestará voluntariamente, fazendo esta ação jus ao clamor de anos de lesados a quem foram negadas indemnizações e justiça.
Termos em que deve ser revogada a douta sentença, e declarado procedente este INQUÉRITO JUDICIAL até final.
Farão assim V. Exas. Justiça ao Povo!!
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Em 23/4/2021 foi proferido despacho de admissão de recurso, como apelação, de subida imediata e efeito meramente devolutivo, ordenando-se a citação dos RR. tanto para os termos do recurso como para os da acção – art.º 641º, nº7 Código de Processo Civil.
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Citados os RR., a V…, Recorrida, apresentou contestação e contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
1. Em 22.03.2021, foi proferida decisão que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar, por não se encontrarem verificados os pressupostos de que depende o inquérito judicial à sociedade.
2. Em 08.04.2021, os Recorrentes vieram interpor recurso de apelação da douta decisão do Tribunal a quo.
3. Sucede que, os Recorrentes não têm qualquer razão.
4. Vieram os Recorrentes instaurar uma ação popular sob a forma de inquérito judicial na pendência da ação popular inibitória, pretendendo o apuramento do valor de uma indemnização individualizada e global a pagar pela Recorrida aos titulares dos interesses e direitos que foram alegadamente afetados pela cobrança alegadamente indevida de serviços, efetuada por aquela através dos contratos de WAP Billing.
5. Acontece que, o inquérito judicial à sociedade apenas tem lugar nos casos em que a lei o permita, conforme resulta taxativamente da redação do artigo 1048.º do Código de Processo Civil, a saber “1- O interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interesse averiguar e requer as providências que repute convenientes.
2- São citados para contestar a sociedade e os titulares de órgãos sociais a quem sejam imputadas irregularidades no exercício das suas funções.
3-Quando o inquérito tiver como fundamento a não apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, seguem-se os termos previstos no artigo 67.º do Código das Sociedades Comerciais” (sublinhado e realce nossos).
6. São consideravelmente poucas as situações em que a lei permite a propositura da ação de inquérito judicial e todas elas se encontram, naturalmente, previstas no Código das Sociedades Comerciais.
7. Tal assim é, porque este é um processo que tem como objetivo exclusivo facultar aos titulares de órgãos sociais e aos sócios/accionistas o acesso a informações a que os mesmos têm direito e que lhes foram recusadas ou deficitariamente fornecidas.
8. Ora, a lei apenas concede a faculdade de instauração de um inquérito judicial nos casos previstos, no Código das Sociedades Comerciais, no artigo 31.º, n.º 3, relativamente à deliberação de distribuição de bens, no artigo 67.º, n.º 1, no que concerne à falta de apresentação das contas e de deliberação sobre elas, no artigo 68.º, n.º 2, no que que respeita à recusa de aprovação de contas, no artigo 181.º, n.º 6, relativamente ao direito dos sócios à informação, nos artigos 216.º e 292.º, no que respeita à recusa de prestação de informação, no artigo 255.º, n.º 2, em relação às remunerações dos sócios, e no artigo 450.º, relativamente ao abuso de informação.
9. Da análise dos referidos normativos legais facilmente se conclui que os únicos titulares do direito de requerer ao Tribunal o inquérito à sociedade são os membros da administração, sócios ou acionistas da respetiva sociedade e, ainda, os representantes comuns de obrigacionistas e os usufrutuários e credores pignoratícios de acções quando, por lei ou convenção, lhes caiba exercer o direito de voto.
10. Deste modo, verifica-se que a tramitação processual constante nos artigos 1048.º a 1052.º do CPC encontra-se estritamente limitada aos casos em que a lei substantiva expressamente prevê esta possibilidade.
11. Posição esta que é pacífica na doutrina e na jurisprudência portuguesas.
12. Neste sentido, vide, Rui Pinto, in “Notas ao Código de Processo Civil” 1.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, abril 2014, p. 761., na anotação ao artigo 1048.º do CPC: “A lei permite a realização do inquérito judicial nos casos dos artigos 31.º n.º 3, 67.º n.º 1, 216.º e 292.º n.º 1 e 450.º CSC” (sublinhado e realce nossos).
13. E, ainda, Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil - Anotado” 3.ª Edição Revista e Ampliada, Ediforum, Lisboa, maio 2015, p. 1138., na anotação ao artigo 1048.º do CPC:
“O Cód. Soc. Comerciais prevê o recurso a inquérito social nas seguintes hipóteses:
(a)- falta de apresentação das contas do exercício (art.67.º) ou recusa da sua aprovação (art. 68.º-2); (b)- deliberação ilícita de distribuição de bens aos sócios (art. 31.º-3); (c)- recusa, incompletude ou falsidade de informação (arts. 292.º, 181.º-6, 450.º, 216.º, 292.º-2/6); (d)- redução da remuneração dos gerentes (art. 255.º-2)” (sublinhado e realce nossos).
14. No mesmo sentido, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.05.2018 no Processo n.º 1151/17.8T8PDL.L1, disponível em www.dgsi.pt.:
“O direito a requerer o inquérito judicial à luz do artº 1048.º do CPC só pode ser exercido pelo sócio, enquanto se mantiver esta qualidade. Estando em causa a qualidade de sócio no âmbito do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, o prosseguimento do inquérito judicial terá que aguardar pela decisão proferida naquele. (...)
O direito a requerer a instauração do inquérito judicial é instrumental em relação a outros direitos sociais, pelo que os elementos internos da vida societária só podem ser facultados a quem seja sócio” (sublinhado e realce nossos).
15. E, também, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22.10.2019, no Processo n.º 325/18.9T8VNG.P1, disponível em www.dgsi.pt., que assevera a exclusão do próprio cônjuge do sócio do direito à obtenção de informações societárias:
I– O exercício do direito à informação sobre a Sociedade Comercial e o recurso do inquérito judicial advém da qualidade de sócio dessa mesma sociedade, sendo indissociável dessa posição societária.
II– O cônjuge do sócio de uma sociedade não tem o direito a obter informações societárias nem legitimidade para instaurar o correspondente inquérito social à sociedade com vista a obter tais informações, mesmo que a participação social do seu cônjuge seja um bem comum do casal, por força do regime matrimonial de comunhão de bens” (sublinhado e realce nossos).
16. Bem se sabe que o artigo 12.º, n.º 2 da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, ao prescrever que, “a acção popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código de Processo Civil”, se refere, no âmbito do processo civil, não às formas de processo, que apenas existe a forma única nos processos comuns, mas às espécies de ações previstas no Código de Processo Civil.
17. Sendo certo que as ações populares tanto podem revestir a espécie de ações declarativas, como a espécie de ações executivas, ou até mesmo de procedimentos cautelares, contanto que contendam com os requisitos e finalidades previstos na lei para cada uma dessas ações.
18. Sucede que, essas ações encontram-se limitadas aos processos comuns e aos processos de execução, já que a ação popular não se coaduna com nenhum dos procedimentos previstos nos processos especiais, nem se vislumbra como tal poderia acontecer, dada a singularidade e especificidade destes procedimentos.
19. Neste sentido, vide excerto do Acórdão do referido Tribunal, de 12.11.2019, no Processo n.º 288/19.3T8ESP-B.P1, disponível em www.dgsi.pt.:
“Nos termos do artigo 12º, nº 2 "a acção popular pode revestir qualquer das formas previstas no Código de Processo Civil". Em rigor, dir-se-ia que a forma de processo para concretização da acção popular haverá de ser a forma comum, já que não se concebe que outras formas de processo, designadamente os processos especiais, estejam talhados para tal efeito; o que sucederá - e certamente será essa a alusão que o legislador teria em mente com as "formas previstas no CPC" - é que se pode recorrer aos tipos de acções e providências previstas naquele Código, desde acções declarativas (condenatórias, constitutivas ou de simples apreciação) e executivas e, ainda, providências cautelares, especificadas ou inominadas” (sublinhado e realce nossos).
20. Por mera cautela de patrocínio, sem conceder, mesmo que a ação popular pudesse revestir a forma de um processo especial, sempre teria que obedecer às regras previstas para cada tipo de procedimento, sob pena de, se assim não for, se desvirtuar por completo o sentido normativo inerente a cada um desses procedimentos e, por exemplo, se chegar ao ridículo de se instaurar uma ação popular sob a forma de divórcio sem consentimento do outro cônjuge para defesa da integridade física de todos aqueles que são vítimas de violência doméstica.
21. Deste modo, verifica-se que este meio processual, previsto nos artigos 1048.º a 1052.º do CPC, apenas pode ser utilizado por pessoas que fazem parte da sociedade ou possuem títulos representativos do capital social ou de obrigações, como é a situação dos sócios, administradores, gerentes, acionistas, usufrutuários, credores pignoratícios ou representantes de titulares de obrigações, nos termos previstos na lei comercial.
22. Ora, os Recorrentes não são sócios, administradores, gerentes, acionistas, usufrutuários, credores pignoratícios, nem representantes de titulares de obrigações, mas apenas representantes de um conjunto de consumidores clientes da Vodafone, não tendo, por isso, qualquer direito a aceder à informação da Recorrida.
23. Razão pela qual os Recorrentes não possuem legitimidade para instaurar a presente ação, não tendo qualquer direito à prestação da requerida informação.
24. Já que, a não ser assim, qualquer pessoa estaria legitimada a instaurar um inquérito judicial para aceder a bases de dados confidenciais, entre outros elementos internos da vida societária, o que, per si, violaria diversos princípios, designadamente o princípio da confidencialidade, além dos mais elementares princípios do Estado de Direito, como é o princípio da proteção da confiança.
25. Princípio este que impõe que o Estado tem o dever de garantir o mínimo de estabilidade para que os indivíduos possam construir os seus projetos, estabelecer suas relações e, precipuamente, confiar na manutenção das suas relações com as autoridades públicas, sem alterações e transtornos nas expectativas jurídicas já criadas.
26. Algo que seria grosseira e violentamente violado se, de repente, um inquérito judicial pudesse ser utilizado para pessoas completamente alheias às sociedades terem acesso às bases de dados, elementos contabilísticos, entre outros elementos estritamente confidenciais destas.
27. Por outro, vêm os Recorrentes instaurar o inquérito judicial à sociedade Recorrida para apurar o valor de serviços alegadamente cobrados de forma indevida aos clientes desta, por forma a contabilizar o valor global das indemnizações que supostamente lhes caibam pela violação dos seus direitos.
28. Acontece que, o inquérito judicial não tutela os bens jurídicos do direito à informação e do direito à proteção dos interesses económicos dos consumidores, à luz da Lei de Defesa do Consumidor.
29. Efetivamente, as requeridas informações relativas aos valores alegadamente cobrados de modo indevido a consumidores nada têm que ver com as informações que podem ser solicitadas em sede de inquérito judicial.
30. Dado que, as informações requeridas no âmbito de um inquérito judicial dizem respeito a elementos próprios da atividade societária, como é o relatório de gestão de contas, relatório das contas do exercício e as demonstrações financeiras.
31. Argumento este que em tudo é corroborado pelo facto de as prorrogativas que assistem às associações de consumidores se limitarem às que se encontram previstas no artigo 18.º da Lei de Defesa do Consumidor.
32. Ora, analisado o referido artigo, constatamos que em lado algum é referido o direito à consulta de elementos internos de pessoas coletivas de direito privado.
33. No limite, as associações de consumidores têm direito a consultar os processos e demais elementos existentes nas repartições e serviços públicos da administração central, regional ou local que contenham dados sobre as características de bens e serviços de consumo e de divulgar as informações necessárias à tutela dos interesses dos consumidores, conforme previsto no artigo 18.º, n.º 1, alínea f) da referida Lei.
34. Face ao exposto, é manifesto que, in casu, não estamos perante qualquer falta de prestação de informações que permita o recurso ao procedimento contido no artigo 1048.º e seguintes do Código de Processo Civil,
35. Tratando-se de matérias que se inserem na Lei de Defesa do Consumidor e, como tal, cabe exclusivamente aos consumidores o impulso de requerem o pagamento das indemnizações que entenderem que lhes são devidas por eventuais violações dos seus direitos.
36. Por último, mas não menos relevante, note-se que os Recorrentes instauraram uma ação popular sob a forma de inquérito judicial à sociedade na pendência de uma ação popular inibitória destinada fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor.
37. Ora, o inquérito judicial à sociedade trata-se de um processo destinado a reunir as informações necessárias à averiguação da necessidade de ser posteriormente instaurado um novo processo, com vista a fazer valer determinados direitos dos sócios.
38. Não podendo, por isso, ser utilizado para prova dos factos alegados na ação principal, os quais apenas aí devem ser demonstrados e provados pelos Autores, nem em substituição de uma eventual ação de liquidação das quantias indemnizatórias, por se tratarem de situações que se encontram completamente fora do escopo para que foi criado este meio processual.
39.Deste modo, verifica-se que o inquérito judicial não pode, em momento algum, complementar uma ação principal inibitória, configurando antes uma ação prévia com vista à determinação da necessidade de proposição de uma nova ação.
40. Pelo que, considera-se totalmente improcedente o recurso interposto, por não se encontrarem verificados os pressupostos de que depende a instauração do inquérito judicial à sociedade, previstos no artigo 1048.º e seguintes do Código de Processo Civil,
41. o que se requer seja declarado por V. Exas., com as devidas e legais consequências.
Pelo exposto e, sempre com o V/ mui douto suprimento, requer-se a V. Exas. seja o presente recurso julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a douta decisão proferida, que indeferiu liminarmente a ação, pois só assim se fará a devida JUSTIÇA!
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O Recurso foi devidamente admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.–Questões a decidir:

Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que no caso concreto cumpre apreciar se deve ser revogado o despacho proferido e ordenado o prosseguimento da acção de inquérito judicial nos termos e para as finalidades pretendidas pelos recorrentes, por apenso à acção popular que intentaram.
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III.–Fundamentação de Facto:
Os factos com interesse para a decisão do presente recurso são aqueles que constam do relatório supra.
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IV.–Do Direito.
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Para a decisão do presente recurso, tendo presente o seu objecto e questão a decidir supra enunciada, importa estabelecer o pertinente enquadramento legal.
Assim, há que atentar no seguinte quadro normativo aplicável:
Nos termos do art.º 52.º, n.º 3, a) da Constituição da República Portuguesa: «É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para “Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural;
O art.º 1.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, Lei da Acção Popular, ou LAP. com a redação que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro refere:
«1-A presente lei define os casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de acção popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas no n.º 3 do artigo 52.º da Constituição.
2-Sem prejuízo do disposto no número anterior, são designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público.»

E preceitua o art. 2.º da mesma Lei:
«1-São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de ação popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda.
2-São igualmente titulares dos direitos referidos no número anterior as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição.»
Quanto à legitimidade o art. 31.º do Código de Processo Civil estipula que «Têm legitimidade para propor e intervir nas ações e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à proteção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos na lei.»
Do quadro normativo que se expôs resulta que no mesmo se consagrou a tutela de bens jurídicos como os da saúde pública, dos direitos dos consumidores, do ambiente, do urbanismo, do ordenamento do território, da qualidade de vida, do património cultural e dos bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.
Pretende-se dotar os cidadãos, individual ou colectivamente organizados, de um instrumento de participação e intervenção democrática dos cidadãos na vida pública, de fiscalização da legalidade, de defesa dos interesses das colectividades e de educação e formação cívica de todos. É, assim, consagrada uma forma peculiar de participação na defesa e preservação de valores essenciais, por pertencerem a uma mesma colectividade (conf. Rafael Bielsa, A Acção Popular e o Poder Discricionário da Administração).
Está em causa a protecção de interesses difusos, entendidos estes como os pertencentes a uma pluralidade indiferenciada de sujeitos e recaírem sobre bens indivisíveis, sobre bens públicos. São, por isso, interesses da colectividade, em que a satisfação de um só dos titulares, implica, necessariamente, a satisfação de todos, assim como a lesão de um só constitui, correlativamente, lesão da inteira colectividade - neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, p.46.
Ainda que não totalmente consensual a sua distinção doutrinária costuma entender-se que, dentro da categoria dos interesses difusos (em sentido amplo) é possível englobar diferentes realidades, havendo que distinguir entre interesses difusos em sentido estrito, interesses colectivos e interesses individuais homogéneos.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa, ob.cit.: “Os interesses difusos são interesses que possuem uma dimensão individual e supra-individual, ao contrário dos interesses individuais, que só possuem uma dimensão individual, pertencem exclusivamente a um ou a alguns titulares.
Os interesses particulares homogéneos são aqueles em que não existem situações individuais particularizadas, mas tão só situações jurídicas genericamente consideradas.
Os interesses difusos encontram-se dispersos ou disseminados por vários titulares, mas são interesses sem sujeito ou sem titulares, cabem a todos e cada um dos membros de uma classe ou de um grupo, mas são insusceptíveis de apropriação individual por qualquer desses sujeitos, sendo, pois, a dupla dimensão individual e supra-individual uma característica essencial desses interesses.
Os interesses difusos são indiferenciados, não só porque podem pertencer a qualquer sujeito que se inclua numa certa classe ou categoria, mas também porque eles existem independentemente de qualquer relação voluntária estabelecida entre os seus titulares.
São interesses de uma classe ou de um grupo, ou seja, de um conjunto de pessoas que podem satisfazer uma necessidade através da apropriação de um mesmo bem e é por isso que se pode falar também de interesses difusos de consumidores.
Os interesses difusos recaem sobre bens que podem ser gozados de uma forma concorrente e não exclusiva, pois que os seus titulares, ao beneficiarem de um certo bem, não impedem os outros que possam igualmente disfrutar desse mesmo bem.
Os interesses individuais homogéneos podem ser definidos como os interesses de cada um dos titulares de um interesse difuso “stricto sensu” ou de um interesse coletivo.
Não são apenas interesses singulares, isto é, de um indivíduo, mas também interesses supra- individuais, pois que pertencem a todos os titulares do interesse difuso “stricto sensu” ou do interesse coletivo.
Na ação popular procura-se a tutela de um interesse difuso, assim como os correspondentes interesses individuais homogéneos de todos os seus titulares.
No entanto, para que a tutela coletiva seja praticável, ela impõe normalmente a abstração de algumas particularidades respeitantes a cada um dos seus titulares.
Na verdade, a tutela coletiva não é possível sem a abstração do “lastro de individualização” que é característica das situações “standard”.
A tutela de interesses difusos “stricto sensu” e a tutela de interesses coletivos visam finalidades que não são totalmente coincidentes.
Quando se trata de defender interesses difusos, o que sobreleva é a proteção do interesse supra individual “qual tale” e a prossecução da finalidade visada com a sua previsão no ordenamento jurídico, por exemplo, a prevenção de uma agressão ambiental ou uma reação contra o uso de uma cláusula contratual ilegal.
Quando se trata de defender interesses coletivos, o que ressalta é a proteção das situações individuais de cada um dos titulares.
Enquanto os interesses difusos são sempre compatíveis com uma tutela subjetivamente indiferenciada, à proteção dos interesses coletivos pode não interessar a apreciação individualizada da situação de cada um dos titulares.
A tutela dos interesses coletivos só é admissível até onde for aceitável uma apreciação indiferenciada da situação de cada um dos seus titilares.
A tutela individual requer uma cuidadosa reconstrução dos factos e o sucesso dela pode depender da averiguação de alguns pormenores, mas a tutela coletiva só é viável abstraindo das especificidades de cada uma das situações individuais.
Quando uma ação se destina à proteção de interesses difusos “stricto sensu”, ela tutela um interesse indivisível e insusceptível de ser individualizado, pelo que não se requer qualquer apreciação individual de cada um dos titulares daquele interesse.
Quando se destina à proteção de interesses coletivos, ela permite a coletivização de uma massa de ações individuais, mas como estão em causa bens privados de vários sujeitos, não pode dispensar uma análise individualizada da situação de cada um dos seus titulares.”

Feitas estas considerações resulta que eventualmente estão em causa na acção principal “direitos subjectivos fraccionados”, que correspondem à lesão diferenciada que se verifica na esfera jurídica de uma pessoa ou de um conjunto determinado de pessoas e que advém de uma causa comum. Ou seja, são interesses individuais que pela sua homogeneidade e origem comum, justificam o seu tratamento conjunto e se reportam a bens susceptíveis de apropriação individual exclusiva.
No entanto, a tutela de interesses individuais homogéneos justifica-se quando os direitos ou interesses de uma pluralidade de sujeitos (consumidores) são violados e, por isso, a lesão afecta uma pluralidade de sujeitos (consumidores) de forma homogénea.
A acção popular prevista na LAP, nomeadamente, nos artigos 12º e seguintes, compreende duas modalidades distintas: a acção popular civil, que pode revestir qualquer das formas previstas no Código de Processo Civil; e a acção popular administrativa, que comporta a acção para defesa dos interesses referidos no art.º 1º e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos lesivos dos mesmos interesses.
Concretamente quanto à tutela dos interesses individuais homogéneos destaca-se o disposto pelo art.º 15º da LAP, que prescreve:
“Recebida petição da acção popular, serão citados os titulares dos interesses em causa na acção de que se trata, e não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo fixado pelo Juiz, passarem a intervir no processo a título principal... ou se, pelo contrário, se excluem dessa representação, nomeadamente para o efeito de não lhes serem aplicáveis as decisões proferidas...”.
Tal norma confere a prerrogativa de os membros do grupo a que a acção popular se reporta dela se auto-excluírem, prerrogativa conferida com visto dos representados escaparem ao caso julgado da decisão.
Só no âmbito de bens divisíveis (e não no de bens indivisíveis, insusceptíveis de apropriação individual, objecto dos interesses difusos) é que o direito de auto-exclusão permite o afastamento do caso julgado da decisão proferida na acção popular e a consequente oportunidade de o auto excluído propor, futuramente, uma acção singula; desta disposição legal decorre assim sem dúvida que a LAP permite a defesa dos referidos interesses individuais homogéneos.
Especificamente no que aos consumidores respeita, resulta do art.º 10.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, Lei de Defesa do Consumidor, ou LDC, com as alterações que lhe foram sendo sucessivamente introduzidas dispõe que:
«1-É assegurado o direito de ação inibitória destinada a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor consignados na presente lei, que, nomeadamente:
a)- Atentem contra a sua saúde e segurança física;
b)- Se traduzam no uso de cláusulas gerais proibidas;
c)- Consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei.
2- (...).»

Estipulando o art.º 13.º da LDC que:
«Têm legitimidade para intentar as ações previstas nos artigos anteriores:
a)-Os consumidores diretamente lesados;
b)-Os consumidores e as associações de consumidores ainda que não diretamente lesados, nos termos da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto;
c)-O Ministério Público e a Direção-Geral do Consumidor quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, coletivos ou difusos.»
Nos “interesses individuais homogéneos” abrangidos no artigo 1º da Lei n.º 83/95, destaca-se um dos direitos dos consumidores: “o caso do direito à reparação de danos”, tendo presente o seu alcance, conforme se sublinhou na esteira dos ensinamentos de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, 2007, páginas 281 a 283 e 323 e 324.
Veja-se ainda o art.º 9º, n.º 1 da LDC: “O consumidor tem direito à proteção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos. (…)”
Ora, a acção popular não constitui um meio jurisdicional a utilizar apenas quando todos os outros meios judiciais falharam nem, tão pouco, apresenta carácter subsidiário, constituindo muitas das vezes, a forma mais adequada para tutela dos interesses acima mencionados – conf. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. p.700.
Segundo Paulo Otero, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, Ano 59, Dezembro de 1999, pp. 871-873: “a acção popular, sendo sempre uma acção judicial e, neste sentido, a expressão do direito fundamental de acesso aos tribunais, distingue-se de todas as demais modalidades de acções pela amplitude dos critérios determinativos da legitimidade para a respectiva propositura.
Mediante a acção popular, pode dizer-se que todos os membros de uma comunidade - ou, pelo menos, um grupo de pessoas não individualizável pela titularidade de qualquer interesse directamente pessoal - estão investidos de um poder de acesso à justiça visando tutelar situações jurídicas materiais que são insusceptíveis de uma apropriação individual.
A acção popular traduz, deste modo, uma forma de tutela jurisdicional de posições jurídicas materiais que, sendo pertença de todos os membros de uma certa comunidade, não são, todavia, apropriáveis por nenhum deles em termos individuais. Deparamos aqui, por isso mesmo, com um conjunto de interesses materiais solidariamente comuns aos membros de uma comunidade e cuja titularidade se mostra indivisível através de um processo de apropriação individual.
Neste sentido, deverá afirmar-se que o actor popular age sempre no interesse geral da colectividade ou da comunidade a que pertence ou se encontra inserido, isto sem que tal meio de tutela judicial envolva a titularidade de qualquer interesse directo e pessoal.”
Ainda segundo o mesmo Autor, “Quanto ao objecto da acção popular, a Constituição, uma vez mais sem excluir a intervenção ampliativa do legislador, estabelece que aquela se pode traduzir numa das cinco seguintes modalidades de acção judicial:
(i)- Pode tratar-se de uma acção que tem por objecto prevenir infracções contra certos interesses gerais da colectividade, falando-se aqui em acção popular preventiva;
(ii)- Poderá ocorrer que a acção popular sirva de instrumento tendente a determinar a cessação de tais infracções, existindo aqui uma acção popular destrutiva ou anulatória;
(iii)- Pode a acção popular visar, por outro lado, a perseguição judicial de certo tipo de infracções ou, talvez de modo mais rigoroso, dos agentes protagonistas de tais infracções, deparando-se aqui com uma acção popular repressiva;
(iv)-A acção mostra-se ainda susceptível de visar o ressarcimento de danos decorrentes da infracção aos referidos interesses da comunidade, situação em que depararemos com uma acção popular indemnizatória;
(v)- Por último, a acção popular poderá visar a defesa de bens integrantes do património de entidades públicas, especialmente em casos de omissão ou negligência de actuação pública na sua defesa, situação esta reconduzível à tradicional acção popular supletiva ou substitutiva.”

Prossegue o referido Autor afirmando que «a acção popular civil, naturalmente a instaurar junto dos tribunais cíveis, pode revestir qualquer uma das formas previstas no Código de Processo Civil havendo aqui a diferenciar duas principais situações:
(i)- A acção popular civil visando a defesa do património da Administração Pública, hoje visando a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, consubstanciando a designada acção popular supletiva ou substitutiva que tem a sua origem entre nós nas Ordenações Manuelinas;
(ii)- Todas as outras diversas situações de acção popular civil cujo objecto respeita à defesa de interesses gerais da colectividade que não se reconduzem aos bens de entidades públicas territoriais. (...)”.

Revertendo ao caso concreto, pretendem os Recorrentes, sustentando que lhe é lícito lançar mão de qualquer uma das acções previstas no Código de Processo Civil, que se proceda a inquérito judicial junto da Recorrida, a fim de apurar:
a)-Os nomes dos titulares dos interesses individualizados, e sua morada ou contactos, para apuramento e devolução de indemnizações;
b)-O valor individualizado do prejuízo e indemnizações de cada lesado, concretamente apurado;
c)-O valor global das indemnizações a pagar pela Requerida, aos titulares de interesses não individualizados;
Para atribuição das indemnizações aos lesados, no âmbito da ação principal.”
Ora, o inquérito judicial a sociedade é um processo especial, de jurisdição voluntária, para exercício de direitos sociais, dispondo o art.º 1048º do Código de Processo Civil o seguinte:
1- O interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interesse averiguar e requer as providências que repute convenientes.
2- São citados para contestar a sociedade e os titulares de órgãos sociais a quem sejam imputadas irregularidades no exercício das suas funções.
3- Quando o inquérito tiver como fundamento a não apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, seguem-se os termos previstos no artigo 67.º do Código das Sociedades Comerciais.”
Deste normativo resulta que são três os requisitos essenciais para a instauração deste processo especial:
- A qualidade de interessado;
- A invocação do interesse que se pretende acautelar;
- A previsão legal (“nos casos em que a lei permita”).
Quanto à primeira, é entendimento unânime na doutrina a jurisprudência que a legitimidade activa para requerer o inquérito judicial à sociedade recai sobre os sócios.
Assim, para requerer o procedimento de inquérito judicial o interessado deve alegar e demonstrar a qualidade de sócio.
Veja-se, a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3173/1998, Proc. n.º 97A791, disponível em www.dgsi.pt, cuja fundamentação permanece actual à luz do artigo 1048º: “É exigida à requerente do exame da escrituração comercial e dos documentos concernentes às operações comerciais, a prova inicial da sua qualidade de "sócio", devendo acrescer os seguintes requisitos adicionais: ter-lhe sido recusado o exame e ter o direito de proceder a esse exame.(…)
Ou seja, surge como requisito condicionante do requerimento do exame ao tribunal que o mesmo seja apresentado por um sócio.
E não por qualquer sócio: é ainda mister que se trate de "sócio a quem seja recusado o exercício do direito que tenha de examinar a escrituração e os documentos". O que significa que, na literalidade do preceito, à qualidade de "sócio", deverão acrescer ainda os seguintes requisitos adicionais: ser-lhe recusado o exame; e ter direito de proceder a esse exame.
Portanto, carece de legitimidade para requerer o exame de escrituração e documentos a que se referem os artigos 1497º e seguintes do CPC, todo aquele que:
a)- não seja sócio;
b)- sendo sócio, não lhe tenha sido recusada a pretensão de proceder ao exame;
c)- sendo sócio, não tenho o direito de proceder ao exame.
À requerente do exame da escrituração comercial e dos documentos a que se referem os artigos 1497º e seguintes do CPC é, assim, exigida a prova inicial da sua qualidade de sócio, "pois esta é um dos pressupostos necessários para poder requerer-se ao tribunal que seja facultado o pretendido exame, quando recusado" - cfr. o acórdão de 24 de Janeiro de 1978, da Relação do Porto, in C.J., Ano III, Tomo 1 - 1978 -, pág. 135.
Ou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/7/2003, igualmente disponível em www.dgsi.pt, Proc. n.º 03B1995, onde se vai mais longe, entendendo que, relativamente a um sócio que celebrou um contrato promessa de transmissão de quotas onde se comprometeu, na vigência do mesmo, a não exercer determinados direitos sociais, tal autolimitação de exercício de direitos é incompatível com o direito à informação, pelo que o sócio não pode requerer informações ou inquérito judicial que vão contra tal limitação.
Finalmente, como pode ler-se no Acórdão da Relação do Porto de 22/10/2019, Proc. n.º 325/18.9T8VNG.P1, loc. Cit: “O processo especial “é um processo-exceção que só pode aplicar-se aos casos para que foi expressamente criado; o processo comum é um processo-regra, que se aplica a todos os casos não submetidos a processo especial" (Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. II, pág. 286), razão pela qual "cada processo especial só pode ser aplicado aos casos designados na lei que o estabeleceu".
No caso em apreço, por força da norma material aplicável, o Inquérito Judicial tem de ser requerido pelo sócio a quem foi sonegada ou falsificada a informação, nos termos das normas referidas.
Com efeito, o artigo 21º nº 1 al c) do C.S.C refere «todo o sócio»; o artigo 214.º, n.º 1 refere «qualquer sócio»; o artigo 67.º, n.º 1, «qualquer sócio» e o artigo 216.º, n.º 1 «o sócio».
Daqui podemos retirar com toda a segurança a conclusão que, o exercício do direito à informação e o recurso ao inquérito judicial advêm da qualidade de sócio de uma sociedade.
O direito de informação é um direito do sócio, sendo indissociável de tal qualidade.

A este respeito refere Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª Edição, 1989, págs. 279 e segs., que a informação aparece nos preceitos legais citados como "direito do sócio", só podendo ser exercido enquanto o sócio mantiver essa qualidade.
Também António Menezes Cordeiro, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2ª ed.2011, pg 144, entende que “todo o sócio tem direito de obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato” (artigo 21º nº 1 al c) do CSC), sendo este um direito potestativo dos sócios  e um dos princípios básicos em que assenta o Código das Sociedades Comerciais, sendo que a sua consagração surge desde logo numa norma inserta na parte geral como direito – status - do sócio.
Daqui que o procedimento em causa se insira no capítulo do Código de Processo Civil dedicado ao Exercício de Direitos Sociais, sendo um processo especial.
O conceito de “interessado” previsto na lei, como resulta aliás da jurisprudência citada, advém da circunstância de o sócio ter ainda de demonstrar que a informação foi requerida e lhe foi recusada e que tem direito a requerer que tal informação lhe seja prestada. Ou seja, este conceito na verdade restringe ainda mais a legitimidade activa do que se a lei dispusesse apenas “o sócio”, ao contrário do que parecem pretender os Recorrentes.
Assim, falece desde logo a legitimidade dos Recorrentes para requerer o Inquérito Judicial em causa.
Ainda sob a perspectiva da finalidade da acção, vejamos.
Quanto à finalidade do mesmo, o inquérito judicial é um meio de que dispõe o sócio de uma sociedade que lhe permite concretizar o seu direito à informação sobre a vida da sociedade, dispondo o Código das Sociedades Comerciais quais as situações mais específicas em que lhe é licíto lançar mão deste mecanismo, como o direito de informação stricto sensu, o direito de consulta da escrituração, livros e documentos, e o direito de inspecção dos bens sociais.
O direito à informação compreende o direito que o sócio tem de se inteirar sobre o património, a actividade, os resultados, o exercício da sociedade, o balanço, as perspectivas e resultados e o concreto funcionamento da respetiva administração ou gerência; sendo que tal direito à informação deve ser orientado para que não seja usado em detrimento da sociedade; a informação obtida deve proporcionar ao sócio a possibilidade de participação e voto de forma mais esclarecida  na vida societária (por exemplo, quanto à sua permanência na sociedade, quanto à alteração dos seus estatutos, quanto à escolha da governação, quanto à distribuição dos resultados ou quanto ao sentido do seu voto numa determinada deliberação).
Assim, o inquérito tem lugar apenas nos casos em que a lei o permita e, para além das situações a que se refere o artº 67º do CSC (não apresentação do relatório de gestão, contas de exercício e demais documentos de prestação de contas), prevê o Código das Sociedades Comerciais outras situações em que o mesmo  se aplica, como decorre dos artigos 21º, n.º 1, c) direito dos sócios a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato; 31.º, n.º 3, relativamente à deliberação de distribuição de bens; no artigo 68.º, n.º 2, no que que respeita à recusa de aprovação de contas, no artigo 181.º, n.º 6 e 214º, relativamente ao direito dos sócios à informação, nos artigos 216.º e 292.º, no que respeita à recusa de prestação de informação; no artigo 255.º, n.º 2, em relação às remunerações dos sócios, e no artigo 450.º, relativamente ao abuso de informação.
Pelo que se vem vindo a expor, resulta que a afirmação que “a acção popular civil, naturalmente a instaurar junto dos tribunais cíveis, pode revestir qualquer uma das formas previstas no Código de Processo Civil” tem naturalmente de ser entendida como podendo revestir qualquer uma das formas previstas no Código de Processo Civil, mas destinada e adequada à defesa dos interesses em causa – o que não é o caso do inquérito judicial à sociedade requerido pelos Recorrentes.
Ou seja, não pode deixar de se nortear a escolha do meio processual pela finalidade da AP  - instrumento de participação e intervenção democrática dos cidadãos na vida pública, de fiscalização da legalidade, de defesa dos interesses das colectividades e de educação e formação cívica de todos, sendo uma forma peculiar de participação na defesa e preservação de valores essenciais, por pertencerem a uma mesma colectividade – o que não é manifestamente a finalidade do Inquérito judicial à sociedade.
Mais, lido o requerimento dos recorrentes resulta manifesto que os mesmos pretendem é lançar mão de um meio probatório destinado a concretizar o peticionado por estes no processo principal sob a alínea b) – a devolução dos valores cobrados, traduzindo-se, como resulta do r.i. deste apenso numa perícia por forma a apurar:
a)-Os nomes dos titulares dos interesses individualizados, e sua morada ou contactos, em ordem a apurar prejuízos, e indemnizações, desde pelo menos há 8 anos.
b)-O valor individualizado do prejuízo de cada lesado, concretamente apurado, e indemnizações a cada lesado, art.º 22º, n.º 2 da LAP, desde há pelo menos 8 anos.
c)-O valor global das indemnizações a pagar pela R aos titulares de interesses não individualizados: art.º 22º, n.º 3, da LAP, desde há pelo menos 8 anos.
d)- Inicio da prática por parte da Requerida do WAP BILLING.”
E a ser levada a cabo pela Polícia Judiciária.
Deste modo, o requerimento dos recorrentes integra-se na previsão dos art.ºs 465º e ss. do Código de Processo Civil, relativos à prova pericial, requerimento este a ter lugar no âmbito da acção declarativa (se inexistirem outras questões que levem ao seu indeferimento, como a oportunidade) e não através do processo especial de inquérito judicial à sociedade, para o qual não têm legitimidade, nem fundamento.
Nestes termos, deve manter-se a decisão recorrida, improcedendo o recurso interposto.
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Sem custas, atenta a isenção prevista pelo art.º 4º, n.º1 b) do Regulamento das Custas Processuais.
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DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o Recurso interposto, mantendo-se a Sentença Recorrida.
Sem custas.
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Registe e notifique.


Lisboa, 15/7/2021


Vera Antunes (Relatora)
Aguiar Pereira (1º Adjunto)
Teresa Soares (2ª Adjunta)