CONTRATO DE MÚTUO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
AMORTIZAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
VENCIMENTO DA DÍVIDA
VENCIMENTO ANTECIPADO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
Sumário


A atitude da exequente enquadra-se na previsão legal do disposto no art. 310.º, al. e), do CC, e, por isso, assiste aos executados o privilégio de poderem recusar o cumprimento da prestação pedida na execução contra eles movida.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO 


Por apenso à execução sumária para pagamento de quantia certa instaurada por Hefesto Stc, SA contra AA, veio esta deduzir embargos de executado, pedindo a procedência dos mesmos e que seja declarada extinta a execução.

Alegou, em síntese, que, atenta a data do vencimento de todas as prestações devidas no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca, celebrado entre as partes em 5.05.2003, encontram-se prescritos o capital e os juros reclamados, nos termos do disposto no artigo 310º, als. d) e), do Código Civil. Desconhece a exigibilidade de qualquer valor respeitante a despesas, cuja natureza e origem a exequente não identifica e caso se entenda que o incumprimento da obrigação de pagamento da prestação vencida em 05.05.2003 não importou o vencimento de todas as prestações vincendas, o computo dos juros teria de ser feito de acordo com as taxas vigentes na data de vencimento de cada uma das prestações e sempre estariam prescritos o capital e os juros vencidos em cada mês, entre 05.05.2003 e 26.01.2014, ou seja, aqueles vencidos há mais de cinco anos relativamente à data de citação da executada.


A exequente/embargada contestou, dizendo que o crédito ora peticionado deu origem ao processo executivo que correu termos neste juízo com o nº 2556/05......, no âmbito do qual a embargante foi citada em 29.11.2005, pelo que a prescrição se tem por interrompida até 2018, data em que aqueles autos foram extintos. Quanto à impugnação do valor das despesas, adita que as mesmas se sustentam na cláusula oitava do documento complementar anexo à escritura, junto com o requerimento executivo.

Pede a improcedência da oposição, devendo a execução prosseguir os seus ulteriores termos até final.


Foi proferido saneador sentença em 05.05.2020 que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução, por entender que ao caso era aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos.


A opoente e executada recorreu e a Relação, por acórdão de 11.02.2021, julgando procedente a apelação, declarou verificada a excepção de prescrição de cinco anos prevista na alínea e) do artigo 310º do Código Civil e, em consequência, procedente a oposição e extinta a execução.


A exequente, recorreu de revista, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

A. No âmbito dos embargos movidos contra a ora recorrente foi, pelo Tribunal de 1ª instância, proferida sentença que julgou os embargos improcedentes, declarando o prosseguimento da execução.

B. A recorrida interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação, que veio julgá-lo procedente, declarando-se prescrito o crédito da exequente, não só respeitante às prestações vencidas mas em relação à totalidade do capital.

C. Em síntese, o Tribunal a quo entendeu que se verificava a prescrição da dívida exequenda, tendo em conta o prazo de 5 anos.

D. Salvo o merecido respeito, a ora recorrente não se concorda com a decisão do douto Tribunal.

E. Considera a recorrente, incorrectamente julgada a matéria em crise pelas razões que abaixo se enunciarão, devendo ser revogado o acórdão do Tribunal da Relação de ….., e devendo julgar-se procedente o recurso interposto, decidindo-se no sentido da não prescrição da quantia exequenda.

F. Pese embora o vencimento da dívida – constante da factualidade provada - o Tribunal a quo, decidiu que seria aplicável a norma de prescrição dos 5 anos.

G. Não se conforma a recorrente com tal entendimento, pois, s.m.o., o prazo de prescrição a aplicar, in casu, será o prazo ordinário de 20 anos.

H. O Tribunal a quo decidiu o seguinte: “Entendemos, assim, que a dívida prescreve no prazo de cinco anos, por aplicação do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.

I. Prescrita a dívida a apelante tem a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação exequenda (artº 304º, nº 1, do CC).”

J. Assim, pese embora o vencimento da dívida – constante da factualidade provada - o Tribunal a quo, ainda assim, decidiu que seria aplicável a norma de prescrição dos 5 anos.

K. Consta dos factos dados como provados que: “H) Os executados não pagaram a prestação que se venceu em 05.05.2003, nem as subsequentes;”

L. Nos presentes autos vieram os executados/recorridos invocar a prescrição do direito da exequente, ora recorrente, nos termos do artigo 310.º, alínea e) do Código Civil.

M. Ora, considerando o incumprimento contratual e o vencimento da dívida não poderá considerar-se a previsão legal invocada pela embargante/recorrida, uma vez que esta respeita a prestações periódicas, o que, in casu, deixou de existir.

N. A este propósito, e a título de exemplo, veja-se o acórdão do TRG de 16/03/2017, Procº n.º 589/15.0T8VNF-A.G1 – onde se conclui “em caso de incumprimento, o mutuante considera vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos”.

O. Veja-se ainda o acórdão do TRC, de 12/06/2018, Procº n.º 17012/17.8YIPRT.C1 - onde se conclui: “Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamentos em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no art. 310º, e) do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”.

P. Assim, os valores peticionados encontram-se sujeitos ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, que não ocorreu.

Q. Por um lado, a exigibilidade do pagamento imediato de todo o capital em dívida ocorreu com referência a 05/05/2003.

R. A execução foi instaurada em 04/09/2018 e os executados foram citados em 12/09/2018.

S. No que concerne à citação aplicar-se-á o disposto no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, pelo que o prazo da prescrição interrompeu-se em 12/09/2018, quando ainda não tinham decorrido os 20 anos sobre a data de 05/05/2003.

T. Entende o Recorrente, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, que ao crédito peticionado nos presentes autos é aplicável o prazo de prescrição ordinário de vinte anos previsto no artigo 309º do Código Civil, pelo que a obrigação exequenda não se encontra prescrita.

U. Existe sim uma unanimidade do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à prescrição de 5 anos quando se trate de quotas de amortização, contudo,

V. Tal interpretação só se aplica nos casos em que o direito de crédito peticionado corresponda à soma das prestações de capital e juros que haviam sido contempladas no plano de pagamentos previsto originalmente.

W. Ou seja, nos casos em que o credor, perante o não pagamento de uma ou mais prestações quebra o programa contratual, optando pelo vencimento antecipado a que alude o artigo 781.º C. Civil, exigindo-se de imediato a totalidade da dívida, a referida unanimidade jurisprudencial já não será de aplicar.

X. Isto porque quando o credor resolve o contrato, deixa de haver plano de pagamento ou quotas de amortização, pelo que o devedor deixa de beneficiar do prazo de que dispunha para, de forma faseada, resolver a dívida, sendo portanto imediatamente exigível a totalidade do capital.

Y. Por outro lado, vencida a totalidade do capital, deixam se existir razões para estimular a proteção dos credores pois já não será possível evitar a acumulação da dívida.

Z. Entende-se em consequência que o risco de insolvência do devedor não deriva do prazo da prescrição, mas do próprio funcionamento do artigo 781.º do C. Civil.

AA. Importa por fim referir que ainda que se aceitasse que operaria a prescrição de 5 anos (o que se aceita apenas por mero dever de patrocínio), apenas se aplicaria sobre as prestações vencidas e não sobre as prestações vincendas.


Termina, pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida.


A embargante, executada não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto 


Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

A) “Hefesto Stc, S.A.” intentou, em 22.08.2018, acção executiva para pagamento da quantia de €119.428,68, contra BB e AA, que corre termos neste Tribunal e juízo, sob o n.º 1249/18.5T8MMN, a que estes autos se encontram apensos.

B) A exequente deu à execução os seguintes documentos:

a. um acordo escrito denominado “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, exarado perante notário, no dia 26.08.1998, celebrado entre CC e DD, na qualidade de primeiros outorgantes e vendedores, BB e AA, na qualidade de segundos outorgantes, compradores e mutuários, e “Banco Mello Imobiliário, S.A.”, na qualidade de terceiro outorgante e mutuante, junto aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

b. do acordo mencionado em a) faz parte um documento escrito denominado “Documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado”, junto aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

c. um acordo escrito denominado “Contrato de Cessão de Créditos”, celebrado no dia 10.12.2007, entre “Banco Comercial Português, S.A.” e “Banco de Investimento Imobiliário, S.A.”, na qualidade de primeiros outorgantes e vendedores e “LB UK RE Holdings Limited”, na qualidade de segundo outorgante e compradora, junto aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, que teve como objecto, entre outros, o crédito peticionado nos autos de execução a que estes estão apensos;

d. uma carta remetida por “LB UK RE Holdings Limited”, dirigida a “Hefesto STC, S.A.”, com a data de 12.03.2008, cujo assunto é “Cessão de posição contratual”, junta aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

e. uma carta remetida por “Hefesto STC, S.A.”, dirigida a “LB UK RE Holdings Limited”, com a data de 12.03.2008, cujo assunto é “Cessão de posição contratual”, junta aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

f. um acordo escrito denominado “Transmissão de Hipotecas”, exarado perante notário, no dia 01.04.2008, celebrado entre “Banco Comercial Português, S.A.” e “Banco de Investimento Imobiliário, S.A.”, na qualidade de primeiros outorgantes e “Hefesto, STC, S.A.”, na qualidade de segunda outorgante, junto aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

g. do acordo mencionado em f) faz parte integrante um documento escrito denominado “Documento Complementar, elaborado nos termos do número dois, do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado”, junto aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

C) “Banco Comercial Português, S.A.” integrou, por fusão com incorporação global de património, as sociedades comerciais anónimas, com as firmas, “Banco Mello, S.A.”, anteriormente denominado “Banco Mello Comercial, S.A.”, “Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A.”, “Banco Português do Atlântico, S.A.” e “Banco Mello Imobiliário, S.A.”.

D) A fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na ........., n.º ...., ......, números .. a .., e ......, números .. e .., freguesia ......, concelho  ....., descrito na Conservatória do Registo Predial  ....., sob o n.º 46……. e inscrito na respectiva matriz, sob o artigo …18, encontra-se registada a favor dos executados, segundo a apresentação 21, de 27.07.1998.

E) Segundo a apresentação 22, de 27.07.1998, encontra-se registada hipoteca voluntária a favor de “Banco Mello Imobiliário, S.A.”, para garantia do acordo mencionado em 2. a) e b), até ao montante máximo assegurado de Esc. 15.459 935$00.

F) Segundo a Apresentação 23, de 21.05.2008, encontra-se registada transmissão por transferência de património por fusão da hipoteca voluntária mencionada em E) a favor de “Banco Comercial Português, S.A.”.

G) Segundo a Apresentação 24, de 21.05.2008, encontra-se registada transmissão de crédito que é garantido pela hipoteca voluntária mencionada em E) a favor de “Hefesto, STC, S.A.”.

H) Os executados não pagaram a prestação que se venceu em 05.05.2003, nem as subsequentes.

I) O capital em dívida, no dia 05.05.2003 ascendia a €51.512,66.

J) Em 21.09.2005, “Banco Comercial Português, S.A.” intentou acção executiva para pagamento da quantia de € 62 251,36, contra BB e AA, que correu termos neste Tribunal e juízo, sob o n.º 2556/05.......

K) A exequente deu à execução mencionada em J), os seguintes documentos:

a. um acordo escrito denominado “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, exarado perante notário, no dia 26.08.1998, celebrado entre CC e DD, na qualidade de primeiros outorgantes e vendedores, BB e AA, na qualidade de segundos outorgantes, compradores e mutuários, e “Banco Mello Imobiliário, S.A.”, na qualidade de terceiro outorgante e mutuante, junto aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

b. do acordo mencionado em a) faz parte um documento escrito denominado “Documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado”, junto aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

L) No requerimento executivo, no item dedicado aos “Factos”, consta o seguinte com relevo para os autos:

“8 - No documento complementar à escritura referida em 3. foi também declarado que o contrato podia ser resolvido unilateralmente e considerado vencido o empréstimo se se verificasse o incumprimento de prestações pecuniárias ou outra obrigação contratual.

9 - Os executados pagaram as primeiras prestações na data dos respectivos vencimentos.

10 - No entanto, encontra-se em dívida a quantia de € 51.512,66, a título de capital.

11 – Para além do montante em débito, a exequente é ainda credora de juros remuneratórios à taxa de 4,43%, e de juros moratórios à taxa legal de 4%, contados desde a data de incumprimento da dívida (…)”.

M) A embargante foi citada para os autos identificados em J) no dia 29.11.2005.

N) Em 07.11.2008, no âmbito do processo identificado em J), foi proferido o seguinte despacho, transitado em julgado: “Atenta a certidão de encargos e verificando-se penderem sobre o mesmo bem mais de uma execução, susto a presente execução quanto a este – cfr. art. 871º do C.P.C.”.

O) Em 03.03.2010, no âmbito do processo identificado em J), foi proferido o seguinte despacho, transitado em julgado: “Declaro interrompida a instância – cfr. artº 285º do Código de Processo Civil. Notifique. Aguardem os autos no arquivo o decurso do prazo da deserção.”.

P) O despacho mencionado em O) foi notificado às partes em 22.03.2010.

Q) “Banco Comercial Português, S.A.”, em 08.03.2018 requereu a renovação da instância, no âmbito do processo identificado em J).

R) Em 11.06.2018, no âmbito do processo identificado em J), foi proferido o seguinte despacho, transitado em julgado: «Vem o Exequente, por requerimento de 8 de março de 2018, peticionar a renovação da presente instância, nos termos do disposto no artigo 850.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. Dispõe esse normativo que “o exequente pode ainda requerer a renovação da execução extinta nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo anterior, quando indique os concretos bens a penhorar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior”.

«Compulsados os autos, verifica-se que, por despacho datado de 3 de março de 2010, foi declarada interrompida a instância, nos termos do artigo 285.º do Código de Processo Civil, nada mais tendo sido feito.

«Ora, previa esse normativo, na redação que lhe é dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que “a instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento”.

«Por sua vez, o artigo 291.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, na redação que lhe é dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, estabelece que se considera “deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos”. Assim, em face do exposto, e porque a execução não foi extinta por nenhum dos motivos previstos no artigo 849.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), do Código de Processo Civil, indefere-se o pedido de renovação da instância, por não ser legalmente admissível a mesma, nos termos do artigo 850.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, a contrario.

Notifique»;

S) A embargante foi citada para os autos principais em 26.01.2019.

B) Fundamentação de direito


A questão colocada nas conclusões das alegações de revista e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consiste em saber qual o prazo de prescrição aplicável ao caso sub judice.

 

A problemática a dirimir no presente recurso, tendo em consideração o núcleo essencial dos factos, é a seguinte:

Por contrato denominado “COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA” celebrado, em 26.08.1998, entre o Banco Melo Imobiliário, SA e os executados, aquele concedeu a estes o empréstimo de 11 milhões 345 mil escudos, que foi

garantido por hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “A” e que se encontra registada a favor dos executados (D).

A hipoteca foi registada a favor do Banco Melo Imobiliário, SA (E) e, mais tarde a favor do Banco Comercial Português e, posteriormente, a favor da recorrente Hefesto, STC, SA (F e G).

Na Condição Particular QUARTA do documento complementar celebrado na data da escritura referida em (D) consta que “o empréstimo é concedido pelo prazo de vinte e cinco anos a contar do dia cinco do próximo mês e será amortizado em Trezentas prestações mensais de capital e juros, a primeira com vencimento no dia cinco do mês seguinte ao do início do contrato” – Fls 91 vº a 95 – (B b.)

Os executados não pagaram a prestação que se venceu em 05.05.2003, nem as subsequentes - (H).

O capital em dívida, no dia 05.05.2003 ascendia a €51.512,66 I).


Pretende a exequente que os executados satisfaçam o quantitativo mutuado ainda em débito.


As instâncias ajuizaram de modo diferente quanto à prescrição do crédito exequendo.


O acórdão da Relação decidiu que o prazo aplicável é o de cinco anos, previsto no artigo 310º alínea c) do Código Civil.

Contra este entendimento reage a exequente, sustentando, à semelhança da sentença da primeira instância, que ao caso ora em apreciação se aplica o disposto no artigo 309º do Código Civil (prazo geral de prescrição de 20 anos), conforme alega nas conclusões M) a Q).


O caso dos autos é enquadrável na situação prevista na alínea e) do artigo 310º do Código Civil?

Segundo aquela alínea do preceito, “prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.


Seguindo de perto o acórdão do STJ 27.03.2014[1] diremos, em síntese, que, “desde há muito tempo que a doutrina e a jurisprudência vêm explicitando que a razão da “prescrição” se vai buscar à praticada negligência do titular de discriminado direito, consubstanciada na omissão do seu exercício durante certo tempo, que o legislador contabiliza e durante o qual se faz presumir a renúncia ao direito, ou, torna aquele indigno de protecção jurídica (Prof. Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica; II; pág. 445-446).

A prescrição, tal como a caducidade e o não uso, exprimem a relevância do tempo (do seu decurso sobre as relações jurídicas), visando a certeza e a segurança do tráfego jurídico, tendo como fundamento a consideração de que não merece a protecção do ordenamento jurídico quem descura o exercício dos direitos que lhes assistem, porque a paz social não se compadece com a inércia, para lá de limites temporais impostos pelo legislador (Ac. STJ de 19.06.2012; Relator o Ex.mo Cons. Dr. Fonseca Ramos; www.dgsi.pt). O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil).


Todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art.º 310.º, alínea e), do C. Civil.

Esta prescrição legal, compreendida nas designadas prestações periodicamente renováveis, é comummente defendida pela circunstância de, através dela, se obviar a que o credor, adiando a exigência do pagamento de prestações de abreviado quantitativo, deixe amontoar o seu crédito a tal ponto que torne demasiado dificultada a prestação do devedor - Prof. Manuel de Andrade; ob. Citada; pág. 452.

Nos termos do que está proposto no n.º 1 do art.º 304.º do C.Civil, verificada a prescrição pelo decurso do prazo prescricional, é conferida ao devedor, seu beneficiário, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito; e estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.º 298.º, n.º 1 do C.Civil)”.


“Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil (…)[2]”.


“Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição”[3].


“O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição”[4].


“Os empréstimos bancários para aquisição de habitação própria cujo pagamento, por acordo das partes, foi fracionado em prestações que incluem o pagamento de juros, prescrevem no prazo de cinco anos, por aplicação do artigo 301.º, alínea e), do Código Civil”[5].


Por conseguinte, o débito dos executados concretizou-se desde a subscrição do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca operada em 26.08.1998, concedido pelo prazo de 25 anos numa quota de amortização mensal de 300 prestações de capital  e juros, a primeira com vencimento no dia cinco do mês seguinte ao do início do contrato.


Ora, se é assim, podemos tirar a seguinte CONCLUSÃO:

A atitude da exequente enquadra-se na previsão legal do disposto no artigo 310º, alínea e), do Código Civil, e, por isso, assiste aos executados o privilégio de poderem recusar o cumprimento da prestação pedida na execução contra eles movida.


III - DECISÃO

Atento o exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 14 de Julho de 2021


Ilídio Sacarrão Martins Martins (Relator) (Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 20/20, de 01 de Maio, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade).

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Ferreira Lopes

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[1] Procº nº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[2] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S1/
[3] Ac. STJ de 29.09.2016, Procº nº 201/13.1TBMIR-d.C1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[4] Ac STJ de 18.10.2018, Procº nº 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[5] AC RE de 21.5.2020, Procº nº 8563/15.0T8STB-A.E1,citado no acórdão recorrido (fls 158 vº) e alcançável in www.dgsi.pt/jtre