Não pode “acumular-se” o justo impedimento com o prazo suplementar ou adicional dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo para a prática do ato, estabelecido no artigo 139º, n.º 3, do NCPC – que correspondia ao artigo 145º, n.º 5, do CPC anterior – e aplicável ao processo penal, ex vi do n.º 5 do artigo 107º do CPP, já que, como resulta desses preceitos legais tal prazo é “independente” do justo impedimento.
1.3. O recurso foi regularmente admitido.
1.4. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«1. O Ilustre Defensor do arguido foi notificado, via citius, no dia 06/11/2020, para deduzir oposição, pelo que o termo desse prazo ocorreria a 24/11/2020.
2. Mas, o arguido foi notificado no dia 13/11/2020 e, assim, o termo do prazo para deduzir oposição ocorreu no dia 30/11/2020.
3. Dada a ausência de oposição, foi proferida sentença em 16/12/2020, nos termos do artigo 397.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
4. Contudo, por requerimento de 17/12/2020, o Ilustre Defensor do recorrente comunicou que esteve entre 24/11/2020 e 07/12/2020 ficou em confinamento profilático obrigatório, determinado pela DGS, sem possibilidade de aceder ao computador; juntou documento comprovativo do confinamento profilático obrigatório do seu filho; e deduziu oposição.
5. A questão a decidir reside em saber se ocorreu o justo impedimento.
6. A Jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do ato pode ser considerado “justo impedimento”, excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele.
7. O Ilustre Defensor do Recorrente juntou ao processo uma declaração passada pela Autoridade de Saúde do ACES Algarve II a determinar o isolamento profilático obrigatório, com necessidade de afastamento social de (…), nascido em 15/09/2019, seu filho.
8. Constatamos, assim, que durante o período em que decorria o prazo para deduzir oposição nestes autos, o Ilustre Defensor do Recorrente esteve, por opção, em isolamento com o seu filho menor, mas sempre com plenas capacidades físicas e mentais para exercer as suas funções de Advogado.
9. Se, como defende, não tinha capacidade para dentro do prazo elaborar ou apresentar a oposição tinha a obrigação de encetar diligências no sentido de ultrapassar esse seu impedimento; e a lei processual faculta-lhe mecanismos tendentes a superar a situação.
10. Desde logo podia subestabelecer. Todavia, o Ilustre Defensor nem sequer alegou, e menos provou, ter tentado subestabelecer.
11. Acresce que nos termos do artigo 396.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, a oposição pode ser deduzida por simples declaração, pelo que, através de simples contacto telefónico, o Ilustre Defensor podia ter dado essa indicação ao arguido para o fazer. Contudo, não foi feito e o arguido não apresentou oposição nem por indicação do seu Defensor, nem por sua própria iniciativa.
12. A declaração apresentada pelo Defensor do Recorrente é manifestamente insuficiente para comprovar a impossibilidade (de exercício das funções de Advogado) que o mesmo alegou.
13. O requerente do justo impedimento tem de alegar e provar a sua falta de culpa na prática tardia do acto, não bastando assim a mera alegação de isolamento domiciliário com o seu filho menor, tornando-se ainda necessário provar que esse facto era impeditivo de tomar as providências necessárias à prática do acto. Prova esta que não foi efectuada.
14. Consequentemente, a oposição ao requerimento do Ministério Público foi apresentada extemporaneamente.
15. Face ao exposto, e salvo melhor entendimento, entendemos que o recurso do Recorrente não pode merecer provimento, devendo o douto despacho recorrido ser mantido na íntegra.
Nestes termos, negando provimento ao recurso apresentado pelo recorrente e, em consequência, mantendo o despacho recorrido
Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, assim fazendo a habitual JUSTIÇA!»
1.5. Neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.
1.6. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.
1.7. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre agora apreciar e decidir:
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cfr. artigos 403º, n º 1 e 412º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, n.º 3 e 119º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal).
Assim, no caso em análise, considerando as conclusões da motivação do recurso a questão suscitada é a tempestividade da invocação do justo impedimento e da verificação deste último e, consequente, tempestividade da oposição ao requerimento do Ministério Público, apresentada pelo arguido, ao abrigo do disposto no artigo 396º do CPP.
Para que possamos apreciar a enunciada questão, importa ter o teor do despacho recorrido:
2.2. Despacho recorrido
O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Por requerimento de 18.12.2020, veio o arguido deduzir oposição ao requerimento do Ministério Público, nos termos previstos no artigo 396.º, n.º 4 do Código do Processo Penal.
Cumpre aferir da tempestividade da oposição.
2.4. Apreciação do recurso
A Sr.ª Juiz a quo julgou não verificado o justo impedimento alegado pelo arguido e, consequentemente, decidiu que a oposição pelo mesmo apresentada em 10/12/2020, ocorreu após o término do prazo previsto no artigo 396º, n.º 1, al. b), do CPP, sendo extemporânea.
O arguido/recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, defendendo que, contrariamente ao decidido, deve julgar-se verificada a situação de justo impedimento invocada e, nessa decorrência, que a oposição foi apresentada no 1º dia útil após o termo do prazo de 15 dias, previsto no artigo 396º, n.º 1, al. b), do CPP, prazo esse que, na sua ótica e atenta a suspensão do prazo verificada, por força do justo impedimento, terminou em 17/12/2020, tendo liquidado a multa devida, pela prática do ato processual, no 1º dia útil subsequente, pelo que, entende, dever ser admitida a oposição apresentada, com as consequências daí decorrentes.
O Ministério Público manifesta concordância com a decisão recorrida.
Apreciando:
De harmonia com o disposto no artigo 396º, n.º 1, al. b), do CPP, o prazo para o arguido se opor ao requerimento do Ministério Público, deduzido ao abrigo do disposto nos artigos 392º, n.º 1 e 394º, ambos do CPP, é de 15 dias.
Impondo-se a notificação de tal requerimento ao arguido e igualmente ao respetivo defensor (cfr. artigo 396º, n.ºs 1, al. b), 2 e 3, do CPP), o prazo para a prática do ato conta-se a partir da notificação efetuada em último lugar (cf. artigo 113º, n.º 10, do CPP).
O ilustre defensor do arguido foi notificado do requerimento do MP, por via eletrónica, no dia 06/11/2020, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 113º, n.º 12, do CPP, se presume notificado no terceiro dia posterior ao envio, sendo dia útil, ou seja, no dia 09/11/2020.
Por sua vez o arguido foi notificado, no dia 13/11/2020, através de contato pessoal, do requerimento do Ministério Público e para, querendo, deduzir oposição, no prazo de 15 dias, fazendo-se expressa menção na notificação de que esse prazo terminava no dia 28/11/2020 (cfr. certidão de notificação a fls. 105 verso).
Uma vez que o último dia do prazo de 15 dias seria 28/11/2020, coincidido com um sábado, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para o dia 30/11/2020 – segunda-feira – (cf. artigo 112º, n.º 2, do CPP).
O arguido só veio a apresentar oposição ao requerimento do MP, no dia 18/12/2020, invocando o ilustre defensor do arguido, o justo impedimento que o impediu de praticar o ato dentro do prazo legal.
A questão que se coloca é, desde logo, a de saber, se a invocação do justo impedimento e a prática do ato de que se trata, na data em que o foi, são tempestivos.
Vejamos:
No âmbito do processo penal, a possibilidade da prática de ato processual fora do prazo legalmente previsto, com fundamento em justo impedimento, encontra-se regulada no artigo 107º, n.ºs 2 e 3, do CPP, havendo que recorrer ao artigo 140º, n.º 1, do CPC, para integrar o conceito de justo impedimento.
Dispõe o artigo 107º, n.º 2, do CPP que: «Os actos processuais podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove o justo impedimento.»
E estatui o n.º 3 do mesmo artigo 107º que: «O requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do justo impedimento.»
E o conceito de justo impedimento é definido no n.º 1 do artigo 140º do CPC, nos termos do qual «Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.»
Vem sendo entendimento desde há muito consolidado na doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais superiores que o justo impedimento não obsta ao inicio da contagem do prazo perentório e não interrompe, nem suspende esse prazo[1].
Assim e de harmonia com o n.º 3 do artigo 107º do CPP, o justo impedimento pode ser invocado e o ato praticado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do justo impedimento.
Secundado o que se escreve no Acórdão desta RE de 07/05/2019[2], temos que: «O requerimento para a prática do ato fora do prazo legal, com invocação e prova de justo impedimento, deve ser apresentado no prazo de três dias contados da cessação do impedimento, quando este se manteve para além do termo do prazo legal.
A regra da continuidade dos prazos, prevista no Código de Processo Civil[3] e aplicável ao processo penal por remissão legal, estabelece que estes apenas se suspendem durante as férias judiciais, com as exceções legalmente previstas. A relevância do evento que constitui justo impedimento decorre do facto de o mesmo obstar à prática do ato no respetivo prazo, não suspendendo nem interrompendo esse prazo. Assim, o regime legalmente estabelecido impõe que o requerimento com invocação de justo impedimento seja acompanhado do ato processual a praticar, bem como das provas respetivas, no prazo de três dias contados do termo do prazo fixado, quando o justo impedimento já tiver cessado naquela data, ou da cessação do impedimento, quando este se manteve para além do termo do prazo legal.»
Como o justo impedimento obedece ao n.º 3 do artigo 107º do CPP, o prazo em curso caduca quando o justo impedimento não foi invocado e comprovado no prazo de 3 dias estabelecido no mesmo preceito legal[4].
Não pode “acumular-se” o justo impedimento, com o prazo suplementar ou adicional dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo para a prática do ato, estabelecido no artigo 139º, n.º 3, do NCPC – que correspondia ao artigo 145º, n.º 5, do CPC anterior – e aplicável ao processo penal, ex vi do n.º 5 do artigo 107º do CPP, já que, como resulta desses preceitos legais tal prazo é “independente” do justo impedimento[5].
Neste quadro normativo e no caso dos autos, sem entrar na apreciação sobre se os fundamentos invocados pelo il. defensor do arguido integram ou não o conceito de «justo impedimento», considerando o período temporal em que ocorrerem, sendo o isolamento profilático, de 24/11/2020 e 07/12/2020 e situação de doença de 15/12/2020 a 17/12/2020, tendo a contagem do prazo de 15 dias, legalmente previsto para o arguido deduzir oposição ao requerimento do Ministério Público, se iniciado em 14/11/2020 e se completado em 30/11/2020, a verificar-se o justo impedimento, decorrente do isolamento profilático, no decurso desse prazo, ou seja, em 24/11/2020 e tendo cessado em 07/12/2020, não se interrompendo, nem se suspendendo o prazo perentório em curso, para a dedução de oposição, o justo impedimento tinha de ser invocado e o ato praticado no prazo de três dias, contado da cessação do impedimento (07/12/2020), nos termos do disposto no artigo 107º, n.º 3, do CPP, ou seja, até ao dia 10/12/2020.
Ora, o arguido, através do seu ilustre defensor, só veio a invocar o justo impedimento e a apresentar a oposição ao requerimento do Ministério Público, no dia 18/12/2020, já se mostrando, então, ultrapassado o prazo de três dias contados da cessação do alegado impedimento, para poder invocar o justo impedimento e praticar o ato processual em questão, pelo que, os mesmos atos são extemporâneos.
E perfilhando-se o entendimento de que o justo impedimento não pode ser invocado e o ato processual praticado, para além do prazo de três dias previsto no artigo 107º, n.º 3, do CPP, não o podendo ser no prazo suplementar ou adicional de três dias úteis subsequentes ao termo do prazo estabelecido no n.º 3 do artigo 107º do CPP, por aplicação do disposto no artigo 139º n.º 5, do CPC e nos artigos 107º, n.º 5 e 107º-A, do CPP[6], não tem qualquer relevância jurídico processual, a situação de doença do il. defensor, ocorrida em momento posterior ao termo do prazo previsto no artigo 107º, n.º 3, do CPP, no período de 15/12/2020 a 17/12/2020.
Não merece, pois, qualquer censura a decisão recorrida, que considerou extemporânea a invocação do justo impedimento e que a oposição apresentada pelo arguido o foi após o término do prazo previsto no artigo 396º, n.º 1, alínea b) do Código do Processo Penal.
Assim, desde logo, com este fundamento, há que julgar o recurso improcedente.
Resulta, assim, prejudicado o conhecimento da segunda vertente do recurso, que se prende com a questão de saber se a situação de isolamento profilático e de doença invocados integram ou não o conceito de «justo impedimento».
3. DISPOSITIVO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido (…) e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s (artigo 513º, nº. 1, do CPP e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).
Évora, 13 de julho de 2021
Fátima Bernardes
Fernando Pina
__________________________________________________
[1] Neste sentido, cfr., entre outros, Acs. da RE de 02/12/2009, proc. 360/08.5TBVVC-A.E1 e de 07/05/2019, proc. 252/16.4PCSTB-A.E1; Ac. da RL de 24/05/2016, proc. n.º 92/07.1TELSB-E.L1-5; Ac da RG de 5/11/2012, proc. 478/11.0GAFL.G1, acessíveis em www.dgsi.pt.
[2] Proferido no referenciado proc. 252/16.4PCSTB-A.E1.
[3] Prevista no artigo 138º do CPC e aplicável ao processo penal, ex vi do artigo 104º, n.º 1, do CPP
[4] Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 24/09/2014, proc. n.º 592/13.4PCSNT.S1, acessível in www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 04/05/2006, proc. n.º 2786/05, cujo sumário está disponível in Código de Processo Penal Comentado, Cons. Henriques Gaspar e outros, 2ª edição, 2016, Almedina, pág. 321.
[6] Neste sentido, cf. o já referenciado Ac. do STJ de 04/05/2006, proc. n.º 2786/05 e Ac. da RP de 01/07/2015, proc. n.º 9529/12.7TDPRT-B.P1, acessível em www.dgsi.pt.
Questão diversa, que não cabe aqui analisar, porque não se coloca, é a de saber se o justo impedimento pode ser invocado quando o(s) fundamento(s) em que baseia vem(vêm) a ocorrer já depois de decorrido o prazo perentório estabelecido na lei para a prática do ato processual, mas dentro do período dos três dias úteis subsequentes ao termo daquele prazo perentório.