JUSTO IMPEDIMENTO
PRAZO
Sumário


Não pode “acumular-se” o justo impedimento com o prazo suplementar ou adicional dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo para a prática do ato, estabelecido no artigo 139º, n.º 3, do NCPC – que correspondia ao artigo 145º, n.º 5, do CPC anterior – e aplicável ao processo penal, ex vi do n.º 5 do artigo 107º do CPP, já que, como resulta desses preceitos legais tal prazo é “independente” do justo impedimento.

Texto Integral




Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Nos autos de processo sumaríssimo acima referenciados, por despacho judicial proferido em 02/03/2021, que consta do Citius sob a referência 119324769, foi julgado não verificado o justo impedimento alegado pelo arguido (…) e, consequentemente, decidido que a oposição pelo mesmo apresentada ao requerimento do Ministério Público, em 18/12/2020, é extemporânea, por tê-lo sido após o término do prazo previsto no artigo 396º, n.º 1, alínea b), do Código do Processo Penal.
1.2. Não se conformando com o assim decidido, recorreu o arguido, para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada, as seguintes conclusões:
«I) Discorda o ora Recorrente do entendimento da Mmª Juiz do Tribunal a quo, porquanto considerou por não se mostrar verificado o justo impedimento alegado pelo arguido e, consequentemente, determinou que a oposição de 18.12.2020 fora apresentada após o término do prazo previsto no artigo 396° nº 2, alínea a), b) e c) do Código do Processo Penal.
II) O termo do prazo para o Recorrente apresentar oposição ao processo sumaríssimo corresponde a dia 30 de Novembro de 2020.
III) Contudo, o defensor do ora Recorrente, atendendo à actual situação de pandemia ficou impedido de praticar o acto, pois o seu Filho menor, de 14 meses, por determinação da DGS ficou em confinamento profiláctico obrigatório (de 24 de Novembro a 7 de Dezembro de 2020).
IV) O defensor do ora Recorrente ficado impedido de exercer a actividade profissional por um período de 13 dias, por uma situação que não lhe era imputável e que impediu a prática do acto de interposição tempestiva da oposição, nem de substabelecer em Colega, juntando para o efeito uma testemunha, mais alegando que não dispunha de meios em casa que lhe permitissem a prática do acto a partir de casa.
V) Estamos perante um prazo peremptório, o qual na verdade se suspendeu, retomando a 5 de Dezembro de 2020, pelo que, o termo do prazo ocorreria em 14 de Dezembro de 2020. (Neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 02-12-2009; http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/13497 3db04f39bf2S02579bf005fOSOb/31d44aS46c2d3a2aS0257de100574ed9?OpenDocument, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/07/2006; http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/O/cS3fd61ee77a243bS02571 eS004b4c76?OpenDocument.)
VI) Não obstante o termo do prazo corresponder a 14 de Dezembro de 2020, poderia o Recorrente praticar o acto nos 3 dias úteis subsequentes, nos termos do disposto no artigo 107-A, com referência aos nºs 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil. (até dia 17 de Dezembro de 2020. Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-10-2019; Relator Narciso Magalhães Rodrigues).
VII) Todavia, no dia 15 de Dezembro de 2020, o defensor do ora Recorrente, ficando impedido em absoluto da prática atempada do acto, durante 2 dias (dia 15 e 16 de Dezembro de 2021), pelo que o primeiro dia de multa passou a considerar-se a 17 de Dezembro de 2020, tendo sido emitida e paga a multa correspondente.
VIII) O Requerimento deu entrada no dia 17/12/2020, pelas 23h26 e não dia 18/12/2020, conforme afirmado pelo Tribunal a quo. Pelo que, bem andou o Recorrente ao pagar apenas a multa correspondente ao primeiro dia de multa.
IX) Ademais, e caso assim não se entenda, não podemos deixar de deitar mão do entendimento da própria Mmª Juiz do Tribunal a quo que no despacho que ora se recorre considerou H (…) note-se que ainda que se ponderasse a pratica no 3° dia útil após dia 10.12.2020, com o pagamento da multa processual correspondente (o que não ocorreu), o prazo terminava a 17.12.2020,caso se levasse ainda em consideração os dois dias de baixa médica alegados pelo ilustre defensor. H. (sublinhado nosso).
X) Pelo que, impunha-se que a secretaria do Tribunal a quo procedesse oficiosamente à notificação do ora Recorrente para proceder ao seu pagamento, acrescida da penalização prevista nos artigos 139º nº 6 do CPC e 107-A do CPP, e ao assim não proceder violou tais preceitos legais.
XI) Não tendo sido cumprido essa formalidade, há que revogar o despacho que julgou extemporâneo o requerimento de oposição e mandar baixar os autos à lª instância para que a secretaria proceda agora ao cumprimento do disposto no art. 139º, nº 6 do CPC.
XII) Entende a Mmª Juiz do Tribunal a quo que o motivo apresentado pelo defensor do Recorrente não constitui uma situação de justo impedimento.
XIII) Não concorda o Recorrente de tal entendimento, porquanto, o defensor encontrava-se em casa, com o seu filho de 14 meses, o qual estava em confinamento obrigatório, não o podendo deixar sozinho.
XIV) Juntou para o efeito a declaração da DGS e testemunha (mãe do seu Filho), a qual se encontrava impossibilitada de dar assistência ao Filho neste período por se encontrar em formação fora do Algarve.
15) Mal andou o Tribunal a quo, ao não considera tal justificação e por não diligenciar com vista à inquirição da testemunha arrolada pelo defensor do ora Recorrente, coarctando assim, o cabal direito de defesa deste.
16) Os motivos alegados correspondem a justo impedimento, ao contrário do concluído pelo Tribunal a quo, razão pela qual, deverá como supra se defendeu, ser o despacho revogado, baixando os autos à primeira instância com vista à produção de prova em falta (audição da testemunha), possibilitando assim, ao Recorrente a prática do acto (Oposição, nos termos do disposto no artigo 396° n° 4 do CPP, a qual foi junta ao incidente de justo impedimento.
NESTES TERMOS, e nos mais de direito aplicável, sempre com o douto suprimento deste Venerando Tribunal, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve:
Ser revogado o despacho que não julgou verificado o justo impedimento, atenta a omissão de produção de prova;
Ser igualmente revogado, o despacho na parte em que julgou extemporâneo o requerimento de oposição;
- Mandando-se baixar os autos à lª instância para que a secretaria proceda agora ao cumprimento do disposto no art. 139º, nº 6 do CPC e caso assim o entenda a produção de prova quanto à verificação do justo impedimento.
Com o que se crê ser de melhor JUSTIÇA.»

1.3. O recurso foi regularmente admitido.
1.4. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«1. O Ilustre Defensor do arguido foi notificado, via citius, no dia 06/11/2020, para deduzir oposição, pelo que o termo desse prazo ocorreria a 24/11/2020.
2. Mas, o arguido foi notificado no dia 13/11/2020 e, assim, o termo do prazo para deduzir oposição ocorreu no dia 30/11/2020.
3. Dada a ausência de oposição, foi proferida sentença em 16/12/2020, nos termos do artigo 397.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
4. Contudo, por requerimento de 17/12/2020, o Ilustre Defensor do recorrente comunicou que esteve entre 24/11/2020 e 07/12/2020 ficou em confinamento profilático obrigatório, determinado pela DGS, sem possibilidade de aceder ao computador; juntou documento comprovativo do confinamento profilático obrigatório do seu filho; e deduziu oposição.
5. A questão a decidir reside em saber se ocorreu o justo impedimento.
6. A Jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do ato pode ser considerado “justo impedimento”, excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele.
7. O Ilustre Defensor do Recorrente juntou ao processo uma declaração passada pela Autoridade de Saúde do ACES Algarve II a determinar o isolamento profilático obrigatório, com necessidade de afastamento social de (…), nascido em 15/09/2019, seu filho.
8. Constatamos, assim, que durante o período em que decorria o prazo para deduzir oposição nestes autos, o Ilustre Defensor do Recorrente esteve, por opção, em isolamento com o seu filho menor, mas sempre com plenas capacidades físicas e mentais para exercer as suas funções de Advogado.
9. Se, como defende, não tinha capacidade para dentro do prazo elaborar ou apresentar a oposição tinha a obrigação de encetar diligências no sentido de ultrapassar esse seu impedimento; e a lei processual faculta-lhe mecanismos tendentes a superar a situação.
10. Desde logo podia subestabelecer. Todavia, o Ilustre Defensor nem sequer alegou, e menos provou, ter tentado subestabelecer.
11. Acresce que nos termos do artigo 396.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, a oposição pode ser deduzida por simples declaração, pelo que, através de simples contacto telefónico, o Ilustre Defensor podia ter dado essa indicação ao arguido para o fazer. Contudo, não foi feito e o arguido não apresentou oposição nem por indicação do seu Defensor, nem por sua própria iniciativa.
12. A declaração apresentada pelo Defensor do Recorrente é manifestamente insuficiente para comprovar a impossibilidade (de exercício das funções de Advogado) que o mesmo alegou.
13. O requerente do justo impedimento tem de alegar e provar a sua falta de culpa na prática tardia do acto, não bastando assim a mera alegação de isolamento domiciliário com o seu filho menor, tornando-se ainda necessário provar que esse facto era impeditivo de tomar as providências necessárias à prática do acto. Prova esta que não foi efectuada.
14. Consequentemente, a oposição ao requerimento do Ministério Público foi apresentada extemporaneamente.
15. Face ao exposto, e salvo melhor entendimento, entendemos que o recurso do Recorrente não pode merecer provimento, devendo o douto despacho recorrido ser mantido na íntegra.
Nestes termos, negando provimento ao recurso apresentado pelo recorrente e, em consequência, mantendo o despacho recorrido
Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, assim fazendo a habitual JUSTIÇA!»
1.5. Neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.
1.6. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.
1.7. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre agora apreciar e decidir:

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cfr. artigos 403º, n º 1 e 412º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, n.º 3 e 119º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal).
Assim, no caso em análise, considerando as conclusões da motivação do recurso a questão suscitada é a tempestividade da invocação do justo impedimento e da verificação deste último e, consequente, tempestividade da oposição ao requerimento do Ministério Público, apresentada pelo arguido, ao abrigo do disposto no artigo 396º do CPP.
Para que possamos apreciar a enunciada questão, importa ter o teor do despacho recorrido:
2.2. Despacho recorrido
O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Por requerimento de 18.12.2020, veio o arguido deduzir oposição ao requerimento do Ministério Público, nos termos previstos no artigo 396.º, n.º 4 do Código do Processo Penal.
Cumpre aferir da tempestividade da oposição.

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O artigo 396.º do Código do Processo Penal prevê que:
“1 - O juiz, se não rejeitar o requerimento nos termos do artigo anterior:
a) Nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído ou defensor nomeado; e
b) Ordena a notificação ao arguido do requerimento do Ministério Público e, sendo caso disso, do despacho a que se refere o n.º 2 do artigo anterior, para, querendo, se opor no prazo de 15 dias.
2 - A notificação a que se refere o número anterior é feita por contacto pessoal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 113.º, e deve conter obrigatoriamente:
a) A informação do direito de o arguido se opor à sanção e da forma de o fazer;
b) A indicação do prazo para a oposição e do seu termo final;
c) O esclarecimento dos efeitos da oposição e da não oposição a que se refere o artigo seguinte.
3 - O requerimento é igualmente notificado ao defensor.
4 - A oposição pode ser deduzida por simples declaração.”
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O ilustre defensor do arguido foi notificado a 06.11.2020, via citius – considera-se assim notificado a 09.11.2020. O termo do prazo para dedução de oposição ocorreria a 24.11.2020
Não obstante, uma vez que arguido foi notificado a 13.11.2020, o último dia para deduzir oposição seria a 28.11.2020 – sábado, pelo que o termo ocorreu no primeiro dia útil seguinte, a 30.11.2020 (artigo 138.º, n.º 2 do Código do Processo Civil).
Uma vez que o arguido não deduziu oposição, foi proferida sentença em 16.12.2020, nos termos previstos no artigo 397.º, n.º 1 do Código do Processo Penal.
Por requerimento de 18.12.2020, vem agora o ilustre defensor oficioso comunicar que entre 24.11.2020 e 07.12.2020 ficou em confinamento profilático obrigatório, determinado pela DGS, sem possibilidade de aceder ao computador.
Entende assim que poderia praticar o ato até 17.12.2020. No entanto, como adoeceu em 15.12.2020, ficou impossibilitado de praticar o ato, durante dois dias. Junta comprovativo do pagamento do 1.º dia de multa e documento comprovativo do confinamento profilático obrigatório do seu filho e atestado de incapacidade temporária.
*
Dispõe o artigo 107.º, n.º 2 do Código do Processo Penal que: “Os atos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento”.
O n.º 3 do referido artigo estipula que “O requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento”.
O ilustre defensor do arguido entende que ocorreu a suspensão do prazo para apresentação da oposição, pois pretende que tendo decorrido 5 dias (desde a notificação pessoal do arguido) do prazo de 15 dias para deduzir oposição quando se iniciou o período de confinamento profilático obrigatório (do seu filho), este prazo voltou a correr depois de findo o confinamento obrigatório, em 08.12.2020, completando-se o prazo de 15 dias em 17.12.2020.
Não é este, porém, o regime legalmente estabelecido uma vez que nos termos do artigo 138.º do Código do Processo Civil, ex vi do art. 104.º, n.º 1 do Código do Processo Penal, vale a regra da continuidade dos prazos, que apenas se suspendem durante as férias judiciais (com as exceções legalmente previstas), decorrendo a relevância do evento que constitui justo impedimento do facto de o mesmo obstar à prática do acto no respectivo prazo, não suspendendo nem interrompendo esse prazo [vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.05.2016, relatado por José Adriano].
O artigo 107.º, n.º 3 do Código do Processo Penal impõe que o requerimento de justo impedimento seja apresentado: no prazo de 3 dias, contado do termo do prazo fixado para a prática do ato quando o impedimento já tiver cessado naquela data; no prazo de 3 dias, contado desde a cessação do justo impedimento, quando este se manteve para além do termo do prazo legal.
No caso em apreço, o alegado impedimento do ilustre defensor cessou em 07.12.2020, ou seja, após o término do prazo para a prática do ato, em 30.11.2020.
Assim, o ilustre defensor oficioso, tinha até 10.12.2020 para comunicar a situação de justo impedimento. Não alegando qualquer facto para a impossibilidade da prática do ato desde dia 08.12.2020 até 10.12.2020, o requerimento agora apresentado é extemporâneo, por ter sido apresentado para além do prazo de 3 dias contado da cessação do impedimento [note-se que ainda que se ponderasse a prática no 3.º dia útil após dia 10.12.2020, com o pagamento da multa processual correspondente (o que não ocorreu), o prazo terminava a 17.12.2020, caso se levasse ainda em consideração os dois dias de baixa médica alegados pelo ilustre defensor].
A acrescer, entendemos que o motivo apresentado pelo ilustre defensor não constitui situação de justo impedimento.
Sobre o conceito de justo impedimento, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19.03.2013, processo n.º 1323/11.9TBSLV.E1 esclarece que: “1 – No conceito de justo impedimento deve integrar-se todo o evento que obste à prática atempada de ato jurisdicional que não seja imputável à parte que o invoca nem aos seus representantes ou mandatários. 2 - O núcleo do conceito de justo impedimento passa da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário. 3 - Como se vem entendendo a doença de advogado só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato”.
Em face da definição que antecede e compulsada a prova apresentada, nunca poderíamos considerar que ocorreu justo impedimento. O ilustre defensor apenas juntou ao processo uma declaração passada pela Autoridade de Saúde do ACES Algarve II a determinar o isolamento profilático obrigatório, com necessidade de afastamento social de (…), nascido em 15.09.2019.
Consultado o site do Serviço Nacional de Saúde1, constatamos o seguinte:Vivo com uma pessoa que está em isolamento profilático. Posso sair à rua ou ir trabalhar? Sim. Contudo deve, sempre que possível, recorrer ao teletrabalho e cumprir as regras de prevenção, tais como: distanciamento social de pelo menos 2 metros; correta higienização das mãos, com água e sabão ou solução à base de álcool; cumprir com a etiqueta respiratória; tapar o nariz e boca quando espirrar ou tossir; utilizar um lenço de papel ou o braço, nunca com as mãos; deitar o lenço de papel no lixo; lavar as mãos sempre que se assoar, espirrar ou tossir; uso de máscara nos locais de utilização obrigatória; manter-se atento aos seus sintomas”.
Assim concluímos que, não obstante ter sido opção do ilustre defensor ter estado em isolamento, não podemos considerar que o mesmo estivesse impedido para a prática do ato.
Por tudo isto, é manifesta a falta de fundamento legal do requerimento do arguido, impondo-se assim decidir pela sua improcedência e, consequentemente, considerar que a oposição ao requerimento do Ministério Público foi apresentada extemporaneamente.
*
Pelo exposto, julgo não verificado o justo impedimento alegado pelo arguido e, consequentemente, determino que a oposição de 18.12.2020 foi apresentada após o término do prazo previsto no artigo 396.º, n.º 1, alínea b) do Código do Processo Penal.
Notifique.
No mais, prossigam os autos a sua normal tramitação.»
2.3. Factos/ocorrências processuais relevantes para a decisão
a) O Ministério Público, imputando ao arguido, a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do CP, requereu, ao abrigo do disposto no artigo 394º, n.º 2, a aplicação ao arguido, em processo sumaríssimo, de pena de multa de 80 dias à taxa diária de €6,00, perfazendo o montante global de €480,00;
b) O il. defensor oficioso do arguido e este último foram notificados do referido requerimento do MP e o arguido para, querendo, deduzir oposição, no prazo de 15 dias, respetivamente, em 09/11/2020 e em 13/11/2020;
c) Decorrido o prazo legal para a dedução da oposição, o tribunal proferiu sentença, em 16/12/2020, ao abrigo do disposto no artigo 397º, n.º 1, do CPP, condenando o arguido, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de €6,00, no montante de €480,00.
d) Por requerimento apresentado em 18/12/2020, veio o Il. defensor oficioso do arguido invocar o justo impedimento – alegando que entre 24/11/2020 e 07/12/2020, ficou em isolamento profilático obrigatório, determinado pela DGS, juntamente com o seu filho, de 14 meses de idade, sem possibilidade de aceder ao computador e de exercer a atividade profissional e que veio a adoecer no dia 15/12/2020 tendo ficado impossibilitado de praticar o ato durante dois dias, ou seja, até 17/12/2020, juntando documentos comprovativos do alegado – e apresentar requerimento de oposição, com DUC de autoliquidação da multa devida pela prática do ato no 1º dia útil subsequente ao termo do prazo, prevista na al. a) do artigo 107º-A, do CPP.
e) Sobre o requerimento aludido em d), recaiu o despacho ora recorrido.

2.4. Apreciação do recurso
A Sr.ª Juiz a quo julgou não verificado o justo impedimento alegado pelo arguido e, consequentemente, decidiu que a oposição pelo mesmo apresentada em 10/12/2020, ocorreu após o término do prazo previsto no artigo 396º, n.º 1, al. b), do CPP, sendo extemporânea.
O arguido/recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, defendendo que, contrariamente ao decidido, deve julgar-se verificada a situação de justo impedimento invocada e, nessa decorrência, que a oposição foi apresentada no 1º dia útil após o termo do prazo de 15 dias, previsto no artigo 396º, n.º 1, al. b), do CPP, prazo esse que, na sua ótica e atenta a suspensão do prazo verificada, por força do justo impedimento, terminou em 17/12/2020, tendo liquidado a multa devida, pela prática do ato processual, no 1º dia útil subsequente, pelo que, entende, dever ser admitida a oposição apresentada, com as consequências daí decorrentes.
O Ministério Público manifesta concordância com a decisão recorrida.
Apreciando:
De harmonia com o disposto no artigo 396º, n.º 1, al. b), do CPP, o prazo para o arguido se opor ao requerimento do Ministério Público, deduzido ao abrigo do disposto nos artigos 392º, n.º 1 e 394º, ambos do CPP, é de 15 dias.
Impondo-se a notificação de tal requerimento ao arguido e igualmente ao respetivo defensor (cfr. artigo 396º, n.ºs 1, al. b), 2 e 3, do CPP), o prazo para a prática do ato conta-se a partir da notificação efetuada em último lugar (cf. artigo 113º, n.º 10, do CPP).
O ilustre defensor do arguido foi notificado do requerimento do MP, por via eletrónica, no dia 06/11/2020, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 113º, n.º 12, do CPP, se presume notificado no terceiro dia posterior ao envio, sendo dia útil, ou seja, no dia 09/11/2020.
Por sua vez o arguido foi notificado, no dia 13/11/2020, através de contato pessoal, do requerimento do Ministério Público e para, querendo, deduzir oposição, no prazo de 15 dias, fazendo-se expressa menção na notificação de que esse prazo terminava no dia 28/11/2020 (cfr. certidão de notificação a fls. 105 verso).
Uma vez que o último dia do prazo de 15 dias seria 28/11/2020, coincidido com um sábado, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para o dia 30/11/2020 – segunda-feira – (cf. artigo 112º, n.º 2, do CPP).
O arguido só veio a apresentar oposição ao requerimento do MP, no dia 18/12/2020, invocando o ilustre defensor do arguido, o justo impedimento que o impediu de praticar o ato dentro do prazo legal.
A questão que se coloca é, desde logo, a de saber, se a invocação do justo impedimento e a prática do ato de que se trata, na data em que o foi, são tempestivos.
Vejamos:
No âmbito do processo penal, a possibilidade da prática de ato processual fora do prazo legalmente previsto, com fundamento em justo impedimento, encontra-se regulada no artigo 107º, n.ºs 2 e 3, do CPP, havendo que recorrer ao artigo 140º, n.º 1, do CPC, para integrar o conceito de justo impedimento.
Dispõe o artigo 107º, n.º 2, do CPP que: «Os actos processuais podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove o justo impedimento
E estatui o n.º 3 do mesmo artigo 107º que: «O requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do justo impedimento
E o conceito de justo impedimento é definido no n.º 1 do artigo 140º do CPC, nos termos do qual «Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.»
Vem sendo entendimento desde há muito consolidado na doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais superiores que o justo impedimento não obsta ao inicio da contagem do prazo perentório e não interrompe, nem suspende esse prazo[1].
Assim e de harmonia com o n.º 3 do artigo 107º do CPP, o justo impedimento pode ser invocado e o ato praticado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do justo impedimento.
Secundado o que se escreve no Acórdão desta RE de 07/05/2019[2], temos que: «O requerimento para a prática do ato fora do prazo legal, com invocação e prova de justo impedimento, deve ser apresentado no prazo de três dias contados da cessação do impedimento, quando este se manteve para além do termo do prazo legal.
A regra da continuidade dos prazos, prevista no Código de Processo Civil[3] e aplicável ao processo penal por remissão legal, estabelece que estes apenas se suspendem durante as férias judiciais, com as exceções legalmente previstas. A relevância do evento que constitui justo impedimento decorre do facto de o mesmo obstar à prática do ato no respetivo prazo, não suspendendo nem interrompendo esse prazo. Assim, o regime legalmente estabelecido impõe que o requerimento com invocação de justo impedimento seja acompanhado do ato processual a praticar, bem como das provas respetivas, no prazo de três dias contados do termo do prazo fixado, quando o justo impedimento já tiver cessado naquela data, ou da cessação do impedimento, quando este se manteve para além do termo do prazo legal.»
Como o justo impedimento obedece ao n.º 3 do artigo 107º do CPP, o prazo em curso caduca quando o justo impedimento não foi invocado e comprovado no prazo de 3 dias estabelecido no mesmo preceito legal[4].
Não pode “acumular-se” o justo impedimento, com o prazo suplementar ou adicional dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo para a prática do ato, estabelecido no artigo 139º, n.º 3, do NCPC – que correspondia ao artigo 145º, n.º 5, do CPC anterior – e aplicável ao processo penal, ex vi do n.º 5 do artigo 107º do CPP, já que, como resulta desses preceitos legais tal prazo é “independente” do justo impedimento[5].
Neste quadro normativo e no caso dos autos, sem entrar na apreciação sobre se os fundamentos invocados pelo il. defensor do arguido integram ou não o conceito de «justo impedimento», considerando o período temporal em que ocorrerem, sendo o isolamento profilático, de 24/11/2020 e 07/12/2020 e situação de doença de 15/12/2020 a 17/12/2020, tendo a contagem do prazo de 15 dias, legalmente previsto para o arguido deduzir oposição ao requerimento do Ministério Público, se iniciado em 14/11/2020 e se completado em 30/11/2020, a verificar-se o justo impedimento, decorrente do isolamento profilático, no decurso desse prazo, ou seja, em 24/11/2020 e tendo cessado em 07/12/2020, não se interrompendo, nem se suspendendo o prazo perentório em curso, para a dedução de oposição, o justo impedimento tinha de ser invocado e o ato praticado no prazo de três dias, contado da cessação do impedimento (07/12/2020), nos termos do disposto no artigo 107º, n.º 3, do CPP, ou seja, até ao dia 10/12/2020.
Ora, o arguido, através do seu ilustre defensor, só veio a invocar o justo impedimento e a apresentar a oposição ao requerimento do Ministério Público, no dia 18/12/2020, já se mostrando, então, ultrapassado o prazo de três dias contados da cessação do alegado impedimento, para poder invocar o justo impedimento e praticar o ato processual em questão, pelo que, os mesmos atos são extemporâneos.
E perfilhando-se o entendimento de que o justo impedimento não pode ser invocado e o ato processual praticado, para além do prazo de três dias previsto no artigo 107º, n.º 3, do CPP, não o podendo ser no prazo suplementar ou adicional de três dias úteis subsequentes ao termo do prazo estabelecido no n.º 3 do artigo 107º do CPP, por aplicação do disposto no artigo 139º n.º 5, do CPC e nos artigos 107º, n.º 5 e 107º-A, do CPP[6], não tem qualquer relevância jurídico processual, a situação de doença do il. defensor, ocorrida em momento posterior ao termo do prazo previsto no artigo 107º, n.º 3, do CPP, no período de 15/12/2020 a 17/12/2020.
Não merece, pois, qualquer censura a decisão recorrida, que considerou extemporânea a invocação do justo impedimento e que a oposição apresentada pelo arguido o foi após o término do prazo previsto no artigo 396º, n.º 1, alínea b) do Código do Processo Penal.
Assim, desde logo, com este fundamento, há que julgar o recurso improcedente.
Resulta, assim, prejudicado o conhecimento da segunda vertente do recurso, que se prende com a questão de saber se a situação de isolamento profilático e de doença invocados integram ou não o conceito de «justo impedimento».

3. DISPOSITIVO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido (…) e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s (artigo 513º, nº. 1, do CPP e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).


Notifique.

Évora, 13 de julho de 2021

Fátima Bernardes

Fernando Pina

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[1] Neste sentido, cfr., entre outros, Acs. da RE de 02/12/2009, proc. 360/08.5TBVVC-A.E1 e de 07/05/2019, proc. 252/16.4PCSTB-A.E1; Ac. da RL de 24/05/2016, proc. n.º 92/07.1TELSB-E.L1-5; Ac da RG de 5/11/2012, proc. 478/11.0GAFL.G1, acessíveis em www.dgsi.pt.

[2] Proferido no referenciado proc. 252/16.4PCSTB-A.E1.

[3] Prevista no artigo 138º do CPC e aplicável ao processo penal, ex vi do artigo 104º, n.º 1, do CPP

[4] Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 24/09/2014, proc. n.º 592/13.4PCSNT.S1, acessível in www.dgsi.pt.

[5] Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 04/05/2006, proc. n.º 2786/05, cujo sumário está disponível in Código de Processo Penal Comentado, Cons. Henriques Gaspar e outros, 2ª edição, 2016, Almedina, pág. 321.

[6] Neste sentido, cf. o já referenciado Ac. do STJ de 04/05/2006, proc. n.º 2786/05 e Ac. da RP de 01/07/2015, proc. n.º 9529/12.7TDPRT-B.P1, acessível em www.dgsi.pt.

Questão diversa, que não cabe aqui analisar, porque não se coloca, é a de saber se o justo impedimento pode ser invocado quando o(s) fundamento(s) em que baseia vem(vêm) a ocorrer já depois de decorrido o prazo perentório estabelecido na lei para a prática do ato processual, mas dentro do período dos três dias úteis subsequentes ao termo daquele prazo perentório.