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COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
EXTENSÃO DE COMPETÊNCIA
Sumário
Nos casos em que a competência internacional dos tribunais portugueses deva ser aferida pelas regras do direito europeu e concretamente quando haja de ser aplicado o Regulamento (CE) 1215/2012, fora dos casos de violação de competência exclusiva (não convencional), se o requerido comparecer sem arguir a incompetência, o tribunal não conhece oficiosamente da infração das regras do Regulamento, já vez que ocorre a extensão da competência a que alude o seu artigo 26, n.º 1.
Texto Integral
Processo n.º 4138/20.0T8PRT.P1
Recorrente – B… – Unipessoal, Lda.
Recorrida – C…
Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
1 - Tendo sido instaurada Injunção Europeia (Reg. CE 1896/2006) pela requerente B… – Unipessoal, Lda. contra a requerida C…, foi proferido despacho onde se escreveu: “Com a ressalva de que, no Campo 2 (Partes e seus representantes), se deverá considerar no código 02, França como país do requerido, emita-se injunção de pagamento europeia, nos termos do art. 12 do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2006”.
2 – A requerida apresentou a sua declaração de oposição, mediante formulário e, por assim ser, os autos foram remetidos ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, para prosseguir os seus termos [Deduzida oposição pela requerida neste procedimento europeu de injunção de pagamento através do “Formulário F”, prosseguirá a acção nos tribunais competentes do Estado-Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum português, nos termos dos arts. 16 e 17 do Regulamento (CE) 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2006 (em conjugação ainda com o Regulamento (CE) 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012)].
3 – Seguindo os autos, a partir de então, a forma de processo comum, verificou-se “que as partes não foram ainda notificadas para apresentar os respetivos articulados específicos desta forma de processo, ou seja, a petição inicial e a contestação, o que se impõe”, em conformidade determinou-se: “Assim, notifique a Autora para, em 10 dias, apresentar p.i., devidamente instruída. Após, notifique a Ré da p.i. que vier a ser apresentada, a fim de a mesma, querendo, deduzir contestação, bem como para pagar a taxa de justiça respetiva pela apresentação desse articulado”.
4 - A autora, seguidamente, apresentou a petição constante de fls. 30 e ss., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 6.866,19€, acrescida dos juros de mora vencidos, que à data da apresentação do Requerimento de Injunção de pagamento europeia ascendiam a 554,20€, além dos vincendos, até efetivo e integral pagamento.
5 – Fundamentando a sua pretensão, a autora deu conta da atividade a que se dedica e que, no âmbito da mesma, foi contactada pela ré para lhe prestar serviços numa obra, em França. A autora executou a obra, mas a ré apenas pagou parte do montante acordado, tendo sido faturado o valor em débito.
6 – Notificada, a ré veio contestar. Sustenta que a ação deve ser julgada improcedente, uma vez que pagou 10.400,00€ dos 13.000,00€ orçados, mas a autora não efetuou todos os trabalhos contratados e abandonou a obra, regressando a Portugal a 20.12.2018, não mais reaparecendo e não tendo realizado mais que 40% da empreitada, sendo certo que a ré até pagou a mais.
7 – Findos estes articulados, foi proferido despacho (fls. 52) que determinou a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem “sobre a eventual incompetência internacional”.
8 – A autora, pronunciando-se, defendeu a competência internacional do tribunal, acrescentando que a ré apenas se defendeu quanto ao mérito da causa, sem ter contestado essa competência.
9 – A ré também se pronunciou. Disse que na sua contestação impugnou “a factualidade” invocada pela autora e defende que deve ser “decretada a incompetência internacional” do tribunal.
10 – Foi então proferido despacho que declarou “este Juízo Local Cível de Paços de Ferreira absolutamente incompetente para apreciar a presente ação, absolvendo-se, consequentemente, a ré da instância”.
II – Do Recurso
11 – Inconformada, a autora apelou. Pretendendo a revogação do despacho e que os autos prossigam os seus normais e ulteriores termos na instância recorrida, formula as seguintes Conclusões:
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12 – Não houve resposta ao recurso, recebido nos termos legais, nada se tendo alterado, nesta Relação, ao pertinente despacho que o recebeu.
13 – Foram dispensados os Vistos e nada vemos que obste à apreciação do mérito do recurso
14 – O objeto do recurso, atentas as conclusões da apelante, consiste em saber se o despacho recorrido deve ser revogado, porquanto o tribunal apelado é internacionalmente competente para apreciar a presente ação.
III – Fundamentação III.I – Fundamentação de facto
15 - Os factos constantes do antecedente relatório mostram-se bastantes à apreciação do mérito do recurso.
III.II – Fundamentação de Direito
16 – O despacho recorrido fundamentou a sua decisão nos termos que, com síntese, agora transcrevemos: “(...) A competência internacional dos tribunais portugueses, no que respeita à jurisdição comum, está regulada nos arts. 62 e 63 do Código de Processo Civil. A par destas normas, existem outras de direito internacional que deverão ainda ser consideradas, contanto que o Estado Português esteja vinculado ao seu cumprimento (...) o Regulamento (EU) n.º 1215/2012 é aplicável ao presente caso, uma vez que Portugal é membro da União Europeia, prevalecendo aquelas normas sobre as de direito interno. Dispõe o art. 4.º, n.º 1, do citado Regulamento que, “sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro” acrescentando o art. 5.º que “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.” Nos termos do art. 7.º “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro: 1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão; b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: - no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues; - no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.”
No caso dos autos é indubitável que estamos perante um contrato de empreitada (...) Ora, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 7.º, do Regulamento, o lugar de cumprimento da obrigação, no caso da prestação de serviços, corresponde ao lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados, sendo que as partes não convencionaram lugar distinto para o cumprimento da obrigação em questão.
Pese embora a Autora alegue que o pagamento do preço, através da conta bancária da Autora (prestação a que a Ré se vinculou perante a Autora), conduza à conclusão de que o cumprimento da obrigação tem lugar no Estado português, não sufragamos esse entendimento, perfilhando, ao invés, o entendimento plasmado no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 5/4/2016, proc. 27630/13.8YIPRT-A.G1.S1, no sentido de tal prestação não revelar autonomia sendo a obrigação relevante, para o estabelecimento da competência, a é que serve de base à ação. Como se pode ler no citado aresto: “relativamente a dois tipos contratuais da maior importância – a venda de bens e a prestação de serviços – o Regulamento veio introduzir uma dita “definição autónoma” do lugar de cumprimento das obrigações contratuais.
Com efeito, o art. 5.º/l/b determina que para efeitos desta disposição, e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: (...) no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados. Segundo a Exposição de Motivos que acompanha a proposta da Comissão, esta dita “definição autónoma” dispensa o recurso ao Direito de Conflitos do Estado do foro.
Não parece, porém, que assim seja. Bem vistas as coisas, não se trata de uma verdadeira definição autónoma de lugar de cumprimento, mas de estabelecer que só releva, na venda de bens, o lugar de cumprimento da obrigação de entrega e, na prestação de serviços, o lugar de cumprimento da obrigação do prestador de serviços. Assim, é irrelevante o lugar de cumprimento da obrigação de pagamento do preço dos bens ou dos serviços, mesmo que o pedido se fundamente nesta obrigação.” Finalmente, a Autora convoca o art. 26 do Regulamento para estender a competência deste Tribunal, sustentando que o Requerido “compareceu” nos autos sem arguir a competência internacional pelo que estamos perante uma “competência convencional tácita”. Salvo melhor opinião, não perfilhamos esse entendimento nem a interpretação que faz da norma citada, tanto mais que o Requerido, em sede de contraditório, veio sustentar a incompetência deste Tribunal, não sendo esse comportamento compatível com uma aceitação tácita da competência internacional deste juízo”.
17 - Como se escreve na decisão apelada e não nos parece ser objeto de qualquer dissidio, a competência internacional dos tribunais portugueses, no que aqui importará, mostra-se regulada nos artigos 62 e 63 do CPC e, a par destas normas, existem outras de direito internacional que deverão ser consideradas, como sucede com o Regulamento (EU) n.º 1215/2012, aplicável ao presente caso.
18 – O Regulamento 1215/2012 estabelece, como critério geral de competência, o do domicílio do réu, ou seja, se o réu tiver o seu domicílio ou sede em algum dos Estados-Membros da União Europeia, deve ser demandado, qualquer que seja a sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro [Artigo 4.º, n.º 1: Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demanda das, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro].
19 – No entanto, ainda que o réu seja domiciliado num Estado-Membro, poderá, mesmo assim, ser demandado em diferente Estado-Membro, caso se verifique alguma das regras especiais de competência, previstas nos artigos 7.º a 25 do Regulamento citado, mas a regra especial não derroga a regra geral, ou seja, “verificando-se, no caso concreto, algum critério especial de competência, o autor tem a possibilidade de escolher entre propor a ação nos tribunais do Estado-Membro do domicílio do réu ou nos tribunais do Estado-Membro que sejam competentes à luz desse critério especial, ou seja, a competência desses tribunais é alternativa”, salvo se estivermos perante uma situação “de competência exclusiva (art. 24.º) ou convencional (25.º), as quais afastam os critérios gerais e especiais de competência”.[1]
20 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 17 e ss. do Regulamento, que respeitam aos contratos de consumo, a competência em matéria contratual encontra-se prevista nas diversas alíneas do n.º 1 artigo 7.º [As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser de mandadas noutro Estado-Membro: 1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão; b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: - no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, - no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados; c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)].
21 – Com efeito, a alínea a) atribui competência “ao tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, determinando depois a alínea b) o que deve entender-se por lugar do cumprimento no caso de venda de bens e no caso de prestação de serviços”.[2]
22 – A propósito da aplicabilidade da alínea b) do citado n.º 1 do artigo 7.º, tem-se discutido se, estando em causa apenas a obrigação pecuniária emergente do contrato, seja o de compra e venda seja o de prestação de serviços, o tribunal competente passa a ser o do lugar do cumprimento, nos termos da alínea a) do mesmo preceito, ou continua a ser o da prestação do serviço.
23 – A este propósito, e citando novamente Marco Carvalho Gonçalves[3], “em sentido afirmativo, importa destacar o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/12/2010, proc. 985709.1TVLSB.L-7, no qual se decidiu que “[c]onstando do contrato que o pagamento dos créditos se realizará por meio de transferência bancária para as contas que ambas as partes comuniquem, e tendo a autora indicado para o efeito uma conta bancária domiciliada em Lisboa, encontra-se preenchido o critério especial previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 5.º do Regulamento, que remete para o tribunal do lugar onde foi ou devia ser cumprida a obrigação em questão”. Em sentido negativo, saliente-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/3/2005, proc. 05B31, no qual se sustentou que o art. 5.º, n.º 1, alínea a) do Reg. 44/2001 [correspondente ao atual art. 7.º, n.º 1, alínea a), do Reg. 121572012] “abrange, salvo convenção em contrário, qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a de pagamento da contrapartida monetária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objeto mediato”. Por conseguinte, de acordo com este aresto, “[o]s tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da ação de condenação envolvente de duas sociedades comerciais, uma portuguesa e outra espanhola, na qual a primeira pede contra a segunda o pagamento do preço, que devia ser pago por aquela em Portugal, relativo a um contrato de compra e venda de coisas que deviam ser entregues em Espanha”.
24 – No sentido referido por último na antecedente citação parece-se claro o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4.10.2018 [Relator, Desembargador Heitor Gonçalves, dgsi], cujo sumário transcrevemos: “1. Quando o litígio versa uma relação jurídica comercial entre sociedades com domicílio em Estados-Membros da União Europeia, na determinação do tribunal internacionalmente competente para o julgamento da causa deve ser convocado o Reg. (UE) 1215/2012, que prevalece sobre o ordenamento jurídico interno português e de aplicação é obrigatória em todos os Estados-Membros. 2. Não havendo convenção escrita de um pacto de jurisdição (artigo 25º), como critério regra o artigo 4º, nº1 elege como internacionalmente competentes os tribunais do Estado-Membro onde o demandado tem o seu domicílio, e no caso não vem questionado que a ré tem o domicílio em Itália - o artº 63º considera que uma pessoa coletiva tem domicílio no lugar em que tiver: a) a sua sede social; b) a sua administração central; ou c) o seu estabelecimento principal. 3. No caso, o lugar do cumprimento do contrato é o domicílio da demandada, o lugar onde os bens foram e deveriam ser entregues e onde os serviços foram e deviam ser prestados, pelo que a competência internacional dos tribunais italianos decorre tanto da regra geral do artigo 4º, nº1, como da regra especial estabelecida no artigo 7º, nº1, alínea b). 4. Como refere o ac. STJ de 08.04.2010 no âmbito da aplicação do artigo 5º do Regulamento (CE) 44/2001 (de teor em tudo idêntico ao do artº 7º do Regulamento 1215/2012) «visou-se o estabelecimento de um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação nos mais frequentes contratos, que são o de compra e venda e o de prestação de serviços, por via de um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro», e o acórdão do STJ de 05.04.2016, na linha do acórdão do mesmo tribunal de 3 de Março de 2005, refere ser “fundado o entendimento de que a alínea b) do n° l do artigo 5° abrange qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objeto mediato”.”.
25 – No caso presente, e não obstante o que ora alega em sede de recurso, a autora, na sua petição inicial – peça processual determinante à fixação da competência do tribunal – (fls. 137 a 140 do processo eletrónico) veio dizer que prestou serviços numa obra sita em França (artigo 7.º), mas a ré apenas pagou 10.4000,00€ (artigo 7.º), tendo entregue fatura referente ao preço por liquidar (artigo 8.º). Além disso, forneceu materiais (artigo 12.º) que faturou nos termos convencionados e que ainda não foi pago (artigo 14.º).
26 – Dito de outro modo, a autora/recorrente nunca sequer alega, na referida peça processual, que o pagamento do preço devia ser feito em Portugal, só o vindo a fazer em sede de contraditório, depois de notificada precisamente sobre a eventualidade de vir a ser conhecida a incompetência internacional do tribunal, quando remete para documentos que “se protestam juntar” (fls. 65/66 do processo eletrónico).
27 – Assim, mesmo que se entendesse que o local do pagamento do preço era relevante e suficiente para a determinação da competência internacional do tribunal – o que, salvo melhor opinião, nos não parece nem consensual nem a melhor interpretação do Regulamento -, no caso presente e da leitura da própria petição, o que se constata é apenas a celebração de um contrato de prestação de serviços, serviços prestados em França, a uma sociedade francesa e lá sediada, o que determinaria a incompetência internacional do tribunal recorrido.
28 – Sucede que o artigo 26, n.º 1 do Regulamento esclarece que “Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24”.
29 – Assim, fora dos casos de competência exclusiva, que o Regulamento prevê no seu artigo 24, estabelece-se no preceito citado no parágrafo anterior um “regime particular de celebração tácita de um pacto de jurisdição”[4] de onde decorre que o tribunal que não seja internacionalmente competente passe a sê-lo se o réu contestar, mas não arguir a incompetência desse tribunal.
30 – Ainda que se admita que o réu possa contestar e, em simultâneo, arguir a incompetência internacional do tribunal[5], no caso presente a ré contestou, mas não arguiu essa incompetência.
31 – Por assim ser, havia de se ter considerado internacionalmente competente o tribunal recorrido.
32 – No entanto, a decisão recorrida afasta a conclusão anterior, porquanto, depois de notificar as partes para se pronunciarem sobre a questão, verificou que a demandada veio sustentar a sua, do tribunal recorrido, incompetência internacional.
33 – Pensamos, no entanto, que erradamente o fez, porquanto o contraditório em causa só teria sentido se a incompetência aqui em apreciação fosse de conhecimento oficioso, o que não sucede.
34 – Com efeito, nos casos em que a competência internacional dos tribunais portugueses tenha de aferir-se pelas regras do direito europeu e concretamente quando haja de ser aplicado o Regulamento 1215/2012, “sendo violada uma competência exclusiva (não convencional) de outro Estado-Membro, o tribunal perante o qual a ação foi proposta declara-se oficiosamente incompetente (art. 27.º); o mesmo deve fazer se verificar que é internacionalmente incompetente e o requerido, domiciliado num outro Estado-Membro, for revel (art. 28.º); fora dos casos de violação de competência exclusiva (não convencional), se o requerido comparecer sem arguir a incompetência, o tribunal não conhece oficiosamente da infração das regras do Reg. 1215/2012, uma vez que ocorre extensão da competência a que alude o n.º 1 do art. 26.º”.[6]
35 – Em conformidade com o antes dito, entendemos que o tribunal recorrido é internacionalmente competente, por força do disposto no artigo 26, n.º 1 do Regulamento 1215/2012.
36 – Por assim ser, o presente recurso revela-se procedente e a decisão apelada deve revogar-se, determinando-se o prosseguimento dos autos, se outra e diversa causa o não impedir.
37 – As custas do recurso são a cargo da ré/recorrida, atento o seu decaimento.
IV - Dispositivo
Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a presente apelação e, em conformidade, considera-se o tribunal recorrido internacionalmente competente para o prosseguimento e apreciação dos autos, salvo se outra e diversa causa (que não a incompetência internacional) o impedir.
Custas pela recorrida.
Porto, 12.07.2021.
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Mendes Coelho
______________ [1] Marco Carvalho Gonçalves, “Competência Judiciária na União Europeia”, in Scientia Ivridica, Tomo LXIV, Setembro/Dezembro 2015, Universidade do Minho, págs. 417 e ss., a pág. 427. [2] Isabel Alexandre, Direito processual Civil Internacional I, AAFDL Editora, Lisboa, 2021, pág. 203. [3] “Competência Judiciária na União Europeia”, in Scientia Ivridica, Tomo LXIV, Setembro/Dezembro 2015, Universidade do Minho, págs. 417 e ss., a págs. 430/431. [4] Marco Carvalho Gonçalves, “Competência Judiciária na União Europeia”, in Scientia Ivridica, Tomo LXIV, Setembro/Dezembro 2015, Universidade do Minho, págs. 417 e ss., a pág. 444. [5] Acórdão da Relação de Lisboa de 1.02.2007, dgsi. Relatado pelo Desembargador Luís Espírito Santo, refere-se num dos pontos do sumário. “II - Não faz sentido exigir à parte - interessada no reconhecimento dos efeitos do pacto de atribuição de jurisdição - a obrigação de total omissão de invocação de qualquer outra matéria de defesa para além da dedução da exceção de incompetência do tribunal, sob a cominação de se transmutar, automaticamente e por essa via, a jurisdição incompetente em competente”. [6] Isabel Alexandre, Direito processual Civil Internacional I, AAFDL Editora, Lisboa, 2021, pág. 233.