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INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
LIVRANÇA
PACTO DE PREENCHIMENTO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
Sumário
I – A possibilidade de inversão do ónus da prova decorrente da não apresentação de documentos pela contraparte, como decorre da conjugação dos arts. 429º, 430º e 417º nº2 do CPC e 344º nº2 do C.Civil, só pode ocorrer relativamente a documentos em poder da parte contrária e quando com a não apresentação do documento esta tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado com ela; II – A não dedução da nulidade de pacto de preenchimento de livrança na petição inicial de embargos, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação de factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção e aquela peça constitui o momento oportuno para deduzir toda a defesa, faz precludir o direito de a invocar; III – Formalizado ou não, expresso ou tácito, a emissão de um título de crédito em branco necessariamente implica um acordo de preenchimento, acordo esse que pode, por isso, ser meramente oral/informal ou porventura tão só implícito; IV – Caso o pacto de preenchimento da livrança não exija a comunicação do facto legitimador do preenchimento (o não pagamento de quantias contratualmente devidas), a ausência de tal comunicação não determina que o preenchimento seja abusivo e apenas tem como efeito que a obrigação nela assumida apenas se vence e se torna exigível com a citação para a execução fundada naquele título.
Texto Integral
Processo nº5111/07.9TBVLG-B.P1
(Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 4)
Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
Por apenso à execução que lhe move B…, Limited, habilitada nos autos, veio a executada, C…, deduzir oposição por embargos, pedindo que a execução seja julgada extinta.
Alegou para tal:
- a prescrição da obrigação cambiária titulada pela livrança dada à execução, por decurso do prazo de 3 anos previsto no art. 70º da LULL;
- a deserção da instância, pois a execução foi interposta em 5/12/2007 e a executada só foi citada para os termos da mesma em 28/1/2019;
- a ineptidão do requerimento executivo, por a livrança dada à execução ter inscrita a quantia de 9.124,94 euros e contudo a quantia exequenda ser de 5.521,06 euros acrescida de juros de mora vencido no valor de 143,40 euros, tudo no tal de 5.664,45 euros, e não terem sido alegados factos no requerimento executivo tendentes a demonstrar que apesar de a livrança ter inscrito um valor superior apenas é válida por valor inferior;
- a inexistência de pacto de preenchimento da livrança, que foi entregue em branco/incompleta e só com a sua assinatura;
- o preenchimento abusivo da livrança;
- a falta de apresentação a pagamento da livrança.
No final da sua petição, a Embargante, ao abrigo do disposto no art. 429º do CPC, requereu que a Embargada fosse notificada para juntar aos autos cópia do contrato de crédito que baseia a livrança exequenda, o original desta e “Documento que certifique o valor das prestações pagas no âmbito do contrato de crédito referido em supra ponto i) e número de prestações eventualmente vincendas à data do vencimento da livrança dada à execução”.
A Exequente contestou, pugnando pela improcedência das excepções de prescrição e de ineptidão do requerimento executivo e também pela improcedência dos restantes fundamentos apresentados, dando designadamente conta que a livrança tem como data de vencimento 24/1/2006, que o requerimento executivo foi interposto em 5/12/2007 e que nesse período a executada procedeu a pagamento de parte do valor nela inscrito, razão pela qual o valor peticionado no requerimento executivo não poderia ser o mesmo; referiu também que a livrança foi entregue como garantia do cumprimento de contrato de mútuo que identifica, constando do próprio clausulado deste que em, caso de dívida de alguma ou algumas das prestações, seria considerado imediatamente vencido todo o capital em dívida, prestações vencidas e juros relativos àquele mútuo; referiu ainda que a executada foi avisada várias vezes de que estaria em incumprimento e de quais seriam as consequências caso o valor em dívida permanecesse como tal.
A Embargante, notificada dos documentos juntos com a contestação, aceitou os que integram cópia de cheque no valor de € 1.592,76, o fax de 17/08/2006 e a missiva da embargante constante de fls. 33 e impugnou todos os restantes, designadamente as cartas ali constantes, alegando que nunca chegaram ao seu poder.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador – em sede do qual se julgou improcedente a ineptidão do requerimento executivo, a excepção de prescrição da obrigação cambiária e a deserção da instância – e foi proferido despacho em que, invocando-se a simplicidade das questões a decidir, se prescindiu de fixar o objecto do litígio e de enunciar os temas da prova. Em seguida, foi proferido despacho a admitir a junção aos autos dos documentos apresentados pelas partes e a ordenar a notificação da Embargada para juntar aos autos cópia do contrato subjacente à emissão da livrança e “documento que certifique o valor das prestações pagas no âmbito do contrato de crédito referido em supra e número de prestações eventualmente vincendas à data do vencimento da livrança dada à execução e à data da interposição da execução”.
A Embargada veio então (fls. 59-v e sgs.) juntar aos autos cópia do contrato (fls. 60) e cópia de cartas em que consta como destinatária a Embargante, das quais consta o seguinte:
- a fls. 63 (igual a fls. 61-v), uma carta com data de 15/2/2006 e na qual a “D…” (exequente inicial) informa a Embargante de que era portadora de uma livrança subscrita por ela e vencida em 24/1/2006, no montante de 9.124,94 euros;
- a fls. 62 (igual a fls. 63-v), uma carta com data de 13/1/2006 e na qual a “D…” informa a Embargante de que está em dívida o valor global de 9.124,94 euros, decompondo-se o mesmo em 822,58 € de prestações vencidas, 115,24 € de juros de mora, 6.694,22 € de capital em dívida, 1.385,21 € de despesas de cobrança judicial e extrajudicial e 107,69 € de outras despesas; informa ainda que caso o pagamento não fosse efectuado no prazo de 8 dias, preencheria a livrança por aquele valor global e com vencimento para 24/1/2006;
- a fls. 64-v, uma carta com data de 19/7/2003 na qual a “D…” informa a Embargante de que está em dívida o valor global de 14.440,88 euros, decompondo-se o mesmo em 799,08 € de prestações vencidas, 19,10 € de juros de mora, 11.435,43 € de capital em dívida e 2.187,27 € de outras despesas; informa ainda que caso o pagamento não fosse efectuado no prazo de 8 dias, preencheria a livrança por aquele valor global e com vencimento para 30/7/2003;
- a fls. 65, uma carta com data de 9/9/2005 e na qual a “D…” informa a Embargante de que está em dívida o valor global de 9.967,03 euros, decompondo-se o mesmo em 799,58 € de prestações vencidas, 83,53 € de juros de mora, 7.424,74 € de capital em dívida, 1.507,87 € de despesas de cobrança judicial e extrajudicial e 151,31 € de outras despesas; informa ainda que caso o pagamento não fosse efectuado no prazo de 8 dias, preencheria a livrança por aquele valor global e com vencimento para 20/9/2005;
- a fls. 64 consta cópia do aviso de recepção daquela carta de 9/9/2005, assinado pela Embargante em 16/9/2005.
Por requerimento entrado nos autos a 3/7/2019, a Embargante defendeu que não foi junto pela Embargada qualquer documento que certificasse o valor das prestações vincendas à data do vencimento da livrança e à data da interposição da execução e requereu que a mesma fosse novamente notificada para o juntar; além disso, impugnou os documentos juntos nos termos em que já o tinha feito quando se pronunciou sobre os documentos juntos com a contestação.
Por outro lado, nesse mesmo requerimento, alegou que nunca teve conhecimento das condições gerais e específicas do contrato que celebrou, pois nunca lhe foi fornecida qualquer cópia, motivo pelo qual, ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais, invoca a nulidade da cláusula 5ª por violação dos arts. 21º e 22º do DL 446/85 de 25/10.
Por despacho proferido a 25/9/2019 (fls. 69) a Sra. Juíza ordenou a notificação da Embargada para juntar aos autos “documento que certifique, ou de onde conste, o valor das prestações vincendas à data do vencimento da livrança dada à execução e à data da interposição da execução”.
Na sequência de tal despacho, a Embargada, em 27/9/2019, apresentou requerimento, acompanhado dos documentos constantes de fls. 72 a 76, com o seguinte conteúdo, o qual consta de fls. 71:
“B…, LIMITED., embargado nos autos melhor identificados em epígrafe, que tem como embargante C…, vem a V.Exa., muito respeitosamente, a presença de V.Exa. informar para ao final requerer o que segue: Em 13/01/2006 foi enviado para a Embargante carta a informar valores em dívida no contrato firmado e a informar que se o pagamento das prestações vencidas não ocorresse em 08 dias seria procedida a resolução do contrato e implicaria ainda no preenchimento da livrança pelo valor de 9.124,94€. Sem que tivesse ocorrido o pagamento, em 15/02/2006 foi enviada nova correspondência à Embargante a informar que, pelo não pagamento do valor em dívida, foi resolvido o contrato e preenchida a livrança. Após a rescisão do contrato com o preenchimento da livrança, e antes da interposição do Requerimento Executivo, a Embargante enviou um cheque de 796,08€ datado de 08/08/2016. Em 03/10/2006 a Embargada enviou resposta à Embargante quanto ao valor pago, a informar que o contrato estava rescindido e, portanto, deixava de vencer prestações, servindo o valor pago para abater a dívida informada em Janeiro de 2006. Após esse comunicado, a Embargante efetuou mais dois pagamentos de 265.36€ em 11/04/2007 e 1.592,76€ em 18/11/2007. Sem que tenha qualquer comprovativo para apresentar, a Embargada informa ainda que a Embargante efetuou mais um pagamento no valor de 949,68€, Todos os valores pagos após a rescisão do contrato e preenchimento da livrança, somam a quantia de 3.603,88€ e foram devidamente abatidos do valor da livrança já preenchida quando da interposição do Requerimento Executivo. Assim, diante do exposto, e esperando ter sanado qualquer divergência existente entre o valor da livrança e o valor do Requerimento Executivo, requer a junção dos documentos anexos com a prolação da sentença de Improcedência no presente Embargos à execução.”
A Embargante, por requerimento de 5/10/2019, manteve que a Embargada não juntou o documento para cuja junção foi notificada, impugnou os documentos juntos e requereu o seguinte: que fosse desatendido aquele requerimento da Embargada e que se tenha por invertido o ónus da prova no que tange à factualidade em causa atento o disposto nos arts. 429º e 430º, ex vi do nº2 do art. 417º, todos do CPC.
Por despacho proferido a 27/1/2020, foi relegado para sede própria o que se considerou ser “a falta de junção dos documentos por parte da embargada” e decidiu-se considerar “como não escrita a factualidade vertida a fls. 71” por o requerimento em causa “constituir articulado legalmente inadmissível”.
Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.
De tal sentença veio a Embargante interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – a inversão do ónus da prova pretendida pela Recorrente;
b) – a alteração da decisão da matéria de facto da sentença recorrida quanto aos pontos indicados pela Recorrente;
c) – a invocação da nulidade da cláusula contratual relativa ao pacto de preenchimento da livrança por via da violação do regime das cláusulas contratuais gerais;
d) – o preenchimento abusivo da livrança.
** II – Fundamentação
Vamos ao tratamento da questão enunciada sob a alínea a).
Pretende a Recorrente que deverá ter-se por invertido o ónus da prova – “no que ao preenchimento abusivo e ao pagamento invocados pela Embargante diz respeito” (motivação e conclusão 10 do recurso) –, na sequência de considerar que a embargada, não obstante notificada para tal pelo tribunal, não apresentou documento cuja junção pela mesma foi por si requerida (no final da sua petição de embargos e também no seu requerimento de 3/7/2019 que se referiu no relatório desta peça).
Referiu-se a embargante a tal documento como “documento que certifique o valor das prestações pagas no âmbito do contrato de crédito … (referido nos autos) e número de prestações eventualmente vincendas à data do vencimento da livrança dada à execução e à data da interposição da execução”.
O tribunal deu seguimento a tal requerimento em despacho proferido logo após o despacho saneador e, na sequência do requerimento da embargante de 3/7/2019, proferiu novo despacho a 25/9/2019 (fls. 69) em que ordenou a notificação da Embargada para juntar aos autos “documento que certifique, ou de onde conste, o valor das prestações vincendas à data do vencimento da livrança dada à execução e à data da interposição da execução” (sublinhado nosso).
Na sequência de tal despacho, a Embargada, em 27/9/2019, apresentou o requerimento que consta de fls. 71 e que acima se transcreveu, acompanhado dos documentos constantes de fls. 72 a 76.
Por requerimento de 5/10/2019, a Embargante defendeu que a Embargada não juntou o documento para cuja junção foi notificada, impugnou os documentos juntos e requereu que fosse desatendido aquele requerimento da Embargada e que se tenha por invertido o ónus da prova no que tange à factualidade em causa atento o disposto nos arts. 429º e 430º, ex vi do nº2 do art. 417º, todos do CPC.
Por despacho proferido a 27/1/2020, foi relegado para sede própria o que se considerou ser “a falta de junção dos documentos por parte da embargada” e decidiu-se considerar “como não escrita a factualidade vertida a fls. 71” por o requerimento em causa “constituir articulado legalmente inadmissível”.
Em sede de sentença, na parte de tal peça relativa à fundamentação da matéria de facto, pronunciou-se a Sra. Juíza sobre a questão dizendo o seguinte:
“Finalmente, quanto à excepção de pagamento integral, da ausência de prova nesse sentido, que competia integralmente ao embargante. Neste tocante, é de referir que face a toda a prova produzida, com a segurança e certeza em que o foi, não se vislumbra motivo para inverter o ónus da prova quanto às prestações em falta, pelo simples facto da embargada não ter apresentado nos autos o documento que lhe foi solicitado, o que tange à relação das prestações em falta à data da interposição da execução.
(…) Não se impunha pois, qualquer inversão do ónus da prova, que pressupõe que a parte tenha culposamente tornado impossível a prova a quem tivesse o ónus de a efectivar, o que no caso dos autos, claramente não ocorreu.”
Analisemos.
A possibilidade de inversão do ónus da prova decorrente da não apresentação de documentos pela contraparte, como decorre da conjugação dos arts. 429º, 430º e 417º nº2 do CPC e 344º nº2 do C.Civil, só pode ocorrer relativamente a documentos em poder da parte contrária e quando com a não apresentação do documento esta tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado com ela.
Como decorre da previsão do nº1 daquele art. 429º, ao referir-se a “uso de documento em poder da parte contrária”, e do próprio regime que flui da conjugação de tal preceito com o art. 430º (onde se prevê o sancionamento da não apresentação do documento por remissão para o que consta do art. 417º nº2), deverá ou deverão estar em causa documentos que se saiba que existam, quer porque legalmente exigidos ou previstos como necessários no âmbito da relação jurídica em causa, quer como consabidamente elaborados pelas partes nesse mesmo âmbito, e que a parte não pode, por ela, obter (neste último sentido, vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Almedina, 2019, pág. 247, anotação 1 ao art. 429º).
Ora, o documento pretendido obter pela Embargante não é um documento que esta alegue como já existente ou necessariamente existente e ao qual não tivesse acesso.
O documento em causa, partindo da evidência que a parte não é autoridade pública para certificar (como foi notificada) o que quer que fosse, seria, quando muito, uma espécie de relação ou listagem de pagamentos a elaborar pela embargada, como se ela tivesse a obrigação de o fazer ou de o ter feito, e que, parece, a embargante pretende que deva existir.
Porém, quer dos factos alegados, quer do teor do contrato junto aos autos quer mesmo do conteúdo de todos os outros documentos também juntos aos autos, nada resulta no sentido da existência de tal documento, quer por estar contratualmente prevista a sua elaboração quer por o mesmo ter sido em algum momento elaborado.
Além disso, diga-se, ao contrário da Embargante, que não juntou nunca um qualquer documento para prova de qualquer dos factos por si alegados, a Embargada juntou aos autos os documentos que tinha para dar conta das quantias que imputava à Embargada como estando em dívida e que terão levado ao preenchimento da livrança (fls. 36 e 37, por exemplo), documentos que titulavam alguns pagamentos feitos ulteriormente a tal preenchimento e que seria natural e lógico serem juntos pela embargante [por exemplo, o cheque cuja cópia consta de fls. 33-v e 73-v (796,08 euros) e o cheque cuja cópia consta de fls. 76 (1592,76 euros)] e até, pelo requerimento de 27/9/2019, constante de fls. 71, na sequência daquele despacho de 25/9/2019 que se referiu, veio dar conta de todos os valores pagos pela Embargante após o preenchimento da livrança, assim confessando ter recebido, além dos valores de 796,08 euros e de 1592,76 euros titulados por aqueles cheques cuja cópia ela própria juntou, ainda um valor de 265,36 euros em 11/4/2007 e ainda um valor de 949,68 euros.
Aliás, este requerimento de fls. 71 integra uma resposta perfeitamente adequada ao despacho de 25/9/2019, pois dele consta a menção da importância alegadamente em dívida aquando do preenchimento da livrança por remissão para a carta de 13/1/2006 (que consta de fls. 62 e onde se referem as prestações vencidas, o capital em dívida, os juros de mora e as despesas contabilizadas) e a menção àqueles pagamentos concretos feitos pela Embargante após o preenchimento da livrança, do que decorre que o despacho de 27/1/2020, proferido sobre ele, no sentido de considerar como “não escrita” a factualidade ali vertida apenas se aceita sob o prisma de o mesmo (como a nosso ver, erradamente, se concluiu em tal despacho) “constituir articulado legalmente inadmissível” mas não lhe retira a aptidão para o considerar como resposta cabal ao solicitado pelo tribunal à Embargada através daquele despacho de 25/9/2019.
Assim, quer porque não está em causa um qualquer documento que exista ou que tivesse que existir nos termos que supra se analisaram e que, por isso, a Embargada tivesse que apresentar por via do regime previsto nos arts. 429º e 430º do CPC, quer porque, relativamente ao que lhe foi solicitado, a Embargada respondeu com aquele requerimento de fls. 71 e juntou os documentos atinentes que tinha, há que concluir pela manifesta improcedência da pretendia inversão do ónus da prova.
*
Passemos à questão enunciada sob a alínea b).
A Recorrente defende que foram incorrectamente julgados os factos referidos sob os pontos 5, 9, 10 e 11 dos factos provados e sob a alínea d) dos factos não provados.
Tais pontos dos factos provados têm o seguinte conteúdo:
- “5) A livrança em causa nos autos foi subscrita na sequência do contrato de mútuo n.º …….., celebrado, em Maio de 2002 entre a primitiva Exequente e a Opoente, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 60 e cujo teor das respetivas cláusulas que se dão aqui por reproduzido”;
- “9) No mesmo contrato supra referido, as partes (a embargada e a executada/embargante), convencionaram, “para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações assumidas pelo mesmo contrato”, a subscrição de uma livrança em branco, Livrança, autorizando a embargante o preenchimento dessa livrança, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de emissão, e ao montante até ao limite das responsabilidades assumidas e não pagas – cfr. Clausula 5.º do contrato”;
- “10) Em 13.1.2006 a embargante deixou de cumprir com as prestações acordadas no âmbito do contrato acima referido, pelo que a exequente preencheu a livrança pelo montante de € 9.124, 94, e apôs-lhe como data de vencimento 24.1.2006”;
- “11) Todavia, entre a data do seu vencimento 24/01/2006, e a data da interposição do requerimento executivo 05/12/2007, a embargante procedeu ao pagamento de quantias por conta do contrato acima mencionado, nomeadamente, para além de outro, da quantia de € 1592, 76 em 18.11.2007 e da quantia de € 796,08 em 8.8.2006, pagamentos esses abatidos ao montante inscrito na livrança, peticionando assim a exequente, na execução o montante de € 5564,46.”.
Por sua vez, aquela alínea d) dos factos não provados tem o seguinte conteúdo: “d) Toda a matéria invocada nos artigos 95º a 105º da petição de embargos”.
Defende a Recorrente, com base em excertos de declarações de parte da Embargante e da testemunha E… – que transcreve e que também situa temporalmente por referência à gravação de tais depoimentos –, a alteração daqueles pontos nos seguintes termos:
- relativamente ao ponto 5, que deve ser dado como provado o segmento “A livrança em causa nos autos foi subscrita na sequência do contrato de mútuo n.º …….., celebrado, em Maio de 2002 entre a primitiva Exequente e a Opoente, nos termos constantes do documento junto a fls. 60” e como não provado o segmento “Cujo teor das respectivas cláusulas que se dão aqui por reproduzido”;
- relativamente ao ponto 9, que deve ser integralmente dado por não provado;
- relativamente ao ponto 10, que deve ser como provado o segmento “A Exequente preencheu a livrança pelo montante de € 9.124,94, e apôs-lhe como data de vencimento 24.01.2006” e como não provado o segmento “Em 13.1.2006 a embargante deixou de cumprir com as prestações acordadas no âmbito do contrato acima referido”;
- relativamente ao ponto 11, que deve ser dado como provado o segmento “Entre a data de 24/01/2006 e 05/12/2007, a embargante procedeu ao pagamento de quantias por conta do contrato acima mencionado, nomeadamente da quantia de € 1592,76 em 18.11.2007 e da quantia de € 796,08 em 8.8.2006” e como não provado o segmento “Os pagamentos referidos em 11) foram abatidos ao montante inscrito na livrança, peticionado assim a exequente, na execução o montante de € 5564,46.”;
- relativamente à alínea d) dos factos não provados, que deve ser dado como provada “Toda a matéria dos artigos 99º a 105º da petição de embargos” e como não provada “Toda a matéria dos artigos 95º a 98º da petição de embargos”.
Além disso, defende ainda que devem ser aditados à matéria de facto provada e não provada os seguintes factos:
- à provada, que “Em 18/11/2007 foi emitido e cobrado um cheque a favor da primitiva Exequente, no valor de € 1.592,76, para pagamento das prestações de Março de 2007 a Agosto de 2007, no âmbito do contrato acima referido, tendo ainda sido efectuados mais cinco ou seis pagamentos por conta do mesmo e após essa data.”;
- à provada, que “O pagamento da quantia de € 1.592,76 em 18.11.2007 foi entregue à primitiva exequente e não foi abatido à execução”;
- à não provada, que “A Embargante foi elucidada e esclarecida das cláusulas contratuais gerais apostas no contrato de crédito em mérito e das consequências, acaso viesse a incorrer em incumprimento (cfr. arts. 68.º e 74.º da petição de embargos e arts. 6.º a 14.º do requerimento de ref.ª 32897087, de 03/07/2019)”.
Cumpre referir que, nos termos do art. 607º nº5 do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (essa livre apreciação só não abrange as situações referidas na segunda parte de tal preceito), não se podendo esquecer que o tribunal, nos termos do art. 413º do CPC, deve tomar em consideração todas as provas produzidas.
Ou seja, a prova deve ser apreciada globalmente, sendo corolário em sede de recurso de tal comando o disposto no art. 662º nº1 e 2, alíneas a) e b), do CPC, quando dali com evidência se conclui que a Relação “tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, 2018, pág. 287).
Além disso, precisa-se, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais previstos no art. 640º, a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (como refere aquele mesmo autor, naquela mesma obra, a págs. 293).
Tendo presente estes pressupostos, apuremos então das pretensões deduzidas pela Recorrente em relação à matéria de facto supra indicada.
Desde logo, há que referir que não faz qualquer sentido a alteração propugnada para os pontos 5 e 9 da factualidade provada.
Efectivamente, porque uma coisa são os factos e outra é o direito a eles aplicável, independentemente do que se venha a decidir de direito quanto ao clausulado do contrato de mútuo referido nos autos e que está na base da subscrição da subscrição da livrança exequenda – designadamente quanto ao relevo ou não relevo da cláusula 5ª do mesmo e quanto à articulação entre o previsto em tal contrato e o preenchimento da livrança –, o que é certo é que aquele contrato está corporizado em documento junto aos autos, junto pela embargada e aceite pela embargante [foi esta quem requereu a junção de cópia integral do mesmo e, quando junto (fls. 60), invocou a nulidade da sua cláusula 5ª (fls. 66 e 67) mas não questionou o documento que o corporiza, sendo que, por outro lado, a própria embargante no artigo 81º da sua petição de embargos o identifica pelo número que dele consta (nº……..)].
Além disso, está também aceite a data da celebração de tal contrato e que a livrança exequenda foi subscrita na sua sequência.
Ora, naqueles pontos 5 e 9 apenas se dá conta destes dados factuais respeitantes à celebração do contrato de mútuo e do documento que o corporiza, aludindo-se naquele último à cláusula 5ª do mesmo.
Como tal, improcede a pretensão da sua alteração, não obstante entendermos que o conteúdo do ponto 9 deve ser alterado no sentido de uma maior fidelidade ao conteúdo da cláusula 5ª constante do contrato em causa.
Neste seguimento, tal ponto 9 passará a ter a seguinte redacção:
“No mesmo contrato supra referido, as partes (a embargada e a executada/embargante), convencionaram sob a cláusula 5ª do mesmo, com a epígrafe “Livrança e Convenção de Preenchimento” o seguinte: “1 - A Primeira Contraente poderá exigir do(s) Segundo(s) Contraente (s) a entrega de uma livrança em branco subscrita pelo(s) Segundo(s) Contraente(s) e avalizada pelo(s) Terceiro(s) Contraente(s), com a função de garantia do cumprimento de todas as obrigações emergentes do presente contrato para o(s) Segundo(s) Contraente(s). 2 – O(s) Segundo(s) Contraente(s) autoriza(m) expressamente a Primeira Contraente a preencher a livrança em branco por si subscrita nesta data, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e ao seu montante, até ao limite das responsabilidades por si assumidas e não pagas.”
Vamos ao ponto 10.
A Recorrente pugna pela não prova do segmento do mesmo em que se diz“Em 13.1.2006 a embargante deixou de cumprir com as prestações acordadas no âmbito do contrato acima referido”.
Baseia-se para tal no depoimento de parte da embargante e no depoimento da testemunha E…, seu companheiro (este disse aquando do seu depoimento que vivia com ela em união de facto).
Ouvidos tais depoimentos, quanto a tal matéria verifica-se o seguinte:
- a embargante negou ter recebido as cartas constantes de fls. 62 e 63 (cujo conteúdo já se referiu no relatório desta peça) e referiu que embora atrasasse o pagamento de algumas prestações acabava por pagá-las depois; referiu, nessa sequência, que pagava depois valores mais altos para cobrir os que estavam por pagar;
- aquela testemunha disse que as prestações foram sendo pagas embora algumas o fossem com algum atraso, que o cheque cuja cópia consta de fls. 27-verso, no montante de 1592,76 euros, se destinou a pagar as prestações de Março de 2007 a Agosto de 2007 (seis meses) e que para trás estava tudo pago, disse também que para além de tal pagamento ainda pagou “talvez mais meia dúzia” de prestações. Sobre as cartas de fls. 62 e 63 o seu depoimento foi vago: disse não se recordar de as ver, embora se tivesse mais preocupado em negar que na data da de fls. 62 não era ou não podia ser a quantia ali referida a que estava em dívida.
Por outro lado, consta de fls. 65 a carta cujo conteúdo também já se referiu acima (com data de 9/9/2005 e na qual a “D…” informa a Embargante de que está em dívida o valor global de 9.967,03 euros, decompondo-se o mesmo em 799,58 € de prestações vencidas, 83,53 € de juros de mora, 7.424,74 € de capital em dívida, 1.507,87 € de despesas de cobrança judicial e extrajudicial e 151,31 € de outras despesas; informa ainda que caso o pagamento não fosse efectuado no prazo de 8 dias preencheria a livrança por aquele valor global e com vencimento para 20/9/2005) e quanto a esta há prova do seu recebimento pela embargante, pois consta o respectivo aviso de recepção por si assinado a fls. 64.
Daqueles depoimentos e desta carta de fls. 65 resulta prova clara de terem havido situações de atrasos no pagamento de prestações, atrasos estes de vários meses seguidos (que chegaram, por exemplo, aos seis meses a que respeita o cheque no montante de 1592,76 euros).
Além disso, da carta cuja cópia consta de fls. 33, subscrita pela embargante e enviada à “D…”, resulta por parte da embargante a assunção de mais um atraso, no caso das rendas respeitantes aos meses de Março, Abril e Maio de 2006 (três meses juntos).
Por outro lado, considerando a data de vencimento aposta na livrança, de 24/1/2006, esta é compatível com mais um não pagamento de várias prestações referenciadas até Janeiro de 2006 e está de acordo com o conteúdo da carta constante de fls. 62, não obstante alegadamente não recebida pela embargante. Note-se porém que o valor do depoimento desta em tal sentido não pode deixar de ser considerado como praticamente nulo, pois tal facto, sendo-lhe favorável, apenas acaba por ser “corroborado” pelo depoimento do seu companheiro, claramente interessado no desfecho da lide a seu favor e, por isso, também de praticamente nula credibilidade quanto a tal, e tem “contra” a existência de tal carta e o seu envio para a sua morada, a qual é a mesma para onde lhe foi enviada a carta de fls. 65.
Assim, por referência ao preenchimento da livrança com a data de vencimento que dela consta, não obstante não tenha sido feita prova de que a embargante deixou de cumprir com as prestações exactamente no dia 13/1/2006, do circunstancialismo referido resulta ter sido feita prova verosímil, pelo menos, de que a embargante deixou de cumprir com prestações por referência àquele mês de Janeiro de 2006.
Como tal, o teor daquele ponto 10 dos factos provados apenas se altera no sentido de dali se retirar a referência ao concreto dia 13 ali constante, do que decorre que a sua redacção passará a ser a seguinte:
“Em Janeiro de 2006 a embargante deixou de cumprir com as prestações acordadas no âmbito do contrato acima referido, pelo que a exequente preencheu a livrança pelo montante de € 9.124, 94, e apôs-lhe como data de vencimento 24.1.2006”.
Passemos ao ponto 11.
Sobre este ponto, é a seguinte a motivação do tribunal:
“ (…) da prova carreada para os autos, resultou inequívoco que a partir de Janeiro de 2006 deixou de cumprir com o acordado, e que assim a livrança foi preenchida pelo valor que dele consta. Se atentarmos, nesta data, estavam por cumprir 32 prestações, pelo que, vencidas as restantes, a divida da executada, só em prestações não pagas ascendia a € 8491,52, a que acrescem obviamente juros e despesas. Assim, a esta data não era inadequada, de todo o valor de € 9.124,94 aposto na livrança. Até porque, não se provou a tese da embargante, que o contrato nesta data estaria a chegar ao seu termo, pois segundo invoca, o capital mutuado foi de € 9000,00 que seria de 48 prestações de 250,00 euros cada (cfr. Factos não provados). Resulta ainda que após este incumprimento, a executada fez pagamentos por conta do contrato, tal como resulta de fls. 27v, 33 e 33v, sendo que a embargada foi mais longe e reconheceu outros pagamentos para além destes, ocorridos entre a data do preenchimento da livrança e a data de interposição da execução, que abateu ao montante inscrito na livrança. Dai ter peticionado a quantia de € 5664.45. Note-se que, nem a embargada nem a testemunha E…, seu companheiro, e que efetuou o pagamento de fls. 27v, provaram a ocorrência de qualquer outro pagamento, para alem dos reconhecidos pela embargada.”
A Recorrente pugna pela não prova do segmento daquele ponto 11 em que se diz que os pagamentos ali referidosforam abatidos ao montante inscrito na livrança tendo por referência a quantia peticionada na execução.
Baseia-se para tal também nos depoimentos prestados pela embargante em sede de declarações de parte e pela testemunha E…, cujos excertos que considera pertinentes transcreve, fazendo notar que aquela testemunha disse que para além do pagamento através do cheque de 1592,76 euros, junto a fls. 27-v, onde no seu verso se refere que foi para pagamento das prestações entre Março e Agosto de 2007, ainda foi efectuado o pagamento de mais cinco ou seis prestações, e refere também os documentos (carta e cópia de cheque no montante de 796,08 euros) juntos a fls. 33 e 33-v, sendo que, no seu entender, dizendo-se na carta de fls. 33 que se está apagar com o cheque junto as prestações de Março, Abril e Maio de 2006, tal significa que para trás estava tudo liquidado.
Pelo meio, referindo-se ao raciocínio da Sra. Juíza de que 32 prestações em dívida em Janeiro ascendiam a € 8.491,52, contrapôs que tal raciocínio está errado pois tal corresponderia não àquela quantia mas à quantia de 7.563,52 euros, referindo ainda, com base no depoimento daquela testemunha, que não podia dever a quantia de 9.124,94 euros por referência a Janeiro de 2006, pois o capital em dívida nessa altura corresponderia a sensivelmente 50% do capital mutuado e em 2006 já tinham decorrido 4 anos sobre o momento da celebração do contrato (transcreve até tal depoimento, onde a testemunha, perante a carta de fls. 36-v, diz “Aliás, até aqui diz capital em dívida 6000 €, não poderia ser, então o crédito eram 13.000 €, isto aqui são praticamente 50% do crédito”).
Analisemos tudo isto, tendo em conta todos os dados que, de forma segura, se devem ter como provados.
Desde logo, há que fazer dois reparos à Recorrente: em primeiro lugar, a quantia de € 8.491,52 referida pela Sra. Juíza como correspondente a 32 prestações (de 265,32 € cada) está rigorosamente correcta, pois 32 x 265,36 € = 8.491,52 €; em segundo lugar, como decorre do teor do contrato, junto a fls. 60, em Janeiro de 2006 tinham decorrido 3 anos e 8 meses sobre a sua celebração (foi celebrado em Maio de 2002), 3 anos e 6 meses sobre a data da primeira prestação (esta venceu-se em Julho de 2002) e o valor total das 72 prestações (quantia mutuada de 12.918,87 € e juros à taxa contratada), ascendia a 19.105,95 €, muito mais portanto que os “13.000 €” referidos pela testemunha em que a Recorrente baseia o raciocínio que acima se aludiu.
De resto, considerando que as 72 prestações correspondem a 6 anos e que em Janeiro de 2006 tinham decorrido 3 anos e 6 meses sobre a data de vencimento da primeira prestação, a quantia global que na carta de fls. 36-v (documento igual ao que consta de fls. 63-v) se refere estar em dívida (9.124,94 €) – ainda para mais englobando-se na mesma juros de mora no montante de 115,24 €, despesas de cobrança judicial e extrajudicial no montante de 1385,21 € e outras despesas no montante de 107,69 €, como nela também referido – é perfeitamente compatível com as prestações que ainda faltariam pagar (correspondentes, pelo menos, a 2 anos e 6 meses, e portanto a 30 prestações, as quais, em singelo, ascendem ao valor de 7.960,80 €).
Apreciemos agora se resulta ou não ter sido feita prova de que os pagamentos aludidos naquele ponto 11 dos factos provados foram tidos em conta por correlação com o montante inscrito na livrança e com a quantia peticionada na execução.
Dos documentos juntos aos autos que comprovam pagamentos, temos os já referidos cheques de 1592,76 euros, junto a fls. 27-v e datado de 18/11/2007, e de 796,08 euros, junto a fls. 33-v e datado de 8/8/2006.
Mais nenhum outro.
Tais documentos, como até já especialmente se fez notar aquando do tratamento da primeira questão enunciada, foram juntos pela própria embargada, pois a embargante, por si, não juntou nunca aos autos um qualquer documento comprovativo de um qualquer pagamento relativo ao contrato de mútuo dos autos.
Relativamente a pagamentos de quaisquer outras quantias, apenas temos a própria embargada a assumir, no seu requerimento constante de fls. 71 – que se analisou aquando do tratamento da primeira questão enunciada e sobre o qual se concluiu ser de considerar resposta cabal ao que lhe foi solicitado pelo tribunal pelo despacho de 25/9/2019 –, a par das quantias tituladas por aqueles cheques, ainda o recebimento da quantia de 265,36 euros em 11/4/2007 e ainda de uma outra quantia de 949,68 euros, tudo no montante global de 3.603,88 €.
Mais nenhum outro pagamento, de uma qualquer outra quantia, se provou, pois não obstante a embargante e a testemunha acima referida, nos seus depoimentos, terem aludido a pagamentos, que eram feitos por cheque ou transferência bancária ou até por crédito em conta (referiu-se a este último modo de fazer a testemunha), nenhum documento comprovativo dos mesmos (nomeadamente dos “talvez mais meia dúzia” de prestações referido pela testemunha E…) foi junto aos autos.
Ora, como nos parece óbvio, só se poderiam dar como provados outros eventuais pagamentos caso houvesse documentação dos mesmos, sendo de referir sobre isto que, se tais pagamentos eram feitos como referido pela embargante e pela testemunha, não era nada difícil juntar os extractos bancários, os talões de depósito e/ou os comprovativos de transferência bancária que os pudessem provar…
Deste modo, sendo aqueles os únicos pagamentos que ocorreram (os titulados por aqueles cheques, que os documentam, e os restantes porque a própria exequente/embargada assumiu terem ocorrido) e tendo os mesmos ocorrido posteriormente ao preenchimento da livrança e à data de vencimento nela aposta, é óbvio que os respectivos montantes não podiam ser descontados ao próprio montante já inscrito, pois quando foram efectuados tais pagamentos já tal montante inscrito ali constava.
Restava por isso, no requerimento executivo, descontar à quantia constante do título tais pagamentos entretanto efectuados.
E foi o que a exequente/embargada fez: como consta do requerimento executivo, no campo “Liquidação da obrigação”, é ali referido que a livrança tem o montante de € 9.124,94 mas é “apenas válida” por € 5.521,06 (note-se que esta quantia corresponde exactamente ao desconto daquela quantia global de 3.603,88 € ao montante inscrito na livrança: 9.124,94 – 3.603,88 = 5521,06) e para além de tal quantia apenas se liquidam juros de mora entre a data de vencimento da livrança e a data da propositura da execução no montante de € 143,40, do que resulta a quantia exequenda total ali indicada de € 5.664,45 (5521,06+143,40=5664,46).
Como tal, não resultando feita nenhuma prova em contrário ou em sentido diferente do que ali consta, é de manter o que se mostra provado sob aquele ponto 11 ora em análise, embora se tenha por adequado também concretizar ali os pagamentos das quantias de 265,36 euros e de 949,68 euros que a embargada reconheceu.
Assim, tal ponto 11, no qual se corrige também o último algarismo dos cêntimos da quantia final nele referida (pois a quantia exequenda indicada é de € 5564,45 e não de € 5564,46), passará a ter a seguinte redacção:
“Todavia, entre a data do seu vencimento a 24/01/2006 e a data da interposição do requerimento executivo a 05/12/2007, a embargante procedeu ao pagamento de quantias por conta do contrato acima mencionado, nomeadamente das quantias de € 265,36, € 949,68, € 1592,76 e € 796,08, pagamentos esses abatidos ao montante inscrito na livrança, peticionando assim a exequente na execução o montante de € 5564,45.”
Passemos agora para a alínea d) dos factos não provados.
Defende a Recorrente, quanto a ela, que deve ser dado como provada “Toda a matéria dos artigos 99º a 105º da petição de embargos”.
Compulsados tais artigos da petição inicial, os mesmos aludem a contactos (aparentemente telefónicos) alegadamente efectuados, “volvidos alguns meses, mas ainda dentro do ano de 2006” (como no artigo 98º se começa por dizer), entre a embargante e a exequente inicial no sentido de obtenção junto desta de documento sobre o valor em dívida, a par da alegação de que não conseguiu obter dela resposta ao solicitado.
Tal matéria – considerando que o que se questiona nos embargos é a exequibilidade da livrança referida nos autos e o seu preenchimento por referência ao contrato de mútuo que lhe subjaz – não tem qualquer relevo para a discussão da causa, pois a mesma, ainda que se viesse a considerar provada, é absolutamente inócua para servir de base a qualquer solução jurídica que se possa perfilhar sobre as questões em discussão.
Sendo irrelevante tal factualidade para a apreciação do mérito da causa, e a fim de não se praticar actos inúteis no processo (o que sob o art. 130º do CPC até se proíbe), não há que conhecer da impugnação deduzida sobre a mesma [no sentido de quando está em causa factualidade sem qualquer relevo efectivo do ponto de vista jurídico para a decisão da causa, o tribunal da Relação deve, quanto a ela, abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe de antemão ser inconsequente ou inútil, vide António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, Almedina, 2008, págs. 285 e 286; no mesmo sentido, vide, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 5/11/2018 (proc. nº 3737/13.0TBSTS.P1, relator Jorge Seabra), os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24/4/2012 (proc. nº219/10.6T2VGS.C1, relator Beça Pereira) e de 27/5/2014 (proc. nº1024/12.0T2AVR.C1, relator Moreira do Carmo), todos estes disponíveis em www.dgsi.pt, e ainda o Acórdão do STJ de 23/1/2020 (proc. 4172/16.4TFNC.L1.S1, relator Manuel Tomé Soares Gomes), in CJ, Acórdãos do STJ, ano XXVII, tomo I/2020, págs. 13/16].
Assim, mantém-se o conteúdo daquela alínea d) dos factos não provados.
Debrucemo-nos agora sobre os segmentos factuais que a Recorrente pretende aditar à matéria de facto provada que acima se referiram (e que constam da conclusão 47 do recurso).
Como já se considerou na sequência da análise probatória a que se procedeu relativamente ao ponto 11 dos factos provados, o cheque em causa (de 1.592,76 euros, emitido em 18/11/2007) integra um pagamento de quantia por conta das prestações em dívida relativas ao contrato de mútuo e o montante do mesmo foi já tido em conta em sede de cálculo da quantia exequenda.
Assim, é manifesta a improcedência de tal pretensão.
Finalmente, passemos para a pretensão da Recorrente no sentido de ser aditada à matéria de facto não provada o segmento factual “A Embargante foi elucidada e esclarecida das cláusulas contratuais gerais apostas no contrato de crédito em mérito e das consequências, acaso viesse a incorrer em incumprimento (cfr. arts. 68.º e 74.º da petição de embargos e arts. 6.º a 14.º do requerimento de ref.ª 32897087, de 03/07/2019)”.
Tal matéria, além de manifestamente conclusiva, não foi sequer alegada em tais termos pela embargante, nem na sua petição de embargos nem sequer no seu requerimento de 3/7/2019 (o relevo deste requerimento, nomeadamente quanto à questão da invocação da nulidade da cláusula 5ª do contrato de mútuo por via do regime das cláusulas contratuais gerais, será analisado aquando do tratamento da questão seguinte).
Ora, a factualidade a ter em conta na acção, salvo os casos previstos nas alíneas do nº2 do art. 5º do CPC (e este segmento de factualidade não se integra em nenhum de tais casos), é a alegada nos articulados – pois é com o que nestas peças processuais se diz que se conformam os fundamentos fácticos da acção e da defesa – e não a eventualmente referida ou interpretada por via dos depoimentos prestados em audiência de julgamento.
Os depoimentos (assim como os documentos que se juntam aos autos atinentes à factualidade em discussão) são elementos probatórios do alegado (servem para a sua prova ou não prova) mas não são, por si só, fonte de matéria nova.
Como tal, independentemente dos conteúdos dos depoimentos prestados em audiência pela embargante e pela testemunha por si arrolada (únicos depoimentos prestados em sede de julgamento) e do relevo que lhes possa ser dado, porque o segmento factual pretendido não integra factualidade alegada, é desde logo de fazer improceder a pretensão em análise.
Porém, ainda em sede de alguma atinência com tal pretensão, não podemos deixar de dizer o seguinte: naquele requerimento de 3/7/2019, a embargante alega, sob os nºs 6 e 7, que “nunca teve conhecimento das condições gerais e específicas do contrato que celebrou com a Embargada,” “pois nunca lhe foi fornecida qualquer cópia, apenas delas tendo conhecimento com o douto requerimento de resposta” (sublinhado nosso)
Ora, tais afirmações resultam claramente comprometidas, mesmo seriamente comprometidas, face ao teor do depoimento da testemunha E…, companheiro da embargante e pessoa que estava com ela aquando da assinatura do contrato, pois este, a perguntas da mandatária da embargada, disse bem claramente (referindo-se à embargante e a si e reportando-se ao momento de tal assinatura do contrato), aos minutos 26:18 a 26:23 do seu depoimento, “ficámos com uma cópia do contrato, mas nunca se ligou àquilo”.
Fica esta nota, da qual decorre que, quanto a tal ponto, se pode dizer que alguma “cegueira” argumentativa faz roçar a embargante a litigância de má-fé.
Face ao decidido anteriormente em sede de impugnação da matéria de facto, é a seguinte a matéria de facto a ter em conta (a referida na sentença recorrida, com as alterações por nós decididas quanto aos pontos 9, 10 e 11): Factos provados:
1) O titulo que serve de base à execução é o documento junto aos autos de execução a fls. 4, cujo teor se dá aqui por reproduzido no qual consta, no qual consta no local destinado ao local e à data da emissão, Porto 02-06-07; Importância € 9.124,94; Vencimento 2006-01-24; Valor Contrato de Mútuo nº………/ver …..; e ainda os seguintes dizeres “no seu vencimento pagarei (emos) por esta única via de livrança à D1…, SA, .. ou à sua ordem, a quantia de nove mil cento e vinte e quatro euros e noventa e quatro cêntimos.
No campo nome e morada dos subscritores C…, Rua …, .., 2 traseiras, …. … E no local destinado à assinatura dos subscritores uma assinatura com os dizeres C…, que foi aposta na livrança pelo próprio punho da embargante.
2) No requerimento executivo, é invocado pela exequente, no campo Liquidação da obrigação, o seguinte: Livrança subscrita pelo montante de € 9.124,94 mas apenas válida por € 5.521,06. Juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 24.01.2006 até 05.12.2007: € 143,40. Total: € 5.664,45.
3) A livrança referida em 1. foi entregue à exequente “em branco” estando preenchida apenas do campo destinado às assinaturas, e com a assinatura da Opoente.
4) Todos os demais campos da livrança, foram preenchidos ulteriormente pela exequente.
5) A livrança em causa nos autos foi subscrita na sequência do contrato de mútuo n.º …….., celebrado, em Maio de 2002 entre a primitiva Exequente e a Opoente, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 60 e cujo teor das respetivas cláusulas que se dão aqui por reproduzido.
6) E essa livrança foi entregue à primitiva Exequente para garantir o cumprimento desse contrato referido em 5) e quando da celebração desse contrato.
7) O referido contrato de crédito destinou-se à executada/embargante adquirir um veículo de marca Opel, modelo …, de matrícula ..-..-RP e cor cinzento, no estado de seminovo, e pelo preço de € 12.500,00.
8) Nos termos desse contrato de credito, foi mutuado à embargada o capital de € 12.818,87, a ser reembolsado em 72 prestações mensais, no montante cada uma de € 265,36, vencendo-se a primeira em 5.7.2002 a ultima em 9.6.2008
9) No mesmo contrato supra referido, as partes (a embargada e a executada/embargante), convencionaram sob a cláusula 5ª do mesmo, com a epígrafe “Livrança e Convenção de Preenchimento” o seguinte:
“1 - A Primeira Contraente poderá exigir do(s) Segundo(s) Contraente (s) a entrega de uma livrança em branco subscrita pelo(s) Segundo(s) Contraente(s) e avalizada pelo(s) Terceiro(s) Contraente(s), com a função de garantia do cumprimento de todas as obrigações emergentes do presente contrato para o(s) Segundo(s) Contraente(s).
2 – O(s) Segundo(s) Contraente(s) autoriza(m) expressamente a Primeira Contraente a preencher a livrança em branco por si subscrita nesta data, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e ao seu montante, até ao limite das responsabilidades por si assumidas e não pagas.”
10) Em Janeiro de 2006 a embargante deixou de cumprir com as prestações acordadas no âmbito do contrato acima referido, pelo que a exequente preencheu a livrança pelo montante de € 9.124, 94, e apôs-lhe como data de vencimento 24.1.2006.
11) Todavia, entre a data do seu vencimento a 24/01/2006 e a data da interposição do requerimento executivo a 05/12/2007, a embargante procedeu ao pagamento de quantias por conta do contrato acima mencionado, nomeadamente das quantias de € 265,36, € 949,68, € 1592,76 e € 796,08, pagamentos esses abatidos ao montante inscrito na livrança, peticionando assim a exequente na execução o montante de € 5564,45.
*
Factos não provados:
a) Quando da compra do veículo Opel … a embargante/executada procedeu à liquidação da quantia de € 3.500,00 directamente ao vendedor e a título de desembolso inicial, pelo que o capital mutuado pela primitiva exequente à embargada foi de € 9.000,00;
b) Que o capital mutuado seria reembolsado em 48 prestações, no valor cada uma de € 250,00;
c) Que em Janeiro de 2006 o referido contrato de mútuo estava a chegar ao ser termo;
d) Toda a matéria invocada nos artigos 95.º a 105.º da petição de embargos;
e) Que na data de vencimento da livrança, a opoente havia pago a totalidade das prestações devidas pelo contrato subjacente à emissão da livrança em causa.
*
Vamos agora à questão enunciada sob a alínea c).
Esta, como acima se enunciou, tem a ver com invocação da nulidade da cláusula contratual relativa ao pacto de preenchimento da livrança por via da violação do regime das cláusulas contratuais gerais.
Ao contrário do afirmado pela Recorrente (motivação e conclusão 49 do recurso), a nulidade daquela cláusula do contrato (a 5ª) não foi alegada na sua petição de embargos, designadamente (como aquela pretende) sob os seus artigos 68º e 74º.
Nesta peça, depois de no artigo 67º se alegar “não foi junto aos autos qualquer pacto de preenchimento”, alega-se sob o artigo 68º (numa redacção até algo incompreensível, pois contraditória nos seus termos) que “mesmo que tal pacto exista, o mesmo não foi junto e do mesmo não resulta, em que condições, pode ser efectuado o preenchimento da livrança dada à execução, motivo pelo qual o mesmo vai impugnado para os devidos efeitos legais” e alega-se depois sob o artigo 74º “descendo ao caso dos autos, inexistindo qualquer pacto de preenchimento e a existir não tendo o mesmo sido explicado à Executada, faz com que a livrança seja nula, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais”.
Como dali se vê, a embargante invocou a inexistência de pacto de preenchimento e a nulidade da livrança, nunca ali aludindo – em nenhum ponto de toda a petição – a uma qualquer nulidade do pacto de preenchimento, nomeadamente por via do regime das cláusulas contratuais gerais.
Por outro lado, ainda que se quisesse dar algum aproveitamento à expressão “e a existir não tendo o mesmo sido explicado” constante do artigo 74º, como referindo-se a uma qualquer deficiente comunicação dos termos do contrato à embargante, tal expressão, porque absolutamente conclusiva e vaga [note-se que é um mero juízo da embargante para um facto – a existência de pacto – que ela própria põe como mera hipótese (ao dizer “e a existir”)], não pode manifestamente servir como uma qualquer alegação de factualidade concreta ou de questão que contenda com o regime das cláusulas contratuais gerais.
Conclui-se pois que a nulidade do pacto de preenchimento da livrança, por via daquele regime, não foi alegada na petição de embargos.
Tal questão só veio a ser levantada pela embargante no seu requerimento de 3/7/2019 (a fls. 66 e 67 dos autos), já depois de proferido o despacho saneador e aproveitando uma pronúncia quanto a documentos juntos pela embargada.
É em tal requerimento que, entre os seus números 6 e 14, a embargante alega a nulidade da cláusula 5ª do contrato que subscreveu, referindo genericamente o regime das cláusulas contratuais gerais (DL 446/85, de 25/10) e sustentando tal nulidade na alegação de nunca ter recebido cópia do contrato de mútuo e de dele apenas ter tido conhecimento com a sua junção aos autos (nºs 6, 7 e 13).
Portanto, a nulidade do pacto de preenchimento da livrança, posta naqueles termos, só ali foi invocada, e não foi invocada na petição de embargos.
Como escreve Rui Pinto, em “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, 2013, pág. 427, referindo-se à petição de embargos, “a petição de oposição constitui o momento oportuno para deduzir toda a defesa”.
A não dedução daquela alegada nulidade na petição inicial de embargos, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação de factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, faz precludir o direito de a invocar (neste sentido, vide José Lebre de Freitas, “A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª edição, pág. 217).
Como tal, porque não invocada naquela peça, não há que conhecer daquela referida nulidade.
Por sua vez, uma vez que não se conhece de tal questão, fica prejudicada a apreciação da questão da aplicação da figura do abuso de direito por parte do tribunal de primeira instância em relação à invocação da nulidade da cláusula 5ª do contrato (conclusões 69 a 75).
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Passemos para a questão enunciada sob a alínea d).
O preenchimento abusivo da livrança dada à execução é invocado por duas vias: por via do não cumprimento, por parte da embargada, da obrigação de comunicação do incumprimento definitivo do contrato, tudo nos termos constantes da cláusula 10ª do contrato (conclusões 77 a 82); e por via de no preenchimento da livrança não se ter tido em conta o cheque de fls. 27-v (conclusão 85).
O pacto de preenchimento da livrança que foi entregue (nos termos referidos sob os números 3 e 5 dos factos provados) consta da cláusula 5ª do contrato de mútuo que lhe subjaz, em que figura como segundo contraente a embargante.
O seu teor é o seguinte (nº9 dos factos provados):
“1 - A Primeira Contraente poderá exigir do(s) Segundo(s) Contraente (s) a entrega de uma livrança em branco subscrita pelo(s) Segundo(s) Contraente(s) e avalizada pelo(s) Terceiro(s) Contraente(s), com a função de garantia do cumprimento de todas as obrigações emergentes do presente contrato para o(s) Segundo(s) Contraente(s). 2 – O(s) Segundo(s) Contraente(s) autoriza(m) expressamente a Primeira Contraente a preencher a livrança em branco por si subscrita nesta data, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e ao seu montante, até ao limite das responsabilidades por si assumidas e não pagas.”
Mesmo que tal cláusula não existisse ou fosse excluída daquele contrato – nomeadamente, por exemplo, por via da previsão do art. 8º a) do Dec.Lei 446/85 de 25/10 (cláusulas contratuais gerais) e na sequência de se ter vindo a concluir que a mesma não foi devidamente comunicada ao contraente dela destinatário (como esboçou pretender a embargante, embora em momento processual em que, como se viu, já tinha precludido o direito de o fazer) – não deixava de haver pacto de preenchimento: na verdade, como é sabido, formalizado ou não, expresso ou tácito, a emissão de um título de crédito em branco necessariamente implica um acordo de preenchimento (como se escreve no Acórdão desta mesma Relação de 29/6/2015, no proc. 549/13.5TBGDM-A.P1, rel. Manuel Domingos Fernandes, disponível em www.dgsi.pt), acordo esse que pode, por isso, ser meramente oral/informal ou porventura tão só implícito (como se escreve no Acórdão da Relação de Coimbra de 18/12/2013, no proc. 1445/11.6TBCBR-A.C1, rel. Barateiro Martins, também citado na decisão recorrido e igualmente disponível em www.dgsi.pt).
Deste modo, ainda que não haja ou não se possa contar com um pacto de preenchimento escrito, a simples subscrição da livrança e a sua entrega leva a que o credor cambiário a possa vir a preencher nos termos que entenda terem sido os acordados (daquela forma tácita, meramente oral ou tão só implícita que se aludiu), competindo sempre ao subscritor daquele título – no caso, a embargante –, para se concluir pelo seu preenchimento abusivo, o ónus de provar que houve desrespeito por aquele acordo, qualquer que fosse o seu conteúdo [no sentido de que o preenchimento abusivo, como excepção peremptória, é do ónus da prova do obrigado pelo título, vide, designadamente, o Acórdão do STJ de 10/12/2019 (proc. nº814/17.2T8MAI-A.P1.S2; rel. Maria do Rosário Morgado), em cujo texto se escreve, relativamente à inobservância do acordo de preenchimento, que “invocada essa excepção, em processo de embargos, o respectivo ónus da prova impende sobre o embargante”, e o Acórdão desta mesma Relação de 10/10/2019 (proc. nº11901/18.0T8PRT-A.P1; rel. Aristides Rodrigues de Almeida), em que se escreve que “cabe ao executado o ónus de alegar e provar os factos integradores da concreta excepção de preenchimento abusivo que consubstancia a sua oposição à execução”; ambos os arestos estão disponíveis em www.dgsi.pt].
Assente que há pacto de preenchimento escrito previsto naquela cláusula 5ª do contrato, mas também que sempre o haveria, como se explicou, ainda que tal cláusula não existisse, resta agora saber do relevo da articulação da cláusula 10ª do contrato com o preenchimento da livrança.
Diz-se em tal cláusula 10ª (que aqui respigamos por via de sob o nº 5 dos factos provados se terem dado como reproduzidas todas as cláusulas do contrato em referência), sob a epígrafe “incumprimento definitivo” e sob os seus nºs 1 e 2, que são os que interessam para a questão em análise, o seguinte:
“1. O incumprimento por parte do(s) Segundo(s) Contraente(s) de qualquer obrigação emergente do presente contrato, designadamente a falta de pagamento de alguma das suas prestações, importa a possibilidade da Primeira Contraente exigir a totalidade do seu crédito, considerando-se imediatamente vencidas todas as demais prestações. 2. A situação descrita no número anterior depende de comunicação escrita da Primeira Contraente, com indicação expressa da intenção de exigibilidade de todo o seu crédito, através de carta registada com aviso de recepção para a morada do(s) Segundo(s) Contraente(s) constante das Condições Particulares.”
A Recorrente defende que, face à previsão do nº2 de tal cláusula, a exequente deveria ter comunicado à executada o incumprimento desta por carta registada com aviso de recepção e que, não se tendo provado que tal tenha feito, é de concluir que não ocorreu o facto gerador do incumprimento definitivo que legitimasse a exequente a preencher a livrança.
Mas não se lhe pode reconhecer razão.
Uma coisa é a interpelação com vista a concluir-se pelo incumprimento definitivo do contrato e a concomitante definição do montante do crédito em dívida, que é o que está previsto naquela cláusula 10ª.
Outra coisa é o preenchimento e posterior accionamento da livrança, como título cartular, que tem autonomia relativamente à relação subjacente e foi entregue para garantia das responsabilidades decorrentes do contrato.
Ora, a livrança só tem que ser preenchida de acordo com o respectivo pacto de preenchimento e, caso este pacto não exija a comunicação do facto legitimador de tal preenchimento (no caso, o não pagamento de quantias contratualmente devidas), a ausência de tal comunicação não determina que o preenchimento seja abusivo e apenas tem como efeito que a obrigação nela assumida apenas se vence e se torna exigível com a citação para a execução fundada naquele título [neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do STJ de 24/10/2019 (proc. nº295/14.2TBSCR-A.L1.S1; rel. Nuno Pinto Oliveira), de 8/10/2020 (proc. nº4410/16.3T8VNF-B.G1.S1; rel. Nuno Pinto Oliveira) e de 21/10/2020 (proc. nº1384/14.9TBGMR-A.G1.S1; rel. Fernando Samões), todos disponíveis em www.dgsi.pt].
É exactamente o que acontece no caso vertente.
Uma vez que na cláusula 5ª do contrato, onde consta o pacto de preenchimento, não se exige a prévia comunicação do facto legitimador do preenchimento, desta não comunicação – que realmente não resulta como efectivamente provada nos autos – não resulta qualquer preenchimento abusivo, mas tão só que a obrigação assumida na livrança apenas se vence e se torna exigível com a citação para a execução (como aliás, neste sentido, se acaba por referir na sentença recorrida, quando ali se diz: “Todavia, a embargante só tomou conhecimento da livrança em causa em 28.1.2019, quando foi interpelada para os termos da execução. Assim, só a partir desta data se vencem os juros de mora.”).
Resta agora apurar se há preenchimento abusivo por via de no montante da livrança não se ter tido em conta o pagamento da quantia titulada pelo cheque junto a fls. 27-v, no montante de 1.592,76 euros.
Esta questão acaba por já ter sido abordada em sede de impugnação da matéria de facto, quando da análise do ponto 11 dos factos provados.
Aquele cheque foi emitido em 18/11/2007. Na livrança foi aposta a data de vencimento de 24/1/2006, tendo por isso sido preenchida, pelo menos, nesta mesma data ou em data anterior a esta.
Ora, tendo aquele pagamento ocorrido posteriormente (cerca de 1 ano e mais de 9 meses depois) ao preenchimento da livrança e à data de vencimento nela aposta, é óbvio que o respectivo montante não podia ser descontado ao próprio montante já inscrito, pois quando o seu pagamento foi efectuado já tal montante inscrito ali constava.
Portanto, não há por esta via qualquer preenchimento abusivo, sendo que, por outro lado, o pagamento daquela quantia foi devidamente acautelado na execução, pois, como resulta provado sob o ponto 11 dos factos provados, foi no requerimento executivo descontado à quantia inscrita na livrança.
Face ao que se veio de analisar e decidir anteriormente, é de concluir pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.
As custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente, que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Porto, 12/7/2021
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim