OPOSIÇÃO À PENHORA
REALIZAÇÃO DA PENHORA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Sumário

I - Não sendo a posição jurídica do credor absoluta, a agressão do património do executado só é licita se proporcional, por necessária, e adequada, por eficiente à satisfação da pretensão do exequente, podendo penhora, desproporcional quanto à extensão com que foi realizada, ser impugnada pelo executado em incidente de oposição à penhora (cf. artigo 784º, nº1, al. a)).
II - O princípio da proporcionalidade e o princípio da adequação, a nortearem a ordem de realização da penhora e a sua extensão, consubstanciam o uso de poderes vinculados, não discricionários (cfr. nº1 e 2, do art. 751º, do CPC), sendo ilícita a prática de penhoras excessivas (v. nº3, do art. 735º, do CPC) e de penhoras desadequadas ao escopo da execução (art. 130º, de tal diploma legal).
III - Não é excessiva, antes necessária, penhora de bem imóvel de valor superior ao crédito exequendo (este superior a 15.000 €) caso o mesmo seja o único bem, penhorável, conhecido ao executado ou exista, apenas, penhora de montante ínfimo no salário daquele, mormente quando sobre aquele incidam duas hipotecas, anteriormente registadas, para garantia de créditos de valor superior ao seu valor patrimonial;
IV - Tal penhora é, contudo, ilegal, nas circunstâncias do caso, por ofender os princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição de atos inúteis dado que, desestabilizando a situação económica da executada, não serve para realizar o direito à execução, pois que, num juízo de prognose, previsivelmente, nada vai permitir obter para satisfazer o direito do exequente, antes o produto da venda, esta, também, até, com as inerentes demoras e despesas, será consumido nas custas, a sair precípuas, e no pagamento dos créditos hipotecários, em cumprimento, graduados antes do crédito exequendo.

Texto Integral

Apelação nº 9758/15.1 T8PRT-A.P1[1]

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto[2]
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
.............................................................
.............................................................
.............................................................
*
I. RELATÓRIO

Recorrente: a exequente , B…, S.A.
Recorrida: a executada, C…

C…, executada na ação executiva proposta pela exequente B..., S.A.. veio deduzir oposição à penhora do imóvel, pedindo o levantamento da mesma, alegando, para tanto, que:
i) a penhora do imóvel é excessiva, pois que foi, também, penhorado o seu salário - no montante médio mensal de 80,00€ a 100,00€, desde 2018, o que perfaz já, aproximadamente, o montante de 2.000,00€;
ii) ofende o princípio da proporcionalidade da penhora, pois o valor atribuído ao imóvel (valor patrimonial do mesmo, que é sempre inferior ao valor de mercado) é de 97.602,42€, sendo muito superior ao crédito exequendo – dívida exequenda e despesas prováveis do processo (17.178,57€).
iii) a manutenção da penhora para efeitos de venda judicial do imóvel que lhe serve de habitação constituiria um dano inutilmente gravoso, pois recaindo sobre o imóvel duas hipotecas, com registo anterior à penhora, a probabilidade do exequente obter a satisfação do seu crédito, por meio da venda judicial, é diminuta, sendo que se trata da casa de morada de família e a executada está a cumprir os créditos garantidos pelas hipotecas com registo anterior à penhora, sendo que a venda judicial do imóvel constituiria um dano excessivamente gravoso, que não se traduziria num ganho efetivo para o exequente, havendo, assim, violação do princípio da proporcionalidade (art. 751º, nº2, 2ª parte, do CPC), sendo que os descontos estão a ser efetuados no seu vencimento.
*
O exequente contestou a oposição pretendendo seja julgada improcedente e sejam mantidas as penhoras efetuadas, sustentando que com o levantamento da penhora do imóvel a executada visa impedir ou, pelo menos, protelar, o cumprimento das obrigações que assumiu, não se verificando excesso de penhora, pois demonstrada está a não suficiência do imóvel para pagamento da dívida, dado que sobre o imóvel recaem duas hipotecas.
*
Foi proferido despacho a “julgar procedente, por provada, a oposição à penhora deduzida pela executada C contra a exequente «B…, S.A.», determinando-se, em consequência, o cancelamento e levantamento da penhora da fração”, com “Custas pela exequente (cf. artigo 527º, n.°1, do Código de Processo Civil)”.
*
A exequente apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão recorrida, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
………………………………
……………………………….
……………………………….
*
Não foram apresentadas contra alegações.
*
Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
*
II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Da legalidade da penhora do imóvel: se, tendo havido, já, penhora de vencimento e estando a ser realizados descontos mensais, é admissível, por proporcional e adequada aos fins da execução, a penhora do imóvel que constitui habitação própria e permanente da executada.
*
II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a decisão do presente incidente de oposição à penhora, resultaram provados os seguintes factos:
1. A exequente «B…, S.A.» intentou a presente ação executiva contra a executada C…, dando à execução uma livrança no valor de €15.473,40 (quinze mil, quatrocentos e setenta e três euros e quarenta cêntimos), subscrita pela sociedade «D… Unipessoal, Lda.» e avalizada pela executada.
2. No âmbito da ação executiva de que estes autos são apenso, a Sra. Agente de Execução, após ter procedido às diligências prévias previstas no artigo 749.° do Código de Processo Civil, procedeu à penhora, em 6 de outubro de 2015, do valor mobiliário registado na CMVM, sob o n° …………….., detido pela executada na entidade bancária denominada E…, no valor de €24,72 (vinte e quatro euros e setenta e dois cêntimos).
3. A Sra. Agente de Execução procedeu à penhora do remanescente do salário mínimo nacional auferido pela executada, elaborando o auto de penhora datado de 23 de outubro de 2017.
4. Em 12 de agosto de 2020 a Sra. Agente de Execução efetuou o registo da penhora da fração autónoma designada pela letra "X", correspondente ao 3.° andar sul do prédio urbano submetido ao regime de propriedade horizontal sito na rua …, n.° .., …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.° 3678 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 8176, que constitui a habitação da executada.
5. No apenso de reclamação de créditos, foram verificados e graduados, à frente do crédito da exequente, os créditos reclamados pela «F…, S.A.», no valor de €57.176,40 (cinquenta e sete mil, cento e setenta e seis euros e quarenta cêntimos), acrescido das comissões, imposto de selo e juros vencidos no montante de €357,82 (trezentos e cinquenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos), e pelo Adelino Antunes da Siva, no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescido de juros vincendos até integral pagamento - cfr. certidão que antecede.
6. Sobre a fração autónoma referida em 4 incidem duas hipotecas a favor dos credores reclamantes mencionados em 5, registadas em 7 de outubro de 2004 e em 7 de março de 2017, respetivamente (cfr. certidão que antecede).
*
Factos não provados
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
*
II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da legalidade da penhora do imóvel, habitação própria e permanente da executada, após penhora do vencimento
Deduziu a executada oposição à penhora do imóvel efetuada nos autos, alegando, em síntese, que aquela se revela excessiva e, por desproporcional, peticiona o seu levantamento, com fundamento na al. a), do nº1, do artigo 784.°, do Código de Processo Civil, que estatui que sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com fundamento na inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou na extensão com que ela foi realizada.
Assim entendendo suceder, julgou o Tribunal a quo procedente a oposição e, em consequência, determinou o levantamento da penhora do imóvel pertencente à executada.
Insurge-se a apelante/exequente contra a decisão recorrida invocando que não estando consagrada ordem de prioridade dos bens sobre os quais deve incidir a penhora, existe, contudo, a orientação que agente de execução deverá penhorar, inicialmente, os bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e que se mostrem adequados ao montante do crédito exequendo (cf. art. 751º, n.º 1 do CPC) e, de igual modo, ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, a penhora de bens imóveis de que o executado seja titular, é admissível, mas, em manifestação do princípio da proporcionalidade, apenas nos casos previstos no n.º 3 do art. 751º do CPC. Sustenta que deveria o Tribunal a quo ter julgado improcedente a oposição à penhora, devendo prosseguir a execução com a manutenção da penhora sobre o imóvel, pois que, sendo exígua a penhora decorrente do vencimento, a mesma faz arrastar indefinidamente o processo até ao Exequente obter o ressarcimento do seu crédito, sendo, portanto, legítima a sua pretensão de obter o pagamento do crédito de forma mais célere e que o princípio da proporcionalidade não pode justificar a não realização coativa da prestação, sustentada no título executivo, ainda que o valor do crédito exequendo seja diminuto.
Ora, certo sendo que a penhora do vencimento é exígua, fazendo arrastar o processo, até ao ressarcimento do crédito, por longos anos, sendo legitima a pretensão do Exequente de assegurar célere recebimento, certo é, também, que, com muito elevada probabilidade, depois de satisfeitos os créditos graduados antes do seu (dos créditos dos credores hipotecários e do precípuo crédito referente às custas do processo), nada restará do produto da venda do imóvel penhorado para dar satisfação, ainda que parcial, ao crédito exequendo.
Dispõe o art. 735º, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência, quanto ao objeto da execução, que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
Apesar disso, o legislador “procurou proteger o executado contra a verificação de eventuais abusos na execução do seu património, impedindo, designadamente, a penhora de bens e/ou direitos de valor manifestamente superior ao necessário ao pagamento da dívida exequenda e demais custas e despesas da execução”[3], consagrando no nº3, do art. 735º o princípio da proporcionalidade quanto à penhora do património do executado.
Assim, não sendo a posição jurídica do credor absoluta, a agressão do património do executado só é licita se proporcional, por necessária, e adequada, por útil e eficaz à satisfação da pretensão do exequente.
Deste modo, estando sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda, nos termos do nº1, do art. 735º, regendo o princípio da garantia real das obrigações, consagrado no artigo 601.° do Código Civil, segundo o qual “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor, sendo conferido ao credor o direito à realização coativa da prestação, mediante execução do seu património, sem embargo das limitações consignadas no direito substantivo (v.g. arts. 602º e 603º, do CC), na legislação processual (arts. 736º a 739º) ou noutros preceitos legais[4], contudo, como bem refere o Tribunal a quo, o n.° 3, do artigo 735.°, consagra o “princípio da proporcionalidade entre a amplitude da quantia exequenda (incluindo despesas previsíveis da previsão) e da penhora, estipulando que «A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.». Todavia, tal como sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 99), na ponderação dessa proporcionalidade deve ser tomada em consideração a circunstância de existirem créditos que virão a beneficiar de melhor graduação preferencial”.
O princípio da proporcionalidade da penhora comporta as exceções consagradas no nº3, do art. 751º, que prevê a possibilidade de penhora ainda que a mesma se não adeque ao montante do crédito exequendo, por se verificar excesso, sendo que “o respeito pela proporcionalidade não deverá inverter a ordem dos interesses que devem ser acautelados, com necessário relevo para quem, pela via judicial procura a satisfação dos seus créditos, o que pode justificar, num primeiro momento, uma maior extensão de penhora sujeita a eventual redução em face da dedução do incidente de oposição à penhora por parte do executado”[5].
A ordem pela qual deve ser realizada a penhora encontra previsão legal no artigo 751.°, do Código de Processo Civil, cabendo ao agente de execução, na escolha e prioridade da realização das penhoras, a sua observância, bem referindo o Tribunal a quo que o n.°1 do citado normativo impõe que a penhora comece pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito exequendo, consagrando-se, assim, “o princípio da adequação ou da eficiência, segundo o qual se deve privilegiar a penhora das posições jurídicas que sejam aptas a proporcionar a satisfação do crédito exequendo da forma mais expedita, sem prejudicar desnecessariamente os interesses patrimoniais do executado. Este princípio, obviamente, deve ser conjugado com o já mencionado princípio da proporcionalidade (vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de fevereiro de 2020, processo n.° 870/13.2 TCLRS- B.L1-8, acessível em www.dgsi.pt).
No caso sub iudice, começou por ser penhorado um valor mobiliário detido pela executada na entidade bancária denominada E…, no valor de €24,72, e, após, procedeu-se à penhora do remanescente do salário mínimo auferido pela executada (23 de outubro de 2017). Sucede que, volvidos cerca de três anos desde esta última data, em 12 de agosto de 2020, a Sra. Agente de Execução penhorou o imóvel que constitui a habitação permanente da executada.
Primeiramente, importa salientar que, constituindo o dito imóvel a habitação permanente da executada, o mesmo só pode ser penhorado:
«a) Em execução de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1ª. instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses;
b) Em execução de valor superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.a instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses.» (cf. artigo 751º., n.° 4, do Código de Processo Civil).
Ora, in casu, a execução tem o valor de € 15 616,88, estando a ser penhorado apenas o remanescente do salário mínimo auferido pela executada, pelo que, feitas as contas, e em abstrato, poderia ser penhorado o imóvel que constitui a sua habitação permanente, ao abrigo do disposto 751.°, n.° 4, do Código de Processo Civil.
Todavia, a Sra. Agente de Execução, após realizar as diligências previstas no artigo 749.° do Código de Processo Civil, cujo resultado consta do histórico eletrónico do processo, pelas quais ficou logo a saber da existência do imóvel em causa nos autos, decidiu penhorar, em primeiro lugar, o salário da executada.
Sucede que, como acima indicado, transcorridos quase três anos desde a penhora do salário, a Sra. Agente de Execução decidiu penhorar o imóvel, procedendo, assim, a um reforço da penhora, o qual está dependente da verificação de algum dos seguintes pressupostos:
i) que o executado requeira ao agente de execução, no prazo da oposição à penhora, a substituição dos bens penhorados por outros que igualmente assegurem os fins da execução, desde que a isso não se oponha o exequente;
ii) quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados;
iii) quando os bens penhorados não sejam livres e o executado tenha outros que o sejam;
iv) quando sejam recebidos embargos de terceiro contra a penhora, ou seja a execução sobre os bens suspensa por oposição a esta deduzida pelo executado;
v) quando o exequente desista da penhora, por sobre os bens penhorados incidir penhora anterior;
vi) quando o devedor subsidiário, não previamente citado, invoque o benefício da excussão prévia. (f. artigo 751.0, n.° 5, do Código de Processo Civil)”.
Entendendo que “o circunstancialismo fáctico que levou a Sra. Agente de Execução a penhorar o salário da executada não se alterou (já era do seu conhecimento a existência do imóvel no património da executada e o salário desta manteve-se sempre no limiar do salário mínimo nacional), pelo que não se pode afirmar que se tornou manifesta a insuficiência de bens daquela. Isto vale por dizer que, se a Sra. Agente de Execução entendia que a penhora do vencimento da executada era insuficiente para o cumprimento do desiderato previsto no artigo 751.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, então deveria abster-se de efetuar essa penhora e proceder desde logo à penhora do imóvel” considera ter a Sra. Agente de Execução ofendido o princípio da proporcionalidade “na medida em que, deixando o imóvel «em carteira», penhorou em primeiro lugar o vencimento da executada que bem sabia ser insuficiente para a satisfação do crédito dentro do mencionado período de tempo (12 meses), para, depois, alicerçada nessa insuficiência, proceder à penhora do imóvel, legitimando por essa via a dupla penhora de bens.
A nosso ver, a referida prática processual não deverá ser admitida, devendo entender-se que a possibilidade de reforço da penhora na previsão do disposto no artigo 751.°, n.° 5, alínea b), do Código de Processo Civil, só poderá ter lugar nos casos em que não era conhecida a existência de outros bens no momento em que a primeira penhora foi realizada”.
Certo é, contudo, que o referido bem não estava, já então, desonerado.
Como sublinha a decisão recorrida, “o imóvel penhorado nos presentes autos (com valor patrimonial de € 97 602,40, como consta do respetivo auto de penhora) está onerado com duas hipotecas constituídas para garantia de dois créditos, um no valor total de €57.534,22 e outro no valor de €50.000,00,verificados e graduados à frente do crédito exequendo (no apenso de reclamação de créditos), sendo previsível que a sua venda em processo de execução pouco ou nada adiante para a satisfação do crédito exequendo, servindo apenas para desmoronar a estabilidade económica do agregado familiar da executada.
Nesta esteira, a jurisprudência vem entendendo que quando resulte dos autos que, consumada a venda dos bens penhorados e realizado o pagamento aos credores reclamantes, nada sobrará para satisfazer o crédito exequendo, deverá obstar-se à penhora do imóvel que constitui a habitação permanente do executado, em virtude de tal diligência se revelar desproporcionada e desadequada.
Num caso similar ao que se nos apresenta, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 18 de junho de 2019, no âmbito do processo n.° 1920/14.0YYLSB-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, que «A penhora deve iniciar-se pelos bens de mais fácil execução, em respeito pelo princípio da adequação (Ari. 751.º n.° 1 do C.P.C.), passando depois para os demais, desde que respeitem os princípios da proporcionalidade e os limites estabelecidos em normas imperativas (Art. 751.º n.°2 do C.P.C.). Finalmente, ainda que não se adeque, por excesso, é admissível a penhora de imóveis ou estabelecimentos comerciais, respeitados que sejam os limites objetivos estabelecidos nas alíneas do n.° 3 do Art. 751.° do C.P.C.. Encontrando-se o crédito do exequente a ser satisfeito pela penhora no vencimento do executado, revela-se excessiva e desproporcionada a penhora do imóvel que serve de casa de habitação do executado, que tem um valor patrimonial muito superior ao da dívida exequenda, custas e encargos prováveis da execução, considerando que esse imóvel tem duas hipotecas com registo anterior à penhora e a probabilidade de o exequente obter qualquer satisfação efetiva do seu crédito pela venda judicial desse bem ser por isso diminuta.».
No mesmo sentido, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de junho de 2017, processo n.° 6331/08, acessível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que «No âmbito de ação executiva, deve ordenar-se o levantamento da penhora sobre um imóvel se for de presumir a insuficiência do valor da respetiva venda para satisfação do crédito exequendo, sem que lhe corresponda, por seu turno, o ajustado e proporcional sacrifício da executada, proprietária do mesmo, e do credor hipotecário reclamante.».
Da mesma forma, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, por acórdão de 6 de abril de 2017, no âmbito do processo n.° 3449.09.0T2SNT-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, que «Havendo lugar à intervenção dos credores do executado - v.g. que sejam titulares de uma garantia real sobre os bens a penhora - o juízo de prognose da proporcionalidade/adequação da penhora de bens onerados deve, também, ser efectuado tendo em conta as causas de preferência no pagamento de que beneficiam os credores reclamantes. Ainda assim, apenas constando dos autos elementos claros, seguros e manifestos que apontem para que, após a venda dos bens penhorados/onerados, e após o pagamento dos credores reclamantes, nenhuma quantia sobrará para liquidação - ainda que parcial - do crédito exequendo, lícito é ao juiz indeferir a requerida penhora com fundamento da respectiva desproporcionalidade/desadequação.».
A propósito do atrás exposto, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (in ob. cit., p. 133), dilucidam que «Isto poderá ser especialmente pertinente quando esteja em causa a penhora de imóvel que constitua a habitação permanente do executado, mas que esteja onerado com hipoteca a favor de terceiro (v.g instituição de crédito que financiou a aquisição), sem que exista uma situação de incumprimento da dívida. Num caso assim, em que, apesar da dívida exequenda, o executado mantém em dia os pagamentos referentes ao crédito hipotecário, essa venda, além de não apresentar qualquer utilidade para o exequente, é suscetível de conduzir a um desfecho desproporcionado, à luz de uma equilibrada composição dos interesses em presença, na medida em que se perspetive que o executado perderá o imóvel onde habitava, sem vantagem alguma para o exequente ou para o credor hipotecário. Neste cenário, não estará afastada a possibilidade de encontrar no ordenamento jurídico uma solução diferente da que resulte da aplicação automática das simples regras sobre a garantia patrimonial dos créditos através da penhora e venda de bens do executado».
Pois bem, no caso em apreço, a ponderação dos valores em confronto permite-nos afirmar que a possibilidade de venda judicial do imóvel que serve de habitação à executada traduzir-se-á num dano excessivamente gravoso para esta, do qual a exequente, muito provavelmente, não iria obter qualquer ganho no que se refere à satisfação efetiva do seu crédito” (negritos e sublinhados nossos).
Bem entendeu o Tribunal a quo e, na verdade, não podendo o princípio da proporcionalidade justificar a não realização coativa da prestação, sustentada no título executivo, ainda que o valor do crédito exequendo seja diminuto, como conclui a apelante, pode originar ilegalidade de penhoras sempre que a extensão das mesmas se não justifique ou quando se venham a revelar insignificantes, inúteis ou, até, mesmo prejudiciais para a realização coativa da prestação, certo sendo que é um princípio geral do direito adjetivo a proibição da prática de atos inúteis, consagrando o art. 130º, do CPC, com a epigrafe “Princípio da limitação dos atos”, que “Não é licito realizar no processo atos inúteis”.
Assim, a atuação do agente de execução (cfr. nº2, do art. 751º) quanto aos bens a penhorar deve pauta-se por:
a) não violar norma imperativa;
b) não ofender o princípio da proporcionalidade da penhora (art. 735º, nº3), que constitui um limite à atuação do agente de execução por a penhora se ter de conter na estrita medida do necessário para fazer face à pretensão do exequente e às previsíveis despesas da execução;
c) não infringir, manifestamente, o princípio da adequação (nº1, do art. 751º).
E ao princípio da proporcionalidade, que implica a formulação de um juízo de prognose do valor do crédito exequendo a ponderar, reportando-se este ao momento em que, previsivelmente, o mesmo virá a ser satisfeito (RL12-5-16, 20516/10), releva o valor de mercado de venda do bem a penhorar, decorrendo das regras da experiência comum que, normalmente, um bem imóvel usado terá um valor inferior ao de aquisição (RG 16-3-17, 202120/14), impendendo sobre o executado o ónus de provar os factos materiais reveladores de eventual excesso de penhora (RC 14-3-17, 97/14)[6].
Começando, nos termos do nº1, do art. 751º, a penhora pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados à satisfação do montante do crédito exequendo, consagra o referido artigo o princípio da adequação ou da eficiência, segundo o qual deve privilegiar-se a penhora das posições jurídicas que sejam aptas a proporcionar a satisfação do crédito exequendo da forma mais expedita, sem prejudicar desnecessariamente os interesses patrimoniais do executado (RL 27-2-20, 870/13)[7].
É necessário encontrar o justo equilíbrio entre o sacrifício do interesse do exequente na satisfação do seu direito em tempo razoável e o interesse do executado em ver o seu património ser onerado no mínimo, útil e indispensável, e, por isso, adequado e proporcional, àquele fim.
A “segunda parte do nº2, do art. 751º ressalva que o agente de execução não deve cumprir a nomeação de bens do exequente que viole norma legal (processual ou substantiva) imperativa (…), ofenda o princípio da proporcionalidade da penhora (cf. artigo 735º nº3) ou infrinja manifestamente o princípio da adequação afirmado no nº1 do próprio artigo 751º.
Esta chamada de atenção da lei para o que, de outro modo, decorre dos princípios gerais, tem o condão de permitir concluir que, no direito vigente, a aferição concreta tanto do princípio da proporcionalidade, como do princípio da adequação consubstanciam o uso de poderes vinculados, não discricionários. Em particular, o segundo princípio pode ser objeto de “ofensa”, como decorre da leitura do nº2, do artigo 751º, in fine – “infringem” – sendo de concluir como ilícita a prática de penhoras desadequadas ao escopo da execução, por força do artigo 130º”, podendo uma penhora desproporcional quanto à extensão com que foi realizada ser impugnada pelo executado em incidente de oposição à penhora (cf. artigo 784º, nº1, al. a))[8] [9].
Apesar de nas circunstâncias do caso reforço da penhora (cfr. nº5, do art.751º) não poder deixar de se justificar, pois que se constata que a importância penhorada e a que está a ser descontada no vencimento da executada é diminuta em face do montante da quantia exequenda, juros e custas prováveis, verificando-se insuficiência de penhora, levando a efetuada ao arrastar, por longos anos, da execução, certo é que, apesar do valor do imóvel, sobre ele incidem duas hipotecas, sendo, ainda, que as custas gozam de precipuidade (art. 541º, do CPC), e sendo os créditos hipotecários, de montante muito superior ao valor patrimonial do imóvel, tal leva a que, no caso, a concreta penhora do imóvel, por razões de adequação, de proporcionalidade e de proibição da prática de atos inúteis, se não possa manter, pois que nenhum interesse tem o exequente, nas circunstâncias atuais do caso, no prosseguimento da execução quanto a tal bem, daí lhe não advindo vantagem ou utilidade para o fim que prossegue na execução, antes a venda executiva do imóvel, habitação própria e permanente da executada, implicaria o desmoronar da existente estabilidade social e económica da executada e nenhuma vantagem de tal penhora advindo para o exequente, pois que o produto da venda do imóvel, esta com custos, nunca reverteria para si, atentos os créditos graduados e a obter pagamento á frente do seu, incluindo o de custas, certo sendo, ainda, que a executada, até, vem a demonstrar esforço, frutífero, no sentido do pagamento de tais créditos.
Assim, o princípio da proporcionalidade, expresso no nº3, do art. 735º, constitui “uma limitação da penhora do agente de execução”, impondo tal preceito “ao agente de execução o dever legal de promover a penhora dos bens na medida do necessário e suficiente para atingir os limites estabelecidos naquela norma”[10] e o da adequação, expresso no nº2, do art. 751º, e mesmo no art. 130º, veda penhoras desadequadas e inúteis ao escopo da execução.
“É dentro do teto dado pela proporcionalidade que o agente de execução deverá procurar penhorar os bens que apresentam maior probabilidade de realizarem uma quantia pecuniária em menor tempo, cumprindo um princípio de adequação do objeto da penhora à realização do direito à execução”[11], traduzindo um “princípio de eficácia”[12].
Os segundos bens a ser penhorados são todos os demais bens que respeitem os princípios da proporcionalidade, da adequação e da legalidade da penhora, nos termos do nº1, do art. 751º.
Sendo in casu admissível a penhora do bem imóvel, como supra se referiu, não se podendo considerar a penhora excessiva se o bem, apesar de ser de valor muito superior ao crédito exequendo, for o único bem penhorável conhecido ao executado[13], é tida por desproporcional, desadequada e inútil à realização do direito à execução uma penhora que, num juízo de prognose, nada vai, previsivelmente, permitir obter para satisfazer o direito do exequente, desestabilizando a situação económica da executada, pois que o produto da venda do mesmo irá, todo ele, ser consumido nas custas, que saem precípuas, e no pagamento dos créditos hipotecários, que estão a ser cumpridos, graduados antes do crédito exequendo.
Assim, embora não excessiva a penhora de bem imóvel de valor muito superior ao crédito exequendo (superior a 15.000,00€) no caso de o mesmo ser o único bem penhorável conhecido à executada, mormente quando sobre ele incidem duas hipotecas, anteriormente registadas, para garantia de créditos de valor muito superior ao seu valor patrimonial, também o não sendo no caso de vir a ser descontado (há cerca de 2 anos), um montante médio inferior a 100€/mês no salário daquela, é, contudo, ilegal, por ofender os princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição de atos inúteis dado que, desestabilizando a situação económica da executada, não serve para realizar o direito à execução, pois que nada vai, previsivelmente, permitir obter para satisfazer o direito do exequente, antes o produto da venda, também com as inerentes demoras e despesas para a sua obtenção, será consumido nas custas (a sair precípuas) e no pagamento dos créditos hipotecários (que estão a ser cumpridos), graduados antes do crédito exequendo, bem tendo sido ordenado o seu levantamento e o cancelamento do registo da mesma.
Destarte, apesar de não traduzir excesso de penhora, a penhora do imóvel, habitação própria e permanente da executada, é, nas circunstâncias atuais do caso, ilegal, por não adequada e útil, sendo desproporcional na agressão do património da executada atenta a desestabilização que gerará, improcedendo, por conseguinte, as conclusões da apelação, devendo a decisão recorrida ser mantida.
*
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
*
Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
*
Porto, 12 de julho de 2021
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
______________
[1] Processo do Juízo de Execução do Porto – Juiz 5
[2] Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério
[3] Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Executivo, 2016, Almedina, pág.283 e seg.
[4] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, p. 99
[5] Ibidem, pág. 99 e seg.
[6] Ibidem, pág. 133
[7] Ibidem, pág. 132
[8] Rui Pinto, A ação executiva, 2018, AAFDL Editora, pág. 539 e seg. [9] Marco Carvalho Gonçalves, idem, pág. 285
[10] Rui Pinto, Idem, pág. 538
[11] Ibidem, pág. 538
[12] Cfr. Ac. RE de 24/5/2007, proc. 732/07-3 (Fernando Bento), v. Rui Pinto, ibidem, nota de rodapé 1599, pág. 538)
[13] Cfr. Ac. RP de 2/2/1999, proc. 9821208 (Emérito Soares), v. Rui Pinto, ibidem, nota de rodapé 1606, pág. 541)