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AUTORIDADE DO CASO JULGADO
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
FALTA DE REGISTO DA AÇÃO
DOAÇÃO
Sumário
I - O registo predial tem natureza não constitutiva, excepção feita à hipoteca (cfr. artigo 687.º CC, e 4.º, n.º 2, CRP), pelo que não dá nem tira direitos. II - Nos termos do artigo 16.º, alínea a), CRP, o registo é nulo quando for falso ou tiver sido lavrado com base em título falso, designadamente quando é feito com base numa certidão judicial que menciona um inexistente trânsito em julgado. III - Não obstante a ação de divisão de coisa comum onde o imóvel vem a ser adjudicado a um dos comproprietários não tenha sido inscrita no registo predial, o registo da doação não confere ao donatário qualquer protecção por se tratar de acto gratuito, razão pela qual, reconhecida a propriedade do ex-comproprietário a quem o imóvel vem a ser adjudicado, o seu direito prevalece sobre o direito do donatário que adquiriu gratuitamente do outro ex-comproprietário que era somente proprietário aparente.
Texto Integral
Apelação n.º 13302/19.3T8PRT.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório
B… e C… intentaram acção declarativa, sob processo comum, contra D…, E… e F…, peticionando que seja reconhecido e declarado o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio identificado em 1º, por via da sua adjudicação ao A. marido no processo da acção especial de divisão de coisa comum ali referido, que seja declarado nulo o registo da aquisição do prédio a favor dos 1.ºs RR. pela AP.3248 de 2016/07/2019 determinando-se o respectivo cancelamento, que seja declarada nula e ineficaz em relação aos AA. a doação a non domino subsequente aquele registo efectuados pelos 1.ºs RR. à 2.ª R., a que corresponde a AP. 11 de 2016/09/04 e, consequentemente, nulo este registo, determinando-se o respectivo cancelamento e que seja determinada a restituição do prédio aos AA. pela 2.ª R..
Alegou para tanto e em síntese que, por sentença transitada em julgado proferida na acção de divisão de coisa comum em que foram AA. os aqui 1.ºs RR. e RR. os aqui AA., que correu termos sob o n.º 923/13.7TBGDM, foi adjudicado ao A. o imóvel descrito no artigo 1.º da petição inicial.
No entanto, não foi possível proceder ao cancelamento da aquisição a favor dos RR. porque entretanto estes doaram tal imóvel à filha/aqui 2.ª R., tendo a Conservatória do Registo Predial recusado tal cancelamento, sendo necessário a presente acção para que se reconheça que os 1.ºs RR. não eram os proprietários desse imóvel quando o doaram à 2.ª R., pois registaram a aquisição com base num título de transmissão que ainda não havia transitado em julgado, sendo a referida doação ineficaz perante os AA. e, para além disso, nula por se tratar de uma doação de bens alheios.
Contestaram os RR., alegando que quando registaram o imóvel a seu favor fizeram-no com base num título de transmissão de adjudicação do referido imóvel a eles, com nota de trânsito em julgado, estando protegido pelo caso julgado formal e, que nem no Acórdão do Tribunal da Relação de 09.02.2017, nem nos demais arestos proferidos na acção de divisão de coisa comum, consta qualquer declaração de nulidade ou anulação do título de transmissão emitido em 15.07.2016 a favor dos aqui RR. e, subsidiariamente, alegam a preclusão do direito à restituição do bem aos AA., por ter sido ultrapassado o prazo previsto no artigo 839.º, n.º 3, CPC, bem como o instituto da redução do negócio jurídico por à data da outorga da escritura de doação à 2.ª R., o 1.º R. ser dono e legítimo proprietário de metade do imóvel, adquirido em partilha de herança, pelo que sempre poderia doar a sua quota parte no imóvel à sua filha, sendo a eventual nulidade da doação de apenas metade do imóvel.
E ainda, porque não foi promovido o registo da acção de divisão de coisa comum, quando a 2.ª R. registou a aquisição por doação inexistia qualquer inscrição relativa ao registo da acção, sendo-lhe inoponível a sentença de adjudicação do imóvel aos AA. porque não foi habilitada como adquirente naquela acção.
Mais deduziram reconvenção, peticionando a 2.ª R. que seja reconhecida como dona e legítima proprietária do imóvel descrito nos autos, por se considerar válido e eficaz o título de transmissão emitido a favor dos 1.ºs RR. e não padecer a doação que lhe foi feita de qualquer invalidade ou ineficácia ou, subsidiariamente, que seja reconhecida como dona e legítima proprietária de metade do imóvel em lide, por força do instituto da redução do negócio jurídico.
Em sede de réplica os AA. deduziram oposição à reconvenção e responderam à matéria de excepção, concluindo como na petição inicial.
Foi realizada audiência prévia, tendo sido concedida às partes a faculdade de se
pronunciarem, por escrito, sobre a excepção da autoridade do caso julgado.
Foi proferida decisão que, julgando improcedente a reconvenção e parcialmente procedente a acção:
I- Absolveu os AA./Reconvindos dos pedidos reconvencionais;
II- Declarou reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano com a área total de 1462 m², composto por casa de lavoura e área descoberta de 1208 m², sito na Rua …, n.º …, na freguesia de …, concelho de Gondomar, inscrito na matriz predial sob o artigo 807, da extinta freguesia de …, actual artigo 3051, da união de freguesias de … e … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 03214 da freguesia de …, por via da sua adjudicação ao A. marido no processo de acção especial de divisão de coisa comum nº 923/13.7TBGDM;
III- Ordenou o cancelamento do registo da aquisição do prédio a favor dos RR. pela AP 3248 de 2016/07/20;
IV- Declarou nula e ineficaz em relação aos AA. a doação a non domino, subsequente àquele registo, efectuada pelos 1.ºs RR à 2.ª R. e, determinou o cancelamento do registo a favor desta sob a AP 11 de 2016/09/04;
V- Condenou os RR. como litigantes de má-fé, no pagamento de uma multa de 5 UC.
Inconformados, apelaram os RR., apresentando as seguintes conclusões:
I – DO OBJETO DA APELAÇÃO
A) Por douta sentença, a Meritíssima Juiz a quo decidiu que:
“Julgo totalmente procedente, por provada, a presente acção e, consequentemente:
I- Declara-se reconhecido o direito de propriedade dos AA sobre o prédio urbano com a área total de 1462 m2, composto por casa de lavoura e área descoberta de 1208 m2, sito na Rua …, n.º …, na freguesia de …, concelho de Gondomar, inscrito na matriz predial sob o artigo 807, da extinta freguesia de …, actual artigo 3051, da união de freguesias de … e descrito na Conservatória do Registo predial de Gondomar sob o n.º 03214 da freguesia de …, por via da sua adjudicação;
II- Ordena-se o cancelamento do registo da aquisição do prédio a favor dos RR pela AP 3248 de 2016/07/20;
III- Declara-se nula, e ineficaz em relação aos AA, a doação a non domino, subsequente àquele registo, efectuada pelos 1º RR à 2ª Ré e, determina-se o cancelamento do registo a favor desta sob a AP 11 de 2016/09/04;
IV- Condena-se a 2ª Ré a proceder à restituição do referido imóvel aos AA.
Julgo totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo os AA/Reconvindos dos pedidos reconvencionais.
Condeno os RR como litigantes de má-fé, no pagamento de uma multa de 5 uc.
Custas a cargos dos RR.” B) Data vénia, os RR. discordam do aresto proferido. C) Porquanto, e salvo o devido respeito, que é muito, entendem os RR., ora apelantes, que perante a prova produzida e o Direito aplicável, não poderia ter sido decidido o acima transcrito, pelo que a revogação da respeitável sentença se impõe.
II - DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
D) Como melhor consta da douta sentença, o Tribunal a quo deu como provados, por documentos, entre outros, os seguintes fatos:
“5. O prédio em questão foi registado na Conservatória do Registo Predial de Gondomar a favor dos primeiros RR com base num título de transmissão emitido em 15/07/2016, data em que o despacho com a refª 369803373 não tinha transitado em julgado;
6. Circunstância que os primeiros Réus conheciam perfeitamente, atendendo às datas, quer do recurso, quer da resposta dos RR à alegação do A., como da data da admissão do recurso;
7. Apesar de tal recurso, ter sido admitido em 23-06-2016 e notificado às partes em 29-06-2016, os RR., prevalecendo-se do Título de Transmissão emitido em 15-07-2016, registaram o prédio em seu nome, através da AP. 3248 de 2016/07/20;
8. Para em 25-08-2016, o doarem à filha, a Ré E…, que o registou a seu favor pela AP. 11 de 2016/09/04;” E) A respeito da fundamentação de fato, a douta sentença, ora recorrida, fez constar que “Todos os factos acima elencados fundamentam-se na consulta e análise integral e exaustiva do processo nº 923/13.7TBGDM que correu termos no Juízo Local Cível de Gondomar - J3, seus recursos em separado, designadamente o apenso B), do qual foram extraídas algumas peças processuais e juntas nestes autos pelas partes, mas cujo processo se manterá junto a estes autos para consulta até trânsito da sentença final destes autos.” F) Não obstante a fundamentação exposta na sentença, aliás douta, tendo em conta os fatos alegados pelos RR. na sua contestação e os fatos extraíveis da consulta e análise integral e exaustiva do processo nº 923/13.7TBGDM que correu termos no Juizo Local Cível de Gondomat- J3, seus recursos em separado, designadamente o apenso B, não poderia, data vénia, o Tribunal a quo dar como provados os fatos ali elencados sob os números 6, 7 e 8. G) Com efeito, e desde logo, conforme, aliás, resulta da restante matéria de fato considerada provada, os RR. D… e E…, na data (15/07/2016) em que a secretaria daquele Tribunal de 1.ª instância, em cumprimento do douto com a referência 269803373, de 26/06/2016, que adjudicou o bem imóvel em causa aos referidos RR. (fato 19), emitiu o Título de transmissão a seu favor, tendo certificado em tal documento que “o despacho de adjudicação ora certificado foi devidamente notificado a todos os interessados e transitou em julgado.” (fato 20), não sabiam que o suprarreferido despacho não tinha transitado em julgado, como veio a ser declarado por este douto Tribunal de recurso apenas em 26-04-2018 (fls. 83 a 95 do apenso B). H) Pelo contrário, e como resulta também da restante matéria de fato considerada provada, os RR. D… e E…, nos momentos aludidos pontos 7 e 8 da matéria de fato, estavam convictos do inabalável trânsito em julgado do despacho de adjudicação decidido a seu favor nos autos, datado de 23/06/2016, com a referência 369803373 – fato 19. I) Pois, não tendo o aqui A. B…, R. naqueles autos, apesar de devidamente notificado do despacho de adjudicação (referência 369803373) adotado qualquer comportamento tendente a revertê-lo, e vindo a Secretaria daquele Tribunal de 1.ª instância a cumprir o que lhe ordenará tal despacho, com a menção de que “o despacho de adjudicação ora certificado foi devidamente notificado a todos os interessados e transitou em julgado.”, na convicção dos RR. D… e E… havia, de fato, ocorrido o seu trânsito em julgado. J) Aliás, com a prolação do despacho datado de 23/06/2016, com a referência 369803373 e emissão do respetivo Título de transmissão em 15/07/2016, com a certificação do transito em julgado do primeiro, como poderiam os RR. D… e E…, legitimamente, não confiar que tal despacho, que lhes adjudicou o imóvel em lide, tinha efetivamente transitado em julgado, estando protegido pelo caso julgado formal, nos termos do art.º 620.º do NCPC… K) Razão pela qual, os RR. D… e E… procederam ao registo a seu favor de tal de aquisição, que foi lavrada pela Ap. 3248 de 20/07/2016 e, posteriormente, fruto das desafortunadas circunstâncias alegadas pelos RR. nos artigos 29.º a 32.º da contestação, doaram o dito imóvel à filha de ambos e aqui R. F…. L) E à confiança legitima que os RR. D… e E… depositaram no despacho datado de 23/06/2016, com a referência 369803373 e no Título de transmissão emitido pelo Tribunal de 1.º instância em 15/07/2016, não pode oposta a circunstância do aqui A. B…, R. naqueles autos, ter apresentado recurso do despacho datado de 28/04/2016, com a referência 367048173 (fato 16), ao qual estes RR. responderam (fato 17), como acusa a Meritíssima Juiz a quo ao declarar que fizeram “tábua rasa desse recurso e das possíveis consequências do mesmos”. M) Pois esse recurso interposto pelo aqui A. B…, R. naqueles autos, recaiu sobre a decisão daquele tribunal de 1.ª instância que determinou que a venda ficasse sem efeito e aceitou a proposta imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída, tudo nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 825.º do CPC (fato 15) e não sobre o despacho que havia decidido pelo incumprimento por banda do ali R. do prazo legalmente fixado para o depósito do preço em falta, proferido em 05/04/2016, comunicado às partes por notificação elaborada em 07/04/2016, presumindo-se feita em 11/04/2016, já transitado em julgado (fato 12, 17 e 18). N) Acresce que, depois de apresentado tal recurso pelo aqui A. B…, ali R., e da respetiva resposta pelos RR. D… e E…, aquele douto Tribunal de 1.º instância, no mesmo dia (23/06/2016), proferiu um despacho a admiti-lo (fato 7), e outro despacho a adjudicar o bem imóvel em causa aos aqui RR. D… e E… e a mandar emitir o respetivo título de transmissão(fato 19). O) O que configurou um sinal produzido por aquele Tribunal de 1.º instância no sentido de que a admissão do recurso ali interposto pelos aqui AA. não invalidaria a adjudicação do imóvel que, na mesma data, lhe foi a ser feita. P) Sinal esse que veio a ser corroborado com a emissão pelo mesmo Tribunal do respetivo Título de transmissão em 15/07/2016, com a certificação de que “o despacho de adjudicação ora certificado foi devidamente notificado a todos os interessados e transitou em julgado.” Q) Sendo certo que tais atos judiciais (fatos 19 e 20) não padecem de ilegalidade, e, ainda menos, de uma ilegalidade percetível, o que impede de qualificar de ilegítima a confiança que os RR. D… e E… nelas depositaram, conforme decidiu, naqueles autos, este Tribunal da Relação em 26/04/2018 quanto ao despacho de adjudicação, não constando, ali, qualquer declaração de nulidade ou anulação do título de transmissão emitido em 15/07/2016 a favor dos aqui RR. D… e E…. R) Ademais, se fosse tão ostensivo, em 15/07/2016, que o despacho que lhes adjudicou o bem imóvel em causa não tinha transitado em julgado, de modo a que os RR. tinham que conhecer perfeitamente tal circunstância, certamente aquele douto Tribunal de 1.ª instância não teria emitido, em tal data, o Título de transmissão a favor dos RR. D… e E… certificando que o mesmo havia transitado em julgado… S) Pelo que, ao entender como entendeu nos pontos 6, 7 e 8, o Tribunal de 1ª instância desconsiderou as legítimas expectativas criadas nos RR. D… e E… pelo Tribunal de 1.ª instância onde correram os autos com o número 923/13.7TBGDM, no sentido de que, com a prolação do despacho datado de 23/06/2016, com a referência 369803373 e emissão do respetivo Título de transmissão em 15/07/2016, com a certificação do transito em julgado do primeiro, tal despacho, que lhes adjudicou o imóvel em lide, tinha efetivamente transitado em julgado, estando protegido pelo caso julgado formal, nos termos do art.º 620.º do NCPC. T) Assim, não podia, data vénia, o Tribunal a quo considerar provados os fatos que elencou sob os números 6 a 8. U) Deste modo, e ao contrário do decidido na douta sentença, reiterando, mais uma vez, todo o respeito, feita a ponderação acima evidenciada, não deveriam constar da matéria de fato dada como provada os pontos 6 a 8, pelo que se requer a respetiva eliminação.
III -DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS
V) Importa clarificar que os RR., na sua contestação, a título de primeira exceção perentória impeditiva do exercício do putativo direito dos AA., não alegaram que a adjudicação que foi feita aos RR. D… e E… naqueles autos por despacho datado de 23/6/2016 com a referência 369803373 tinha transitado em julgado, estando protegida pelo caso julgado formal e, que entender-se doutro modo configura a violação dos princípios constitucionais da segurança e da protecção da confiança jurídica na eficácia das decisões judiciais… W) Escalpelizada a contestação dos RR., nomeadamente nos artigos 19.º a 28.º, constata-se que, a título de primeira exceção perentória impeditiva do exercício do putativo direito dos AA., ali vem esgrimido argumento distinto, ou seja, que o título de transmissão que lhes foi emitido em 15/07/2016, com a devida menção de que o despacho de adjudicação (…) transitou em julgado, culminou, de modo irreversível, o processo de transmissão da propriedade. X) Não ocorrendo, assim, a este trecho coincidência com o decidido definitivamente por decisões proferidas naquela ação de divisão de coisa comum, como concluiu a douta sentença recorrida… Y) O mesmo se diga quanto ao defendido pelos RR. na sua contestação, nomeadamente, nos artigos 37.º a 42.º, pois, ao contrário do concluído pela douta sentença recorrida, no recurso que interpuseram do despacho datado de 11/12/2017 (Ref. 387553972), os RR. D… e E… não defenderam que não havia despacho expresso a declarar a nulidade ou anulação do título de transmissão emitido em 15/07/2016 a seu favor… Z) Pelo que, com a devida vénia, mal andou o douto Tribunal a quo ao julgar improcedentes as exceções invocadas pelos RR. e acima reproduzidas, com arrimo na autoridade de caso julgado dos Acórdãos desta Relação proferidos nos autos que correm os seus termos sob o número 923/13.7TBGDM. AA) Isto posto, e ao contrário do decidido pela sentença recorrida, aliás douta, entendem os RR. que as questões concretas que alegaram nos artigos da sua contestação acima reproduzidos (19.º a 28.º e 37.º a 42.º), não foram definitivamente decididas pelo Tribunal Superior na acção nº 923/13.7 TBGDM. AB) Pelo que, quanto a tais questões, aquela ação perante esta não é prejudicial, porquanto nela não foram decididas por sentenças transitadas em julgado, podendo o douto Tribunal de 1.ª instância, e pela interposição deste recurso, este douto Tribunal ad quem, pronunciar-se sobre elas, julgando-as procedentes, com as demais consequências legais, o que se espera e requer.
SUBSIDIARIAMENTE E SEM PRESCINDIR,
AC) Na sua contestação, os RR. defenderam, ainda, que mesmo que se considere que o Título de transmissão emitido a favor dos primeiros RR. foi invalidado, certo é que, em virtude do efeito retroativo da declaração de nulidade ou anulação que o pressupõe, à data da outorga da escritura de doação à R. F… (25/08/2016), o R. D… sempre seria dono e legítimo proprietário de metade do imóvel em lide, adquirida em partilha de herança e registada a seu favor pela AP. 60 de 2002/07/23, e enquanto tal, sempre poderia doar, como doou, a sua quota parte no imóvel em lide à sua filha e aqui R. F…, sendo que a sentença proferida na acção de divisão de coisa comum, em que se consubstancia a adjudicação aos AA. e respetivo Título de transmissão emitido em 28/05/2019, nunca será oponível à R. F… por se verificar a exceção plasmada no citado n.º 3 do art.º 263.º CPC. (Cfr. artigos 50.º, 51.º e 73.º da contestação). AD) Não obstante a fundamentação exposta na sentença, aliás douta, a este título, os Apelantes não aderem à mesma, reiterando, mais uma vez, todo o respeito. AE) Na verdade, entendem os Apelantes que douta a sentença recorrida, data vénia, fez errada interpretação e aplicação do art.º 292.º e 956.º do Código Civil, da al. a) do n.º 1 do art.º 2.º e a al. a) do n.º 1 do art.º 3.º do Código do Registo Predial, e do n.º 3 do art.º 263.º e 827.º do Código
do Processo Civil. AF) Com efeito, e em primeiro lugar, cumprirá dizer que não se pode acompanhar o decidido pela douta sentença recorrida, quando concluiu que, quando doaram o bem imóvel em lide à R. F…, os RR. D… e E… não eram os proprietários nem da totalidade, nem mesmo de metade do mesmo (razão pela qual julgou improcedente o pedido de redução de negócio), porquanto, na data da outorga da escritura de doação (25/08/2016), já havia sido proferido despacho a aceitar a venda do bem ao aqui Autor proferido em 7/12/2015 e, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/2/2017, transitado em julgado, revogando a aceitação da proposta dos aqui RR, determinou a manutenção da venda ao aqui Autor (…) pois que esse mesmo imóvel já havia sido vendido aos aqui AA, com aceitação da proposta destes, só faltando ser depositado a parte do preço correspondente, que entretanto veio a ser depositado e veio a ser proferido despacho de adjudicação, consubstanciando aquela doação uma doação de bem alheio, nula, conforme art. 956º do CCivil e ineficaz perante os verdadeiros proprietários/AA.” AG) Pois, a sentença recorrida, aliás douta, ao decidir como decidiu fez tábua rasa do que dispõe, a este título, o artigo 827.º do Código do Processo Civil, nomeadamente, de que na venda executiva - como sucedeu in casu, por aplicação do disposto no art.º 549.º, n.º 2 do CPC -, a transferência da propriedade apenas tem lugar com a emissão, pelo agente de execução (neste caso, oficial de justiça), do respetivo título de transmissão, o que apenas ocorre depois de certificado o pagamento do preço e o cumprimento (ou da isenção) das legais obrigações fiscais. AH) E, portanto, a venda não poderá ter-se como concluída e efetiva logo que é aceite a proposta, como ajuizou a douta sentença recorrida, pelo que, na data da celebração da doação (25/08/2016), o R. D… sempre seria dono e legítimo proprietário de metade do imóvel em lide, adquirida em partilha de herança e registada a seu favor pela AP. 60 de 2002/07/23. AJ) Pois, até à data de emissão do título por parte do agente de execução (in casu, oficial de justiça) -, a venda não se mostra concluída (antes em mera formação) e os seus efeitos (nomeadamente, o efeito translativo), não se mostram consumados, inexistindo, portanto, ao contrário do que sustenta a douta decisão recorrida, até ao momento de emissão do título de transmissão, um negócio consumado de venda. AK) Sendo certo que a aceitação de uma proposta numa venda executiva de emitido o título de transmissão, não pode operar uma qualquer limitação ao direito de dispor da coisa por doação pelo seu comproprietário, deixando o comproprietário de ter a disponibilidade de transacionar extrajudicialmente a sua quota parte no bem vendido (vendendo-a a terceiro ou doando-a), apenas tendo direito a receber a parte do preço que lhe caiba na venda judicial, como defende o douto Tribunal a quo, sem arrimo em qualquer disposição legal. AL)Destarte, e considerando que o título de transmissão a favor do A. marido foi emitido em 28/05/2019 (ponto 1 da matéria de fato), na data da celebração da doação (25/08/2016), o doador e R. D… era dono e legítimo proprietário de metade do imóvel em lide, pelo que a doação à R. F…, registada pela Ap. 11 de 04/09/2016 nunca padecerá de nulidade na sua totalidade, mas apenas parcialmente e quanto à metade do prédio objeto de tal doação registada a favor do A. marido pela AP. 61 de 2002/07/23. AM) Impondo-se, em consequência, chamar à colação a aplicação do disposto no art.º 292.º do Código Civil que estatui: «a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada». AN) Estando definida a quota parte do seu direito sobre o bem, a indisponibilidade sobre a outra metade, por alheia, e a correspondente nulidade da doação deste quantum, não afeta a validade da doação na parte em que podia dispor. AO) O art.º 292.º do CC é a emanação legal do princípio da conservação dos negócios jurídicos, ou, noutra nuance, do princípio da manutenção, até, e na medida em que, onde/for possível, dos mesmos. O que, à partida, implica a sua redução sem necessidade de prova da vontade de limitação dos efeitos do negócio. AP) Por conseguinte, a redução da doação é não apenas possível, como será sempre exigível, em consequência da aplicação do instituto da redução do negócio jurídico. AQ) Ainda a este título, e considerando que a doação feita à R. F… pelos RR. D… não padece da nulidade total que lhe cominou na douta sentença recorrida, impõe-se ajuizar se a sentença proferida na ação de divisão de coisa comum lhe é oponível. AR) A este prepósito os RR., na sua contestação, pugnaram pela aplicação da parte final do n.º 3 do art.º 263.º do CPC, o qual dispõe que “A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação.” AS) Contudo, a douta sentença recorrida rejeitou a sua aplicação ao caso em apreço, arguindo, para tanto, que “a acção de divisão de coisa comum não está sujeita a registo (o imóvel já se mostra registado a favor dos contitulares que pretendem a divisão) sendo assim irrelevante para a decisão da causa que não tenha sido registada essa acção antes da doação, uma vez que não o tinha de ser.” AT) Acontece que, tal como vem arguido em sede de contestação, a ação de divisão de coisa comum, que segue o processo especial regulado nos arts. 925.º e seguintes CPC, reveste natureza real, e como tal está sujeita a registo predial, conforme dispõem a al. a) do n.º 1 do art.º 2.º e a al.
a) do n.º 1 do art.º 3.º do Código do Registo Predial. AU) Na verdade, tal ação implica, mais do que a resolução de uma controvérsia entre partes em litígio, a formulação de um verdadeiro juízo divisório, por forma a por termo à indivisão. Ora, é precisamente esse efeito dissolutivo ou extintivo da relação de compropriedade provocado pela divisão de coisa comum - que envolve modificação específica do direito de propriedade, de modo a preencher, também por aí, uma das finalidades que justificam a registabilidade das acções nos termos do artigo 3°, n° 1, alínea a), com referência ao artigo 2°, n ° 1, alínea a), ambos do C. Registo Predial – a determinar a utilidade do registo da respectiva acção em prevenir o interesse dos comproprietários (de cada um deles) manifestado no pedido de divisão judicial, tornando esta sua pretensão oponível a terceiros e impedindo que, por sua vez, lhes possa ser oposto facto donde emirja direito incompatível com essa pretensão, entretanto ainda não registado. AV) Isto posto, e conforme resulta do ponto 28 da matéria de fato, nos autos da ação especial de divisão de coisa comum acima identificada não foi promovido o seu competente registo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2º, nº.1, al. a) e 3º, nº.1, al. a), 8º-A, nº.1, al. b), 8º-B, nº.3, al. a) e 8º-C, nº.2 do Código do Registo Predial. AW) Pelo que, quando a R. F… procedeu ao registo da sua aquisição (04/09/2016), na sequência da doação que lhe foi feita pelos seus pais, inexistia qualquer inscrição relativa ao registo da ação – ponto 29 da matéria de fato. AX) E os AA., apesar de conhecedores da doação efetuada pelos primeiros RR. à filha de ambos e aqui R. F…, desde, pelo menos, 19/12/2017, não cuidaram de, por meio de habilitação, promover a substituição os primeiros RR. por esta R. – ponto 31 da matéria de fato. AY) Pelo que, ao contrário do decidido pela sentença recorrido, aliás douta, impõe-se chamar à colação a parte final do n.º 3 do art.º 236.º do CPC. AZ)Assim, na situação concreta dos autos, a sentença proferida na acção de divisão de coisa comum, em que se consubstancia a adjudicação aos AA. e respetivo Título de transmissão emitido em 28/05/2019, nunca será oponível à R. F…. BA)Isto posto, sendo a doação reduzida à quota parte do imóvel pertencente ao R. D…, à data da sua outorga, os efeitos da alegada adjudicação aos AA. e respetivo Título de transmissão naqueles autos não produz efeitos quanto à donatária e aqui R. F…. BB) Pelo exposto, e na medida em que aquela decisão aventada pelos AA. não é oponível à R. F…, por se verificar a exceção plasmada no citado n.º 3 do art.º 263.º CPC, deve improceder, na íntegra, a presente demanda. BC) Pelo que a revogação do douto aresto recorrido, a este trecho, se impõe, devendo, em consequência e para a hipótese de improceder o pedido precedente, o mesmo ser substituído por outro que julgue a ação improcedente e, por força do instituto da redução do negócio jurídico, in casu, da doação, declare e reconheça a R. F… como dona e legítima proprietária de metade do imóvel em lide, não lhe sendo oponível a putativa aquisição dos AA. nos autos acima identificados, por se verificar a exceção plasmada no citado n.º 3 do art.º 263.º CPC, procedendo, em consequência, o pedido reconvencional deduzido subsidiariamente, o que se espera e requer.
IV – DA CONDENAÇÃO DOS RR. COMO LITIGANTES DE MÁ FÉ
BD) Por fim, insurgem-se, ainda, os Apelantes contra a sua condenação como litigantes de má-fé, numa multa processual que a douta decisão recorrida fixou em 5 unidades de conta. BE) Pois, conforme já acima veiculado, na sua contestação, os RR. não defenderam que o despacho datado de 23/6/2016 com a ref. 369803373 transitara em julgado, que havia caso julgado formal, mas, ao invés, que o título de transmissão que lhes foi emitido em 15/07/2016, com a devida menção de que o despacho de adjudicação (…) transitou em julgado, culminou, de modo irreversível, o processo de transmissão da propriedade. BF) Por outro lado, e ao contrário do concluído pela douta sentença recorrida, no recurso que interpuseram do despacho datado de 11/12/2017 (Ref. 387553972), os RR. D… e E… não defenderam que não havia despacho expresso a declarar a nulidade ou anulação do título de transmissão emitido em 15/07/2016 a seu favor… BG) Assim, e quanto a estes concretos pontos não ocorre a falta de fundamento do invocado e, ainda menos, que os RR. não podiam ignorar, pelo que a atuação dos RR. ao invocá-los não consubstancia litigância de má-fé, como ajuizou o douto Tribunal a quo. BH) No que respeita à questão da preclusão do direito dos AA. à restituição do bem, e conforme também já veiculado, e revendo com mais atenção o decido naquele douto Acórdão deste Tribunal da Relação de 26/04/2018, os RR. consentem que do mesmo resulte decidida definitivamente a questão da aplicação do n.º 3 do art.º 893.º do CPC, pelo que se penitenciam pela sua invocação nos presentes autos. BI) Contudo, e apesar de tal lapso cometido, entendem os RR. que o seu comportamento não consubstancia litigância de má-fé, nos termos do que dispõem as al. a) e d) do n.º 2 do art.º 542.º do CPC. BJ) Pois também não se pode olvidar que estas três concretas exceções não foram as únicas invocadas pelos RR.. BK) E como vem sendo entendido, a sanção por litigância de má-fé apenas pode e deve ser
aplicada nos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, como também ao seu antagonista no processo. Para tal, exige-se que o julgador seja prudente e cuidadoso, só devendo proferir decisão condenatória por litigância de má-fé apenas no caso de se estar perante uma situação donde não possam emergir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da sua parte. BL) Ora, in casu, não se pode afirmar que as pretensões dos RR. fossem temerárias, baseadas em erro grosseiro ou culpa grave, nem será legitimo afirmar, sequer, que era certa e segura a improcedência que foi decidida quanto a algumas (que ainda se encontram sob recurso). BM) Pelo que, a aludida litigância de má fé não resulta provada, nem se manifesta nos autos, não se demonstrando uma atuação dolosa ou gravemente negligente dos RR., com vista a conseguir um objetivo ilegal, a impedir a descoberta da verdade, ou a entorpecer a ação da justiça, designadamente, por via da contestação que apresentou, nos termos concretos em que o fez, tendo os RR. agido no legitimo uso das faculdades processuais de defesa legalmente previstas e concedidas e dentro dos parâmetros legalmente estabelecidos, não decorrendo a verificação de atuação de litigância de má fé do simples facto de a parte, e, no caso, os RR. verem eventualmente desatendidas algumas das pretensões deduzidas em juízo, ou de não resultar provada factualidade em que baseiam a defesa e a reconvenção. BN) Por tudo o exposto, concluem os Apelantes que o Tribunal a quo, com a devida vénia, fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 542.º do Código Processo Civil, pelo que deve a decisão recorrida ser revogada na parte em que se decide condenar os RR. como litigantes de má fé, por falta de verificação dos pressupostos legais a tal condenação. BO) Sem prescindir, e na hipótese de se julgar verificada qualquer atuação dos RR. que consubstancia litigância de má-fé, nos termos do que dispõem as al. a) e d) do n.º 2 do art.º 542.º do CPC, o que não se concede, sempre se diga que o montante da multa aplicada no valor de cinco unidades de conta, peca por excessiva. BP) No caso vertente, verifica-se que as três exceções invocadas pelos RR. e que a douta decisão recorrida concluiu já terem sido definitivamente apreciadas e resolvidas nos autos da ação de divisão de coisa comum, não esgotaram a contestação apresentada, não influíram na correta decisão da causa e nem obstaram à regular tramitação do processo. BQ) Pelo que, acaso se julgue verificada qualquer atuação dos RR. que consubstancia litigância de má-fé, nos termos do que dispõem as al. a) e d) do n.º 2 do art.º 542.º do CPC, o que não se concede, afigura-se mais adequada, proporcional e equilibrada a fixação da multa no montante mínimo de 2 UCs, o que, a título subsidiário, se espera e requer.
Decidindo assim Vossas Excelências farão inteira justiça
Contra-alegou o A., assim concluindo:
I - Os factos elencados sob os números 6 a 8, do factualismo considerado provado pelo douto Tribunal a quo, são objectivos, resultando por inteiro da análise integral e exaustiva do processo n.º 923/13.7TBGDM que correu termos no Juízo Local Cível de Gondomar – J3 (processo que se mantém junto aos autos da decisão recorrida), pelo que devem ser tidos e mantidos como provados.
II - O título de transmissão que foi emitido aos 1.º RR/Recorrentes em 15/07/2016, com a devida menção de que o despacho de adjudicação (…) transitou em julgado, não culminou, nem podia culminar, de modo irreversível, o processo de transmissão da propriedade, uma vez que aquele despacho, na verdade, ainda não tinha transitado em julgado.
III – Tanto assim, que julgando procedente o recurso interposto e admitido em 23-06-2016 pelo então R. e aqui A./Recorrido B…, o douto Acórdão proferido por este Tribunal em 9 de Fevereiro de 2017 decidiu, além do mais e no que ora importa, revogar o despacho a que corresponde a refª 367048173 e a sua substituição por outro no qual se determine a manutenção da venda ao mesmo proponente (o A./Recorrido).
IV - De tal decisão resulta, necessariamente, a anulação do aludido Título de Transmissão emitido em 15/07/2016 a favor dos aqui RR. D… e E….
V - Como sobre a mesma questão refere o douto Acórdão deste Tribunal de 26/4/2018, “revogada pelo tribunal ad quem a decisão a quo, impõe-se dar cumprimento à decisão proferida pelo primeiro dos referidos tribunais, o que implica a anulação dos actos que tiverem ocorrido na decorrência da decisão revogada.
É o que sucede no caso em apreço, em que a adjudicação do imóvel aos recorrentes surgiu na sequência do despacho que deu sem efeito a venda ao apelado, mas que foi revogado pelo acórdão proferido por este Tribunal, que deliberou nos termos referidos, ou seja, que determinou a manutenção da venda ao proponente R.”
VI - Assim, não precisavam nem tinham os AA./Recorridos que peticionar a nulidade ou anulação do Título de Transmissão emitido em 15/07/2016 a favor dos aqui Recorrentes D… e G…, pois que ele foi anulado na decorrência da decisão proferida pelo primeiro dos citados arestos.
VII – A eficácia retroactiva da decisão que deu sem efeito a venda ao recorrente marido, implicou a anulação dos actos ocorridos como decorrência da decisão revogada, designadamente, da doação que os ora Apelantes fizeram à filha, a Ré F….
VIII - A parte final do n.º 3 do art.º 263.º do CPC, o qual dispõe que “A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção”, não tem aplicação in casu.
IX – Porquanto, tal como decidiu este douto Tribunal, para efeitos do Art.º 263.º, n.º 3, do CPC, o registo da acção visa apenas a possibilidade de exercer a decisão contra quem tenha adquirido do réu. (cfr. Acórdão do TRP de 27-11-2007, in www.dgsi/pt/jrp).
X - Ora, a Recorrente F…, adquiriu o imóvel, não dos RR., mas dos próprios Autores, por doação, na pendência da acção de divisão do mesmo, pelo que a sentença aí proferida se lhe impõe.
XI - Mas, questão primeira e fundamental é a validade de tal doação.
XII - Embora à data da doação o imóvel estivesse inscrito a favor dos primeiros RR no registo predial, certo é que este tem uma função meramente declarativa, de simples publicidade, não constitutiva de direito.
XIII – O imóvel que os primeiros RR/Recorrentes doaram à R. F…, não lhes pertencia.
XIV - O Título de transmissão com que os primeiros RR/Recorrentes registaram a aquisição do imóvel a seu favor, através da Ap. 3248 de 20/07/2016, e do qual se serviram para em 25/08/2016 doarem o imóvel à filha de ambos, F…, foi invalidado por via do Acórdão proferido em 09-02-2017 por este Tribunal.
XV – Por isso, e porque o imóvel foi adjudicado ao Recorrido-marido, a doação à Recorrente F… foi efectuada por quem não era proprietário do mesmo.
XVI – Daí que que tal doação consubstancie uma doação de bem alheio e seja nula, conforme art. 956.º do CCivil e ineficaz perante os verdadeiros proprietários/AA/Recorridos.
XVII- Assim, e como conclui a douta sentença recorrida, tal doação também não pode permanecer registada a favor da 2.ª Ré/Recorrente F…, “ … pois que, declarada a nulidade da mesma e não podendo a 2ª Ré beneficiar da protecção prevista no art. 291º do CCivil por não se verificarem os requisitos exigidos pelo referido preceito legal (desde logo não foi uma aquisição a título oneroso) tem de se determinar o consequente cancelamento do respectivo registo, repondo-se a veracidade que o registo deve espelhar”
TERMOS EM QUE, NÃO DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, MANTENDO-SE A DECISÃO PROFERIDA, POR ASSIM SER DE INTEIRA
JUSTIÇA 2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. Por sentença transitada em julgado proferida no processo de acção de divisão de coisa comum, em que são AA. os ora primeiros RR. e RR. os aqui AA., que sob o n.º 923/13.7TBGDM correu os seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Instância Central de Gondomar –Secção Civil – Juiz 3, foi adjudicado ao aqui A. B… o prédio urbano com a área total de 1462 m², composto por casa de lavoura e área descoberta de 1208 m², sito na Rua …, n.º …, na freguesia de …, concelho de Gondomar, inscrito na matriz predial sob o artigo 807, da extinta freguesia de …, actual artigo 3051, da união de freguesias de … e … e descrito na Conservatória do Registo predial de Gondomar sob o n.º 03214 da freguesia de … e emitido Título de Transmissão em 28.05.2019;
2. Por força de tal sentença, a Mm.ª Juíza a quo da referida instância, proferiu nos autos acima citados o seguinte despacho, com a ref.ª 403831271:
“Atento o trânsito em julgado do despacho recorrido, de fls. 587, e anulação da adjudicação efectuada aos ora AA. pelo despacho com a ref.ª 369803373, determino que se oficie a CRP de Gondomar no sentido de cancelar o registo de transmissão da propriedade do prédio aqui em causa a favor dos AA. No que diz respeito ao registo de doação subsequente, não é a donatária parte nos presentes autos, pelo que não é possível a anulação do respectivo registo no âmbito dos presentes autos”.
3. Oficiada a CRP de Gondomar nos termos referidos, a mesma, através do Ofício n.º RP-180, com data de 23.05.2019, notificou o tribunal da recusa do cancelamento requisitado, com o fundamento constante do seguinte despacho:
“RECUSO o pedido de registo de cancelamento da inscrição Ap. 3248 de 2016/07/20 – Aquisição a favor de D… e E…, em virtude da inscrição ter cessado os seus efeitos mediante nova inscrição Ap. 11 de 2016/09/04 – Aquisição a favor de F…, solteiro, maior, por doação. Artigos 10.º, 13.º, 68.º, 69.º, n,º 1, c) do CRPredial”;
4. Face a essa resposta da CRPredial de Gondomar, a Mm.ª Juíza a quo, proferiu nos citados autos o seguinte despacho, com a ref.ª 404752994:
“Conforme resulta dos autos, o Tribunal da Relação do Porto, bem como o Supremo Tribunal de Justiça, proferiram decisão a manter o despacho que, em cumprimento do anteriormente ordenado pelo Tribunal da Relação do Porto e nos termos impostos pelo artigo 152º nº 1 do CPC, este Tribunal proferiu, no sentido de adjudicar o prédio ao R. e dar sem efeito a anterior adjudicação ao A. Sucede que, não obstante tivesse o A. conhecimento da pendência de recurso interposto pelo R., decidiu o mesmo doar o prédio a F…, sua filha, tendo essa doação sido registada. (sublinhado nosso). Face a esta conduta do A., e como resulta da recusa da Conservatória do Registo Predial, não é possível, no âmbito dos presentes autos, neste momento, proceder à anulação da inscrição do registo a favor do A. e, consequentemente, da sua filha, bem como o posterior registo a favor do R., como resulta do despacho de recusa de fls. 662. Para o efeito, terá o R. de propor acção judicial ou interpor recurso do despacho de recusa da Conservatória de Registo Predial.”
5. O prédio em questão foi registado na Conservatória do Registo Predial de Gondomar a favor dos primeiros RR. com base num título de transmissão emitido em 15.07.2016, data em que o despacho com a ref.ª 369803373 não tinha transitado em julgado;
6. Circunstância que os primeiros RR. conheciam perfeitamente, atendendo às datas,
quer do recurso, quer da resposta dos RR. à alegação do A., como da data da admissão do recurso;
7. Apesar de tal recurso, ter sido admitido em 23.06.2016 e notificado às partes em 29.06.2016, os RR., prevalecendo-se do Título de Transmissão emitido em 15.0.07.2016, registaram o prédio em seu nome, através da AP. 3248 de 2016/07/20;
8. Para em 25.08.2016, o doarem à filha, a R. E…, que o registou a seu favor pela AP. 11 de 2016/09/04;
9. Nos autos da ação especial de divisão de coisa comum que correram termos no Juiz 3 do Juízo Local Cível de Gondomar do Tribunal Judicial desta Comarca, sob o n.º 923/13.7TBGDM, em que foram AA. os aqui RR. D… e E…, e RR., os aqui AA. B… e C…, e que teve por objeto o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial, realizou-se em 07.12.2015, a abertura de propostas em carta fechada, na qual se constatou a existência de uma proposta apresentada pelos aqui RR. D… e E…, no valor de €66.200,00 (sessenta e seis mil e duzentos euros), devidamente acompanhada por cheque visado, e uma proposta apresentada pelo A. B…, no valor de €70.200,00 (setenta mil e duzentos euros), acompanhada de cheque bancário, tendo sido aceite a proposta deste último (Conforme documento sob o n.º 1 junto com a contestação);
10. Em decorrência, naqueles citados autos, por despacho proferido pelo tribunal de 1.ª instância datado de 03.02.2016 e comunicado às partes por notificação elaborada em 04.02.2016, foi o aqui A. B… notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 824.º, n.º 2 do C.P.C., isto é, para, no prazo de 15 dias, depositar à ordem da secretaria a parte do preço em falta;
11. Aconteceu, porém, que, o indicado prazo concedido ao A. B…, naquela sede, terminou em 23.02.2016, sem que este tivesse procedido ao depósito do preço em falta, pelo que, por requerimento junto aos autos em 29/02/2016, com a referência 21979018, os aqui RR. D… e E… pugnaram que fosse dada sem efeito a venda ao A. B…, sem que este, notificado para o efeito, tivesse vindo exercer o direito de contraditório que lhe assistia ao conteúdo de tal requerimento dos referidos RR.;
12. Em consequência, por despacho proferido em 05.04.2016, comunicado às partes por notificação elaborada em 07.04.2016, aquele tribunal de 1.ª instância declarou que, atento o prazo previsto no artigo 824.º do CPC, e a data da notificação efectuada para pagamento, o proponente R. marido, aqui A., não respeitou o prazo legalmente fixado, uma vez que não depositou a parte do preço em falta, pelo que, ordenou, ainda, o mesmo despacho a audição dos interessados, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 825.º do CPC, sob a epigrafe “Falta de depósito”, nomeadamente, para se pronunciarem acerca da sanção a aplicar ;
13. Em resposta a tal despacho, mediante requerimento junto aos autos em 20.04.2015, com a referência 22447163, veio o aqui A. marido pronunciar-se nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 825.º do CPC, terminando com o seguinte petitório:
“Nestes termos, ponderadas as circunstâncias do caso e os interesses do R. e dos AA., bem como a firme disposição do R. para comprar e pagar de imediato o que ainda falta, deve, nos termos do Artigo 825.º, n.º 1–c), do CPC, determinar-se a liquidação da responsabilidade do R., fixando-se-lhe o prazo de 2 (dois) dias para proceder ao depósito do valor em falta.”;
14. Tendo, os aqui RR. D… e E…, por seu turno, defendido, por requerimento junto aos autos em 21.04.2016, com a referência 22458306, que a venda ao aqui A. B… fosse dada sem efeito e que fosse
aceite a proposta no valor de €66.200,00 apresentada por aqueles;
15. Decidindo sobre a aplicação de sanção prevista no n.º 1 do artigo 825.º do CPC, no douto despacho de 28.04.2016, com a referência 367048173, comunicado às partes por notificação elaborada em 02.05.2016, aquele tribunal de 1.ª instância determinou que a venda ficasse sem efeito e aceitou a proposta imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída, tudo nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 825.º do CPC (Cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial).
16. Deste último despacho, o aqui A. B… interpôs recurso de apelação, alegando que, atentas as circunstâncias do caso, não podia aquele Tribunal de 1.ª instância considerar que o ali R. B… não cumpriu o prazo legalmente fixado para o depósito do preço;
17. Em sede de resposta às alegações de recurso apresentadas pelo aqui A. B…, ali R., vieram os aqui RR. D… e E… arguir, além do mais, a manifesta improcedência do recurso, uma vez que o despacho recorrido não havia decidido pelo incumprimento por banda do ali R. do prazo legalmente fixado para o depósito do preço em falta, mas, ao invés, tal decisão tinha sido objeto do despacho proferido pelo douto tribunal a quo em 05.04.2016, comunicado às partes por notificação elaborada em 07.04.2016, presumindo-se feita em 11.04.2016, já
transitado em julgado;
18. Tendo concluído, os Recorridos, aqui RR. D… e E… que deveria ser negado o provimento à apelação da decisão recorrida, através da qual aquele R. apenas procurava a revogação da anterior já transitada (datada de 05.04.2016 e notificada às partes mediante notificação elaborada em 07.04.2016) e em que a ulterior (a apelada) nada mais fez que, na sua sequência, a respeitar em absoluto, cumprindo os ulteriores termos processuais, mormente, determinar que a venda ficasse sem efeito e aceitar a proposta de valor inferior, perdendo o proponente e aqui Recorrente o valor da caução constituída, como dispõe a alínea a)
do n.º 1 do artigo 825.º do CPC;
19. O Tribunal de 1.ª instância, por despacho proferido em 23.06.2016, com a referência 369803373, devidamente notificado às partes por notificação elaborada em 24.06.2016, adjudicou o bem imóvel em causa aos aqui RR. D… e E… e mandou emitir o respectivo título de transmissão, o que veio a acontecer em 15.07.2016;
20. No dia 15.07.2016, a secretaria daquele Tribunal de 1.ª instância, em cumprimento do ordenado por aquele despacho datado de 23.06.2016, emitiu o Título de Transmissão a favor dos aqui RR. D… e E…, tendo certificado em tal documento que “o despacho de adjudicação ora certificado foi devidamente notificado a todos os interessados e transitou em julgado.”;
21. Munidos de tal título os aqui RR. registaram a aquisição a seu favor do imóvel identificado em 1.º da petição inicial, através da Ap. 3248 de 20/07/2016;
22. Mediante escritura pública outorgada em 25.08.2016, os aqui RR. doaram o imóvel em lide à filha de ambos e aqui R. F…, por conta das suas quotas disponíveis;
23. O Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão proferido em 09.02.2017, julgou procedente o recurso interposto pelo ali R., revogando o despacho recorrido datado
de 28.04.2016, com a referência 367048173, determinando a sua substituição por outro no qual se determinasse a manutenção da venda ao ali R., se definisse qual o preço a depositar pelo mesmo e se fixasse um prazo para que tal depósito se concretizasse;
24. Acórdão esse que revogou, assim, o conteúdo do despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância datado de 05.04.2016 e notificado às partes mediante notificação elaborada em 07.04.2016;
25. Notificados deste douto Acórdão datado de 09.02.2017, os aqui RR. D… e E…, reagiram mediante a interposição de recurso de revista, através do qual arguiram o vício da nulidade por excesso de pronúncia e, ainda, que incorreu em erro na determinação e aplicação da lei do processo;
26. Por douto Acórdão de 24.10.2017, o Supremo Tribunal de Justiça julgou o recurso de revista inadmissível, pelo que não conheceu do seu objeto;
27. No prazo de 30 dias a contar daquela decisão (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.02.2017), o aqui A. marido não pediu a restituição do bem;
28. Nos autos da ação especial de divisão de coisa comum acima identificada não foi promovido o seu registo;
29. Quando a R. F… procedeu ao registo da sua aquisição (04.09.2016), na sequência da doação que lhe foi feita pelos seus pais, inexistia qualquer inscrição relativa ao registo da ação;
30. À data da outorga da escritura de doação (25.08.2016), bem como à data da apresentação do registo (04.09.2016), a última inscrição em vigor correspondia ao registo de aquisição do imóvel a favor dos seus pais, aqui primeiros RR.;
31. Os AA., apesar de conhecedores da doação efetuada pelos primeiros RR. à filha
de ambos e aqui R. F…, desde, pelo menos, 19.12.2017, não promoveram a habilitação daquela R.;
32. Pelo Tribunal da Relação do Porto foi proferido douto acórdão em 26.04.2018 no apenso B), que conheceu das questões do recurso interposto pelos aqui RR. que recaiu sobre o despacho proferido a 11.12.2017 (Ref. 387553972), julgando-o improcedente e, em que designadamente foi dito o seguinte:
“Defendem, finalmente, os recorrentes que, não tendo o recorrido pedido, na sequência da adjudicação do imóvel, nos termos do disposto no artigo 839º, nº 3, a sua restituição, apenas tem direito à sua parte do preço já depositado. Dispõe, na verdade, o artigo 839º, cuja epígrafe é “Casos em que a venda fica sem efeito”, no n.º 3, que “Nos casos previstos nas alíneas, a), b) e c) do nº 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de trinta dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço”. E a al. c) do nº 1 estipula que a venda fica sem efeito, se for anulado o acto da venda, nos termos do artigo 195º. Ora, no caso, a anulação da venda é consequência do caso julgado formal formado pelo anterior acórdão deste Tribunal (referência ao acórdão de 09.02.2017), e não, como se sublinhou, por efeitos da ocorrência de qualquer nulidade do despacho que adjudicou aos recorrentes o imóvel, pelo que não tem aplicação o disposto no artigo 893º, nº 3.”;
33. A R. F… interveio na mesma acção, pretendendo exercer o direito de remição e recorreu do indeferimento do mesmo.
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se na seguintes questões:
— impugnação da matéria de facto;
— caso julgado (autoridade do caso julgado);
— redução da doação;
—litigância de má fé
3.1. Da impugnação da matéria de facto
Pretendem os apelantes a eliminação dos pontos 6 a 8 da matéria de facto provada,
do teor seguinte:
]5. O prédio em questão foi registado na Conservatória do Registo Predial de Gondomar a favor dos primeiros RR. com base num título de transmissão emitido em 15.07.2016, data em que o despacho com a ref.ª 369803373 não tinha transitado em julgado;] 6. Circunstância que os primeiros RR. conheciam perfeitamente, atendendo às datas, quer do recurso, quer da resposta dos RR. à alegação do A., como da data da admissão do recurso; 7. Apesar de tal recurso, ter sido admitido em 23.06.2016 e notificado às partes em 29.06.2016, os RR., prevalecendo-se do Título de Transmissão emitido em 15.07.2016, registaram o prédio em seu nome, através da AP. 3248 de 2016/07/20; 8. Para em 25.08.2016, o doarem à filha, a R. E…, que o registou a seu favor pela AP. 11 de 2016/09/04;
A 1.ª instância fundou a sua convicção nos seguintes termos:
Todos os factos acima elencados fundamentam-se na consulta e análise integral e exaustiva do processo n.º 923/13.7TBGDM que correu termos no Juizo Local Cível de Gondomar - J3, seus recursos em separado, designadamente o apenso B), do qual foram extraídas algumas peças processuais e juntas nestes autos pelas partes, mas cujo processo se manterá junto a estes autos para consulta até trânsito da sentença final destes autos.
Sustentam os apelantes D… e E… que, em 15.07.2016, data em que a secretaria daquele Tribunal de 1.ª instância, em cumprimento do despacho datado de 26.06.2016, que lhes adjudicou o bem imóvel em causa, emitiu o título de transmissão a seu favor, tendo certificado em tal documento que o despacho de adjudicação ora certificado foi devidamente notificado a todos os interessados e transitou em julgado (ponto 20 da matéria de facto provada), desconheciam que o referido despacho não tinha transitado em julgado, o que veio a ser declarado pelo Tribunal de recurso apenas em 26.04.2018 (fls. 83 a 95 do apenso B).
Questionam-se como poderiam conhecer que na data de emissão do que lhes adjudicara o imóvel não transitara em julgado, quando o então R., ora apelado, notificado do despacho de adjudicação nada fez para revertê-lo e lhes foi passado título de transmissão, com nota de trânsito do despacho ao abrigo do qual fora emitido.
Concluem que, ao entender como se entendeu nos pontos 6, 7 e 8 da matéria de facto provada, o Tribunal recorrido desconsiderou as legítimas expectativas criadas aos apelantes D… e E…. pelo Tribunal de 1.ª instância onde correram os autos com o número 923/13.7TBGDM, no sentido de que, com a prolação do despacho datado de 23.06.2016, e emissão do respectivo título de transmissão em 15.07.2016, com a certificação do trânsito em julgado do primeiro, tal despacho que lhes adjudicou o imóvel em causa tinha efectivamente transitado em julgado, estando protegido pelo caso julgado formal, nos termos do artigo 620.º CPC.
Não assiste razão aos apelantes.
Com efeito, a conclusão de que os apelantes tinham conhecimento que o despacho de adjudicação não transitara em julgado decorre da cronologia do processo de divisão de coisa comum.
A saber:
— 07.12.2015 — despacho de aceitação da proposta dos aqui apelados por ser a proposta de valor mais elevado;
— 03.02.2016 — despacho concedendo-lhes prazo para proceder ao depósito
do preço;
— requerimento de dispensa de depósito da parte do preço que não era necessária para pagar a quota do consorte, sobre o qual não recaiu qualquer despacho;
— 28.04.2016 — despacho a determinar que ficava sem efeito a venda ao aqui apelado e a aceitar a proposta de valor inferior apresentada pelos aqui apelantes;
— 20.05.2016 — recurso deste despacho pelo ora apelado, tendo os ora apelantes apresentado contra-alegações;
— 23.06.2016 — despacho que admitiu o recurso;
— 23.06.2016 — despacho a adjudicar o imóvel aos aqui 1.ºs apelantes e a ordenar a emissão de título de transmissão;
— 15.07.2016 — emissão do título de transmissão com nota de que o despacho de adjudicação transitou em julgado;
— 25.08.2016 — outorga da escritura de doação;
— 04.09.2016 — registo da doação;
— 09.02.2017 — acórdão da Relação que, julgando procedente a apelação do aqui apelado, revogou o despacho de 28.04.2016 para ser substituído por outro no qual se determinasse a manutenção da venda ao aqui apelado, se definisse qual o preço a depositar e prazo para o depósito.
Resulta claramente desta cronologia que, quando foi outorgada a doação e efectuado o respectivo registo, encontrava-se sob recurso o despacho a determinar que ficava sem efeito a venda ao aqui apelado e a aceitar a proposta de valor inferior apresentada pelos aqui apelantes, e que possibilitou a posterior adjudicação a seu favor.
E se e é certo que não houve interposição de recurso do despacho de adjudicação a seu favor, não podiam os 1.ºs apelantes ignorar que esse despacho estava geneticamente ligado ao despacho que deu sem efeito a venda efectuada ao ora apelado e aceitou a proposta imediatamente inferior apresentada pelos ora 1.ºs apelantes (cfr. ponto 15 da matéria de facto provada), sendo decorrência lógica deste.
Interposto recurso deste despacho (ponto 16 da matéria de facto provada), o destino do despacho de adjudicação do imóvel aos apelantes ficou dependente do resultado deste recurso: em caso de procedência do recurso, e adjudicação a favor do recorrente, como sucedeu, naturalmente ficaria sem sustentação a adjudicação a favor dos 1.ºs apelantes.
E é facto incontroverso que os 1.ºs apelantes tinham conhecimento da existência do recurso, pois apresentaram contra-alegações
Nessa conformidade, não obstante indevidamente constar do título de transmissão que o despacho de adjudicação transitara em julgado, os ora apelantes não podiam ignorar que a procedência do recurso reverteria a situação, como, aliás, veio a suceder, ainda que tenham pugnado pela improcedência do mesmo.
Não se pode, pois, falar em confiança legitima que os 1.ºs apelantes depositaram no despacho datado de 23.06.2016, e no título de transmissão emitido pelo Tribunal de 1.ª instância em 15.07.2016.
A circunstância de o despacho de adjudicação ter sido proferido no mesmo dia em que foi admitido o recurso do despacho datado de 28.04.2016 (despacho a determinar que ficava sem efeito a venda ao aqui apelado e a aceitar a proposta de valor inferior apresentada pelos aqui apelantes) em nada corrobora a pretensão dos apelantes.
Nem pode ser interpretada “um sinal produzido por aquele Tribunal de 1.ª instância no sentido de que a admissão do recurso ali interposto pelos aqui AA. não invalidaria a adjudicação do imóvel que, na mesma data, lhe foi a ser feita”, ou que esse sinal
“veio a ser corroborado com a emissão pelo mesmo Tribunal do respetivo título de transmissão em 15.0.7.2016, com a certificação de que o despacho de adjudicação ora certificado foi devidamente notificado a todos os interessados e transitou em julgado.”
Com efeito, trata -se de consequências do efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso.
Por todo o exposto, é irrelevante que do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09.02.2017, não conste qualquer declaração de nulidade ou anulação do título de transmissão emitido em 15.07.2016 a favor dos 1.ºs apelantes.
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.
3.2. Do caso julgado
A este propósito, ponderou a decisão recorrida:
Perante a leitura atenta das várias decisões proferidas na acção nº 923/13.7TBGDM resulta à exaustão que o imóvel descrito nestes autos foi adjudicado ao aqui Autor por decisão transitada em julgado e que o despacho que havia adjudicado o mesmo bem ao aqui Réu foi dado sem efeito em consequência do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/2/2017 que revogou o despacho datado de 28/4/2016 (Ref. 367048173) e que manteve a venda ao aqui Autor.
Em sede de contestação desta acção, os aqui RR, voltam a repisar argumentos que foram decididos definitivamente por decisões proferidas naquela acção de divisão de coisa comum, violando de forma ostensiva a obediência devida aos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto ali proferidos e que fizeram caso julgado, dentro e fora do processo, não podendo mais ser discutidos entre AA e RR, nem podendo sequer ser novamente objecto de decisão por este tribunal, sob pena de desobediência ao caso julgado e à autoridade do caso julgado.
Alegaram os aqui RR, a título de excepções peremptórias impeditivas do exercício do putativo direito dos AA:
1- que a adjudicação que lhes havia sido feita naqueles autos por despacho datado de 23/6/2016 com a referência 369803373 tinha transitado em julgado, estando protegida pelo caso julgado formal e, que entender-se doutro modo configura a violação dos princípios constitucionais da segurança e da protecção da confiança jurídica na eficácia das decisões judiciais;
2- que escalpelizado o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/2/2017 não consta qualquer declaração de nulidade ou anulação do título de transmissão emitido em 15/7/2016 a seu favor;
3- preclusão do putativo direito dos AA à restituição do bem, por não terem pedido a
restituição do bem no prazo de 30 dias a contar da decisão do Tribunal da Relação do Porto de 9/2/2017;
4- redução do negócio porque à data da outorga da escritura de doação à 2ª Ré (25/8/2016) o Réu sempre seria dono e legítimo proprietário de metade do imóvel, pelo que sempre poderia doar a sua quota parte no imóvel, não padecendo a doação de nulidade na sua totalidade, mas apenas quanto a metade do prédio;
5- falta de registo da acção de divisão de coisa comum e inoponibilidade à 2ª Ré adquirente da decisão aí proferida por não ter sido habilitada nesses autos.
Os aqui RR fizeram menção ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 9/2/2017, decisão essa que em definitivo manteve a venda do imóvel ao aqui Autor, revogando o despacho datado de 28/4/2016 ( Ref. 367048173), despacho esse que havia determinado que a venda ao Autor ficasse sem efeito e fosse aceite a proposta do aqui Réu.
Porém, omitiram os RR, que eles próprios recorreram do despacho datado de 11/12/2017 (Ref. 387553972), despacho esse que expressamente dizia “relativamente ao despacho de adjudicação proferido a fls. 314 ( ref. 369803373) a favor dos AA, considerando que o mesmo foi proferido com base na aceitação da venda constante do despacho de ref. 367048173 (cfr. fls. 301), que foi revogado pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 9/2/2017, conclui-se que tal adjudicação não produz efeitos ( v.g. artigo 195º nº 2 do CPC)”.
E nesse recurso, os aqui RR já argumentavam que o despacho datado de 23/6/2016 com a ref. 369803373 transitara em julgado, havia caso julgado formal e, que entendimento contrário colidiria com os princípios constitucionais da segurança e certeza jurídica, bem como não havia despacho expresso a declarar a nulidade ou anulação do título de transmissão emitido em 15/7/2016 a seu favor- mesmíssimas questões que abordam na contestação destes autos.
Pois bem, essas questões ficaram definitivamente apreciadas e resolvidas entre AA e 1º RR, quer pelas variadas decisões proferidas no processo nº 923/13.7TBGDM, quer em especial no referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/4/2018 (fls. 83 a 95 do apenso B) constituindo verdadeiro caso julgado material.
Como podem os RR insistir na alegação de que o despacho datado de 23/6/2016 com a ref. 369803373 transitara em julgado, que havia caso julgado formal, quando sabem perfeitamente que foram inúmeros os despachos que, no seguimento quer do Acórdão da Relação do Porto de 9/2/2017, quer do Acórdão da Relação do Porto de 26/4/2018 deram expressamente sem efeito a adjudicação que lhes havia sido feita?!
Isso mesmo consta expressamente do despacho, com a refª 403831271:
“Atento o trânsito em julgado do despacho recorrido, de fls 587, e anulação da adjudicação efectuada aos ora AA. pelo despacho com a refª 369803373(…)”.
Nesse mesmo despacho se escreveu “informe que o despacho com ref. 369803373 não transitou em julgado e foi anulado, pelo que o título de transmissão emitido em 15/07/2016 a favor dos ora AA não produz efeitos (…)”.
Consta também expressamente do Acórdão proferido em 09/02/2017, que julgou procedente o recurso interposto pelo ali R., a revogação do despacho recorrido datado de 28/04/2016, com a referência 367048173, determinando a sua substituição por outro no qual se determinasse a manutenção da venda ao ali R., se definisse qual o preço a depositar pelo mesmo
e se fixasse um prazo para que tal depósito se concretizasse. Por despacho proferido a 11/12/2017 foi escrito o seguinte: “Em obediência ao decidido
no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, determina-se a manutenção da venda do prédio identificado no art. 1º da petição inicial, registado na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 03214, ao ora R. B…. Relativamente ao despacho de adjudicação proferido a fls. 314 (ref. 369803373), a favor dos AA, considerando que o mesmo foi proferido com base na aceitação da venda constante do despacho de ref. 367048173 (cfr. fls. 301), que foi revogado pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 09/02/2017, conclui-se que tal adjudicação não produz efeitos ( v.g. art. 195º nº 2 do CPC).”
Também naquele recurso, os aqui RR argumentaram a questão da preclusão do direito dos AA à restituição do bem, por não terem pedido a restituição do bem no prazo de 30 dias a contar da decisão do Tribunal da Relação do Porto de 9/2/2017, questão essa que também foi definitivamente decidida no referido Acórdão de 26/4/2018, estando abrangida pelo caso julgado material.
A defesa apresentada pelos RR, no que a estes pontos concretos concerne consubstancia litigância de má-fé, porquanto reiteram numa oposição cuja falta de fundamento não podem ignorar pois como tal foi definitivamente decidida pelo Tribunal Superior na acção nº 923/13.7 TBGDM, visando protelar uma situação de impossibilidade de registo por parte dos aqui AA da adjudicação que lhes foi feita por sentença transitada em julgado, tentando perpetuar um registo de uma adjudicação que foi invalidada naquela acção, actuando manifestamente de má-fé, com dolo ou negligência grave, conforme contemplado o art. 542º nº 2 al. a) e d) do CPC, razão serão condenados em multa como prevê o nº 1 do referido preceito legal.
Quanto àquelas questões, aquela acção perante esta é prejudicial, porquanto nela já foram decididas por sentenças transitadas em julgado, não podendo este tribunal proferir nova decisão por imperativo quer do caso julgado material, quer mesmo da autoridade de caso julgado.
A autoridade de caso julgado implica uma aceitação de uma decisão proferida numa ação anterior, decisão que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda ação, enquanto questão prejudicial, constituindo, assim, uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior (cf. Teixeira de Sousa, citado no Ac RG de 21/5/2013, Proc. nº 1152/10.7TBVVD.G1, www.dgsi.pt).
Insurgem-se os apelantes contra este segmento da sentença, afirmando que não alegaram que a adjudicação que foi lhes feita naqueles autos por despacho datado de 23/6/2016 tinha transitado em julgado, estando protegida pelo caso julgado formal e, que entender-se doutro modo configura a violação dos princípios constitucionais da segurança e da protecção da confiança jurídica na eficácia das decisões judiciais, mas antes que o título de transmissão que lhes foi emitido em 15/07/2016, com a devida menção de que o despacho de adjudicação (…) transitou em julgado, culminou, de modo irreversível, o processo de transmissão da propriedade.
Atentemos nos artigos 19.º a 28.º da contestação dos apelantes:
19.º
Uma vez emitido o título de transmissão, o proponente fica investido na propriedade do bem ou na titularidade do direito e é com base nele que se efetua o registo da aquisição a seu favor e se procede oficiosamente ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do n.º 2 do art.º 824.º do Código Civil.
20.º
Daí que o título de transmissão seja documento bastante para instruir o pedido de registo definitivo da aquisição do bem, a favor do transmissário, nos termos do disposto nos artigos 43.º n.º 1, 92.º n.º 1 al. g) e 101.º nº 2, c), todos do C.R.Predial, como sucedeu no caso presente.
21.º
Disso mesmo deu conta a Conservatória do Registo Predial de Gondomar, através do despacho de recusa do “registo de ausência de efeitos da adjudicação do prédio a favor dos Autores” (aqui RR. D… e E…), ao elucidar que “a adjudicação já produziu os seus efeitos, uma vez que com base nela se efetuou o registo a favor dos autores e legitimou a alienação do prédio, por doação, a favor da dita F….” (Cfr. doc. n.º 2).
22.º
Em consequência, os RR. D… e E… confiaram (e confiam) que o título de transmissão que lhes foi emitido em 15/07/2016, com a devida menção de que o despacho de adjudicação (…) transitou em julgado, culminou, de modo irreversível, o processo de transmissão da propriedade.
23.º
Razão pela qual, munidos de tal título executivo, registaram a aquisição a seu favor do imóvel identificado em 1.º da petição inicial, através da Ap. 3248 de 20/07/2016.
24.º
Aliás, assim o apoiavam os mais elementares princípios constitucionais e processuais civis da segurança jurídica, estabilidade das instituições e instrumental do processo e decisão judicial e bem ainda da tutela da certeza jurídica das pessoas. - Cfr. Jorge Miranda, in “Manual de direito Constitucional, II, 3.ª ed., reim., Coimbra,1966, pág. 494, e Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Coimbra, 1998, pág. 257.
25.º
Com efeito, face à imperatividade do disposto no n.º 1 do art.º 613º NCPC, segundo o qual «proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa», extensível aos despachos nos termos do seu n.º 3, a decisão jurisdicional só pode ser alterada ou substituída, para além da via do recurso, pelas excepções a tal princípio expressamente consagradas nos arts. 614.° (rectificação de erros materiais), 616.º (reforma da sentença) do mesmo diploma legal (Ac. RL, de 27.6.2000: BMJ, 498.°-266).
26.º
Esta norma é, como bem sabemos, tributária do princípio da segurança jurídica, que exige estabilidade das relações jurídicas de forma a proteger a confiança legítima dos cidadãos.
27.º
Não olvidando o princípio do caso julgado, postulado destacado do princípio da segurança jurídica, assumindo-se como basilar do Estado de Direito Democrático.
28.º
Pelo que, entender doutro modo, configura uma violação dos princípios constitucionais do Estado de direito democrático, o princípio da juridicidade decorrente das garantias constitucionais da segurança e da proteção da confiança jurídica na eficácia das decisões judiciais, plasmados nos artigos 2.º, 20.º, nºs 1 e 4, e 202.º, 2 da CRP, o que, desde já, se invoca para todos os efeitos legais.
Efetivamente, a forma da alegação é diversa, mas não as suas consequências.
Como já se referiu, os apelantes não podiam confiar na menção de trânsito em julgado constante do título pois sabiam-na desconforme com a realidade, atenta a interposição de recurso do despacho que deu sem efeito a aceitação da proposta do ora apelado, cuja procedência arrastaria a adjudicação feita aos ora 1.ºs apelantes.
Na esteira da sentença recorrida, ficou definitivamente assente na acção de divisão de coisa comum que a propriedade do imóvel ora reivindicado pertence ao ora apelado, tendo ficado sem efeito a adjudicação que fora feita aos ora 1.ºs apelantes.
Recorde-se o primeiro ponto do segmento decisório da acção de divisão de coisa
comum: Declara-se reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano com a área total de 1462 m2, composto por casa de lavoura e área descoberta de 1208 m2, sito na Rua …, n.º …, na freguesia de …, concelho de Gondomar, inscrito na matriz predial sob o artigo 807, da extinta freguesia de …, actual artigo 3051, da união de freguesias de … e … e descrito na Conservatória do Registo predial de Gondomar sob o n.º 03214 da freguesia de …, por via da sua adjudicação.
Esta decisão impõe-se aos 1.ºs apelantes por força da autoridade do caso julgado.
A autoridade do caso julgado pode ser definida como a vertente positiva do caso julgado material, em contraposição à excepção do caso julgado, que constitui a vertente negativa.
Na excepção de caso julgado verifica-se uma total identidade entre causas, caracterizada pela tríplice identidade enunciada no artigo 581.º, n.º 1 CPC:, identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
Segundo o n.º 1 do artigo 580.º CPC, 580.º, n.º 2, a excepção do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Trata-se, pois, de impedir que o Tribunal, em detrimento da economia processual, profira nova decisão inútil: se a decisão fosse de teor idêntico, seria inútil; igualmente inútil, por ineficaz, seria a decisão que contrariasse decisão anterior, sendo certo que o artigo 625.º, n.º 1, CPC, estabelece que, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, prevalece a que tiver transitado em primeiro lugar.
Já na autoridade do caso julgado, a identidade do objecto da relação jurídica é meramente parcial: uma determinada questão decidida na primeira acção configura--se como questão prévia ou prejudicial na segunda acção, não podendo aí ser decidida em termos diversos.
Pretende-se obviar a que a relação jurídica material definida por uma decisão com trânsito em julgado possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica.
Miguel Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, in BMJ
325/49 e ss., analisou com particular profundidade a problemática do caso julgado material, sublinhando, a pgs. 168, que
… os efeitos do caso julgado material projectam-se em processo subsequente necessariamente como autoridade de caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objecto posterior, ou como excepção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objecto posterior.
E a pgs. 171 traça a distinção entre as duas figuras nos termos seguintes:
… quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente; quando a apreciação do objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva com excepção do caso julgado.
E acrescenta na página seguinte:
Dada a mútua determinação da autoridade de caso julgado e da excepção de caso julgado, o caso julgado material só se torna autoridade de caso julgado nas eventualidades de consumpção prejudicial entre objectos processuais. A consumpção prejudicial exige a pressuposição da decisão do objecto posterior pela decisão do objecto anterior, o que torna a decisão sobre o objecto antecedente uma premissa da decisão do objecto subsequente: existe sempre prejudicialidade entre a consequência jurídica decidida e as consequências jurídicas dela dependentes.
A pgs. 178-9, conclui:
Assim, verifica-se que o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente.
Quando vigora a autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta- -se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando da acção ou proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente - a normatividade da autoridade de caso
julgado provém directamente do efeito positivo do caso julgado material (…).
E em Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pg. 335:
A relação de prejudicialidade entre objectos processuais verifica-se quando a apreciação de um objecto (que é o prejudicial) constitui um pressuposto ou condição do julgamento de um outro objecto (que é o dependente). Também nesta situação tem relevância o caso julgado: a decisão proferida sobre o objecto prejudicial vale como autoridade de caso julgado na acção em que é apreciado o objecto dependente.
Nesta hipótese, o tribunal da acção dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial. Assim, por exemplo, o reconhecimento da propriedade na acção de reivindicação vale como autoridade de caso julgado num processo posterior em que o proprietário requer a condenação da contraparte no pagamento de uma indemnização pela ocupação indevida do imóvel (...).
No mesmo sentido, Rui Pinto, Exceção e Autoridade de Caso Julgado – Algumas Notas Provisórias, Julgar Online, Novembro de 2018, pg. 27,
Deste modo, se o efeito negativo do caso julgado (exceção de caso julgado) leva à admissão de apenas uma decisão de mérito sobre um mesmo objecto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo (autoridade de caso julgado) admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.
Em termos de construção lógica da decisão, na autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os fundamentos da segunda decisão; na exceção de caso julgado a decisão anterior obsta à segunda decisão.
Como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, vol. II, 3.ª edição, pg. 599,
A exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso
julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (CASTRO MENDES, Direito processual civil cit., II, ps. 770-771). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…).
Na jurisprudência destacamos o acórdão do STJ, de 24.04.2013, Lopes do Rego, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 7770/07.3TBVFR.P1.S1:
O fenómeno – essencial à garantia dos valores constitucionais da confiança e da segurança jurídica – da indiscutibilidade do julgamento constante de decisão judicial transitada em julgado pode revelar-se, na prática, através de diferentes vertentes ou modalidades.
Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 19/2/09, proferido pelo STJ no P. 09B0081:
A excepção de caso julgado visa evitar que o tribunal se veja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior. A autoridade de caso julgado significa que, decidida com força de caso julgado material uma determinada questão de mérito, não mais poderá ela ser apreciada numa acção subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.
Assim., em primeiro lugar, essa imutabilidade ou indiscutibilidade da decisão judicial definitiva impede que a questão que foi objecto da decisão proferida e inimpugnável (ou não tempestiva e adequadamente impugnada) possa voltar a ser, ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação do tribunal: se tal ocorrer, por força da figura da excepção de caso julgado - que reflecte a chamada função negativa da figura do caso julgado - deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objecto de uma anterior acção.
A figura da excepção de caso julgado – que a reforma de 1995/96 qualificou expressamente ( art. 494º, al. i) como dilatória - tem, pois, que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de esse mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado.
Pelo contrário, a figura da autoridade do caso julgado tem a ver com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção. Ou seja, estamos aqui confrontados com a chamada função positiva do caso julgado (perspetivada no CC de 1867 como conduzindo a uma inclusão do caso julgado entre os meios de prova – arts. 2407, nº4, e 2502º e segs.), mediante a qual a vinculatividade própria do instituto do caso julgado impõe que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal.
Nessa conformidade, a autoridade do caso julgado impede que os 1.ºs apelantes questionem nesta sede a propriedade do imóvel, através da invocação da nota de trânsito do despacho de adjudicação que sabem desconforme à realidade.
Nesta acção intentada pelos apelados já não está em causa a propriedade do imóvel, no confronto entre 1.ºs apelantes e apelados, definitivamente decidida, como bem se refere na decisão recorrida.
Aqui apenas se pode discutir a questão do registo e da oponibilidade da decisão proferida na acção de divisão de coisa comum à donatária, que não interveio na acção de divisão de coisa comum com o estatuto de parte (apenas como interveniente acidental, requerente da remição da venda), e que a sentença recorrida considerou terceira juridicamente interessada.
Ao esgrimir com a circunstância de indevidamente o título de transmissão fazer constar nota de trânsito do despacho de adjudicação os apelantes estão a tentar aproveitar-se de uma situação que sabem não corresponder à realidade, como já se deixou expresso a propósito da impugnação da matéria de facto, e que colide com o decidido na acção de divisão de coisa comum, com trânsito em julgado.
Estando representados por mandatário judicial não podiam ignorar que aquele título estava desconforme com a realidade e que, ao procederem ao registo com base no mesmo, obstaculariam o direito dos apelados que veio a ser reconhecido por sentença transitada em julgado.
E se alguma dúvida pudesse existir na altura em que foi efectuado o registo, já aquando da contestação desta acção só por manifesta má fé podem os apelantes pretender prevalecer-se dessa nota de trânsito em julgado do despacho de adjudicação, quando sabem que o mesmo foi invalidado pela procedência do recurso do despacho de 28.04.2016 (despacho a determinar que ficava sem efeito a venda ao aqui apelado e a aceitar a proposta de valor inferior apresentada pelos aqui apelantes) e subsequente tramitação que culminou no reconhecimento da propriedade do imóvel aos apelados.
A mera menção, desconforme a realidade, constante do título de transmissão, de que o despacho de adjudicação do imóvel aos 1.ºs apelantes transitou em julgado, não pode prevalecer sobre a decisão, transitada em julgado, que reconheceu aos apelados a propriedade do imóvel objecto da acção de divisão de coisa comum.
Proferido despacho, transitado em julgado, adjudicando a propriedade ao ora apelado, fica sem efeito tudo o que de contrário conste dos autos, designadamente a menção constante do título de transmissão a favor dos 1.ºs apelantes, rectius, fica ultrapassado o próprio título de transmissão a favor dos 1.ºs apelantes.
Não podem, pois, invocar em seu benefício os princípios constitucionais e processuais civis da segurança jurídica, estabilidade das instituições e instrumental do processo e decisão judicial e bem ainda da tutela da certeza jurídica das pessoas.
O mecanismo dos recursos têm como consequência a possibilidade de revogação das decisões, sem que isso colida com qualquer princípio constitucional ou processual.
A propriedade do imóvel objecto da acção de divisão de coisa comum não ficou definitivamente decidida pela emissão de título de transmissão, com (indevida) nota de trânsito do despacho de adjudicação aos 1.ºs apelantes), contrariamente ao pretendido pelos apelantes.
A decisão que reconheceu ao apelado a propriedade do imóvel em causa impõe-se aos 1.ºs apelantes nesta acção por força da autoridade do caso julgado, não admitindo qualquer discussão a esse respeito.
Sustentam os apelantes que também a questão suscitada nos artigos 37.º a 42.º da sua contestação não foi definitivamente decidida naquela acção de divisão de coisa comum.
Aí defenderam que em nenhuma das decisões proferidas naquela acção de divisão de coisa comum consta a declaração de nulidade ou anulação do título de transmissão emitido em 15.07.2016 a favor dos 1.ºs apelantes.
E acrescentam que os apelados também não o requereram essa declaração nesta demanda, limitando-se a pedir a declaração de nulidade e cancelamento do registo da aquisição do prédio a favor destes RR. pela Ap. 3248 de 2016/07/20.
Concluem afirmando que o referido título de transmissão emitido em 15.07.2016 a seu favor permanece como título de aquisição, através do qual estes ficaram investidos na propriedade do bem e com base no qual efetuaram o registo de aquisição a seu favor.
Ora, como já se referiu, com a adjudicação da propriedade a favor dos apelados ficou ultrapassado o título emitido a favor os 1.ºs apelantes.
A questão prende-se com os limites objectivos do caso julgado.
No que aos limites objetivos do caso julgado material concerne, embora a doutrina tradicional assinale que apenas abrange o segmento dispositivo da sentença, tem-se vindo a entender que, para além das questões expressamente contempladas no dispositivo, são ainda abrangidos pela força do caso julgado as que se apresentam como seu antecedente lógico necessário.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa, Estudos cit., pg. 339,
Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos
fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
O caso julgado da decisão também possui igualmente um valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou
definida na decisão transitada.
Mais adiante, a fls. 340:
Em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. Ou melhor:
esses fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.
(…)
Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, o valor de caso julgado. Esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta.
Na jurisprudência destacamos os acórdãos do STJ, de 12.02.2019, Hélder Almeida, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 654/13.8TBPTL.G1.S1; de 12.07.2011, Moreira Camilo, www.dgsi.pt.jstj,proc. nº. 129/07.4TBPST.S1; de 06.03.2008, Oliveira Rocha, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 08B402; da Relação de Guimarães, de 12.07.2011, Helena Melo, www.dgsi.pt.jtrg, proc. nº. 4959/10.1TBBRG.G1.
Ora, tendo os apelados sido declarados proprietários do referido imóvel não podem os 1.ºs apelantes também ser proprietários (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pg. 594, citando o acórdão do STJ, de 10.10.2012, CDP, 41, pg. 18, com anotação de Teixeira de Sousa).
A sentença não merece censura neste segmento.
3.3. Da redução da doação
Sustentam os apelantes que, ainda que se entenda que o título de transmissão emitido a favor dos 1.ºs apelantes foi invalidado, à data da outorga da escritura de doação à apelante F… (25.08.2016), o 1.º apelante sempre seria dono e legítimo proprietário de metade do imóvel em lide, adquirida em partilha de herança e registada a seu favor pela AP. 60 de 2002/07/23, e enquanto tal, poderia doar, como doou, a sua quota parte no imóvel em causa, sendo que a sentença proferida na acção de divisão de coisa comum, em que se consubstancia a adjudicação aos AA. e respetivo título de transmissão emitido em 28.05.2019, nunca será oponível à apelante F…, por se verificar a excepção plasmada no citado n.º 3 do artigo 263.º CPC.
Entendem que foram violados os artigos 292.º e 956.º CC, as alíneas a) dos n.ºs 1 dos artigos 2.º e 3.º CRP, e n.º 3 do artigo 263.º e 827.º CPC.
Após discorrer acerca dos efeitos da caso julgado em relação a terceiros e concluir que a apelante F… não pode ser considerada terceiro juridicamente indiferente, com a consequente impossibilidade de lhe estender a eficácia do caso julgado material, ponderou a sentença recorrida:
Porém, como a 2ª Ré adquiriu o imóvel por doação, na pendência da acção de divisão de coisa comum, a sentença proferida na acção nº 923/13.7TBGDM impõe-se à 2ª Ré e, isto porque, independentemente de não ter sido habilitada como adquirente (habilitação que até poderia ter sido promovida pela própria), segundo o art. 263º nº 3 do CPC a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção, excepção que não se verifica no caso em apreço, porquanto a acção de divisão de coisa comum não está sujeita a registo (o imóvel já se mostra registado a favor dos contitulares que pretendem a divisão) sendo assim irrelevante para a decisão da causa que não tenha sido registada essa acção antes da doação, uma vez que não o tinha de ser.
« (…) o nº 1 mantém a legitimidade do transmitente até que o adquirente seja julgado habilitado.
Trata-se de uma consequência do carácter facultativo da habilitação por transmissão entre vivos(…). A partir da transmissão, o transmitente que já não é titular da situação jurídica transmitida, substitui processualmente o adquirente, seu actual titular, litigando em nome próprio, mas em prossecução dum interesse que só indirectamente é seu (cf. Lebre de Freitas, Introdução, cit. P. 62).
Constitui ponto de regime essencial da figura da substituição processual a formação de caso julgado em face do substituído, como titular do interesse principal do qual depende o do substituto( cf. Manuel de Andrade, Nocões, cit., p. 295 e Lebre de Freitas, A confissão, cit, p. 87).
Razões de segurança jurídica impõe esta solução, não obstante a injustiça a que pode dar lugar, pois de outra forma seria fácil, quando a situação jurídica litigiosa é transmissível, frustrar a eficácia da sentença, praticando actos de transmissão, eventualmente sucessivos, na pendência da causa.» Isto é, a 2ª Ré adquiriu por doação dos 1º RR o imóvel que era objecto da acção de divisão de coisa comum, da qual tinha conhecimento e onde interveio, na pendência da mesma, num momento em que estava em recurso uma decisão que poderia determinar a adjudicação do bem aos aqui AA, tendo ocorrido um acto de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, sendo facultativa a habilitação da 2ª Ré como adquirente, no entanto, mesmo não tendo sido habilitada (e a 2ª Ré podia ter requerido a sua habilitação para prosseguir na posição que até aí era dos pais) a partir do momento em que é celebrada a doação os 1º RR deixaram de ter interesse directo na acção de divisão de coisa comum e limitaram-se a substituir processualmente a filha/2ª Ré, que passou a ser a verdadeira titular do direito litigioso e, por isso mesmo, a sentença
faz contra ela caso julgado pois que verdadeiramente interessada e titular do direito era já a 2ª Ré.
Assim sendo, a sentença de adjudicação do imóvel aos aqui AA impõe-se a todos os aqui RR, produzindo efeitos de caso julgado também em relação à 2ª Ré, estando todos eles obrigados a reconhecer os AA como os legítimos proprietários do imóvel objecto desta acção.
Conforme decorre das premissas de facto acima mencionadas, quando os aqui RR registaram definitivamente a seu favor a totalidade do imóvel descrito nestes autos não o deviam ter feito, porquanto não tinham decisão transitada em julgado de adjudicação desse bem, sendo que essa adjudicação veio a ser dada sem efeito por sentença transitada em julgado face à improcedência total do recurso interposto pelos aqui RR.
O prédio em questão foi registado na Conservatória do Registo Predial de Gondomar a favor dos primeiros RR com base num título de transmissão emitido em 15/07/2016, data em que o despacho com a refª 369803373 não tinha transitado em julgado, circunstância que os primeiros Réus conheciam perfeitamente.
Sendo assim, quando doaram esse bem à 2ª Ré, os 1º RR não eram os proprietários daquele bem, pelo contrário, já havia sido proferido despacho a aceitar a venda do bem ao aqui Autor proferido em 7/12/2015 e, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/2/2017, transitado em julgado, revogando a aceitação da proposta dos aqui RR, determinou a manutenção da venda ao aqui Autor, pelo que, verdadeiramente em 25/8/2016- data da celebração da doação dos aqui 1º RR à 2ª Ré- os 1º RR não eram proprietários nem da totalidade daquele bem, nem mesmo de metade (razão que determina a improcedência da redução do negócio), como sustentam, pois que esse mesmo imóvel já havia sido vendido aos aqui AA, com aceitação da proposta destes, só faltando ser depositado a parte do preço correspondente, que entretanto veio a ser depositado e veio a ser proferido despacho de adjudicação, consubstanciando aquela doação uma doação de bem alheio, nula, conforme art. 956º do CCivil e ineficaz perante os verdadeiros proprietários/AA. Em relação ao verdadeiro proprietário, a venda ou a doação de bens alheios como res
inter alios, é verdadeiramente ineficaz.( P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª edição, revista, Coimbra Editora, pág. 189).
Não tendo os aqui AA, verdadeiros proprietários do imóvel, por o terem adquirido por adjudicação na acção de divisão de coisa comum, tido intervenção no negócio de doação, esse ato de doação realizado entre os RR que visava transmitir aquela propriedade, em relação aos AA é ineficaz, insuscetível de produzir efeitos sobre o património dos AA.
E, sendo o negócio ineficaz em relação aos AA/proprietários, é inaplicável o disposto no arts. 291.º do CC (Ac STJ de 16/11/2010 Proc. nº 42/2001.C1.S1, www.dgsi.pt).
Adjudicado o imóvel aos aqui AA e, dada sem efeito a adjudicação do imóvel aos aqui RR, por sentença transitada em julgado, o facto registado pelos aqui RR da aquisição por compra judicial não pode permanecer em vigor por manifesta inexistência da referida aquisição.
E, a doação subsequente efectuada pelos 1º RR à 2ª Ré, nula por consubstanciar doação
de coisa alheia, ineficaz perante os AA, também não pode permanecer registada a seu favor, pois
que, declarada a nulidade da mesma e não podendo a 2ª Ré beneficiar da proteção prevista no art. 291º do CCivil por não se verificarem os requisitos exigidos pelo referido preceito legal ( desde logo não foi uma aquisição a título oneroso) tem de se determinar o consequente cancelamento do respectivo registo, repondo-se a veracidade que o registo deve espelhar.
E ainda que o bem alheio em causa tivesse sido transmitido mediante negócio oneroso,(não o tendo sido porquanto a doação consubstancia um negócio gratuito), também não poderia a 2ª Ré invocar o art. 291º do CCivil, perante os verdadeiros proprietários, aqui AA, por ser tal doação ineficaz.
«A proteção dos terceiros adquirentes de boa-fé estabelecida no art. 291º do C.Civil não é aplicável aos negócios gratuitos, assim como não é invocável no caso de negócio oneroso de transmissão de bens alheios, perante o verdadeiro proprietário, porquanto, perante o proprietário, aquele contrato não tem nenhum valor assumindo o cariz de inter allius acta, sendo que a ineficácia do contrato relativamente ao proprietário opera ipso iure.
IV - Não tendo o registo natureza constitutiva, mas apenas valor declarativo, os atos existem fora do registo, sendo o efeito deste simplesmente declarativo, não conferindo, por princípio, quaisquer direitos.»( Ac RP de 9/3/2020, Proc. nº 1873/18.6T8PVZ.P1).
Tal como se faz alusão no Acórdão acima mencionado, “Por outro lado, o artigo 291º do Código Civil que consagra um sistema protetivo dos interesses de terceiros (adquirentes a titulo oneroso de boa-fé), no tocante a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, não se aplica em casos de ineficácia do ato aquisitivo, como sucede, em relação ao verdadeiro proprietário, com a venda de coisa alheia.” (no mesmo sentido, Ac STJ de 06.12.2018, Proc. nº 7787/12.6TBSTB.E1.S1, www.dgsi.pt)
Apesar da doação de bens alheios ser ineficaz em relação ao respetivo proprietário, este pode pedir a declaração da sua nulidade no confronto entre o doador e o donatário (artigo 286º do
Código Civil), como fizeram os AA na presente acção.
Pelas razões acima expostas, têm de proceder totalmente as pretensões formuladas pelos AA, devendo os RR reconhecer os AA como legítimos proprietários do imóvel descrito nos autos, por adjudicação do imóvel na acção de divisão de coisa comum, o que determina o cancelamento do registo de aquisição do mesmo imóvel a favor dos 1º RR por manifesta inexistência da aquisição que foi levada ao registo pela AP 3248 de 2016/07/20, assim como determina a declaração da nulidade da doação subsequente efectuada pelos 1º RR à 2ª Ré e consequente cancelamento do registo efectuado a favor daquela pela AP 11 de 2016/09/04, estando a 2ª Ré obrigada a restituir esse imóvel aos AA.
Em face da procedência dos pedidos formulados pelos AA, tem de ser julgada totalmente improcedente a reconvenção deduzida pela 2ª Ré porquanto a doação que lhe foi efectuada padece de nulidade, é ineficaz perante os AA, estando obrigada a reconhecer os AA como os legítimos proprietários do bem que lhe havia sido doado por quem não era dele verdadeiro proprietário, não havendo lugar à aplicação da redução do negócio por a doação ter sido realizada num momento em que os RR já nem sequer eram proprietários de metade.
A acção de divisão de coisa comum visa pôr termo à compropriedade, designadamente por venda judicial por propostas em carta fechada e, aceite uma das propostas pelo tribunal, deixa o comproprietário de ter a disponibilidade de transacionar extrajudicialmente a sua quota parte no bem vendido (vendendo-a a terceiro ou doando-a), apenas tendo direito a receber a parte do preço que lhe caiba na venda judicial. Permitir-se a redução da doação, como pretende a 2ª Ré, implicaria obstaculizar a divisão de coisa comum que era pretendida na acção nº 923/13.7TBGDM, obrigando os aqui AA a propor nova acção para pôs termo à indivisão, quando os próprios 1º RR acordaram, em transação homologada por sentença proferida em 7/10/2015 (fls. 196 desses autos), pôr termo à indivisão através de venda judicial.
Esse acordo entre AA e RR reforça a ideia de que, mesmo que se perfilhasse a possibilidade da redução do negócio, por se defender que à data da doação os aqui 1º RR ainda eram comproprietários em ½ do imóvel doado (entendimento que não se perfilha), não se pode concluir que a vontade conjetural das partes fosse de manutenção da doação efectuada à 2ª Ré reduzido a metade do imóvel, pelo contrário, contrariaria frontalmente o referido acordo alcançado entre AA e RR quanto à venda judicial do imóvel com o fim de porem termo à indivisão.
Insurgem-se os apelantes contra este segmento da sentença, desde logo quando aí se afirma que a sentença proferida na acção de divisão de coisa comum lhe é oponível, por força do disposto no artigo 263.º CPC.
De acordo com o n.º 3 deste artigo, A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação.
A sentença recorrida, considerando não estar a acção de divisão de coisa comum sujeita a registo, concluiu pela oponibilidade daquela sentença à apelante F….
No entanto, as acções de divisão de coisa comum estão sujeitas a registo, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) em conjugação com o disposto no artigo 2.º, n,º 1, alínea a), CRP, já que delas resulta uma alteração do estatuto da propriedade.
Ora, não tendo a acção de divisão de coisa comum sido registada, a decisão aí proferida não é oponível à donatária que não foi aí habilitada.
É essa inoponibilidade que justifica a acção a que este recurso se reporta, destinada a convencer apelante F… da propriedade dos apelados sobre o imóvel.
O apelado, na acção de divisão de coisa comum, apresentou uma proposta de aquisição mais elevada e, após vicissitudes várias, foi-lhe emitido o título de transmissão, ficando sem efeito o título de transmissão emitido a favor dos 1.ºs apelantes.
Logradas as tentativas dos apelantes de questionarem o reconhecimento da propriedade do imóvel em causa aos apelados, há que retirar as devidas consequências.
Quando foi feita a doação, apesar de estarem munidos de um título de transmissão com — indevida — nota de trânsito, os 1.ºs apelantes eram “proprietários provisórios”, passe a impropriedade da expressão, no sentido de que a sua posição poderia ser — com o efectivamente foi — revertida em sede de recurso.
Daqui resulta linearmente a precariedade dos actos praticados ao abrigo desse estatuto.
Perdido o estatuto de “proprietário provisório” pelos 1.ºs apelantes, a doação deixou de ter suporte, configurando-se como acto a non domino.
Como se afirmou na sentença recorrida, a doação é ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário, de nada valendo o registo que foi efectuado a favor da 1.ª apelante.
Nas palavras de Vaz Serra, RLJ 100.º, pg. 59,
A lei não atribui ao adquirente de coisa ou direito alheio, ainda que de boa fé, salvo caos excepcionais, uma protecção tal que vença o direito do verdadeiro titular.
Uma das situações excepcionais de protecção de terceiros de boa fé está prevista no artigo 291.º CC, cujo n.º 1 dispõe que A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
Este artigo contempla o conflito entre o direito do primeiro alienante e o direito de terceiro numa cadeia de negócios inválidos (Maria Clara Sottomayor , Invalidade e Registo, A protecção do terceiro adquirente de boa fé, Almedina, pg. 335).
No caso vertente, não temos uma sequência de negócios inválidos, mas negócios válidos que foram invalidados posteriormente por força da procedência de um recurso.
Para além de não se aplicar aos negócios gratuitos, como a doação, tem-se entendido que o artigo 291.º CC não abrange igualmente as situações de ineficácia, por se tratar norma excepcional, insusceptível de aplicação analógica.
Por outro lado, é irrelevante que à data da doação os 1.ºs apelantes pudessem arrogar-se proprietários, a coberto do título de transmissão com nota de trânsito do despacho de adjudicação.
O lapso de que enfermava o título não tem a virtualidade de alterar a realidade, nem o registo definitivo da propriedade a favor dos 1.ºs apelantes tem o condão de os transformar em proprietários, em detrimento do verdadeiro proprietário — os ora apelados.
O registo não dá nem tira direitos — assim se expressa a natureza não constitutiva
do registo predial, excepção feita à hipoteca (cfr. artigo 687.º CC, e 4.º, n.º 2, CRP).
Na verdade, estamos perante um registo nulo, nos termos do artigo 16.º, alínea a), CRP, nos termos do qual o registo é nulo quando for falso ou tiver sido lavrado com base em título falso.
Segundo Isabel Pereira Mendes, Código de Registo Predial Anotado e comentado, Almedina, 12.ª edição, pg. 134, a falsidade a que se refere o artigo 16.º CRP é a falsidade regulada pelas normas de direito substantivo, v.g., artigo 372.º CC.
Assim, nos termos do artigo 372.º, n.º 2, CC, 2. O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.
Importa concluir que o título de transmissão emitido a favor dos 1.ºs apelantes é nulo, por atestar o trânsito em julgado de um despacho não definitivo, susceptível de ser revertido por via de recurso, como efectivamente foi.
Embora os apelados não tenham formulado expressamente o pedido de declaração de nulidade do título de transmissão a favor dos 1.ºs apelantes, ele constitui pressuposto lógico do pedido de declaração do registo de propriedade a seu favor, devendo entender-se como implicitamente deduzido (cfr. acórdão do STJ, de 22.09.2005, Moitinho de Almeida, www.dgsi.pt.jstj, proc. 05B2166; de 24.01.1995, C.J.S.T.J., 95, I, 38, relativamente ao pedido de reivindicação, e o acórdão da Relação de Lisboa, 18.01.1996 C.J., 96, I, 92, relativamente ao pedido de resolução do contrato de arrendamento, Abrantes Geraldes, Temas do Processo Civil, Almedina I, 109).
Assim, declara-se a nulidade do título de transmissão emitido a favor dos 1.ºs apelantes.
De acordo com o artigo 17.º, n.º 2, CRP, a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade.
Sendo a doação um acto gratuito (artigo 940.º, n.º 1, CC), a aquisição da propriedade pela apelante F…, embora registada, não goza de protecção.
Discordam ainda os apelantes da sentença quando afirma que, à data da doação (25.08.2016), os 1.ºs apelantes não eram proprietários nem da totalidade nem da metade do imóvel, por ter sido proferido despacho a aceitar a venda do bem ao apelado, só faltando ser depositado a parte do preço correspondente, que entretanto veio a ser depositado e veio a ser proferido despacho de adjudicação, consubstanciando aquela doação uma doação de bem alheio, nula, conforme artigo 956.º CC, e ineficaz perante os verdadeiros proprietários/AA.
Conforme assinalam os apelantes, na venda executiva, aplicável ex vi artigo 549.º, n.º 2, CPC, a transferência da propriedade apenas tem lugar com a emissão, pelo agente de execução (neste caso, oficial de justiça), do respectivo título de transmissão, o que apenas ocorre depois de certificado o pagamento do preço e o cumprimento (ou da isenção) das legais obrigações fiscais (artigo 827.º, n.º 1, CPC).
Nessa conformidade, à data da doação, os 1.ºs apelantes eram efectivamente proprietários do imóvel, embora deixassem de o ser quando foi emitido título de transmissão a favor dos apelados.
Por essa razão, a questão da redução da doação não se põe: a um “proprietário provisório” sucedeu o verdadeiro proprietário, com as devidas consequências, a saber, insubsistência da doação, conflituante com aquele direito.
O que os apelantes confessadamente pretendiam através da redução da doação, nos termos do artigo 292.º CC, era a (re)constituição da compropriedade — agora entre apelados e a apelante E… —, tornando necessária nova acção de divisão de coisa comum para pôr termo à indivisão.
Aliás, não se coaduna com os princípios da boa fé que aqueles que desencadearam a acção de divisão de coisa comum, confrontados com uma proposta superior à que apresentaram e aproveitando-se de dois erros da secretaria judicial — não registo da acção de divisão de coisa comum e emissão de título de transmissão falso—, inviabilizassem a concretização dessa divisão, fazendo uma doação do seu quinhão, obrigando a uma nova acção de divisão de coisa comum.
Importa concluir: os verdadeiros proprietários do imóvel em causa são os apelados e, não obstante a acção de divisão de coisa comum não ter sido registada, o registo da doação a favor da apelante F… não lhe confere qualquer protecção, por se tratar de acto gratuito.
O direito do verdadeiro proprietário prevalece sobre o direito daquele que adquiriu gratuitamente a proprietário aparente (no sentido que era um proprietário com estatuto precário).
3.4. Da litigância de má fé
Insurgem-se, ainda, os apelantes contra a sua condenação como litigantes de má-fé, numa multa processual fixada em cinco unidades de conta, pugnando pela sua redução, ou, se assim não se entender pela sua redução para duas UC.
Nos termos do artigo 542.º, nº 1, C.P.C., tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
O conceito de litigância de má fé encontra-se explicitado no n.º 2 do mesmo artigo:
Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
As alíneas a) e b) contemplam a má fé material, enquanto as alíneas c) e d) consagram a má fé instrumental.
A sentença recorrida alicerçou a sua condenação como litigantes de má fé na seguinte argumentação:
Perante a leitura atenta das várias decisões proferidas na acção nº 923/13.7TBGDM resulta à exaustão que o imóvel descrito nestes autos foi adjudicado ao aqui Autor por decisão transitada em julgado e que o despacho que havia adjudicado o mesmo bem ao aqui Réu foi dado sem efeito em consequência do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/2/2017 que revogou o despacho datado de 28/4/2016 (Ref. 367048173) e que manteve a venda ao aqui Autor.
Em sede de contestação desta acção, os aqui RR, voltam a repisar argumentos que foram decididos definitivamente por decisões proferidas naquela acção de divisão de coisa comum, violando de forma ostensiva a obediência devida aos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto ali proferidos e que fizeram caso julgado, dentro e fora do processo, não podendo mais ser discutidos entre AA e RR, nem podendo sequer ser novamente objecto de decisão por este tribunal, sob pena de desobediência ao caso julgado e à autoridade do caso julgado.
Alegaram os aqui RR, a título de excepções peremptórias impeditivas do exercício do putativo direito dos AA:
1- que a adjudicação que lhes havia sido feita naqueles autos por despacho datado de 23/6/2016 com a referência 369803373 tinha transitado em julgado, estando protegida pelo caso julgado formal e, que entender-se doutro modo configura a violação dos princípios constitucionais da segurança e da protecção da confiança jurídica na eficácia das decisões judiciais;
2- que escalpelizado o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/2/2017 não consta qualquer declaração de nulidade ou anulação do título de transmissão emitido em 15/7/2016 a seu favor;
3- preclusão do putativo direito dos AA à restituição do bem, por não terem pedido a restituição do bem no prazo de 30 dias a contar da decisão do Tribunal da Relação do Porto de 9/2/2017;
4- redução do negócio porque à data da outorga da escritura de doação à 2ª Ré (25/8/2016) o Réu sempre seria dono e legítimo proprietário de metade do imóvel, pelo que sempre poderia doar a sua quota parte no imóvel, não padecendo a doação de nulidade na sua totalidade, mas apenas quanto a metade do prédio;
5- falta de registo da acção de divisão de coisa comum e inoponibilidade à 2ª Ré
adquirente da decisão aí proferida por não ter sido habilitada nesses autos.
Acompanham-se os apelantes quando afirmam que a sanção por litigância de má-fé apenas pode e deve ser aplicada nos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, como também ao seu antagonista no processo, exigindo-se que o julgador seja prudente e cuidadoso, só devendo proferir decisão condenatória por litigância de má-fé apenas no caso de se estar perante uma situação donde não possam emergir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da sua parte.
Entendemos, por isso, que se justifica a condenação como litigante de má fé.
Dos pontos em que o Tribunal recorrido fez assentar a condenação por litigância de má fé, os apelantes penitenciaram-se por terem suscitado a questão a que se reporta o ponto 3, aceitando que esta havia sido definitivamente decidida pelo Tribunal da Relação do Porto.
Relativamente ao ponto 5, assiste-lhes razão quando à necessidade de registo da acção, de divisão de coisa comum, como já referido supra, e quanto à inoponibilidade da decisão aí proferida à apelante.
No entanto, e em conformidade, apenas esta apelante F… poderia discutir a questão da oponibilidade do direito de propriedade dos apelados perante o registo da doação a seu favor.
Face ao que ficou demonstrado na acção de divisão de coisa comum, e não tendo sido arguido qualquer vício que inquinasse aquela decisão, não é questionável a aquisição pelos apelados da quota dos 1.ºs apelantes no imóvel em causa.
Designadamente não se pode pretender que a propriedade do imóvel pertence, na totalidade (devido a um erro do título de transmissão) ou na proporção de metade aos 1.ºs apelantes (neste caso com a consequência perversa de se regressar à indivisão).
Quanto aos demais pontos, remetemos para o que foi dito supra.
Os apelantes ultrapassaram os limites aceitáveis na defesa das suas pretensões, continuando a obstaculizar o direito de propriedade dos apelados, sabendo que foram eles que apresentaram a proposta mais elevada, depositaram a quantia necessária para pagar a quota do consorte e demais quantias legais, tendo sido passado título de transmissão a seu favor, pretendendo prevalecer-se de um registo obtido através de um título de transmissão falso.
Justifica-se, pois, uma censura severa da conduta dos apelantes.
Nos termos do artigo 27.º, n.º 1, RCP, Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.
E, de acordo com o n.º 3 deste artigo Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.
Dispõe o n.º 4 que O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
Entendemos que a condenação em cinco UC peca por defeito, mas, atenta a proibição da reformatio in pejus, é de manter.
4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes (artigo 527.º, CPC).
Porto, 13 de Julho de 2021
Márcia Portela
Carlos Querido
José Igreja Matos