I - A liquidação das sociedades não provoca a extinção dos direitos ou obrigações de que as sociedades eram titulares, ou o termo das acções pendentes que os tenham por objecto, que continuam a ser tramitadas.
II - A sociedade considera-se substituída nessas acções pendentes, sem necessidade de habilitação, pelos sócios, representados pelos liquidatários (art. 162.º do CSC)
III - Tratando-se de acções nas quais as sociedades vieram cobrar créditos sobre terceiros, que continuaram apesar da extinção das sociedades, a procedência da pretensão de cobrança pode conduzir ao reconhecimento judicial de activos que não foram objecto de liquidação, e que, não sendo voluntariamente satisfeitos, podem vir a justificar a propositura de acções executivas, baseadas nas sentenças condenatórias.
IV - Nessa eventualidade, embora a acção executiva seja instaurada pelos ex-sócios, o crédito cuja satisfação efectiva assim se pretende é o que foi reconhecido pela sentença condenatória, que é o título executivo, e não um crédito exigido pelos sócios per se, nos termos que lhes permitiria o art. 164.º do CSC.
V - Assim sendo, o prazo de prescrição aplicável é o que corresponde ao crédito objecto da acção declarativa (20 anos, se for o caso), não se aplicando o n.º 3 do art. 174.º do CSC, que prevê um prazo de prescrição de 5 anos, contados desde o “registo da extinção da sociedade”, para os créditos de uma sociedade extinta exigidos contra terceiros por ex-sócios.
1. No âmbito da execução movida em 20 de Setembro de 2016 por AA e BB contra CC e DD, pretendendo o pagamento de € 147 674,55, DD deduziu embargos de executado, defendendo a sua absolvição da instância, o levantamento das penhoras, a suspensão da execução e a condenação dos exequentes como litigantes de má fé.
Para o efeito, e em síntese, alegou: a falta de legitimidade dos exequentes “para propor qualquer acção contra o executado”, uma vez que o título executivo é uma sentença condenatória, proferida em acção instaurada pela sociedade Lda.”, de que os exequentes eram sócios, que “se encontra extinta desde 16/02/2006, com encerramento da liquidação, não podendo “a acção prosseguir os seus termos”, não sendo aplicáveis os artigos 162.º e 164.º do Código das Sociedades Comerciais; a existência de “caso julgado anterior à sentença que se executa”, por ter sido anteriormente homologada por sentença transitada uma transação (que, aliás, é nula), conduzindo à ocorrência de uma “excepção inominada de transacção”; a prescrição do crédito invocado, por terem decorrido mais de cinco anos desde a inscrição no registo do encerramento da liquidação, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 174.º do Código das Sociedades Comerciais; a utilização “de um expediente processual com o único intuito de enriquecer ilegitimamente”, sendo justificada a condenação em multa não inferior a € 2 500,00 e indemnização a liquidar; a impossibilidade de prestar caução para obter a suspensão da execução, que deve ser decretada nos termos do disposto no artigo 722.º do Código de Processo Civil.
Os exequentes/embargados contestaram. No que toca ao pedido de suspensão, requereram “que a venda de bens penhorados [fosse] suspensa até à decisão dos embargos”.
Pelo despacho de fls. 33, foi deferido o pedido de “suspensão da execução após a fase da penhora, ou seja, a prática de actos de venda fica a aguardar a decisão dos embargos de executado”
Os embargos foram julgados improcedentes, tendo sido ordenado o prosseguimento da execução. Para o que agora releva, entendeu-se, na sentença, que “Atentos os factos provados e a natureza da dívida aqui em causa, baseada em sentença judicial condenatória do aqui executado/embargante, proferida no dia 23/09/2009 e transitada em julgado no dia 22/10/2009 – título executivo –, afigura-se-nos que o prazo de prescrição da dívida exequenda é o prazo geral de 20 anos previsto no art.º 309.º do Cód. Civil.
O direito de crédito aqui em causa foi objeto de uma ação judicial declarativa instaurada em 2005, a qual terminou com a sentença de condenação proferida no dia 23/09/2009, transitada em julgado no dia 22/10/2009, definindo e reconhecendo o direito de crédito que aqui é executado.”
O Tribunal da Relação …, todavia, julgando a apelação interposta pelo embargante, concedeu provimento ao recurso e julgou o crédito exequendo extinto por prescrição; consequentemente, determinou a extinção da execução relativamente ao embargante (acórdão de fls.190).
Em síntese, o Tribunal da Relação …. considerou que “extinta a sociedade comercial titular de um crédito sobre terceiro, não tendo este crédito sido objecto das operações de liquidação e partilha pelos sócios, depois da extinção da sociedade os ex-sócios podem coligar-se e exigir do devedor a satisfação do crédito na medida da quota-parte do interesse dos sócios coligados. Para o efeito, os ex-sócios dispõem de legitimidade para instaurarem acções judiciais para cobrança do crédito, independentemente da liquidação e sem prejuízo de isso ser feito pelo liquidatário que actuará no caso como representante legal da globalidade dos sócios. (…) tendo a sociedade comercial credora sido extinta em 16/02/2006 e tendo os ex-sócios instaurado a acção executiva contra o devedor reclamando para si o pagamento do crédito somente em 20/09/2016, mais de 10 anos depois da extinção da sociedade, o crédito que os mesmos pretendem exigir do terceiro devedor encontrava-se já prescrito, independentemente de saber se o estaria no caso de a sociedade não ter sido extinta e ser ela a exigir o pagamento.”
Deste acórdão foi interposto recurso de revista pelos exequentes. Nas alegações que apresentaram, formularam as seguintes conclusões:
«(…) E - No tocante à prescrição do crédito dos Recorrentes, com o devido respeito, que é muito, esteve mal o Tribunal da Relação ………… quando aplica erradamente o dispositivo legal, entendendo que ao caso em concreto se aplica o prazo do art.º 174º do CSC. (de 5 anos), quando em boa verdade, a norma a aplicar é a constante no art.º 309º e 311º, ambos do Código Civil.
F - O citado crédito a favor da SOCIEDADE COMERCIAL EXTINTA foi reconhecido com a sentença judicial de 23/9/2009, inexistindo qualquer renúncia válida a tal crédito ou perdão do mesmo por parte dos aqui Recorrentes, os quais nunca prescindiram dos seus direitos em relação ao executado.
G - Atentos os factos provados e a natureza da dívida aqui em causa, baseada em SENTENÇA CONDENATÓRIA do aqui Executado/Recorrido, proferida em 23/9/2009 e transitada em julgado no dia 22/10/2019 – título executivo – o prazo de prescrição da dívida exequenda é o prazo geral de 20 anos previsto no art.º 309º do Código Civil.
H - O direito de crédito em causa foi objecto de uma acção judicial declarativa instaurada em 2005, a qual terminou com a sentença de condenação proferida apenas no dia 23/9/2009, transitada em julgado em 22/10/2009, definindo e reconhecendo o direito de crédito dos aqui recorrentes.
I - Com o prazo do art.º 174 n.º 3 do CSC, de 5 anos, o legislador visou tão-só impedir que as partes (sócios) esperem muito tempo para reclamarem dos devedores os seus créditos da sociedade que não foram cobrados no decurso da respectiva liquidação.
J - Mas no caso em apreço e existindo uma prévia acção declarativa, na qual foi proferida a sentença condenatória transitada em julgado a reconhecer o crédito, fica excluída a aplicação do disposto no art.º 174º nº 3 do CSC, por falta dos pressupostos legais, inexistindo justificação válida e relevante para aplicar tal caso excepcional e curto de prescrição a uma dívida já reconhecida/constituída por sentença transitada em julgado.
L - Justifica-se, pois, tutelar os direitos dos aqui Credores/Recorrentes que obtiveram uma sentença judicial de condenação transitada em julgado a reconhecer os seus direitos perante o devedor, que já estão munidos de um TITULO EXECUTIVO contra o devedor, tendo este perfeito conhecimento de tais factos e tal situação permanecendo sem pagar a quantia que devia e SEM CUMPRIR A SENTENÇA QUE O CONDENOU, inexistindo motivos para penalizar os titulares do direito de credito aqui exequendo.
M - Nesse sentido o Acórdão nº 2342/14.9TTLSB-C-Tribunal da Relação de Lisboa que consagra que prazo para executar um crédito reconhecido por sentença judicial transitada em julgado é de 20 anos.
N - Também o art.º 311 n.º 1 do Código Civil estatui que o direito para cuja prescrição a lei estabeleça um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença transitada em julgado que reconheça tal direito, que foi o caso.
O - No caso em apreço a execução em causa foi instaurada em 20/9/2016 muito antes do fim do prazo de prescrição de 20 anos, vindo tal prazo a interromper-se no 5º dia posterior à instauração da execução.
P - Daí que por força do regime previsto nos artºs 309, 311º, nº 1, 323 nºs 1 e 2 e 327 n.º 1 todos do Código Civil não se verifica a prescrição do crédito aqui em causa.”.
O embargante/executado contra-alegou, sustentando a confirmação do acórdão recorrido e voltando a defender a ilegitimidade dos embargados/exequentes e a inaplicabilidade dos artigos 162.º e 164.º do Código das Sociedades Comerciais.
O recurso de revista foi admitido, com efeito meramente devolutivo.
2. Vem definitivamente provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):
«1.- Os exequentes deram à execução como título executivo a sentença constante do processo executivo a que este está apenso, proferida em 23/09/2009 e transitada em julgado no dia 22/10/2009, no âmbito da acção declarativa ordinária com o n.º 8523/05…- da então ….. Vara de Competência Mista …, na qual, entre o mais, foi o ora embargante/executado condenado a pagar à sociedade Hermano e Fernando Lda., a quantia de €111.994,48, acrescida de juros moratórios legais, bem como a quantia de €4.638,82, conforme tudo consta do documento junto e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2.- Os exequentes instauraram a presente execução em 20/09/2016, através do requerimento executivo que se encontra junto, nele indicando como título executivo o acima indicado, fazendo constar, do local destinado a exposição dos factos, o seguinte:
«1. Por sentença judicial transitada em julgado em 22/10/2009, os executados foram condenados a pagarem solidariamente à sociedade Hermano e Fernando, Lda., encerrada na pendência da acção declarativa, tendo os seus dois sócios, nos termos do artigo 162º e 164º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, legitimidade para a presente execução: - 111.994, 48 € acrescida de juros à taxa legal; - 4.638, 82 € respeitante ao valor dos bens e equipamentos em falta.
2. Até à presente data, os executados nada pagaram, estando em dívida a quantia de 111.994,48€ acrescida de juros à taxa legal no montante de 30.990,25€ e a quantia de 4.638,82€, no total de 147.632,55€.
3. Aos valores supra descritos acresce a quantia paga a título de taxa de justiça para promoção da presente execução, 51,00 €.
4. Assim, resulta que a dívida exequenda totaliza a quantia de 147.674,55 €, à qual acrescerão os juros de mora vincendos e todas despesas decorrentes da presente execução, nomeadamente com o Agente de Execução e que serão liquidadas a final.
5. A dívida é certa, exigível e líquida.
6. A sentença condenatória é título executivo, ao abrigo do disposto no artigo 703.º, alínea a) do Código de Processo Civil e 626, nº 2 do CPC.»
3.- Em 07/04/2005, conforme a deliberação dos únicos sócios e aqui exequentes de 30/11/2004, foi dissolvida a referida sociedade Hermano e Fernando, Lda., sendo nomeado liquidatário o sóciogerente BB, com posterior encerramento da liquidação, conforme a deliberação de 22/12/2005 (ata n.º 45), o que ficou a constar do registo comercial em 16/02/2006, como tudo consta dos documentos juntos à petição de embargos e nestes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4.- A execução sumária n.º 15477/16……….. (cujo n.º anterior era 8523/05….), do Juízo de Execução …-Juiz …., foi instaurada no dia 22/07/2016 e foi declarada extinta em Outubro de 2016, por desistência da aí exequente (a referida sociedade extinta), apresentada em 20/09/2016, o que foi tudo notificado às partes, conforme tudo consta da documentação junta aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5.- Em 29/06/2009, no âmbito da audiência de julgamento da citada acção declarativa ordinária com o n.º 8523/05…., da então … Vara de Competência Mista ………., foi celebrado acordo/transacção apenas entre a sociedade aí autora e os aí réus EE, HH, FF e GG, o que foi homologado por sentença proferida nessa data, transitada em julgado em 09/07/2009, prosseguindo o julgamento e tais autos na parte restante do pedido e quanto aos demais réus e aqui executados, conforme tudo consta da documentação junta aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.»
3. Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o respectivo objecto, está em causa saber se deve ou não considerar-se extinto por prescrição o crédito exequendo, questão que, no caso, depende de ser aplicável o prazo de 5 anos previsto no n.º 3 do artigo 174.º do CSC ou antes o prazo ordinário de prescrição, de 20 anos, nomeadamente em virtude da aplicação do disposto no artigo 309.º do Código Civil.
Todavia, porque essa questão está intrinsecamente ligada à da legitimidade dos exequentes para instaurarem a execução, fundada numa sentença condenatória proferida numa acção declarativa proposta pela sociedade extinta, tratar-se-á igualmente deste ponto. Recorde-se, aliás, que o recorrido, nas contra-alegações da revista, sustentou novamente a ilegitimidade dos exequentes, questão que, de qualquer forma, sempre seria de conhecimento oficioso.
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
– legitimidade dos exequentes, para uma execução baseada numa sentença proferida numa acção proposta pela sociedade extinta
– extinção (ou não) do crédito exequendo, por prescrição.
4. Estamos perante uma execução baseada numa sentença condenatória proferida numa acção proposta pela sociedade Hermano e Fernando, Lda. – cfr. requerimento executivo, transcrito no ponto 2 dos factos provados – de que os exequentes eram os únicos sócios, na qual o embargante foi condenado no pagamento da” quantia de €111.994,48, acrescida de juros moratórios legais, bem como (n)a quantia de €4.638,82” (ponto 1 dos factos provados).
Entende-se que os exequentes têm legitimidade para a presente execução, como resulta do disposto nos artigos 703.º, n.º 1, a), 53.º, n.º 1 e 54.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 162.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais: a sociedade foi liquidada na pendência da acção declarativa na qual foi proferida a sentença que aqui foi apresentada como título executivo, passando a ser substituída pelos sócios, representados pelo liquidatário, sem necessidade de habilitação (n.ºs 1 e 2 do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais). Resultando do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais essa substituição processual da sociedade extinta, a sentença que deu ganho de causa à sociedade pode ser utilizada como título executivo pelos exequentes, que a completam com a indicação, no requerimento executivo, dos motivos que justificam a sua legitimidade para instaurar a execução com base na referida sentença.
Como o Supremo Tribunal de Justiça já teve a ocasião de expressamente recordar, a liquidação das sociedades não provoca a extinção dos direitos ou obrigações de que as sociedades eram titulares, ou o termo das acções pendentes que os tenham por objecto, que continuam a ser tramitadas: «Com a extinção, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como flui do disposto nos arts. 162º, 163º e 164º. Estes normativos tratam de matérias conexas, todas elas derivadas da subsistência de relações jurídicas depois de extinta a sociedade. Assim, no tocante às acções pendentes em que a sociedade seja parte, elas continuam após a extinção desta, que se considera substituída – sem que haja lugar a suspensão da instância, uma vez que não é necessária habilitação – pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários» (acórdão de 26 de Junho de 2008, www.dgsi.pt, proc. n.º 08B1184, aqui citado a título de exemplo. Também expressamente, por ex., o acórdão de 25 de Outubro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2).
Tratando-se de acções nas quais as sociedades vieram cobrar créditos sobre terceiros, que continuaram apesar da extinção das sociedades, a procedência da pretensão de cobrança pode conduzir, como sucedeu no caso presente, ao reconhecimento judicial de activos que não foram objecto de liquidação, e que, não sendo voluntariamente satisfeitos, podem vir a justificar a propositura de acções executivas, baseadas nas sentenças condenatórias. Certo é que, em tal eventualidade – como aqui aconteceu –, embora a acção executiva seja instaurada pelos ex-sócios, o crédito cuja satisfação efectiva assim se pretende é o que foi reconhecido pela sentença condenatória e não um crédito exigido pelos sócios per se nos termos que lhes permitiria o artigo 164.º do Código das Sociedades Comerciais , por se dever considerar abrangido por este preceito o passivo não liquidado, embora não superveniente em sentido próprio (cfr., por ex., o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 207, www.dgsi.pt, proc. n.º 573/14.5TBTNV.E1.S1).
Se assim não fosse, isto é, a entender-se que a presente execução se encontra abrangida pelo n.º 2 do artigo 164.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, os exequentes não disporiam de título executivo; só dispõem porque a sociedade instaurou a correspondente acção de condenação e é a sentença proferida nessa acção que serve de título. Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 1735/11.8TBBRG.G1-A.S1-A, segundo “o nº 2 do art.164º - as acções para cobrança de créditos da sociedade abrangidos pelo disposto no número anterior podem ser propostas pelos liquidatários que, para tal efeito são considerados representantes legais da generalidade dos sócios; qualquer destes pode, contudo, propor acção limitada ao seu interesse. Do que estamos a falar quando falamos, portanto, dos direitos de crédito exigíveis por antigos sócios contra terceiros é da cobrança de créditos da sociedade que estejam abrangidos – é este o nº1 do art.164º – na existência de bens não partilhados. Estes créditos, sim, estes créditos em relação aos quais se pode falar de cobrança, esses, prescrevem no prazo de cinco anos”.
5. É certo que o n.º 3 do artigo 174.º do Código das Sociedades Comerciais prevê um prazo de prescrição de 5 anos, contados desde o “registo da extinção da sociedade”, para os créditos de uma sociedade extinta exigidos contra terceiros por ex-sócios; e que este prazo se aplica às cobranças, por antigos sócios (“nos termos dos artigos 163.º e 164.”) de créditos de que era titular a sociedade extinta que não foram objecto de partilha, como se disse já (cfr. como ex., o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1013, www.dgsi.pt., proc.n.º 1735/11.8TBBRG.G1-A.S1-A). Como escreve Carolina Cunha, “O n.º 3 incide sobre o período posterior à extinção da sociedade (operado pelo registo do encerramento da liquidação – cfr. art. 160.º, 2) e contempla as situações de “passivo superveniente” e de “activo superveniente” (art. 164.º), ou seja, a prescrição dos direitos de crédito de terceiros contra a sociedade (exercíveis, nos termos do art. 163.º, contra os antigos sócios, em sua substituição) e dos direitos da sociedade extinta, agora encabeçados nos sócios, contra terceiros. O facto relevante é, previsivelmente, a extinção da sociedade. A norma ressalva, todavia, a possibilidade de os direitos em causa, por força de outros regimes (desde logo, das regras gerais do CCiv que lhes sejam aplicáveis), prescreverem ainda antes do final do prazo de cinco anos a que submete seu exercício.» (In Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol II, Coord. Jorge Coutinho de Abreu, Coimbra, 2011, p. 742). Sucede que, no caso, o direito de crédito já fora judicialmente exercido antes da extinção da sociedade, vindo a ser reconhecido pela sentença que agora é o título executivo.
É facilmente compreensível a definição de prazos curtos de prescrição para estes casos: mesmo quando o direito da sociedade extinta estivesse sujeito a um prazo mais longo de prescrição – nomeadamente, de 20 anos, como é a regra (artigo 309.º do Código Civil) e seria o caso presente –, pretende-se que se estabilize num tempo razoável a situação de eventuais devedores de sociedades extintas, tal como sucede com os ex-sócios, relativamente a créditos de terceiros. Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Abril de 2017, www.dgsi.pt, proc.n.º 275/15.0T8AGH.L1.S1, “Optou o legislador por um prazo substancialmente mais reduzido do que o prazo ordinário de vinte anos estabelecido no artigo 309º do Código Civil, considerando também aqui nefasta a indefinição de direitos por período de tempo tão dilatado.”.
Não se refere apenas o objectivo de considerar consolidada a liquidação da sociedade num tempo razoável porque, não obstante a prescrição provocar a extinção de direitos pelo decurso do tempo, tal como a caducidade, a verdade é que essa extinção opera de forma diferente – diferença que, no caso, é relevante.
Tal como se observou, por exemplo, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 17 de Novembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 1372/10.4T2AVR.C1.S1, ou de 22 de Outubro de 2015, www.dgsi.pt, proc. n.º 273/13.9YHLSB.L1.S1, «diferentemente do que sucede com a caducidade, o decurso de um prazo de prescrição não extingue o direito a que corresponde; antes confere ao sujeito passivo o poder de se opor ao respectivo exercício, invocando a prescrição (nº 1 do artigo 304º do Código Civil). É justamente por isso que não pode “ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita”, mesmo que o devedor tenha cumprido ignorando a prescrição (nº 2), em sintonia com o regime definido para o cumprimento das obrigações naturais (artigo 403º do Código Civil); e que o tribunal não pode declarar um direito extinto por prescrição oficiosamente (artigo 303º do Código Civil). O regime da extinção de direitos por prescrição sanciona, por esta via, a inércia do titular do direito, contra a qual se protege o sujeito passivo”. Por isso mesmo, os prazos de prescrição suspendem-se e interrompem-se (artigos 318º e segs. e 323º e segs. do Código Civil).» Como recorda António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 3.ª ed., Coimbra, 2020, pág. 687, “A prescrição fundamenta-se na necessidade de relevar o devedor da prova do cumprimento, passado muito tempo sobre o mesmo e na conveniência em promover a paz e a segurança jurídicas”. Funciona “como reacção à inércia do titular do direito, fundada num imperativo de justiça” (Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre a Prescrição e a Caducidade, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, vol. III, Coimbra, 2010, pág. 33 e segs., pág. 39).
Pela mesma razão, «tratando-se do exercício judicial de um direito sujeito a um prazo de prescrição, não é o momento da propositura da acção que releva para saber se o direito foi oportunamente exercido, mas sim o da citação do réu: é com a citação que o sujeito passivo é avisado de que a parte contrária pretende exercer o direito – nº 1 do artigo 323º do Código Civil, sabendo-se que só com a citação é que a acção é eficaz relativamente ao réu (nº 2 do artigo 259º do Código de Processo Civil). É a citação que interrompe a prescrição.
Não sendo a citação efectuada nos cinco dias seguintes à propositura da acção, “por causa não imputável ao requerente” (nº2 do mesmo artigo 323º), então a prescrição tem-se por interrompida no fim desse prazo, por uma razão evidente de protecção do autor, que não controla a execução da citação por parte do tribunal. (…) Diversamente, o decurso do prazo de caducidade extingue o direito de cujo exercício se trate. A caducidade não tem por fundamento primeiro a protecção do sujeito passivo, mas sim o valor da certeza e segurança dos direitos. Se o direito foi exercido dentro do prazo – tratando-se de um direito a exercer judicialmente, se a acção correspondente foi proposta dentro desse prazo (cfr. o nº 1 do artigo 259º do Código de Processo Civil, quanto ao momento em que uma acção se considera proposta) –, é indiferente o momento da citação do réu, para o efeito de determinar se o direito foi ou não oportunamente exercido. Como expressamente se diz no nº 1 do artigo 331º do Código Civil, “só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”; cfr. no entanto o efeito do reconhecimento, em certos casos (nº 2 do mesmo preceito).É por causa desta forma de operar a extinção dos direitos que os prazos de caducidade legalmente estabelecida não se suspendem nem se interrompem (artigos 328º e 330º, nº 2 do Código Civil).»
6. No caso, os ora executados/embargantes foram citados para a acção proposta pela sociedade Hermano e Fernando, Lda., sendo assim avisados de que a sociedade pretendia exercer o direito que veio a ser reconhecido na sentença agora dada à execução.
A prescrição de 20 anos, interrompida com a citação, recomeçou a correr com o trânsito em julgado da sentença condenatória (n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil), que ocorreu em 22 de Outubro de 2009.
Não pode assim proceder a invocação da extinção do crédito exequendo por prescrição.
A terminar, esclarece-se a razão pela qual não se recorre ao disposto no n.º 1 do artigo 311.º do Código Civil, que determina que, sendo reconhecido por sentença um crédito sujeito a um prazo de prescrição mais curto do que o prazo ordinário de 20 anos, o novo prazo de prescrição a ter em conta é este prazo ordinário. Como escreveu Vaz Serra, “Prescrição Extintiva e Caducidade”, sep. do Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa, 1961, pág.341, “(…) a solução (…) pode justificar-se com a consideração de que o titular, desde que o seu direito está reconhecido por sentença transitada em julgado, é natural se sinta mais à vontade para não exercer tal direito com a prontidão com que o faria valer antes da sentença”.
No caso presente, todavia, a questão não se põe, uma vez que vale sempre o prazo de prescrição ordinária, correspondente ao crédito objecto da acção declarativa proposta ainda pela sociedade.
Tendo transitado em julgado em 22 de Outubro de 2009 a sentença condenatória, a execução foi instaurada antes de decorridos o prazo de prescrição de 20 anos, em 20 de Setembro de 2016. Improcedem, portanto, os embargos de executado.
7. Nestes termos, concede-se provimento à revista, revoga-se o acórdão recorrido e, repristinando a sentença, julgam-se improcedentes os embargos de executado, determinando-se o prosseguimento da execução.
Custas pelo recorrido.
Comunique à Sr.ª Agente de Execução.
Lisboa, 17 de Junho de 2021
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Olindo Geraldes
Maria do Rosário Morgado