I - O regime de caducidade da garantia prevista no n.º 1 do artigo 183.ºA, do CPPT (na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29-12), teve por propósito imprimir celeridade na condução dos processos e pretendeu consagrar um justo equilíbrio entre as partes, fazendo impender sobre o Estado os riscos da falta de boa cobrança do imposto quando, por culpa dos serviços da administração fiscal ou dos tribunais, não são cumpridos os prazos que o legislador considera razoáveis para decidir os mencionados litígios.
II - A figura do deferimento tácito, prevista para a actividade administrativa, sem correspondência no âmbito da actividade jurisdicional (onde vigora o regime das decisões judiciais expressas), consubstancia uma verdadeira decisão (expressa) de sentido favorável ao interessado e está sujeito ao regime da extinção do poder jurisdicional quanto à matéria sobre a qual o mesmo recaiu.
III - Nos termos do n.º 5 do citado artigo 183.ºA do CPPT, a única condição para que ocorra o deferimento tácito é a mera constatação de que decorreu o prazo de 30 dias para a prolação da decisão (sem que esta tenha sido proferida), irrelevando a questão de saber se decorreu ou não o prazo de 1 ou de 3 anos previsto para a caducidade da garantia.
IV - O deferimento tácito da declaração de caducidade da garantia requerida determina a extinção da obrigação de caucionar e a consequente extinção do contrato de seguro-caução celebrado.
V - Tendo a autora procedido ao pagamento à administração fiscal da quantia em dívida ao abrigo de um contrato de seguro-caução já cessado, não lhe assiste o direito de sub-rogação que pretende fazer valer através da acção (artigos 15.º das Condições Gerais da Apólice e 165.º do RJCS).
I – Relatório
1. SEGURADORAS UNIDAS, SA (cuja denominação foi, entretanto, alterada para GENERALI SEGUROS, SA) intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra, MUNDIGLOBE TRADING - COMÉRCIO INTERNACIONAL, SA, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de 107.181,56€, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Fundamentou a acção no direito de regresso que detém sobre a Ré enquanto tomadora de um seguro-caução com a ela celebrado e no âmbito do qual procedeu ao pagamento da quantia segura.
Alegou para o efeito, essencialmente:
- ter celebrado com a Ré, no exercício da sua actividade, um contrato de seguro-caução, com início em 15-10-2001, pelo prazo de um ano e seguintes, que veio a ser titulado pela apólice n.º …...74, com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 3107-01/…. instaurada contra a Ré, sendo beneficiária da apólice a Direcção-Geral dos Impostos (Serviço de Finanças …. – ….);
- não ter a Ré procedido ao pagamento do valor em dívida no âmbito daquele processo, tendo a beneficiária da apólice accionado a garantia do seguro de caução, pedindo o valor em dívida de 107.181,56€, por si pago.
2. A Ré contestou, defendendo-se por excepção (caducidade do seguro e abuso do direito). Impugnou ainda a factualidade alegada na petição.
No que respeita à caducidade, referiu fundamentalmente:
- destinar-se o seguro-caução à obtenção de efeito suspensivo no âmbito da acção administrativa especial (que correu termos sob o 56/05….., no …. Juízo, ….. Secção do Tribunal Administrativo e Fiscal do ….) instaurada na sequência da execução fiscal aludida na petição, tendo a reclamação graciosa dado entrada na Direcção de Finanças ….., em 22-06-2001;
- ter requerido, em 05-12-2005 e em face do tempo decorrido, o reconhecimento da caducidade do seguro-caução;
- ter comunicado à mediadora, em 26-09-2005, o cancelamento do seguro, com cópia da carta que remeteu à Autora na mesma data, não tendo, após esse momento, pago qualquer prémio do seguro;
- não ter a Autora, após tal data, solicitado o pagamento de qualquer prémio.
Relativamente ao abuso do direito considera a Ré que a pretensão da Autora mostra-se manifestamente ilegítima (por exceder os limites impostos pela boa-fé, subsumindo-se à modalidade de venire contra factum proprium), uma vez que a mesma procedeu ao pagamento conhecendo que o seguro-caução se encontrava caducado quando foi accionado pelo Serviço de Finanças e quando já tinha deixado de emitir quaisquer recibos relativos ao prémio.
Conclui, por isso, no sentido da improcedência da acção.
3. Em resposta a Autora alegou que não poderia unilateralmente cancelar o seguro por nunca ter recebido indicação por parte do Tribunal nesse sentido nem autorização do beneficiário para o efeito. Refere ainda que à data da apresentação do pedido de verificação da caducidade da garantia (05-12-2005), ainda não havia decorrido o prazo de três anos a que alude o artigo 183.º-A, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT). Pede por isso a condenação da Ré como litigante de má-fé, em multa e numa indemnização de 1.000,00€.
4. A Ré exerceu o contraditório no que toca à invocada litigância de má fé.
5. Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, fixado valor à causa, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
6. Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença (em 21-02-2020) que julgou procedente a excepção de caducidade, absolvendo a Ré do pedido.
7. A Autora interpôs recurso impugnando também a decisão quanto à matéria de facto. O tribunal da Relação ….. (por acórdão de 10-11-2020), alterando a matéria de facto, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão da 1.ª instância.
8. Continuando inconformada, a Autora interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do Código do Processo Civil (doravante CPC), invocando como acórdão-fundamento o proferido pelo tribunal da Relação de Lisboa, em 09-01-2020, no âmbito do Processo n.º 2011/16.5T8LRS.L1, já transitado em julgado[1].
Formulou as seguintes conclusões (transcrição):
1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal a quo que julgou a apelação improcedente, mantendo a decisão recorrida, e que havia absolvido a ré do pedido.
2. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a Seguradora Autora aqui recorrente não pode concordar com os fundamentos de direito que sustentam o douto acórdão agora proferido, pelo que com o mesmo não se conforma.
3. Na verdade, e sempre com o máximo respeito por entendimento diverso, entende a Seguradora aqui recorrente que andou mal o Venerando Tribunal a quo no tratamento jurídico conferido à questão da caducidade da garantia prestada pela R. no âmbito do processo de impugnação judicial de decisão tributária, e da inerente caducidade do contrato de seguro-caução celebrado com a Seguradora ora recorrente, procedendo a uma desadequada aplicação do direito, nomeadamente quanto ao regime da caducidade previsto no art.º 183.º-A do CPPT e seus efeitos em sede de cumprimento do contrato de seguro-caução em causa nos presentes autos.
4. É entendimento da Seguradora aqui recorrente que à luz do disposto no art.º 183.º-A do CPPT e da Condições Gerais da Apólice de seguro aqui em apreço, não se operou a caducidade da garantia prestada pela Ré ora recorrida e, por conseguinte, também não estava extinto, por caducidade, o contrato de seguro-caução aquando da interpelação, para cumprimento, levada a cabo pela beneficiária Autoridade Tributária.
5. Quer a douta sentença proferida em 1.ª instância, quer o douto acórdão que a confirmou (pese embora tenha introduzido alterações ao nível da decisão de facto) e de que agora se recorre, pronunciaram-se sobre a supra citada questão fundamental de direito que agora se submete a douta sindicância deste Supremo Tribunal de Justiça.
6. Com efeito, em ambas as sobreditas decisões se considerou que:
. a caducidade da garantia determinada pelo decurso dos períodos referidos no art.º 183.º-A, n.º 1 do CPPT é de efeito automático e não tendo o tribunal tributário a quem foi dirigido o pedido de reconhecimento da caducidade, proferido qualquer decisão sobre tal requerimento, se impõe considerar a verificação de deferimento tácito;
. havendo que reconhecer a formação de deferimento tácito do requerimento de declaração de caducidade da garantia, opera-se a extinção da obrigação de caucionar que, à luz do disposto na cláusula 9.ª, n.º 1 das Condições Gerais da Apólice, determina a caducidade do contrato de seguro-caução;
. a tal efeito não obsta o comportamento posterior da Administração Fiscal (no sentido do accionamento da garantia e interpelação da Seguradora para cumprir) e da própria recorrida, que não revelam que para as partes o contrato de seguro-caução se mantinha válido e eficaz;
. a falta de pagamento do prémios de seguro e sua não cobrança pela Seguradora são reveladoras de que o contrato seguro caução estava extinto;
. extinto o contrato de seguro por caducidade, o pagamento da Seguradora à administração fiscal do valor em dívida não encontra cobertura no contrato de seguro, já cessado, não havendo lugar ao invocado direito de sub-rogação previsto na cláusula 15.ª das Condições Gerais da Apólice, pois era indevido o pagamento levado a cabo pela Seguradora.
7. É este, pois, o segmento decisório que se pretende sindicar agora em sede de revista, e perante este Supremo Tribunal de Justiça.
8. Justifica-se, e face ao que antecede, a interposição e o conhecimento do presente recurso como de revista excepcional, dado estarem preenchidos os pressupostos para tanto exigidos.
Com efeito,
9. Soçobrou em sede de apelação, e para o que aqui releva, a pretensão da Seguradora aqui recorrente no sentido de que lhe assiste o peticionado direito de sub-rogação sobre o segurado, quanto ao que pagou à Autoridade Tributária, porquanto não se operou a caducidade da garanta prestada para suspender a execução fiscal, nomeadamente por deferimento tácito, revelando o comportamento da AT/beneficiária, ao citar e notificar a Seguradora para cumprir a obrigação emergente do contrato de seguro-caução, face à falta de pagamento da executada/tomadora, bem como o comportamento da própria Ré aqui recorrida (ao remeter-se ao silêncio quando questionada a propósito da legitimidade da interpelação da Autoridade Tributária para o cumprimento da obrigação garantida), que a garantia prestada se mantinha válida.
10. À semelhança do que sucedeu na 1.ª instância, o Venerando Tribunal da Relação considerou que no caso em apreço, a obrigação de garantia prestada pela Ré para suspender a execução fiscal, caducou fruto do decurso do prazo previsto no art.º 183.º-A, n.º 1 do CPPT, tendo-se operado, consequentemente, a caducidade do contrato de seguro-caução, pelo que, quando a Seguradora, após accionamento do contrato de seguro pela beneficiária Autoridade Tributária e interpelação para cumprimento, pagou o valor previsto no contrato de seguro, tal pagamento foi indevidamente realizado, não lhe assistindo o invocado direito a ser ressarcida de tal valor pela Ré, enquanto tomadora do seguro.
11. Salvo o devido respeito, a Seguradora Recorrente não se conforma com o douto acórdão proferido, discordando dos fundamentos jurídicos que o sustentam e quanto a esta concreta questão fundamental de direito.
Da admissibilidade do recurso enquanto revista excepcional
12. Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 671.º, n.º 3 do CPC, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância – são as situações de “dupla conforme”.
13. Contudo, e apesar desta restrição de acesso a uma 2.ª instância recursiva, o legislador entendeu consagrar as circunstâncias excepcionais em que apesar de se verificar esta “dupla conforme”, ainda assim é possibilitado às partes o acesso a um 3º e derradeiro grau de jurisdição.
14. Nesse sentido, estabelece-se, no art.º 672.º, n.º 1 do CPC (intitulado “revista excepcional”) que, excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do art.º 671.º quando:
a. Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
b. Estejam em causa interesses de particular relevância social;
c. O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação do pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.
15. Nos presentes autos foram proferidas, na 1ª instância e posteriormente na Relação, duas decisões de idêntico teor, e que incidiram sobre a interpretação e solução jurídica a conferir às seguintes questões:
. a caducidade da garantia determinada pelo decurso dos períodos referidos no art.º 183º-A, n.º 1 do CPPT, é de efeito automático e não tendo o tribunal tributário a quem foi dirigido o pedido de reconhecimento da caducidade, proferido qualquer decisão sobre tal requerimento, se impõe considerar a verificação de deferimento tácito;
. havendo que reconhecer a formação de deferimento tácito do requerimento de declaração de caducidade da garantia, opera-se a extinção da obrigação de caucionar que, à luz do disposto na cláusula 9.ª, n.º 1 das Condições Gerais da Apólice, determina a caducidade do contrato de seguro-caução;
. a tal efeito não obsta o comportamento posterior da administração fiscal (no sentido do accionamento da garantia e interpelação da Seguradora para cumprir) e da própria recorrida, que não revelam que para as partes o contrato de seguro-caução se mantinha válido e eficaz;
. a falta de pagamento do prémios de seguro e sua não cobrança pela seguradora são reveladoras de que o contrato de seguro-caução estava extinto;
. extinto o contrato de seguro por caducidade, o pagamento da seguradora à administração fiscal do valor em dívida não encontra cobertura no contrato de seguro, já cessado, não havendo lugar ao invocado direito de sub-rogação previsto no art. 15º das CGA, pois era indevido o pagamento levado a cabo pela Seguradora.
16. O entendimento plasmado pelas duas instâncias espelha-se no seguinte trecho constante do douto acórdão ora posto em crise:
(...) O tribunal limita-se a verificar a caducidade. Está é um efeito automático do decurso dos períodos referidos no art. 183º-A, n.º 1 do CPPT sem que seja proferida decisão no processo administrativo ou judicial, limitando-se o tribunal a verificar a caducidade, como se estabelece no n.º 4. Dai que a intervenção do tribunal seja meramente declarativa e não constitutiva (...)
Sucede que, a verificação da caducidade, cabendo ao tribunal tributário de 1ª instância onde estiver pendente a impugnação, deve ser proferida no prazo de trinta dias - cf art. 183º-A, n.º 4 do CPPT.
In casu, o tribunal a quem foi dirigido o pedido de reconhecimento da caducidade não chegou a proferir qualquer decisão sobre tal requerimento, pelo que, nos termos do n.º 5 do art, 183º-A, n.º 5 do CPPT, se impõe considerar tacitamente deferido o requerido, decisão que não consta ter sido, de modo algum, colocada em crise, não competindo aqui sindicar se se verificavam ou não os pressupostos da caducidade.(…)
Havendo que reconhecer a formação do deferimento tácito do requerimento de declaração de caducidade da garantia resulta evidente a extinção da obrigação de caucionar que, em conformidade com o Artigo 9º, n.º 1 das Condições Gerais da Apólice, determina a caducidade do contrato de seguro-caução.
Certo é que, não se apurou que a recorrida tenha solicitado junto do tribunal a declaração de formação do deferimento tácito, mas certo é também que o tribunal poderia tê-lo reconhecido oficiosamente, o que não sucedeu.
Como tal, não se afigura justo e/ou equilibrado que a ausência de pronúncia e a falta de comunicação ao órgão fiscal da cessação da garantia por via do deferimento tácito da declaração de caducidade deva impedir que a recorrida invoque a formação desse deferimento, o que redundaria, a final, na postergação da ratio subjacente à caducidade prevista no art. 183º-A do CPPT, que visa evitar o prejuízo que advém para o contribuinte dos atrasos da administração fiscal e/ou dos tribunais na solução do diferendo incidente sobre o acto tributário.
Ademais, como acima se aduziu, ainda que a caducidade, ocorrendo de modo automático deva ser comunicada à contraparte com informação da situação justificativa da sua verificação, não é tal comunicação que determina a extinção do vínculo, pois a caducidade já teve lugar. (…)
Acresce que também não colhe a argumentação da apelante no sentido de que o comportamento posterior da administração fiscal e da própria ré/recorrida revele que para as partes o contrato de seguro-caução se mantinha válido e eficaz.
Com efeito, não se pode acompanhar a afirmação de que o accionamento da garantia por parte da administração fiscal, em Fevereiro de 2016, após o decurso de cerca de quinze anos sobre a reclamação graciosa e mais de dez anos sobre a impugnação judicial (tendo em conta que o processo possui o n.º 56/05), sem que se tenham apurado quaisquer outros factos que revelem uma qualquer tomada de posição por parte da administração fiscal quanto à vigência da garantia prestada possa, por si só, revelar qualquer reconhecimento por parte daquela que não se teriam verificado os pressupostos da caducidade da garantia, ou que não se teria formado um deferimento tácito nesse sentido.
Mais do que isso, o comportamento das partes intervenientes na celebração do contrato de seguro- caução posterior ao pedido de reconhecimento da caducidade da garantia depõe em sentido diametralmente oposto.
Na verdade, tendo a seguradora tomado conhecimento da intenção da recorrida de obter esse reconhecimento da caducidade e tendo recebido comunicação expressa de que a tomadora deixaria de proceder ao pagamento do prémio – cf. ponto 17 – a atitude que tomou foi a de não voltar a emitir ou enviar quaisquer recibos ou avisos de pagamento para que a ré saldasse os respectivos prémios, estando demonstrado que esta não voltou a pagar qualquer quantia a esse título. – Cf. pontos 18 a 20 da matéria de facto.
Assim, durante onze anos as partes comportaram-se como se o contrato seguro-caução estivesse extinto.
A Seguradora não cobrou os prémios, a tomadora não os pagou. E se a apelante entendia que o seguro se mantinha válido, muito dificilmente se compreende que não tenha tomado qualquer atitude seja no sentido de cobrar coercivamente os prémios, seja no sentido de resolver o contrato por falta do respectivo pagamento, o que sempre poderia fazer, dando conhecimento do facto ao segurado (beneficiário) para, querendo, evitar a resolução, procedendo ao pagamento do prémio por conta do tomador do seguro (…)
Acresce que, mesmo a admitir-se o silêncio da recorrida perante a comunicação da recorrente de que tinha sido notificada para proceder ao pagamento do valor em dívida ao abrigo do seguro-caução em referência (comunicação que se desconhece se recebeu), não pode, por si só, ser havido como reconhecimento da vigência deste contrato quando, no confronto dos demais factos apurados, se constata que nenhuma prestação contratual foi cumprida pelas partes durante certa de onze anos.
Com efeito, a subsistência do vinculo contratual ou a renovação do negócio jurídico após a verificação da caducidade do contrato dependeria sempre da execução das respectivas prestações por ambas as partes, o que, como e de meridiana clareza, não sucedeu,
Não existiu pagamento dos prémios, como pressuporia a vigência do contrato de seguro e, por outro lado, a seguradora nenhuma atitude tomou seja avisando a tomadora para o seu pagamento, seja tentando cobrá-los coercivamente, pelo que não se afere qualquer vontade das partes no sentido da manutenção do vinculo, sendo que essa vontade comum não pode emergir, simplesmente, da decisão unilateral da apelante de proceder à cobertura do sinistro, pagando o valor em dívida à administração fiscal.
Em consequência, há que conhecer a formação do deferimento tácito do reconhecimento da caducidade e a consequente extinção da obrigação de caucionar, tendo caducado o contrato de seguro-caução.
Extinto o contrato por caducidade, o pagamento pela seguradora à administração fiscal do valor em dívida não encontra cobertura naquele programa contratual, já cessado, pelo que não há lugar ao direito de sub-rogação previsto no artigo 15º das Condições gerais que a apelante aqui pretendia fazer valer, pois que se a autora pagou, fê-lo indevidamente”.
17. A Seguradora Recorrente discorda veemente do entendimento vertido no douto aresto aqui posto em crise.
18. E, salvo o devido respeito por diversa opinião, a tese nele expendida a propósito da interpretação e solução jurídica a conferir à situação sub judice, encontra-se em manifesta contradição com o entendimento consignado no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 09.01.2020, no âmbito do Processo n.º 2011/16.5T8LRS.L1, cuja cópia se remete em anexo, proferido no âmbito de um processo em que intervieram precisamente as mesmas partes, numa situação fáctica em tudo semelhante e em que estava também em causa um contrato de seguro-caução, que serviu de garantia numa execução/impugnação fiscal, e de onde resulta o seguinte:
“Aquando da apresentação do requerimento da caducidade da garantia no processo fiscal, em 2/12/2005, vigorava o art. 183º-A CPPT (alteração Lei 32-B/2002 de 30712, que estabelecia:
A garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição ou se na impugnação judicial ou na oposição, não tiver sido proferida decisão em 1ª instância no prazo de 3 anos a contar da data da sua apresentação; Acrescendo os prazos em 6 meses, em caso de recurso de prova pericial; não há lugar à aplicação do regime se o atraso for imputável ao reclamante, impugnante, recorrente ou executado; A verificação de caducidade cabe ao tribunal de 1ª instância onde estiver pendente a impugnação, recurso ou oposição ou ,nas situações de reclamação graciosa, ou órgão de competência para decidir a reclamação, devendo a decisão ser tomada no prazo de 30 dias após o requerimento do interessado; Não sendo proferida decisão no prazo previsto (30 dias), considera-se tacitamente deferido o requerido; Em caso de caducidade da garantia, o interessado será indemnizado pelos encargos suportados com a sua prestação, nos termos e com os limites previsto nos n.ºs 3 e 4 art. 53 da lei geral tributária.
No caso em apreço, não se apurou que tenha sido tomada decisão expressa sobre o requerimento, sendo certo que, segundo o normativo citado e a data do requerimento (2/12/2005), o deferimento tácito, a ter ocorrido, teve lugar em 1/1/2006.
Não obstante, a atitude da AT, tal como referido na 1ª instância, revela inexistência de deferimento tácito, citando e notificando a apelada, na qualidade de seguradora/garante, de que a garantia prestada se mantinha válida, à data de 22/1/15, desconhecendo-se qual a tomada de posição da apelante, face à atitude da AT.
Por outro lado, a apelante não alegou e, por maioria de razão, não provou qual/quais a(s) sua (s) démarche (s) no processo de execução fiscal a partir de 1/1/2006, nomeadamente certificar-se se houve ou não deferimento tácito e levantamento/cancelamento do seguro-caução (garantia prestada). (…)
Apurado também que ficou que apesar de a apelada a ter contactado diversas vezes, por correio electrónico, para se pronunciar sobre os ofícios recebidos da AT (22/1/2015 e 10/3/15), a apelante remeteu-se ao silêncio.
Ora, a sua atitude, ao não invocar caducidade da garantia, quer perante a apelada e a AT, revela que a garantia se mantinha válida.
Visando o contrato de seguro caução caucionar a obrigação – indemnizações devidas pelo Tomador do Seguro resultante do processo de execução fiscal …. – e não tendo esta sido extinta, afastada está a extinção do contrato por caducidade e/ou resolução.
Afastada também está a caducidade do contrato pelo facto dos prémios de seguro não terem sido pagos.
Apesar de ter alegado o cancelamento por parte da apelada do seguro em questão, certo é que não logrou provar, de tal tendo o ónus (art.342/2CC – cfr Factos não provados)
Apurado ficou que o não pagamento dos prémios, teve lugar na sequencia da informação da apelante à apelada do requerimento formulado, em 2005, no processo de execução fiscal solicitando a caducidade do seguro caução e que na reunião, de Outubro de 2013, o responsável da apelante foi confrontado com a inevitabilidade do accionamento do seguro caso se mantivesse o incumprimento e com a necessidade do pagamento dos prémios.
Tal como referido na 1ª instância, o não pagamento dos prémios não é susceptível de extinção do contrato, já que a obrigação principal se atém ao contrato de seguro, sendo certo que o petitum da acção não se subsume ao seu pagamento.
Acresce que a apelada não resolveu o contrato.
Assim, tendo a apelada pago/despendido o valor peticionado pela AT (€311.029,77) em virtude do contrato de seguro caução celebrado com a apelante, tem direito a haver da apelante esse valor – sub-rogação – cfr. arts. 12 e 15 das Condições Gerais da Apólice e art. 165/2 DL 72/08 de 16/4. (…)
19. É patente que, perante situações fácticas muito semelhantes, foram proferidas decisões contraditórias quanto à questão central da caducidade da garantia prestada em processo de execução/impugnação fiscal e do contrato de seguro-caução.
20. São, pois, estes supra apontado pontos em concreto que espelham a contradição das citadas decisões proferidas sobre a mesma questão fundamental de direito, e no domínio da mesma legislação.
21. Face ao supra expendido, e sempre com o máximo respeito, acham-se suficientemente verificados os pressupostos para a admissão do presente recurso de revista excepcional, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
Do objecto do recurso
22. Fruto da factualidade que se julgou provada (exceptuando os pontos 22 e 23, aditados em sede de recurso de apelação), o Meritíssimo Tribunal, em 1ª instância, julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré ora recorrida, decisão que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação.
23. A Seguradora aqui recorrente não se conforma com a douta decisão assim proferida.
24. Na verdade, o acórdão recorrido parte de uma desadequada interpretação e aplicação do regime jurídico aplicável ao contrato de seguro-caução (art.º 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 183/88, de 24.05, vigente à data da celebração do contrato objecto dos presentes autos, art.º 426.º do Código Comercial, e dos art.os 169.º e 183.º-A do CPPT, na redacção vigente à data da prestação da garantia).
25. Pelo que se impõe a sua revogação.
Do contrato de seguro-caução e da caducidade da obrigação
26. Nos presentes autos, veio a Seguradora aqui recorrente pedir a condenação da Ré ora recorrida no pagamento (em sede de direito de regresso/reembolso/sub-rogação) da quantia de €107.181,56, que, por virtude do contrato de seguro-caução celebrado em 15.10.2001, e de que a Ré era Tomadora, se viu obrigada a pagar à Autoridade Tributária, por via do accionamento da garantia a esta prestada e de que era Beneficiária.
27. Tal como figura nas respectivas Condições Particulares da apólice e emerge dos factos provados, o contrato de seguro-caução, na modalidade de caução directa, teve como único objecto a garantia do pagamento das indemnizações devidas pelo Tomador do Seguro (aqui recorrida) resultantes do processo de execução fiscal n.º 3107-01/….., a correr termos no Serviço de Finanças ….. ….., e em que a Ré figurava como executada, tendo um capital seguro de €107.181,86.
28. Considerando a data da celebração do contrato de seguro, ao mesmo aplica-se o disposto no Decreto-Lei n.º 183/88, de 24.05, bem como as disposições vertidas no Código Comercial, e ainda, necessariamente, o respectivo clausulado que o compõe.
29. Ora, no caso dos autos, o contrato celebrado entre a Autora aqui Apelante, e a Ré Recorrida integra-se na tipologia do seguro-caução, por sua vez integrado nas modalidades de seguro de créditos, à data da sua celebração regulado pelo supramencionado Decreto-Lei n.º 183/88, de 24.05.
30. Considerando o princípio da liberdade contratual, aqui inegavelmente aplicável, e a circunstância do contrato de seguro-caução em causa nos autos ser um negócio formal, é por apelo ao respectivo clausulado, bem como ao disposto no art.º 236.º do Código Civil, que haverá que recorrer para se interpretar de dirimir eventuais conflitos que possam surgir quanto às obrigações que, de parte a parte, emergem do contrato de seguro em apreço.
31. Considera a Seguradora aqui recorrente que a douta sentença aqui posta em crise, andou mal ao considerar que se verificou a caducidade da garantia prestada pela Seguradora.
32. Desde logo porque, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, não atentou devidamente no conteúdo e alcance do próprio contrato de seguro celebrado entre as partes, e que, de modo algum, podia deixar de ser tido em linha de conta para se dirimir a relação material controvertida (desde logo porque a causa de pedir é, justamente, alicerçada no contrato de seguro).
33. A presente acção configura o exercício do direito de regresso da Seguradora, ora recorrente, ao reembolso do valor liquidado no cumprimento do contrato de seguro-caução, e nos termos do disposto na Cláusula 15 das Condições Gerais da Apólice (CGA), da qual decorre o seguinte: ”O Segurador fica sub-rogado nos direitos do Segurado, sobre o Tomador do Seguro ou contra terceiros, emergentes do presente contrato, até à concorrência da indemnização paga, obrigando-se o Segurado a abster-se de prática quaisquer actos ou omissões intencionais que possam prejudicar a sub-rogação sob pena de responder por perdas e danos.”.
34. No caso em apreço, a Ré ora recorrida, pese embora tenha sido condenada, por sentença proferida no âmbito do Processo n.º 56/05….. e transitada em julgado em 16.04.2016, no pagamento da quantia de €107.181,56 à Autoridade Tributária (Beneficiária da apólice) não procedeu ao respectivo pagamento.
35. Nessa medida, foi a Seguradora recorrente notificada pela Autoridade Tributária (Beneficiária do contrato de seguro), para proceder ao pagamento da quantia em causa, pois que, fruto do contrato de seguro-caução celebrado “obrigou-se como principal pagador e à primeira solicitação a fazer a entrega de qualquer importância que se torne necessária até ao limite de Euro 107.181,56” (cfr. documento n.º 3, junto aos autos com a petição inicial)
36. Tal como emerge dos factos provados (cfr. artigos 8.º, 9.º e 10.º dos factos provados), tendo recepcionado tal notificação por banda da Autoridade Tributária, a accionar a garantia prestada (i.e., o contrato de seguro caução), a Seguradora aqui recorrente contactou a Ré ora recorrida por forma a que esta lhe prestasse informação a respeito da validade/legitimidade deste accionamento da garantia e, nomeadamente, se era ou não devido o pagamento solicitado.
37. Porém, não obstante as mais diversas insistências da Seguradora aqui recorrente nesse sentido, a Ré ora recorrida manteve-se num sepulcral silêncio, não prestando àquela qualquer informação ou concedendo-lhe qualquer resposta, tendo, face a tal silêncio, a Seguradora recorrente cumprido a obrigação por si assumida na sequência do contrato de seguro.
38. Ora, actuando desta forma e liquidando o valor da indemnização ao beneficiário da apólice (no caso, a Autoridade Tributária) a Seguradora aqui recorrente mais não fez do que cumprir o contrato de seguro que à data da interpelação se encontrava válido e em vigor, a tal validade não obstando a falta de pagamento dos prémios por parte da recorrida.
39. Na verdade, resulta do disposto na Cláusula 12.§ n.º 4 das Condições Gerais da Apólice que “[o] direito à indemnização nasce quando, após a verificação do sinistro, o Tomador do Seguro, interpelado para satisfazer a obrigação, se recusar injustificadamente a fazê-lo”
40. Adicionalmente, e nos termos do n.º 5 dessa mesma Cláusula 12.§ das Condições Gerais da Apólice, “[ocorrendo] o direito à indemnização, tal como definido no número anterior, o Segurado tem o direito de ser devidamente indemnizado pela Seguradora, no prazo de 30 dias a contar da data da reclamação.”
41. Sendo que, determina o subsequente n.º 6 da mesma cláusula que, “[se] a indemnização não for paga, por causa imputável ao Segurador, no prazo estipulado no n.º 5 deste artigo, a indemnização em dívida incrementar-se-á automaticamente à razão da taxa de desconto do Banco de Portugal, acrescida de 2%.”.
42. Ora, em face da previsão constante do contrato de seguro celebrado, e perante a falta de prestação de qualquer informação pela ora recorrida, não tinha a Seguradora aqui recorrente outra opção ou hipótese que não fosse liquidar a indemnização devida à Autoridade Tributária enquanto beneficiária do contrato de seguro-caução.
43. E nem se objecte com a circunstância de a recorrida ter remetido à Seguradora aqui recorrente uma comunicação a dar-lhe nota de que iria requerer a caducidade da prestação da garantia no âmbito do processo de impugnação, porquanto tal comunicação desacompanhada de cópia do respectivo requerimento a solicitar a declaração de caducidade, bem como da decisão que tivesse eventualmente sobre o mesmo recaído, não passa de uma mera intenção, sem qualquer comprovação.
44. Nomeadamente a comprovação exigida e idónea a demonstrar, junto do Beneficiário, a inexistência do direito deste ao accionamento de tal garantia e ao recebimento da indemnização contratada.
45. Na falta de elementos que lhe permitissem, junto da Autoridade Tributária, invocar a inexigibilidade da indemnização pedida por aquela entidade, a Seguradora recorrente tinha, necessariamente, de cumprir o contrato de seguro-caução.
46. Isso porque o contrato seguro-caução na modalidade de caução directa, como o que está aqui em discussão, reveste uma natureza muito semelhante a uma garantia “on first demand”.
47. Tal como se aduziu no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.05.1998, proferido no processo n.º 98A489, disponível em www.dgsi.pt, a propósito de um contrato de seguro- caução.
48. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, impunha-se à douta decisão recorrida que apreciasse a questão sub judice, isto é, da caducidade excepcionada pela Recorrida, não só à luz das disposições vertidas no CPPT, mas também à luz do contrato de seguro.
49. Na realidade, o douto acórdão recorrido, para além de operar uma interpretação demasiado formalista e, portanto, “cega”, do disposto no art.º 183.º-A do CPPT, não cotejou a aplicação de tal norma, com o teor do contrato de seguro-caução.
50. Volvendo aos factos julgados provados, temos que:
· O acordo teve início em 15 de outubro de 2011, foi celebrado pelo prazo de um ano e seguintes, e veio a ser titulado pela apólice n.º ……74 de fls 8.
. O referido acordo teve em vista a suspensão do processo de execução fiscal n.º 3107-01/….., instaurado no Serviço de Finanças ….…. contra a Ré.
. A Ré não procedeu ao pagamento do valor em dívida no referido processo de execução fiscal.
. Razão pela qual, o beneficiário da apólice - Direcção Geral dos Impostos - Serviço de Finanças ….….. - accionou a garantia mencionada em 2.
. Peticionando o valor em dívida de €107.181,56 que correspondia ao capital da apólice.
. O mandatário da R. requereu no âmbito do referido processo, em 5/12/2005, que fosse reconhecida a caducidade da garantia a que se reporta o acordo mencionado em 2., nos termos do doc. de fls. 47-49.
. A R. comunicou em 26/09/2005, à sua mediadora de seguros - Rentimedi - o cancelamento da garantia, incluindo cópia da carta remetida à A..
. A R. efectuou idêntica comunicação à A., por carta datada de 26 de Setembro de 2005.
. Não foi proferida qualquer decisão, nem pelo TAC ….., nem pela Administração Fiscal, sobre o requerimento de fls 47-49.
. A Autora não recebeu por parte do Tribunal Administrativo e Fiscal ….. indicação de que a garantia tinha caducado
. A autora não recebeu qualquer comunicação do beneficiário (Direcção Geral de Impostos - ….. DF …..) dando conta da caducidade da garantia.
51. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, e pese embora se tenha demonstrado que no âmbito do processo de impugnação judicial não foi proferida qualquer decisão a respeito do requerimento tendo em vista a declaração de caducidade da garantia, certo é que não deveria o Venerando Tribunal a quo ter considerado, sem mais, que se verificou o deferimento tácito de tal pedido de declaração da caducidade.
52. E muito menos que se operou a inerente caducidade do contrato de seguro e, portanto, da obrigação da Seguradora Recorrente liquidar o valor caucionado à Autoridade Tributária.
53. Isto porque, mesmo para efeitos de deferimento tácito previsto na lei, haverá sempre que ter em linha de conta o comportamento posterior das partes intervenientes, concretamente, o da Autoridade Tributária.
54. A contrário do vertido na decisão recorrida, e no sentido declarado no douto acórdão-fundamento, não obstante o disposto no n.º 5 do art.º 183º-A do CPPT, certo é que a actuação da Autoridade Tributária no âmbito da execução fiscal, posterior à data de entrada do requerimento formulado pela recorrida, foi inequívoca no sentido de que a garantia prestada (por via do contrato de seguro-caução) não só estava válida e vigente aquando da citação da Seguradora aqui recorrente para proceder ao pagamento da quantia em dívida pela Ré ora recorrida, como era exigível.
55. Na verdade, não é possível conferir-se outra interpretação ao facto da Autoridade Tributária ter interpelado a Seguradora ora recorrente para cumprir a obrigação decorrente do contrato de seguro.
56. Igual efeito, ou seja, o de que a garantia prestada/contrato de seguro estava válida nessa data, se impõe retirar da conduta protagonizada pela Ré aqui recorrida quando, apesar de interpelada, por várias vezes, pela Seguradora recorrente para prestar informações a respeito da legalidade/pertinência do pedido de accionamento do contrato de seguro caução levado a efeito pela Autoridade Tributária, se manteve no mais sepulcral silêncio e inércia.
57. Mesmo quando a Seguradora aqui recorrente lhe comunicou que, em face da falta de informação e da inexistência da alegação de qualquer motivo que obstasse ao direito da Autoridade Tributária receber a indemnização decorrente do contrato de seguro caução, a mesma iria ser liquidada e posteriormente solicitado o respectivo reembolso à Ré recorrida pela Seguradora Autora.
58. A propósito desta concreta questão, e no mesmo sentido agora preconizado pela recorrente, pronunciou-se o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Loures, no âmbito do processo n.º 2011/16.5T8LRS, processo esse em que figuravam como partes, justamente, as ora Autora e Ré), em situação fáctica em tudo análoga à dos presentes autos.
59. Retira-se da douta sentença ali proferida (posteriormente confirmada pelo douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.01.2020, proferido no processo n.º 2011/16.5T8LRS.L1 (acórdão-fundamento), transitado em julgado em 19.02.2020, o seguinte:
“(…) Nestes autos não consta que haja sido proferida decisão expressa a recair sobre este requerimento, pelo contrário, resulta inequívoco que esta não foi tomada, e do mesmo passo, contrariamente ao que indicaria a aplicação do normativo em apreço, não podemos afirmar ter-se formado o deferimento tácito do requerido, no prazo de 30 dias, conforme o alegado.
Na verdade, deve atentar-se no reconhecimento efectuado pela própria autoridade tributária (através do Serviço de Finanças ….. ……) mediante os ofícios para citação/notificação da autora na qualidade de seguradora (garante) de que a garantia anteriormente prestada se mantinha vigente e válida a essa data (22-01-2015) , a significar que a entidade que em melhor posição se encontraria ara atestar o deferimento tácito – a entidade beneficiária - pratica actos de sinal contrário, de revogação implícita, não contrariado por nenhuma forma pela ré (disso sendo, seguramente, conhecedora), assim se sedimentando na ordem jurídica, independentemente da tempestividade e/ou legalidade desse acto.
E na verdade, desconhece-se (nada tendo sido alegado) se, de algum modo, a ré terá requerido no processo de execução fiscal, posteriormente a 01-01-2006, a certificação da formação do deferimento tácito, por um lado, ou o levantamento/cancelamento da garantia prestada na forma de seguro-caução, por outro lado, a consubstanciar congruência com o requerimento anteriormente apresentado. (…)
A acrescer que a assunção de vigência da garantia se afigura consentânea com o silêncio a que a ré se remete após ter sido contactada por diversas vezes, pela autora, por correio electrónico, a fim de obviar ao accionamento da mesma, conforme os ofícios de 22-01-2015 e 10-03-2015; sendo nesta altura, isso sim, que se imporia invocar a declaração tácita de caducidade da garantia, quer perante a autora, quer perante a entidade beneficiária. Não o fez, sabendo que assim não sucedia e que a garantia se mantinha validamente prestada.
Neste quadro, não ocorrendo a extinção da obrigação de caucionar, não está preenchida a previsão da normal contratual do art. 9º n.º 1 das condições gerais da apólice, e, como tal, não opera a extinção do contrato por caducidade. (…).
60. Não se pode, pois, acompanhar o entendimento consignado no douto acórdão recorrido quando refere que “[p]ode admitir-se que a administração fiscal desconhecesse a reunião de tais pressupostos sendo certo que não está demonstrado que lhe tenha sido comunicado pela recorrida o propósito de obter esse reconhecimento de caducidade. Mas, nesse contexto, o accionamento da garantia pela administração fiscal afigura-se não só lógico, como possível, atenta a prestação da garantia ocorrida em 2001. O que não se pode concluir, como é óbvio, é que tendo a administração fiscal tentado obter o pagamento do valor da dívida com recurso à garantia prestada, estivesse a reconhecer que, não obstante o pedido de reconhecimento da caducidade e a ausência de decisão sobre tal pedido (que nem se sabe se conhecia) era entendimento das partes que se teria mantido em vigor o seguro-caução.”.
61. Ora, não se pode conceber que a Administração Fiscal, sendo parte de um processo judicial (execução/impugnação fiscal), beneficiária de uma garantia prestada nesse mesmo processo a fim de se suspender a execução, não tenha conhecimento do pedido de declaração de caducidade dessa mesma garantia efectuado nesse mesmo processo.
62. Não sendo de acordo com as regras da experiência que a Autoridade Tributária, nestas concretas circunstâncias, não tivesse conhecimento dos concretos termos de um processo judicial onde a mesma é parte, sobretudo quanto a tão relevante questão como a da garantia prestada para salvaguarda da obrigação tributária objecto de discussão.
63. Ademais, e subscrevendo o douto entendimento vertido na decisão supra citada, a Autoridade Tributária é a entidade que mais preparada estava (em termos fáctico-jurídicos) para atestar (ou infirmar) o deferimento tácito do pedido de caducidade da garantia.
64. Pelo que, se a mesma interpelou a Seguradora recorrente ao cumprimento da obrigação por si garantida pelo contrato de seguro-caução, tal circunstância só poderia ser considerada como indiciadora de que não ocorreu a caducidade da garantia prestada.
65. Ainda com relevo para a questão da caducidade/vigência do contrato de seguro-caução em análise, e já no que diz respeito à emissão e pagamento dos prémios de seguro posteriores a Setembro de 2015, também na douta sentença acabada de citar, se esclarece:
(…) A relevância da não emissão dos avisos/recibos, neste caso concreto, atém-se, assim, aos exactos contornos da eventual obrigação de pagamento dos prémios, que não são reclamados nesta acção, não permitindo extravasar desse âmbito para o campo da subsistência do contrato de seguro entre as partes.
Ainda que se admitisse esse enquadramento no período inicial de 2005 a 2013, isto é, que a não emissão de avisos/recibos de prémio e a respectiva falta de pagamento se deveria à circunstância e ambas as partes se encontrarem convictas do cancelamento da garantia prestada, a referida convicção “esvai-se” , pautando-se a actuação de ambas as partes em consentaneidade com a manutenção da vigência do contrato e do não cancelamento da garantia (…)
Neste quadro, em face da ausência de resposta da autora e das obrigações assumidas no contrato de seguro de caução, a autora despendeu o montante total de €311.029,77 à Direcção – Geral dos Impostos, Serviço de Finanças …… …., montante que não fora até à, presente data reembolsado pela ré (factos sob i) e j) ) pelo que fica a autora sub-rogada nos direitos do beneficiário, nos termos do art. 15º das condições gerais da apólice, a par do art. 165º n.º 2 do DL n.º 72/2008, de 16-04, cabendo à ré o respectivo pagamento. E isto porque “seja qual for a natureza jurídica, a função do seguro-caução é a de indemnizar o beneficiário, não a de exonerar o tomador do seguro das responsabilidades obrigacionais por si contraídas” (Ac. do STJ de 03-04-2008. Proc. N.º 08B470, disponível em dgsi.pt).(…)”
66. No mesmo sentido do assim doutamente decidido, e como se aludiu supra, pronunciou-se o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no douto acórdão-fundamento, proferido em 09.01.2020, nesse mesmo processo.
67. Ali se consignou, pois, e a respeito da caducidade do seguro-caução, o seguinte:
“No caso em apreço, não se apurou que tenha sido tomada decisão expressa sobre o requerimento, sendo certo que, segundo o normativo citado e a data do requerimento (1/12/2005), o deferimento tácito, a ter ocorrido, teve lugar em 1/1/2006.
Não obstante, a atitude da AT, tal como referido na 1ª instância, revela inexistência de deferimento tácito, citando e notificando a apelada, na qualidade de seguradora/garante, de que a garantia prestada se mantinha válida à data, de 22/1/15, desconhecendo-se qual a tomada de posição da apelante, face à atitude da AT.
Por outro lado, a apelante não alegou e, por maioria de razão, não provou qual/quais a(s) sua(s) démarche(s) no processo de execução fiscal, a partir de 1/1/2006, nomeadamente certificar-se se houve ou não deferimento tácito e levantamento/cancelamento do seguro caução (garantia prestada). (…)
Apurado também ficou que apesar de a apelada a ter contactado diversas vezes, por correio electrónico, para se pronunciar sobre os ofícios recebidos da AT (22/1/2015 e 10/3/15), a apelante remeteu-se ao silêncio.
Ora, a sua atitude, ao não invocar a caducidade da garantia, quer perante a apelada e a AT, releva que a garantia se mantinha válida. (…)”.
68. Corrobora-se na íntegra o assim doutamente decidido, pugnando-se por idêntico entendimento quanto ao caso presente, até diante da similitude da situação fáctico-jurídica em apreço.
69. Ficou evidenciado nos autos que, não obstante a Ré ora recorrida ter remetido aos autos de impugnação judicial (advindo de execução fiscal) requerimento invocando a caducidade da garantia prestada com recurso ao contrato de seguro-caução celebrado com a Seguradora Autora aqui recorrente, nunca demonstrou, junto desta, a efectiva declaração de caducidade dessa garantia.
70. Na realidade, limitou-se a - meses antes de ter dado entrada do pedido de declaração de caducidade nos respectivos autos - comunicar à Seguradora recorrente a sua (mera) intenção de o fazer.
71. Após ter suscitado a declaração de caducidade no processo respectivo, nunca veio junto da Seguradora aqui recorrente juntar qualquer informação ou documento comprovativo de que a caducidade se havia, efectivamente, operado.
72. Nem mesmo quando foi, por diversas vezes, interpelada pela Seguradora aqui recorrente – entretanto notificada pela Autoridade Tributária para pagar a indemnização objecto do contrato, cumprindo a obrigação de garantia prestada – para a informar do que tivesse por conveniente quanto à validade da pretensão da Autoridade Tributária.
73. Nesta altura, remeteu-se a recorrida ao silêncio, com o que causou na Seguradora recorrente a legitima convicção de que era devido o pagamento da indemnização à Autoridade Tributária, face à validade e vigência da garantia prestada com recurso ao contrato de seguro.
74. E, em face do teor do contrato de seguro e das normas a ele aplicáveis, não poderia, de modo algum, a Seguradora ora recorrente deixar de liquidar ao beneficiário a indemnização contratada.
75. Acresce que, e na senda do supra citado acórdão, a actuação expressa da Autoridade Tributária ao accionar a garantia prestada/contrato de seguro caução é totalmente incompatível com a ocorrência de deferimento tácito da pretensão de ver a declaração de caducidade da garantia.
76. Por outro lado, e tal como se fez verter no douto acórdão-fundamento, o facto de durante 11 anos não ter sido pago e/ou cobrado qualquer prémio de seguro não implica, quando conjugado com o demais circunstancialismo fáctico, que se considere extinto o contrato de seguro.
77. Note-se que o contrato de seguro nunca foi cancelado e/ ou resolvido, como muito bem se aduz no douto acórdão-fundamento, mantendo-se o mesmo válido e eficaz.
78. Pelo que jamais se poderia chegar à conclusão e solução jurídicas vertidas na decisão recorrida.
79. Perante o supra exposto, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, andou mal o Meritíssimo Tribunal a quo ao decidir pela verificação da caducidade da garantia prestada e, por conseguinte, da caducidade do contrato de seguro-caução.
80. O acórdão aqui posto em crise incorreu em errada interpretação do clausulado do contrato de seguro-caução celebrado entre as partes, bem como do disposto no art.º 183.º-A do CPPT, entre outros.
81. Devendo, por conseguinte, ser tal decisão revogada e substituída por douto acórdão que, considerando válido e em vigor o contrato de seguro e justificado o pagamento da indemnização contratada à Autoridade Tributária, julgue a acção totalmente procedente, condenando a Ré ora recorrida no pagamento à Autora aqui recorrente do valor por esta peticionado.
9. A Ré contra-alegou, tendo a Exma. Desembargadora-relatora determinado que as contra-alegações deveriam ser desatendidas (por se mostrarem extemporâneas e por corresponderem às que haviam sido apresentadas no recurso de apelação, não sendo, como tal dirigidas ao recurso de revista).
10. Por acórdão de 13-04-2021, a Formação admitiu a revista excepcional com fundamento na invocada oposição de julgados, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.
II – APRECIAÇÃO DO RECURSO
De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - CPC), impõe-se conhecer a seguinte questão:
ü Da caducidade da garantia prestada pela Ré no âmbito de um processo de execução fiscal
1 Os factos
Provados
1. A Autora dedica-se à actividade seguradora.
2. No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com a MundiGlobo Trading – Comércio Internacional, SA, actualmente designada por MundiGlobe Trading – Comércio Internacional, SA, um acordo mediante o qual aquela se obrigou a garantir perante a Administração Fiscal o pagamento das indemnizações devidas pela segunda, resultantes do processo de execução fiscal n.º 3107-01/…., nos termos do artigo 169.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conforme condições constantes dos documentos de fls. 8 a 12.
3. O acordo teve início em 15 de Outubro de 2001, foi celebrado pelo prazo de um ano e seguintes, e veio a ser titulado pela apólice n.º ……74 de fls. 8.
4. O referido acordo teve em vista a suspensão do processo de execução fiscal n.º 3107-01/…., instaurado no Serviço de Finanças …..….. contra a Ré.
5. A Ré não procedeu ao pagamento do valor em dívida no referido processo de execução fiscal.
6. Razão pela qual, o beneficiário da apólice - Direcção Geral dos Impostos - Serviço de Finanças …. - ….. - accionou a garantia mencionada em 2., conforme ofício n.º …. de 2016-02-16, sob o “Assunto: Execução da garantia”, onde refere, relativamente à caução directa emitida pela Autora com o n.º ….., no montante de € 107 181,56, que foi julgado improcedente o processo de impugnação judicial n.º 56/05……, que o executado, notificado para os devidos efeitos, não se apresentou a efectuar o pagamento dos valores em dívida dentro do prazo estabelecido, pelo que deve a seguradora, na qualidade de entidade que prestou a garantia, efectuar o pagamento da dívida existente.
7. Peticionando o valor em dívida de 107 181,56 €, que correspondia ao capital da apólice.
8. Na sequência do ofício n.º …. de fls. 13 dirigido pelo serviço de finanças à Autora, esta tentou contactar diversas vezes o responsável da Ré, o que fez por carta.
9. Não tendo a Autora obtido qualquer resposta.
10. Em face da ausência de resposta da Ré e das obrigações assumidas no supra mencionado acordo, a Autora pagou o montante total de € 107 181,56 (cento e sete mil cento e oitenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos), à Direcção Geral dos Impostos - Serviço de Finanças …...
11. O montante despendido com a regularização do pagamento ao beneficiário não foi até à presente data reembolsado pela Ré.
Da contestação
12. O acordo mencionado em 2. destinava-se à obtenção de efeito suspensivo no âmbito da acção administrativa especial, convolada em impugnação judicial da decisão de indeferimento do recurso hierárquico deduzido na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, referente nomeadamente à liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º ……34, respeitante ao exercício de 1998, que correu termos no ….. Juízo, …. Secção do Tribunal Administrativo e Fiscal …… sob o n.º 56/05……..
13. A referida acção judicial foi instaurada na sequência da execução fiscal nº 3107-01/…….
14. A respectiva reclamação graciosa deduzida contra, designadamente, a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n. º ……..34, respeitante ao exercício de 1998, deu entrada na Direcção de Finanças …… em 22 de Junho de 2001.
15. Em 5 de Dezembro de 2005, o mandatário da Ré requereu no âmbito do processo n.º 56/05…. do …. Juízo, ….. Secção do Tribunal Administrativo e Fiscal ….., que fosse reconhecida a caducidade da garantia prestada no âmbito do processo executivo referido em 13., a que se reporta o acordo mencionado em 2., nos termos do documento de fls. 47-49, onde refere que a reclamação graciosa da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do exercício de 1998 deu entrada na Direcção Distrital de Finanças do ….. em 22 de Julho [sic] de 2001, encontrando-se o processo a correr termos actualmente nesse Tribunal Administrativo e Fiscal do …., pelo que decorrem mais de três anos sobre a data da apresentação da reclamação.
16. A Ré comunicou em 26/09/2005 à sua mediadora de seguros - Rentimedis - o cancelamento da garantia, incluindo cópia da carta remetida à Autora.
17. A Ré efectuou idêntica comunicação à Autora por carta datada de 26 de Setembro de 2005, sob o “Ass: Seguro-Caução nrs. ….74 e ….20”, com o seguinte teor: “Vimos por esta via informar que estamos requerendo ao Tribunal Administrativo …. o Cancelamento dos Seguros Cauções acima enunciados em epígrafe e emitidos pelos valores de Euro 107.181,55 e Euro 726.402,78, respectivamente, pela vossa prezada instituição. Este cancelamento está relacionado com a obrigatoriedade dos Contribuintes prestarem Caução à Direcção Geral de Impostos pelo prazo mínimo de 3 Anos contados desde a data de solicitação/prestação da caução relativamente aos processos que se encontram em apreciação pelos Tribunais. Oportunamente enviaremos cópia do requerimento solicitando ao Tribunal o Cancelamento daquelas cauções. Em face do acima exposto é nossa intenção não proceder ao pagamento dos prémios referentes aos novos períodos daqueles seguros; Caução ……74 de 15/10/2005 a 15/10/2006 […] pelo facto de a primeira perfazer 4 anos […]”
18. A Ré desde que enviou tais comunicações, não voltou a pagar qualquer quantia relativa ao acordo mencionado em 2..
19. Desde então a Autora não voltou a emitir nem a enviar quaisquer outros recibos para que a Ré procedesse ao pagamento dos respectivos prémios devidos pelo acordo mencionado em 2.
20. Nem enviou quaisquer avisos de pagamento ou efectuou quaisquer comunicações relativas ao seguro-caução em questão ou respectivos prémios.
21. Não foi proferida qualquer decisão, nem pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ….., nem pela administração fiscal, sobre o requerimento de fls. 47-49.
22. A Autora não recebeu por parte do Tribunal Administrativo e Fiscal …. indicação de que a garantia tinha caducado.
23. A Autora não recebeu qualquer comunicação do beneficiário (Direcção Geral de Impostos- …. DF ….) dando conta da caducidade da garantia.
2. O direito
2.1. Da caducidade da garantia
A questão a apreciar neste âmbito é a de saber se, no caso, se operou a caducidade da garantia prestada pela Ré no âmbito do processo de execução fiscal que contra ela foi instaurado, porquanto dela depende a pretensão da Autora de se sub-rogar na medida do pagamento que satisfez à Direcção-Geral de Impostos.
O acórdão recorrido, na sequência do decidido em 1.ª instância, respondeu afirmativamente à referida questão, ancorando-se no disposto no artigo 183.º-A, do CPPT, na redacção vigente à data, do qual concluiu:
- pelo efeito automático do decurso dos períodos referidos no mencionado preceito legal sem que seja proferida decisão (cfr. n.º4);
- da intervenção meramente declarativa (e não constitutiva) do tribunal que se limita a verificar a caducidade.
Assim, segundo o acórdão recorrido, não tendo o tribunal tributário de 1.ª instância, onde estava pendente a impugnação, proferido decisão, no prazo de 30 dias, quanto ao pedido de reconhecimento da caducidade apresentado pela Ré, impõe-se considerar tacitamente deferido o requerido, nos termos do n.º 5 do citado artigo 183.º-A, uma vez que tal decisão tácita não foi colocada em crise, não competindo ao tribunal sindicar da verificação dos pressupostos da caducidade.
Considerou, pois, o tribunal a quo que, uma vez reconhecida a formação do deferimento tácito do pedido de declaração de caducidade da garantia, com a consequente extinção da obrigação de caucionar, inexiste o direito de sub-rogação da Autora por o pagamento levado a cabo pela mesma à administração fiscal ter ocorrido quando o contrato de seguro-caução já se encontrava cessado.
Insurge-se a Recorrente defendendo que o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do regime jurídico aplicável ao contrato de seguro-caução, em concreto, dos artigos 6.º, n.º 1, do DL n.º 183/88, de 24-05, 426.º, do Código Comercial e dos 169.º e 183.º-A, do CPPT, na redacção vigente à data.
Sustenta o seu entendimento no sentido de que a caducidade da garantia não operou, no comportamento posterior das partes, invocando a seguinte ordem de argumentos:
- a Autoridade Tributária (AT), sendo a entidade que mais preparada estava para atestar (ou infirmar) o deferimento tácito do pedido, notificou-a para cumprir a obrigação emergente do contrato de seguro-caução, face à falta de pagamento da executada;
- a Ré nada disse quando questionada acerca da legitimidade da interpelação da AT para o cumprimento da obrigação garantida;
- a Ré não fez prova de que a caducidade havia operado, criando na Autora a legítima convicção de que o pagamento era devido à AT por o seu comportamento ser demonstrativo de que a garantia prestada se mantinha válida.
O posicionamento da Recorrente não assume, porém, cabimento na factualidade apurada nos autos, nem resguardo no regime jurídico aplicável.
Vejamos.
Resulta dos autos que as partes celebraram, entre si, um acordo, que teve início em 15-10-2001, pelo prazo de um ano e seguintes, através do qual a Autora se obrigou a garantir, perante a Administração Fiscal, o pagamento das indemnizações devidas pela Ré, resultantes do processo de execução fiscal n.º 3107-01/….; em contrapartida, a Ré obrigou-se a pagar o prémio anual, nos termos das condições constantes de fls. 8 a 12 (cfr. factos provados sob os pontos 1. a 3.).
A qualificação jurídica de tal acordo como contrato de seguro-caução mostra-se pacífica nos autos, encontrando-se a figura regulada no DL n.º 183/88, de 24-05 (diploma que estabelece o quadro legal do seguro de créditos) e, posteriormente, no DL n.º 72/2008, de 16-04, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), maxime nos seus artigos 161.º a 166.º.
Dispõe o artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 183/88, de 24 de Maio que O seguro de caução cobre, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval.
Por sua vez, o artigo 162.º, do RJCS, preceitua que Por efeito do seguro-caução, o segurador obriga-se a indemnizar o segurado pelos danos patrimoniais sofridos, em caso de falta de cumprimento ou de mora do tomador do seguro, em obrigações cujo cumprimento possa ser assegurado por garantia pessoal; esclarecendo-se no artigo 166.º, do mesmo diploma legal, que Os seguros de crédito e caução são regulados por lei especial e pelas disposições constantes da parte geral que não sejam incompatíveis com a sua natureza.
Conforme refere Jorge Carita Simão[2], o seguro-caução consubstancia um contrato concluído entre um devedor (ou futuro devedor) e um segurador, a favor de um credor (ou futuro credor) de determinada obrigação, do qual resulta para o segurador a obrigação de indemnizar o credor (que assume a posição de segurado) pelos danos patrimoniais sofridos, em caso de falta de cumprimento do devedor (que, por seu turno, assume a posição de tomador do seguro) encontrando-se, assim, moldado sobre uma estrutura triangular, figurando em cada um dos vértices: o devedor (que é também o tomador de seguro), o segurador, e o credor (que se assume como beneficiário da prestação do segurador, sendo o “segurado”). Contudo, apenas é celebrado entre o devedor e o segurador, não sendo o credor parte no contrato (cfr. artigo 9.º, n.º 2, do DL n.º 183/88 já referido).
Resulta do contrato de seguro-caução um complexo de direitos e deveres que compreendem, em síntese: o dever do tomador do seguro de pagar o prémio; o dever do segurador de realizar a prestação a favor do credor; e o direito do beneficiário em exigir a prestação do segurador.
Desta forma, o seguro-caução tem como escopo a cobertura do risco do incumprimento ou mora das obrigações susceptíveis de caução, fiança ou aval, entrando em vigor após o pagamento do respectivo prémio inicial[3], tal como, de resto, decorre das normas acima transcritas[4].
No caso sub judice, provou-se que o contrato de seguro-caução, titulado pela apólice n.º ………74 (junta a fls. 8), teve em vista a suspensão do processo de execução fiscal que havia sido instaurado contra a Ré no Serviço de Finanças …..…., nos termos do artigo 169.º, n.º 2, do CPPT, sendo que, na sequência dessa execução fiscal e da reclamação graciosa que a Ré aí apresentou, em 22-06-2001 (que veio a ser indeferida), foi instaurada acção administrativa especial (convolada em impugnação judicial da decisão de indeferimento do recurso hierárquico deduzida após indeferimento da reclamação graciosa), que correu termos sob o n.º 56/05…. na …... Secção do ……. Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal ….. (cfr. pontos 4. e 12. a 14. da factualidade provada).
Foi, pois, neste contexto e com tal finalidade que o contrato de seguro foi celebrado.
Importa salientar que os actos tributários (como sucede com a liquidação de quantias, a liquidação adicional de IRC do exercício de 1998, que foi objecto da reclamação e da impugnação que se lhe seguiu e que está em causa nos autos) eram susceptíveis de execução imediata, através de processo de execução fiscal, findo o prazo de pagamento voluntário, independentemente de terem sido graciosa ou contenciosamente impugnados (artigos 88.º, n.os 1 e 4, 149.º e 152.º, do CPPT, na redacção vigente à data, emergente do DL n.º 433/99, de 26-10).
Todavia, a execução suspendia-se nos casos previstos no artigo 169.º, do CPPT, nomeadamente e no que para o caso assume relevância, quando tivesse sido constituída ou prestada garantia, nos termos dos artigos 195.º e 199.º, do citado Código (na redacção em vigor à data)[5].
A garantia podia ser levantada oficiosamente ou a requerimento de quem a tivesse prestado logo que, no processo que a determinou, tivesse transitado em julgado decisão favorável ao garantido ou tivesse sido feito o pagamento da dívida exequenda (artigo 183.º, n.º 2, do CPPT, na redacção vigente à data).
Para além disso e independentemente da prolação de decisão definitiva, a garantia caducava, a requerimento do interessado, nos termos previstos no artigo 183.º-A, do CPPT (na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29-12).
Na situação sob apreciação, como resulta provado, por requerimento apresentado em 05-12-2005, no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 56/05….., no ….. Juízo, ….. Secção, do Tribunal Administrativo e Fiscal …., em face do tempo decorrido desde a apresentação da reclamação graciosa deduzida, a Ré requereu que fosse reconhecida a caducidade da garantia prestada (cfr. ponto 15.).
Dispunha o artigo 183.º-A, n.º 1, do CPPT, que A garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição ou se na impugnação judicial ou na oposição não tiver sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação, acrescentando o n.º 4 do mesmo preceito que A verificação da caducidade cabe ao tribunal tributário de 1.ª instância onde estiver pendente a impugnação, recurso ou oposição ou, nas situações de reclamação graciosa, ao órgão com competência para decidir a reclamação, devendo a decisão ser tomada no prazo de 30 dias após requerimento do interessado; por sua vez, o n.º 5 do mesmo normativo, estabelecia que Não sendo proferida a decisão referida no número anterior no prazo aí previsto, considera-se tacitamente deferido o requerido.
Da estipulação legal em causa, refere Jorge Lopes de Sousa[6], ressalta que a caducidade da garantia é um efeito automático do decurso dos períodos nele referidos sem que seja proferida decisão no processo administrativo ou judicial, limitando-se o tribunal a verificar a caducidade, como se estabelece no n.º 4. Por isso, a intervenção do tribunal é meramente declarativa e não constitutiva.
Este regime de caducidade teve subjacente, essencialmente, propósito de celeridade na condução dos processos, procurando obter-se com a solução legalmente consagrada um justo equilíbrio entre as partes.
Com efeito, extrai-se da Proposta de Lei n.º 53/VIII/2, que deu origem à Lei n.º 15/2001, de 05-06, que, como vertente fundamental da reforma fiscal então em curso, se introduziram medidas de reforço das garantias do contribuinte e de simplificação processual, designadamente no que concerne às garantias prestadas.
Nesse campo e porque importa responsabilizar a administração e os tribunais na condução célere e expedita do processo, determina-se o levantamento das garantias prestadas pelo contribuinte para suspender a execução, sempre que a reclamação graciosa não se encontre decidida no prazo de 12 meses ou a impugnação judicial não esteja julgada em primeira instância no prazo de 24 meses. Previne-se, assim, a imposição ao contribuinte de um encargo oculto por razões que lhe são alheias[7].
No mesmo sentido se pronuncia Rui Duarte Morais[8], afirmando que, através do regime previsto no artigo 183.º-A, do CPPT, procura-se estabelecer um equilíbrio entre a necessidade de condicionar a suspensão da execução à prestação de garantia e o direito dos contribuintes à justiça, o qual inclui o direito a verem o seu caso apreciado e decidido por um Tribunal num prazo razoável, pondo, assim, termo a uma situação de todos conhecida na prática: a de o contribuinte ter que prestar caução ou equivalente para obstar à penhora dos seus bens e ficar obrigado a mantê-la anos e anos (por vezes, mais de uma dezena de anos) enquanto o processo segue, “pachorrentamente”, o seu curso em Tribunal.
Os referidos prazos foram depois alterados, respectivamente, para um ano e três anos, por força da redacção do artigo 183.º-A do CPPT, introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30-12. Constituindo, pois, tais prazos o período temporal que o legislador considerou razoável para a prolação de decisão em sede de reclamação graciosa ou em sede de impugnação judicial, não se justificava que, após o decurso dos mesmos, o contribuinte continuasse a arcar, por tempo indeterminado, com os encargos decorrentes da prestação da garantia como forma de suspender a execução.
Assim, nos casos em que os processos demorassem mais do que o previsto (sem que fosse cumprida, em tempo útil, a sua função de assegurar a tutela plena e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária), o processo de execução fiscal continuaria suspenso, mesmo sem garantia, até à decisão do pleito (artigo 169.º, n.º 1, do CPPT, na redacção então vigente)[9].
Como refere, com acerto, o acórdão recorrido, a caducidade da garantia baseia-se na necessidade de devolver ao Estado os riscos da falta de boa cobrança do imposto quando, por culpa dos serviços da administração fiscal ou dos tribunais, não são cumpridos os prazos que o legislador considera razoáveis para decidir os mencionados litígios, isto é, e como se afirma, no acórdão do STA de 06-02-2013[10], a caducidade da garantia destina-se a devolver à AT os custos da sua própria ineficiência.
Trata-se de um regime que é, por um lado, sancionatório da morosidade na decisão do procedimento tributário e do processo judicial pelas entidades competentes, mas que, por outro, não deixa de salvaguardar, num justo equilíbrio, a sua não aplicação, quando o atraso resultar de motivo imputável ao reclamante, impugnante, recorrente ou executado (artigo 183.º-A, n.º 3, do CPPT, na redacção vigente à data).
Cabe realçar que decorre expressamente do citado preceito que a declaração de caducidade, embora dependente de requerimento do interessado nesse sentido,[11] é da competência da AT ou do Tribunal, consoante a fase em que o processo se encontre (se o processo estiver em fase de reclamação graciosa ou se encontrar pendente impugnação judicial).
Por outro lado, a decisão sobre o requerimento teria de ser proferida no prazo de 30 dias, sob pena de, não o sendo, se considerar tacitamente deferida a pretensão de caducidade da garantia (artigo 183.º-A, n.os 4 e 5, do CPPT).
A figura do deferimento tácito, prevista para a actividade administrativa[12], não tem correspondência no âmbito da actividade jurisdicional, pois que, neste âmbito, o regime que vigora é o das decisões judiciais expressas. Assim, socorrendo-nos do conceito de deferimento tácito previsto naquela sede, é de concluir que o mesmo corresponde a uma verdadeira decisão judicial, equivalendo a uma decisão expressa de sentido favorável ao interessado.
Resulta assim, inequivocamente, da lei que a única condição para que ocorra o deferimento tácito é a mera constatação de que decorreu o prazo de 30 dias para a prolação da decisão (sem que esta tenha sido proferida), irrelevando, portanto, a questão de saber se decorreu ou não o prazo de 1 ou de 3 anos previsto para a caducidade da garantia.
Na verdade, consideramos evidente que se fosse permitido ao juiz, após a formação do deferimento tácito, apreciar se estavam ou não reunidos os pressupostos para o deferimento expresso da declaração de caducidade e revogar o tacitamente decidido quando concluísse que tais pressupostos não se verificavam, estar-se-ia a derrogar o efeito que se pretendeu alcançar.
Considerando, pois, que o deferimento tácito equivale a uma decisão expressa de deferimento, outra não pode ser a conclusão que não seja a de que tal deferimento está sujeito ao regime da extinção do poder jurisdicional quanto à matéria sobre a qual o mesmo recaiu (cfr. artigo 613.º, n.º 1, do CPC).
Neste sentido tem sido decidido pelos Tribunais Administrativos e Fiscais, como resulta do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 16-10-2014[13], onde se afirma que, sendo o deferimento tácito equivalente a uma decisão expressa de deferimento, não pode o tribunal, por estar esgotado, através da decisão tácita, o poder jurisdicional, sem que tenha sido impugnado o tacitamente decidido, reapreciar se o pedido deveria ou não ser deferido e corrigir o eventual erro do deferimento tácito, substituindo-o por outra decisão.
Por conseguinte, revisitando a matéria de facto demonstrada nos autos, não pode deixar de assumir relevância quanto à apreciação da caducidade da garantia, o que dela decorre, isto é:
- foi instaurada contra a Ré execução fiscal com o n.º 3107-01/….. relativa à liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 1998 (pontos 4.,12. e 13);
- em 22-06-2001 a Ré apresentou, na Direcção-Geral de Finanças …., reclamação graciosa contra tal acto de liquidação (ponto 14.);
- a Ré foi notificada, nos termos do artigo 169.º, n.º 2, do CPPT, então vigente, para prestar garantia com vista à suspensão da execução, o que fez através do contrato de seguro-caução celebrado com a Autora, que teve início em 15-10-2001 (pontos 2. a 4., 12. e 13.);
- na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, foi interposto recurso hierárquico, também indeferido e, posteriormente, foi deduzida impugnação judicial que correu termos sob o n.º 56/05……, na …... Secção, do …... Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal do …… (pontos 12. e 13.);
- em 05-12-2005, a Ré requereu, no âmbito do citado processo judicial, que fosse reconhecida a caducidade da garantia prestada por terem decorrido mais de três anos sobre a data da apresentação da reclamação (ponto 15.);
- sobre tal requerimento não foi proferida qualquer decisão, nem pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ….., nem pela AT (ponto 21.)
Perante tal factualidade, o tribunal recorrido entendeu, e bem, que:
- estando o processo, à data em que foi requerida a declaração de caducidade da garantia prestada, pendente de decisão a proferir na impugnação judicial deduzida, competia ao tribunal apreciar o requerido e, nessa medida, não tendo sido proferida decisão no prazo de 30 dias legalmente estabelecido, ocorreu deferimento tácito do requerido, nos termos do artigo 183.º-A, n.os 4 e 5, do CPPT então vigente;
- não constando que tal deferimento tácito (equivalente a decisão expressa de sentido favorável ao requerente) tenha sido posto em crise, não cabe ao tribunal (como também não caberia ao Tribunal Administrativo e Fiscal fazê-lo depois de decorrido o aludido prazo) averiguar se, efectivamente, se verificavam ou não, naquela data, os pressupostos da caducidade consignados no n.º 1 do citado artigo 183.º-A do CPPT, então em vigor.
Carece assim de cabimento a pretensão da Recorrente quando invoca, neste âmbito, que para aferir do deferimento tácito importará atentar no comportamento posterior das partes.
Na verdade, não assumiria qualquer sentido que o tribunal (entidade competente para decidir acerca da caducidade da garantia), decorrido o prazo de 30 dias para a prolação da decisão, não pudesse aferir da verificação dos pressupostos da caducidade da garantia em consequência do deferimento tácito e do esgotamento do poder jurisdicional sobre essa matéria, mas o comportamento das partes fosse, por si só, apto a possibilitar a revogação daquele deferimento.
Trata-se, a nosso ver, de posicionamento que não encontra apoio na letra nem no espírito da lei.
Repare-se que o regime da caducidade da garantia[14], como já realçado, para além de ser revelador da preocupação do legislador em não onerar o contribuinte, por tempo indeterminado, com os encargos inerentes à sua prestação em face da morosidade administrativa ou judicial para além do tempo julgado razoável para a prolação de uma decisão, denota, igualmente, vontade em instituir um mecanismo célere de apreciação da caducidade, seja através de decisão expressa (desde que proferida no prazo legal), seja por via da decisão tácita (neste caso, de deferimento da pretensão deduzida).
Independentemente disso, o posicionamento da Autora ao sustentar que o comportamento das partes se mostra idóneo para afastar o deferimento tácito (equivalendo, por isso, à revogação do mesmo) encontra-se alicerçado num equívoco de perspectiva.
Na verdade, não se vislumbra em que medida é que do comportamento da AT (ao ter interpelado a Autora para cumprir, accionando a garantia e procurando obter o pagamento da quantia que estava em dívida no processo de execução fiscal por a aqui Ré não ter liquidado) se pode retirar que a garantia não tinha caducado e que, ao invés, se mantinha válida, uma vez que, contrariamente ao defendido pela Recorrente, não era à AT que competia declarar a caducidade, mas sim ao tribunal onde a impugnação judicial estava pendente quando aquela foi requerida. E se o tribunal, como já referido, não podia, depois de decorrido o prazo de trinta dias, proferir decisão expressa revogando o deferimento tácito, não caberia à AT fazê-lo através de acto de notificação ou citação.
Igualmente o alegado comportamento da Ré por forma a dele ser retirado o seu consentimento no sentido da manutenção da garantia encontra apoio num equívoco de representação dos factos.
Com efeito, para além de não se encontrar provado que a Ré tenha recebido as comunicações que a Autora lhe dirigiu (apenas se provou que a mesma tentou contactar o responsável da Ré por carta),[15] toda a demais factualidade provada evidencia exactamente o contrário.
Ainda que não se ignore que a Recorrente não recebeu indicação (por parte do Tribunal ou da AT) de que a garantia tinha caducado, encontra-se provado que a Ré lhe comunicou, através de carta datada de 26-09-2005, que era sua intenção requerer ao tribunal, em face do decurso do prazo, o cancelamento do seguro-caução e que, assim sendo, não iria proceder ao pagamento dos prémios posteriores, sendo que, efectivamente, não o voltou a fazer e a Autora, também, não mais lhos exigiu (pontos 17. a 20).
Ora tal comportamento é consonante com a cessação do contrato de seguro com fundamento na caducidade da garantia; não com a sua manutenção.
Cabe realçar que a perplexidade da situação reside no facto de a Recorrente, apesar da comunicação da Ré e da cessação dos pagamentos dos prémios do contrato de seguro-caução, ter pago à AT o valor de 107.181,56€ que estava em dívida na execução fiscal, correspondente ao capital da apólice, depois de decorridos cerca de onze anos sem ter recebido qualquer prémio relativo ao contrato de seguro-caução em causa e sem ter procedido a qualquer averiguação ou diligência no sentido de apurar a caducidade da garantia, designadamente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal[16].
Por conseguinte, reconhecido que está o deferimento tácito da requerida declaração de caducidade (que o comportamento das partes não afasta, nem teria virtualidade para afastar) não podemos deixar de concluir nos termos do decidido pelo tribunal a quo, ou seja, pela extinção da obrigação de caucionar e pela consequente extinção do contrato de seguro-caução celebrado (artigo 9.º, n.º 1, das Condições Gerais da Apólice[17]).
Verificando-se que a Autora procedeu ao pagamento à administração fiscal da quantia em dívida quando o contrato de seguro já se encontrava cessado, não lhe assiste, por isso, o direito de sub-rogação que pretende fazer valer (artigos 15.º das Condições Gerais da Apólice e 165.º do RJCS).
Improcedem, assim, na sua totalidade, as conclusões da revista.
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso de revista, mantendo, por isso, o acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 13 de Julho de 2021
Graça Amaral (Relatora)
Maria Olinda Garcia
Ricardo Costa
Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos (artigo 15ºA, aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
_______________________________________________________
[1] Versando sobre a mesma questão fundamental de direito – a caducidade da garantia prestada na impugnação judicial em matéria tributária e a caducidade do contrato de seguro-caução – o qual, contrariamente ao acórdão recorrido, decidiu, perante factualidade muito semelhante, que a garantia não tinha caducado.
[2] “O Contrato de Seguro-Caução: contributo para um estudo do seu regime legal e compreensão da sua natureza jurídica”, O Direito, 145.º (2013), III, p. 678.
[3] Jorge Carita Simão, obra citada, p. 678.
[4] No mesmo sentido, quanto à definição do seguro-caução cfr. Almeida Costa, em anotação ao acórdão do STJ de 28-09-1995, RLJ, Ano 129.º, n.º 3862, de 01-05-1996 e, entre outros, acórdão do STJ de 27-01-2010, Revista n.º 203/09.2YFLSB , a cujo sumário se pode aceder em www.stj.pt.
[5] A suspensão da execução, mediante prestação de garantia idónea, encontrava-se igualmente prevista, em termos gerais (o que, actualmente, ainda sucede) no artigo 52.º, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17-12.
[6] Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, III Volume, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 339.
[7] Cfr. https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=5835.
[8] A Execução Fiscal, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 88, 89.
[9] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, obra citada, pp. 342, 343.
[10] Processo n.º 92/13, 2.ª Secção.
[11] Não podendo, por conseguinte, ser oficiosamente conhecida.
[12] O deferimento tácito encontrava-se previsto no artigo 108.º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15-11 (actualmente previsto no artigo 130.º, do novo CPA, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 07-01, que revogou o anterior).
[13] Processo n.º 00110/02-A, 2.ª Secção, Contencioso Tributário, a que se pode aceder através das Bases Documentais do IGFEJ
[14] Que tem por única condição para o deferimento tácito do requerido o decurso do prazo de 30 dias sem que tenha sido proferida decisão
[15] Deixando inutilizado o argumento de que o silêncio da Ré criou na Autora a fundada convicção de que a garantia não tinha caducado.
[16] Sobretudo tendo em consideração que, de acordo com o entendimento que tem sido sufragado pela jurisprudência a propósito do conceito de interessado ínsito no artigo 183.º-A, n.º 3, do CPPT vigente à data, a Recorrente tinha legitimidade, na qualidade de garante, para requerer a declaração de caducidade da garantia, uma vez que, conforme tem vindo a ser defendido na jurisprudência, a razão de ser desta não se prende com qualquer circunstancialismo inerente à relação fundamental entre o ordenante e o beneficiário mas com razões de eficiência da Administração Tributária e de segurança jurídica, ocorrendo, portanto, a caducidade ope legis (cfr. neste sentido, entre outros, os Acórdão do STA de 06-12-17, Processo n.º 01263/17, a que se pode aceder através das Bases Documentais do ITIJ).
[17] Nos termos do qual: O Contrato caduca desde que se verifique a extinção da obrigação caucionada e/ou a extinção da obrigação de caucionar.