I- Este STJ, para analisar se estavam verificadas as premissas/pressupostos excepcionais elencadas de admissibilidade de recurso, à luz do art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, teve que apreciar se a alegada ofensa de caso julgado se reportava ao acórdão recorrido e se se apresentava como uma violação verosímil e séria do caso julgado, que justificasse a sua intervenção. Para tal, este Tribunal teve que sindicar, ainda que de forma perfunctória e condicionada à verossimilhança e seriedade, a temática de fundo que fora suscitada em recurso, mas porque o recorrente não vinha através deste recurso trazer pela primeira vez, perante um Tribunal Superior, a discussão da pretendida violação de caso julgado. Já o tinha feito antes, em sede de resposta ao recurso do Ministério Público para o Tribunal da Relação e de arguição de invalidades do acórdão do Tribunal da Relação.
II- Ou seja, ao contrário do alegado pelo recorrente, a Decisão Sumária, chamando à colação e citando o acórdão deste STJ de 17-06-2015, no proc. n.º 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, 3.ª Secção, relator Cons. João Silva Miguel, apenas analisou se a suscitada ofensa/violação de caso julgado se apresentava, de antemão, verosímil e séria, ou se, pelo contrário, era claro e evidente que esse vício não era imputável ao acórdão do Tribunal da Relação recorrido, devendo ser rejeitado o recurso.
III- O CPP permite que, num exame preliminar, o relator opte pela prolação de uma Decisão Sumária, desde que verificadas determinadas premissas. Admite-se, assim, por apelo à celeridade processual, que, em casos mais evidentes, se decida desde logo pela inviabilidade do recurso através de um mecanismo expedito, ágil e mais célere. Aliás, sempre se afiguraria inútil e irrazoável – vd. art. 130.º, do CPC ex vi o art. 4.º, do CPP –, convocar-se a realização de uma audiência quando se verifica, de antemão, existirem motivos que levem, necessariamente, a uma rejeição liminar do recurso.
IV- Também a jurisprudência deste Tribunal já se pronunciou sobre esta temática, tendo decidido que “[…]o facto de o reclamante haver requerido a realização de audiência não é obstáculo à decisão do recurso por decisão sumária do relator. Conforme se vê do art. 417.º, n.º 6, al. b), do CPP o relator após o exame preliminar do processo, profere decisão sumária se, além do mais, o recurso dever ser rejeitado, independentemente de ter ou não sido requerida a realização da audiência Esta só terá lugar, nos termos do art. 421.º, n.º 1, se o processo houver de prosseguir. E o processo não prossegue quando o recurso seja rejeitado.” – cfr Acórdão deste Tribunal, de 22-03-2018, no proc. n.º 816/09.2IDLSB.L3.S1, relator Cons. Manuel Braz, disponível em www.stj.pt Sumários de Acórdãos/Criminal - Ano de 2018.
Recurso Penal
Acordam em conferência na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I- Relatório:
1. Por despacho de acusação de 14.7.2017, contra vários arguidos, o Ministério Público imputou ao o arguido, ora recorrente AA, a autoria de um crime de corrupção activa com prejuízo do comércio internacional previsto e punido pelo artigo 7.º da Lei 20/2008, de 21 de Abril, um crime de falsificação de documentos na forma continuada, previsto e punido pela conjugação dos artigos 255.º, alínea a), e 256.º n.º 1, alíneas a) e d), e 32.º, n.º 2, do Código Penal (CP) ), um crime de branqueamento previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 a 3, do CP.
2. Por decisão instrutória de 23.4.2018, pelo Tribunal Central de Instrução Criminal foi proferido despacho de não-pronúncia do arguido (e dos demais arguidos nos autos), concluindo, depois de elencar os factos que considerou não indiciados, decidiu nos seguintes termos:
“Nesta conformidade, conclui-se pela não verificação de indícios suficientes nos autos para submeter os arguidos a julgamento pelos factos que lhes foram imputados na acusação, razão pela qual se profere despacho de não pronúncia e consequente arquivamento dos autos quanto aos arguidos AA (…)”.
3. O Ministério Público, inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo nos seguintes termos:
“Por todo o exposto, a decisão instrutória adequada seria a pronúncia quase nos precisos termos da acusação, pelos factos que são indicados expressamente nas presentes alegações de recurso, tal como a imputação jurídica e a prova indiciária que sustenta os factos.
Termos em que se requer que o presente recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja a decisão instrutória de fls. 5108 a 5306 revogada, proferindo-se em sua substituição uma nova decisão instrutória (art. 307º nº 1 do CPP) de sentido oposto – decisão de pronúncia de todos os arguidos – nos precisos termos em que se alude nas presentes alegações de recurso, nomeadamente considerando-se os factos e a prova acima evocados”.
4. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 9.7.2020, concedeu provimento ao recurso do Ministério Público, decidindo nos seguintes termos:
“Portanto, temos que revogar a decisão recorrida e pronunciar os arguidos pelos factos e crimes imputados na acusação, embora com essa alteração de qualificação jurídica.
IV. Por decaírem totalmente no recurso, os arguidos devem suportar as custas do processo, com a taxa de justiça fixada em 6 UCs, tendo em conta a complexidade do caso e os limites fixados na tabela III, nos termos dos artigos 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e 513.º, n.º 1, do CPP.
V. Pelo exposto, deliberamos, por unanimidade,
a) Julgar procedente o recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO;
b) Revogar a decisão recorrida; e
c) Pronunciar os arguidos pelos factos imputados na acusação, sendo
i. AA como autor de um crime de corrupção activa com prejuízo do comércio internacional previsto e punido pelo artigo 7.º da Lei 20/2008, de 21 de Abril, um crime de falsificação de documentos na forma continuada, previsto e punido pela conjugação dos artigos 255.º, alínea a), e 256.º n.º 1, alíneas a) e d), e 32.º, n.º 2, do Código Penal (CP), e um crime de branqueamento de capitais previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 a 3, do CP,
(…)”.
5. Inconformado com este acórdão reagiu o recorrente pela seguinte forma:
“O ora requerente apresentou a 31.8.2020”, perante o Tribunal da Relação “um pedido de aclaração sobre o Acórdão proferido, mormente no intuito de esclarecer se o pronuncia nos termos da Acusação pública ou nos termos do Recurso do Ministério Público interposto da decisão de não-pronúncia do Tribunal de Primeira Instância”.
Cautelarmente, em 7.9.2020, o ora recorrente “arguiu perante o mesmo Tribunal as invalidades respeitantes à sua pronúncia, seja nos termos da Acusação ou do Recurso”.
Por conseguinte, “sem prejuízo daquela aclaração e da apreciação das invalidades serem pedidos prejudiciais e de apreciação metodologicamente anterior”, o ora requerente, “também por cautela de patrocínio”, apresentou recurso para este Supremo Tribunal de Justiça em 28.9.2020, “salvaguardando-se, no entanto, o direito de vir a apresentar novo Recurso” para este Tribunal, caso o Tribunal da Relação viesse a aclarar ou promover “novas alterações relevantes ao Acórdão agora em causa”.
6. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 1.10.2020, pronunciou-se sobre as questões que o recorrente pretendeu ver aclaradas e rejeitou as nulidades arguidas, mantendo a sua decisão do acórdão anterior pela seguinte forma:
“III. Pelo exposto, deliberamos, por unanimidade, indeferir os requerimentos apresentados por AA, (…)”.
7. Inconformado com este acórdão reagiu o recorrente interpondo recurso para este Tribunal porquanto, salvaguardou expressamente a possibilidade de vir a apresentar novo recurso na eventualidade de vir, entretanto, a ser decidido o pedido de aclaração que apresentara a 31.08.2020, do acórdão de 9.7.2020. E uma vez que, nessa sequência, foi proferido o acórdão 1.10.2020, sobre aquele pedido de aclaração, o que “permitiu melhor esclarecer os termos em que fora pronunciado, vem agora apresentar novo recurso sobre essa decisão de pronúncia do Tribunal da Relação de Lisboa, delimitado já aos thema decidendum entretanto aclarados”.
8. Por despacho de 13.11.2020, do Juiz Desembargador relator, não foram admitidos os recursos interpostos, nos seguintes termos:
“Porque os acórdãos do Tribunal da Relação de que os requerentes pretendem recorrer não conheceram, a final, do objecto do processo, e, por isso, não admitem recurso para o STJ, nos termos dos artigos 400.º, n.º 1, alínea d), e 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, não admito os recursos que os arguidos AA e BB pretendem interpor para o Supremo Tribunal de Justiça – o primeiro através dos requerimentos de 30.09.2020 e de 06.11.2020 e o segundo através do requerimento de 09.11.2020”.
9. Deste despacho veio o arguido reclamar, nos termos do artº.405º do CPP, o que fez, em síntese, nos seguintes termos:
“Em suma, deve o presente Recurso ser admitido, primeiramente, em razão da violação do caso julgado pelo Acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do artigo 629.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.° do Código de Processo Penal, e dos artigos 399.°, 400.°, n.° 1, a contrario, e 432.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
11 A este propósito, sempre deverá considerar-se materialmente inconstitucional a norma resultante da interpretação, isolada ou conjugada, do disposto nos artigos 577.°, alínea d), 621.° e 629.°, n.° 2, alínea a), do CPC, aplicáveis com as devidas adaptações ex vi artigo 4.° do Código de Processo Penal, e nos artigos 399.°, 400.°, 402.°, 403.°, n.° 1, e 432.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Penal, no sentido de que não constitui fundamento válido de recurso a violação de caso julgado em decisão de pronúncia proferida em sede de recurso de decisão instrutória de não pronúncia, por violação das garantias de defesa do arguido, do direito de tutela jurisdicional efetiva, na vertente de direito ao recurso, dos princípios ne bis in idem, do caso julgado e do acusatório e do contraditório, nos termos do disposto nos artigos 1.°, 2.°, 18.°, n.° 2,20.°, n.° 1,29.°. n.° 5, e 32.°, n.os 1,2 e 5, da CRP, o que desde já se deixa arguido cautelarmente para os devidos efeitos legais.
Mas não só:
6) Da recorribilidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa com fundamento na pronúncia por factos diversos dos contantes da Acusação pública
12. No Recurso que interpôs para este Supremo Tribunal de Justiça, o ora Arguido reservou um outro capítulo prévio (cfr. Capítulo B.2 do Recurso) no qual procurou demonstrar que a recorribilidade resultava adicionalmente da constatação de que foi pronunciado por factos diferentes dos da Acusação e que essa pronúncia se baseava em factos que tanto o Julgador, em Primeira Instância, como o Acusador, em sede de Recurso da decisão de não-pronúncia, haviam convergido no sentido da sua irrelevância indiciária.
O despacho ora reclamado, porém, também não analisou este fundamento — o que, novamente, o levou a rejeitar indevidamente o Recurso interposto”.
10. Conhecida esta reclamação foi a mesma deferida apenas relativamente ao caso julgado nos seguintes termos:
“10. Nestes termos, por ser questão de fundamento material a decidir pela jurisdição e não nos limites objectivos de cognição do artigo 405.º do CPP, defere-se a reclamação, devendo o despacho reclamado ser substituído por outro que admita o recurso, apenas no respeitante ao caso julgado” – sublinhado nosso.
… e com os seguintes fundamentos:
“No entanto, o reclamante invoca como fundamento da admissibilidade a ocorrência
de caso julgado, referindo a decisão proferida no processo n.º 6421/17..., onde se entendeu:
«A violação do caso julgado, como fundamento do recurso, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), fine, do CPC, constitui um motivo específico de admissibilidade de recurso fora de todos os pressupostos típicos e comuns de recorribilidade; com esta natureza, constitui solução que responde a um princípio geral – respeito pelo caso julgado, sendo, por isso, compatível com a disciplina e o regime do processo penal.
Deve, assim, considerar-se aplicável ao processo penal nos termos do artigo 4.º do CPP.
O fundamento de recurso previsto no 629.º, n.º 2, alínea a), fine, do CPC (ofensa de caso julgado), foi invocado expressamente no requerimento de interposição de recurso e na reclamação.
Invocada a violação do caso julgado como fundamento do recurso, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC ex vi do artigo 4.º do CPP, a questão sobre a existência ou não de caso julgado releva já do julgamento sobre um fundamento material do recurso e menos da apreciação prévia sobre a verificação dos pressupostos objectivos de admissibilidade».
Posição que se mantém.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento da questão de inconstitucionalidade”.
11. Admitido o recurso veio o Ministério Público responder, o que fez concluindo pela seguinte forma:
“(…) determinou que o arguido/recorrente e os demais fossem pronunciados pelos mesmos factos já constantes da acusação contra eles deduzida em 14 de Julho de 2017, concretamente o arguido ora recorrente como autor material dos mesmos crimes que lhe eram imputados naquela peça acusatória.-
- Não existiu assim, trânsito em julgado de qualquer segmento da Decisão Instrutória, qualquer alteração nem dos factos que são imputados ao arguido/recorrente - nem aos demais -, nem da qualificação jurídica operada na referida acusação.-
- Pelo exposto, não procede a invocação da ofensa de caso julgado que, manifestamente, se não verificou, devendo por isso serem julgados improcedentes os recursos interpostos pelo arguido/recorrente AA.-
- Impõe-se, assim, a manutenção do decidido (…)”.
12. Neste Tribunal, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer nos termos do art. 416.º do CPP, concluindo pela seguinte forma:
“O recorrente AA vem requerer a realização de audiência neste Tribunal Superior, nos termos do nº 5, do art. 411º, do Cod. Proc. Penal, com vista a debater os pontos C. e D. dos recursos apresentados, sendo que invoca a violação do caso julgado no ponto C3.
Face ao exposto, pr. se dê cumprimento ao disposto no art. 421º do Cod. Proc. Penal”.
13. Cumprido o artº. 417º, n.º 2, do CPP, veio o recorrente requerer que fosse dado cumprimento ao artº. 421.º do CPP ou, caso assim não se procedesse, e cautelarmente, requereu que lhe fosse renovada a notificação para efeitos do artº. 417°, nº. 2, do CPP, para exercício do contraditório por escrito.
14. Por despacho de 9.6.2021 foi decidido indeferir a renovação/repetição da notificação ao recorrente para exercício adicional de contraditório, nos termos do artº. 417º, nº. 2, do CPP, por falta de fundamento legal.
15. Efectuado exame preliminar, foi proferida decisão sumária pelo relator, em 9.6.2021.
16. Na Decisão Sumária, entendeu-se que o recurso interposto pelo recorrente era inadmissível, pelos seguintes motivos:
“II - Questão Prévia:
O recorrente veio requerer a realização de audiência perante este Supremo Tribunal de Justiça “ao abrigo do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do CPP, para ver debatidos nesse âmbito os pontos C. e D. do presente recurso”.
Dispõe o artº. 417º, do CPP, sob a epígrafe “Exame preliminar” que, nº. 6, “após exame preliminar, o relator profere decisão sumária”, al. b), “sempre que o recurso dever ser rejeitado”.
Dispondo o artº. 421º, sob a epígrafe “Prosseguimento do processo”, nº. 1 “Se o processo houver de prosseguir, é aberta conclusão ao presidente da secção, o qual designa a audiência para um dos 20 dias seguintes, determina as pessoas a convocar e manda completar os vistos, se for caso disso”. sublinhado nosso.
Deste modo, apenas se o processo houvesse de prosseguir haveria lugar à requerida realização da audiência. Pelo que se profere a presente decisão sumária.
III- O Objecto do deste recurso:
São as seguintes as questões apreciar e decidir, conforme se retira da motivação e respectivas conclusões, restringidas apenas à parte do recurso “respeitante ao caso julgado”:
A – Se o recurso, com os fundamentos pelos quais foi deferida a reclamação – “apenas no respeitante ao caso julgado”, é admissível.;
B – E, no caso de ser admissível, se se verificou a violação do caso julgado pelo Tribunal recorrido.
III – A – Quanto à primeira questão:
Fundamentação:
Como sempre se refere e resulta do disposto dos art.ºs 412.º, nº. 1 e 417º, nº. 3, do CPP, são as conclusões do recurso que delimitam o seu âmbito de conhecimento.
Como diz P. Pinto de Albuquerque (ob. cit., p. 1059) “as conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com eles o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso”.
Vem o presente recurso interposto para este Tribunal “delimitado já aos thema decidendum entretanto aclarados” pelo acórdão do Tribunal da Relação de 1.10.2020, proferido na sequência do pedido de aclaração do anterior acórdão de 9.7.2020 que decidiu pronunciar o recorrente e demais arguidos, revogando a decisão instrutória de não-pronúncia recorrida.
O recurso fundamenta a sua admissibilidade “nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 310.º, n.º 1, a contrario, e 399.º do Código de Processo Penal, e 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal”.
Termina o recurso formulando as seguintes Conclusões, respeitantes ao objecto do presente recurso, a fls. 50 e segs. e que aqui se transcrevem:
“1) Vem o presente Recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, revogando a decisão de não-pronúncia do Tribunal Central de Instrução Criminal, pronunciou o ora Arguido pela pretensa prática de um crime de corrupção activa com prejuízo para o comércio internacional, um crime de falsificação de documentos, na forma continuada, e, ainda, um crime de branqueamento.
2) O Acórdão recorrido pronunciou os Arguidos “pelos crimes imputados na acusação” (cfr. pág. 330 do Acórdão). No entanto, o Ministério Público não recorreu na íntegra da decisão de não-pronúncia da primeira instância, com a qual, em grande parte, se conformou, aliás razão pela qual não pugnou pela pronúncia dos Arguidos nos termos da Acusação.
3) O Recurso do Ministério Público que suscitou a intervenção do Tribunal a quo vinha condicionado por um pedido de incorporação de novos factos e crimes face àqueles que constavam da Acusação e que o Ministério Público pretendia que fossem aditados (alterando a Acusação) em sede de recurso.
4) Visto que o Ministério Público não recorreu na íntegra da decisão que rejeitou a Acusação, naturalmente que a parte não-impugnada da decisão transitou, tendo já formado caso julgado parcial nos autos vertentes. Logo, ao pronunciar os Arguidos nos termos da Acusação, o Tribunal recorrido violou esse mesmo caso jugado.
5) Como decorre do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, é sempre admissível recurso das decisões que violem o caso julgado, o que constitui fundamento de recurso também em processo penal (ex vi artigo 4.º do CPP), como vem sendo, aliás, admitido por este Supremo Tribunal de Justiça. Deve, por conseguinte, o presente Recurso ser admitido, primeiramente, em razão da violação do caso julgado pelo Acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP.
6) A este propósito, sempre deverá considerar-se materialmente inconstitucional a norma resultante da interpretação, isolada ou conjugada, do disposto nos artigos 577.º, alínea d), 621.º e 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 4.º do CPP, e nos artigos 399.º e 400.º do CPP, quando aplicada e interpretada no sentido de que não é recorrível decisão de pronúncia proferida em sede de recurso de decisão instrutória de não pronúncia por factos e crimes que não foram impugnados em recurso, atenta a subjacente violação das garantias de defesa do arguido, do direito de tutela jurisdicional efectiva, na vertente de direito ao recurso, dos princípios ne bis in idem, do caso julgado e do acusatório e do contraditório, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 29.º. n.º 5, e 32.º, nº.s 1, 2 e 5, da CRP, o que desde já se deixa arguido cautelarmente para os devidos efeitos legais”.
Assim, o recorrente imputa a violação do caso julgado ao acórdão do Tribunal da Relação, porquanto, como alega, ao ter-se o Ministério Público abstido de recorrer da decisão instrutória de não-pronúncia proferida em 1ª instância, esta decisão estaria, consequentemente, transitada em julgado. Pelo que, não podia a Relação, revogando aquela decisão, pronunciar o recorrente (e demais arguidos).
Retira-se da sua alegação que, não obstante tratar-se de decisão da qual não é admissível recurso, conforme resulta das disposições conjugadas dos o artºs. 432º, 1, al. c), 400º, nº. 1, al. c) do CPP, ainda assim, sempre será admissível recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, por aplicação do artº. 629º do CPC ex vi o artº. 4º do CPP.
Deste modo, seria sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisão proferida em sede de recurso pela Relação que determinasse a pronúncia do arguido em violação do caso julgado, sob pena de se reservar a estas decisões judiciais um regime de “irrecorribilidade absoluta”. E, caso assim se não entendesse, uma interpretação distinta violaria os preceitos constitucionais invocados.
Posto isto,
O Código do Processo Penal estabelece no seu o artº. 399º do CPP, como princípio geral sobre a recorribilidade das decisões judiciais em processo penal, relativamente aos recursos ordinários, que “É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”.
Já a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça é delimitada, de forma taxativa, como estabelecido pelo regime previsto no artº. 432º do CPP.
Assim, e com interesse para a decisão no presente recurso, dispõe o nº. 1, al. b) do artº. 432º que, “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”;
E, por sua vez, dispõe o artº. 400º, nº. 1, al. c) que,
“1 - Não é admissível recurso:
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo”;
O recurso para este Tribunal é absolutamente inadmissível à luz do disposto no arº. 400º, nº. 1, al. c), do CPP, o que, aliás, é claramente assumido pelo recorrente na sua motivação e, por isso, o recorrente parte para a afirmação de que se verifica existir uma lacuna teleológica, buscando a solução nas normas do processo civil – no caso no artº. 629º, nº. 2 do CPC – . com o objectivo de conformar um fundamento plausível de recurso fora dos quadros de admissibilidade consagrados no Código de Processo Penal.
Com efeito, as regras de irrecorribilidade que o artº. 400º do CPPP elenca, não contemplam directamente a possibilidade de recurso das decisões sobre as questões autónomas da competência material e/ou do caso julgado.
Assim, não contendo o Código de Processo Penal uma norma expressa de conteúdo igual ou contrário à prevista na al. a) do nº. 2 do artº. 629º do Código de Processo Civil, o qual estatui que, “com fundamento na violação das regras de competência (…) ou na ofensa de caso julgado”, “é sempre admissível recurso”, coloca-se a questão de saber se estamos perante uma lacuna do processual penal.
Ora, como supra referido, alega o recorrente ser imputável a violação do caso julgado ao acórdão do Tribunal da Relação, porquanto, ao ter-se o Ministério Público “abstido” de recorrer da decisão instrutória de não-pronúncia proferida em 1ª instância, esta decisão estaria assim transitada em julgado. Pelo que não podia o Tribunal da Relação, ter revogado aquela decisão, pronunciando o recorrente (e demais arguidos). E, assim, a não admissão do recurso nesta fase, com este fundamento, resultaria num regime de “irrecorribilidade absoluta” das (destas) decisões judiciais.
Isto, não obstante, como é o caso destes autos estarmos perante acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que não conheceu, a final, do objecto do processo.
Posto isto, face à alegada “irrecorribilidade absoluta” que, neste caso, levaria à violação do direito ao recurso consagrado no artº. 32º, nº. 1 da Constituição da República, coloca-se a questão de saber se, em processo penal, é aplicável subsidiariamente a norma prevista no artº. 629º, nº. 2, al. a) do CPC, ou seja, se é admissível recurso penal quando é alegada, como no caso presente, violação de caso julgado, com vista a garantir o direito ao recurso constitucionalmente consagrado.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não é unânime quanto a esta matéria: por um lado, uma das correntes entende a não aplicabilidade, por força do disposto nos artºs. 400º, n º. 1, al. c) e 432º, nº. 1, al. b), do CPP afirmando a prevalência do princípio da suficiência do processo penal. Já outra corrente de opinião aceita – embora com diferentes graduações de aceitação – a aplicabilidade subsidiária do regime de recursos previsto no Código do Processo Civil aos recursos penais, em processo penal.
Também na doutrina se encontram posições divergentes como defende Manuel Lopes Maia Gonçalves, em “Código de Processo Penal, Anotado”, 17º Edição, 2009 – Almedina, pág. 913, onde refere: “Pelo exposto, e até porque não há qualquer lacuna no processo penal dado o texto deste art. 400.º e atenta ainda a orientação geral do Código, não funciona em processo penal o normativo do art. 678.º do CPP relativo aos recursos para o STJ baseados em ofensa do caso julgado ou das regras de competência internacional e em razão da matéria ou da hierarquia”. Ou, admitindo a possibilidade de em processo penal recorrer ao regime de recursos previsto no Código de Processo Civil, como refere P. Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem” 4.º edição actualizada, Universidade Católica Editora, pág. 1049, na anotação 19 ao artº. 400º, nº. 3 do CPP: “a ratio do n.º 3, resolve também o problema da aplicabilidade do artigo 678.º n.º 2 do CPC ao processo penal. Atenta essa ratio, assente no tratamento igualitário dos recorrentes em matéria civil e fora do processo penal, o recurso interposto em processo criminal com fundamento em violação das regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia ou do caso julgado, é sempre admissível em relação à decisão sobre matéria civil. E; como a protecção garantida a estas regras processuais fundamentais não é mais importante em matéria civil do que em matéria penal, deve entender-se que é aplicável analogicamente a disposição do artigo 678.º n.º 2 do C.P.C à decisão sobre matéria penal…”.
Façamos uma breve resenha, citando alguma jurisprudência recente deste Tribunal cujo entendimento é o de que “O regime de recursos em processo penal é hoje, e, em princípio, auto-suficiente, não havendo lacuna que permita, a coberto do artigo 4.º, do CPP, que seja lançada mão do disposto no artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC relativamente ao recurso em matéria penal para o STJ com base em ofensa ao caso julgado”.
Pela sua exposição exaustiva sobre esta matéria citamos desde já o Acórdão deste Tribunal de 6.5.2020, no Proc. n.º 4/12.0IFLSB.G2.S1 - 3.ª Secção, relator Cons. Raul Borges.
“XXXVII - Os casos previstos no art. 629.º, n.º 2, do CPC – nomeadamente, a questão de violação de regras de competência em razão da matéria e de caso julgado – são susceptíveis de recurso de revista (dita normal), mesmo que estejamos perante uma situação de dupla conforme. Mas a cedência da dupla conforme é privativa do processo civil, com extensão permitida e justificada ao enxerto cível. As regras enunciadas valem apenas para os processos cíveis e para os pedidos de indemnização civil incorporados no processo penal.
XXXVIII - Não tem aplicação em processo penal a recorribilidade com base em incompetência material ou violação de caso julgado.
XLVII – Este Supremo Tribunal já se pronunciou no sentido de inexistência de lacuna e de não ser aplicável em processo penal o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, como consta do sumário do acórdão de 7 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 204/13.6YUSTR.L1-A.S1, da 5.ª Secção.
XLVIII – No sentido de inexistência de lacuna e de não aplicação da revista excepcional em matéria penal, pronunciaram-se os acórdãos de 06-10-2016, proferido no processo n.º 535/13.5JACBR.C1.S1 - 5.ª Secção e de 4-12-2019, proferido no processo n.º 354/13.9IDAVR.P2.S1, da 3.ª Secção, in CJSTJ 2019, tomo 3, págs. 230 a 235.
XLIX – O recurso é de rejeitar, por manifestamente improcedente”.
A mesma reflecção foi feita, no Acórdão proferido em reclamação para a conferência da Decisão Sumária de 19.06.2019, no Processo n.º 484/15.2TELSB.P1. S1, 5.ª Secção, relator Cons. Júlio Pereira:
“IX - Nos termos do art.º 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa do caso julgado.
Será que esta disposição é aplicável no processo penal por força do disposto no art.º 4.º do respectivo código?
X - Não obstante a questão não ser inteiramente pacífica, entende-se que os pressupostos do processo civil e do processo penal, no que se refere ao regime de recursos, são radicalmente diferentes.
No processo civil são determinantes o valor da acção e o grau de sucumbência. No processo penal o que é relevante é a natureza e a medida das penas. Para além disso, diferentemente do que ocorre no processo civil, em processo penal vigora a regra geral da recorribilidade (art.º 399.º do CPP) estando garantido, por imposição constitucional, o duplo grau de jurisdição.
XI - Ou seja, as razões de ordem pública a que alude o Prof. Alberto dos Reis não se colocam nos mesmos termos no domínio do processo penal, onde as garantias decorrem de diferentes padrões constitucional e legalmente firmados em nome da defesa do direito à liberdade.
Garantido um segundo grau de jurisdição ficam cumpridas as exigências constitucionais e legais, seja qual for o fundamento do recurso, só se admitindo novo recurso para o STJ nos casos de aplicação de penas de maior gravidade (em regra penas de prisão superiores a cinco anos ou superiores a oito anos no caso de se verificar a chamada dupla conforme – artigos 400.º, n.º 1 e 432.º do CPP”. sublinhados nossos.
Também no mesmo sentido foi proferido o Acórdão de 4.12.2019, proferido no Proc. nº. 354/13.9IDAVR.P2.S1, 3.ª Secção, relator Cons. Manuel Matos:
“VIII - Perante a autonomia que passou a ser conferida ao pedido de indemnização civil deduzido no processo penal em caso de inadmissibilidade do recurso quanto à matéria penal (art. 400.º, n.º 3, do CPP), é manifesto que existem fundamentos bastantes para tornar compreensível e justificar a aplicação subsidiária das normas do processo civil quanto ao recurso relativo ao objecto civil enxertado no processo penal, daí que se justifique a aplicação subsidiária das pertinentes normas do processo civil quanto ao recurso restrito à matéria cível, nomeadamente a aplicação dos pressupostos da sua admissibilidade em geral (art. 629.º, n.º 1, do CPC), dos pressupostos de admissibilidade da revista e da dupla conformidade (art. 671.º, n.ºs 1 e 3, do CPC) e, por fim, dos pressupostos revista excepcional (art. 672.º do CPC).
IX - Já relativamente à matéria penal, ao objecto penal tramitado no processo penal, observa-se a inaplicabilidade das normas processuais civis relativamente aos recursos aí interpostos e, muito em particular, aos recursos interpostos perante o STJ. Neste ponto, o regime jurídico-processual dos recursos e respectivas espécies, consagrado no CPP pauta-se pela suficiência (princípio da auto-suficiência), é taxativo, exaustivo e completo. (…)”.
E, ainda o Acórdão de 7.1.2016, no Proc. nº. 204/13.6YUSTR.L1-A.S1, 5ª Secção, relatora Cons. Isabel Pais Martins:
“II - A norma da al. a) do n.º 2 do art. 629.º do CPC não tem aplicação no processo penal, e, por via deste, também não tem aplicação ao processo contra-ordenacional, por inexistência de lacuna a integrar por apelo a tal norma (dado que nem o art. 400.º, do CPP nem o art. 75.º, n.º 1, do RGCC carecem de integração nem entram em contradição com qualquer outra norma do ordenamento processual), pelo que inadmissível o recurso apresentado pelo recorrente com fundamento único na violação de caso julgado”.
Ainda no mesmo sentido referimos a decisão sumária de 11.2.2020 Relator Cons. Carlos Almeida e o Acórdão de 23.4.2020 Proc. 589/15.0JALRA-KE2.S1, 5ª secção, relator Cons. Carlos Almeida:
“Não é admissível recurso para o STJ de um acórdão de um Tribunal da Relação que apreciou um recurso de um despacho que declarou a excepcional complexidade de um processo mesmo que o recorrente afirme que essa decisão violou anterior caso julgado que havia fixado uma outra data como a do início do inquérito, questão que é absolutamente irrelevante para a decisão recorrida”.
Este, entendemos ser o quadro para admissibilidade do recurso no processo penal, no qual as soluções para as questões do recurso, se encontram nas suas regras. Perfilhamos o entendimento da Jurisprudência deste Tribunal, no sentido acima citado. Em síntese: “Não tem aplicação em processo penal a recorribilidade com base em incompetência material ou violação de caso julgado”.
Com efeito, admitir que através da invocação da violação de caso julgado permitiria sempre socorrer-se das regras do processo civil implicaria abrir uma “caixa de Pandora” e postergar o princípio da suficiência do processo penal.
Para que, excepcionalmente, se pudesse admitir o recurso às regras do processo civil, haveria sempre que, em concreto, constatar uma situação excepcional que fosse notória e evidente, a integrar nos termos permitidos pelo artº. 4º, do CPP, uma situação em que não estando abrangida ou não pudesse ser integrada pela previsão das normas do processo penal viesse a contender com direitos fundamentais, com direitos, liberdades e garantias, tais como, para o que aqui interessa, o direito ao recurso como consagrado na Constituição da República – artº. 32º, nº. 1.
Ora, a esta situação excepcional deu resposta este Tribunal no seu Acórdão de 18.6.2020 no Proc. nº. 28/06.7TELSB.L2.S1, 5ª Secção, relatora Cons. Margarida Blasco:
“V - É certo que na decisão sumária abrimos a porta a uma excepcionalidade quando referimos que “O caso julgado só poderá abrir a via do recurso para o STJ, se a respectiva violação for de imputar ao próprio acórdão do Tribunal da Relação e, isto, não em função da excepção propriamente dita, mas para ser dado cumprimento à garantia constitucional do duplo grau de jurisdição em sede de recurso.”.
Assim e apenas nesta circunstância excepcional e restrita, se poderá admitir o recurso à citada norma do norma do artº. 629º, nº. 2, al. a) do CPC.
Também no sentido desta solução excepcional, mas indicando expressamente condições para que o recurso às regras do processo civil, não seja permitindo perante a “mera” invocação de violação de caso julgado, pronunciou-se este Tribunal no Acórdão de17.6.2015 no Proc. nº. 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, 3.ª Secção, relator Cons. João Silva Miguel:
“IX - Nos termos da al. a) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, é sempre admissível recurso da decisão com fundamento em violação de caso julgado, mas a admissibilidade de recurso com este fundamento pressupõe que seja a própria decisão recorrida a ofender outra decisão já passada em julgado.
X - A admissibilidade de recurso fica condicionada, por um lado, à alegação que a violação resulta da própria decisão recorrida, e, por outro lado, que se apresente como verosímil e séria a existência de ofensa de caso julgado, sendo de rejeitar o recurso sempre que o tribunal superior, do exame preliminar dos autos, conclua ser ostensivo, claro e evidente, sem qualquer dúvida, que esse vício não é imputável à decisão recorrida”. sublinhados nossos.
Deste modo, a admissibilidade de recurso fica condicionada, por um lado, à alegação que a violação resulta da própria decisão recorrida, e, por outro lado, que se apresente como verosímil e séria a existência de ofensa de caso julgado.
II- B – Face ao supra exposto, apreciada e respondia a primeira questão formulada: A – Se o recurso, com os fundamentos pelos quais foi deferida a reclamação – “apenas no respeitante ao caso julgado”, é admissível, há que apreciar e responder à segunda questão formulada: B – Se se verificou a violação do caso julgado pelo Tribunal recorrido.
Tendo como ponto de partida que, a alegação de que a violação do caso julgado resulta da própria decisão recorrida e condicionada a que se apresente como verosímil e séria a existência de ofensa de caso julgado, será excepcionalmente admissível recurso em processo penal para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em o acórdão da Relação ofender o caso julgado nos termos do artº. 629º, nº. 2, al. a), do CPC, aplicável por força do art. 4.º, do CPP, vejamos então o caso deste recurso:
Diz o recorrente na sua motivação que o Ministério Público com a interposição do seu recurso, verdadeiramente “desistiu” do recurso da decisão instrutória de não-pronúncia, conclusão que retira com a sua leitura dos termos daquele recurso.
Assim, do recurso do recorrente para este Tribunal, agora em apreciação, e destacamos as seguintes Conclusões:
“o Ministério Público não recorreu na íntegra da decisão de não-pronúncia da primeira instância, com a qual, em grande parte, se conformou, aliás razão pela qual não pugnou pela pronúncia dos Arguidos nos termos da Acusação” – conclusão 2.
o recurso vinha “condicionado por um pedido de incorporação de novos factos e crimes face àqueles que constavam da Acusação” – conclusão 3.
“Visto que o Ministério Público não recorreu na íntegra da decisão que rejeitou a Acusação, naturalmente que a parte não-impugnada da decisão, por não integrar o âmbito do recurso nos termos dos artigos 402.º e 403.ºdo Código de Processo Penal, formou caso julgado parcial nos autos vertentes” – conclusão 4.
Concluindo, assim, que “Logo, ao pronunciar os Arguidos nos termos da Acusação, o Tribunal recorrido violou esse mesmo caso jugado” – conclusão 4.
Ora, como supra exposto, sendo certo que é imputada ao acórdão da Relação recorrido a violação do caso julgado e que, tendo o Ministério Público interposto recurso, a parte deste acórdão que não tivesse sido impugnada por este recurso transitaria, formando caso julgado parcial. E ainda que, excepcionalmente, para garantir ao recorrente, o direito a recurso consagrado no artº. 32º, nº. 1 da Constituição da República, seria admissível os termos do artº. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, aplicável por força do artº. 4º, do CPP. Já a admissibilidade de recurso fica, porém, condicionada a que se apresente como verosímil e séria a existência de ofensa de caso julgado.
Deste modo, haverá que aferir se, por um lado, como alega o recorrente, o Ministério Público com o recurso que interpôs, verdadeiramente “desistiu” da recorrer a decisão instrutória de não-pronúncia dos arguidos, designadamente, o recorrente e, por outro lado, apreciar se o recorrente se viu impossibilitado de impugnar perante um tribunal superior as “novas” questões trazidas naquele recurso ou resultantes da sua interposição, porquanto com a alegada desistência do recurso transitaria em julgado a decisão instrutória de não-pronúncia.
Quanto à primeira questão, da leitura da motivação do recurso do Ministério Público, resulta claramente que as expressões e segmentos de texto que o recorrente refere e/ou transcreve na sua motivação, e que acima apontámos, não têm nem o significado directo ou indirecto, nem o alcance que o recorrente lhes atribui. Elas são feitas num contexto de argumentação na motivação e decorrem da especificação dos fundamentos do recurso e das razões do pedido.
Afirmar que a motivação do recurso do Ministério Público consiste numa nova acusação para daí retirar que o Ministério Público “desistiu” da anterior acusação que não obteve a comprovação judicial da decisão instrutória recorrida, afigura-se-nos uma interpretação muito própria do recorrente, sem correspondência com o que consta daquela peça recursiva.
Com efeito escreve, assim, o Ministério Público na motivação do seu recurso, começando por “I- Objecto do Recurso”:
“O presente recurso decorre da plena discordância com os fundamentos e a decisão instrutória de não pronúncia de fls. 5108 a 5306, proferida em 23 de abril de 2018 pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal (JIC) do TCIC no âmbito dos autos identificados em epígrafe.
Tratando-se de um processo penal complexo e extenso (com 79 volumes presentemente) é natural que existam alguns lapsos na acusação pelos quais o MP se penitencia e dos quais fará menção nesta peça processual, expurgando-os. Contudo, se os mesmos afetam a substância da acusação ou permitem chegar à conclusão de que os arguidos que pediram a instrução têm razão, a resposta é, na nossa opinião, francamente negativa.
A base da argumentação subsequente da presente peça processual funda-se na defesa da existência de um pré-juízo do julgador que determinou a decisão de não pronúncia, e não na falta de prova dos factos imputados aos arguidos, o que se procurará demonstrar”. sublinhados nossos.
Adiante consta do texto da motivação do recuso do Ministério Público, a fls. 68 e 69, sob a epígrafe “II Os Factos” o que se transcreve:
“Atento tudo o que ficou expresso é nosso entendimento que a acusação do MP se encontrava devidamente sustentada na prova indiciária disponível e, finda a instrução, a mesma resultou reforçada.
De facto, foi junta diversa prova documental que não só é compatível com os factos imputados aos arguidos como ajuda a explicar o circunstancialismo que os rodeou.
Os próprios interrogatórios dos arguidos, apesar do seu esforço por afastarem de si as suspeitas também permitem um reforço indiciário.
A decisão de não pronúncia é, por isso, no entendimento do MP, manifestamente desajustada à prova produzida e baseia-se numa hipervalorização da versão – retius, do alibi – apresentada pelos arguidos em sede de interrogatório judicial (complementar, realizado em sede de instrução) por parte do Sr. JIC.
A aceitação acrítica da bondade da tese – comum a todos – de que desconheciam que o dinheiro tinha proveniência ilícita (quando todos eles conheciam os funcionários angolanos), negando a existência de falsificação (alegando não entenderem o que foi falsificado), e do próprio branqueamento, esbarra na restante prova indiciária existente (documental, testemunhal e pericial), e na sua valoração face às regras da experiência.
É mais complexa a situação de se conseguir demonstrar o crime de corrupção com prejuízo do comércio internacional pois, admite-se, que será difícil demonstrar-se se ocorreu uma promessa (ou foi oferecido algo) aos funcionários Angolanos da Sonangol para se obterem os referidos contratos.
Contudo, cumpre chamar à colação as regras da experiência comum e recordar que, nessa altura, a TAP se encontrava sujeita a algumas dificuldades financeiras e a celebração desse contrato significava a entrada dinheiro vivo para a tesouraria da TAP-ME, a perspetiva de outros negócios e um aumento do status reputacional dos funcionários da TAP envolvidos, sendo assim de presumir, por ser bastante plausível, que os factos tenham ocorrido do modo que se relata na acusação.
Por todo o exposto, a decisão instrutória adequada seria a pronúncia quase nos precisos termos da acusação. Como já se teve oportunidade de mencionar, em virtude da extensão e complexidade do presente processo, existiram alguns lapsos na acusação e, por outro lado, a instrução trouxe alguns esclarecimentos aos factos que necessariamente deverão ser incorporados nesses factos imputados aos arguidos por serem acessórios e clarificarem as circunstâncias e o contexto em que estes ocorreram”. sublinhados nossos.
E, na sequência da exposição dos seus argumentos da motivação conclui a fls. 179, referindo por que crimes cada um dos arguidos deve ser pronunciado. O recorrente, AA:
“– Um crime de corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional, p. e p. no art. 7º da Lei 20/2008, de 21 de Abril;
– Um crime unificado de falsificação de documentos, p. e p. pela conjugação dos artigos 255º, al. a) e 256º nº 1, al.ªs a) e d), e 30º nº 1, todos do Código Penal;
– Um crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368º-A nºs 1 a 3 do Código Penal”.
E nas suas Conclusões a fls. 224 e segs do recurso.
“3)Tratando-se de um processo penal complexo e extenso, presentemente com 79 volumes, é natural que existam alguns pequenos lapsos na acusação pelos quais o MP se penitencia e que expurgou de entre os factos que se indicam nestas alegações”.
Terminando por concluir:
“Por todo o exposto, a decisão instrutória adequada seria a pronúncia quase nos precisos termos da acusação, pelos factos que são indicados expressamente nas presentes alegações de recurso, tal como a imputação jurídica e a prova indiciária que sustenta os factos.
Termos em que se requer que o presente recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja a decisão instrutória de fls. 5108 a 5306 revogada, proferindo-se em sua substituição uma nova decisão instrutória (art. 307º nº 1 do CPP) de sentido oposto – decisão de pronúncia de todos os arguidos – nos precisos termos em que se alude nas presentes alegações de recurso, nomeadamente considerando-se os factos e a prova acima evocados.”
Em parte alguma o Ministério Público refere que desiste de qualquer parte da decisão instrutória recorrida. Diz, antes, expressamente o contrário. Limita-se a admitir a ocorrência “alguns pequenos lapsos” na acusação, que atribui à extensão e complexidade do processo no qual foi deduzida. Lapsos esses irrelevantes para a decisão de pronúncia pela qual pugna, requerendo que o seu “recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja a decisão instrutória de fls. 5108 a 5306 revogada” pedindo uma decisão de “sentido oposto – decisão de pronúncia de todos os arguidos – nos precisos termos em que se alude nas presentes alegações de recurso, nomeadamente considerando-se os factos e a prova acima evocados.”
Com efeito, como resulta do artº. 402º nº. 1 do CPP, “Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão”. Assim, contrariamente à sua alegação o recorrente não pode retirar a “desistência” de recurso por parte do Ministério Público de uma putativa intenção de desistir sem correspondência na intenção expressa no recurso.
Já o artº. 403º nº. 1, ao estabelecer que “É admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas”, define as regras em que o recurso interposto de uma decisão não abranja toda a decisão. Ora, o Ministério Público refere expressamente quer na interposição do recurso, quer no texto da motivação quer nas suas conclusões que o recurso “abrange toda a decisão” instrutória de não-pronúncia, sem que limite o objecto do recurso “a uma parte da decisão”.
Quanto à segunda questão, saber se o recorrente se viu impossibilitado de impugnar perante um tribunal superior as “novas” questões trazidas naquele recurso ou resultantes da sua interposição, das quais resultou, como afirma, a desistência do Ministério Público de recorrer da decisão instrutória de não-pronuncia pelos factos imputados ao recorrente no despacho de acusação por si deduzida porquanto, com a alegada desistência do recurso, transitaria em julgado a decisão instrutória de não-pronúncia.
É certo que a resposta a esta segunda questão fica prejudicada na sequência do que acima ficou dito. Com efeito, o recorrente faz uma leitura da postura processual do Ministério Público que não corresponde aos termos do recurso. Pelo contrário, é bem clara e expressa a posição do Ministério Público ao pugnar pela revogação da decisão instrutória de não-pronúncia e pela pronúncia dos arguidos (o recorrente incluído).
Porém, vejamos:
Ao recurso do Ministério Público respondeu o recorrente, pela seguinte forma, alegando logo na introdução da sua motivação, a fls. 3, o seguinte:
“4. Verdadeiramente, o Ministério Público não interpôs um Recurso da decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal,
5. Nem as suas alegações se dirigem à refutação dos abundantes contra-indícios apurados, nem sequer à censura de eventuais segmentos decisórios do despacho de não-pronúncia.
6. Isto porque o que se alcança do Recurso do Ministério Público é uma inexplicável reformulação da Acusação, lançando mão de novos factos que lhe permitam contar uma história completamente diferente daquela que foi efectivamente submetida à apreciação do Tribunal Central de Instrução Criminal (porque constante da Acusação) e que foi objecto de Defesa e de variadas diligências probatórias (tanto em Inquérito, como em Instrução),
7. Para, por referência a esses novos e nunca comunicados factos, atacar a decisão recorrida, imputando-lhe falhas e ignorâncias que se reportam sempre à nova tese que o Ministério Público (e sobre a qual o Tribunal recorrida não se pronunciou, desde logo por só agora o Ministério Público a ter formulado, mas também por elementar decorrência do princípio do acusatório e do papel delimitador do objecto do processo que compete à Acusação — e não às alegações de Recurso…) só formulou após o exercício do contraditório e após a decisão judicial que incidiu sobre a sua Acusação.
8. Com estes engodos, frontalmente ilegais e desleais, o que se alcança do Recurso do Ministério Público é a absoluta desconsideração das Defesas apresentadas e da abundante prova produzida que destrói a Acusação dos autos, para, ao invés, contar outra estória — e contar uma outra estória que se oriente a ladear as óbvias falhas da Acusação, independentemente da plausibilidade ou legalidade dessa nova narrativa do Ministério Público,
9. Tudo isto com um só propósito: submeter a V. Exas. um Recurso cujo objecto nunca foi sequer levado à apreciação do Tribunal recorrido, na expectativa de que essa sua nova estória possa iludir este Venerando Tribunal da Relação e o levar a proferir uma decisão de pronúncia dos ora Arguidos.
10. Numa palavra, o Ministério Público apresenta perante V. Exas. um Recurso sobre um conjunto de factos e de crimes nunca investigados ou objecto de uma decisão judicial de 1.ª instância, como que a testar junto deste Venerando Tribunal da plausibilidade desta sua nova ficção criminal — para mais considerando a total improcedência (lógica, cronológica, factual) da sua (inicial) Acusação”. sublinhados nosso.
Com as seguintes Conclusões:
“A. Nos termos do despacho de encerramento do Inquérito, de fls. 2883 e seguintes, foi o ora Arguido AA acusado da prática de um crime de corrupção activa com prejuízo para o comércio internacional, de um crime de falsificação de documento, na forma continuada, e, ainda, de um crime de branqueamento.
B. Uma vez realizadas as diligências e o debate instrutório, o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal proferiu decisão de não-pronúncia por todos os crimes por que o ora Arguido vinha acusado, por manifesta ausência de indiciação — decisão essa sobre a qual o Ministério Público vem agora interpor Recurso.
C. O que se alcança do Recurso do Ministério Público é uma inexplicável reformulação da Acusação, lançando mão de novos factos e crimes que lhe permitam contar uma história completamente diferente daquela que foi efectivamente submetida à apreciação do Tribunal Central de Instrução Criminal para, por referência a esses novos e nunca comunicados factos, atacar a decisão recorrida, imputando-lhe falhas e ignorâncias que se reportam sempre à nova tese que o Ministério Público só formulou após o exercício do contraditório e após a decisão judicial que incidiu sobre a sua Acusação, em frontal violação, entre o mais, do princípio do acusatório.
D. É inescapável a qualquer leitura atenta e articulada dos autos que a Acusação, além destas ilegalidades, é também ilógica e, a espaços, ininteligível, não encontrando também qualquer suporte probatório.
E. São exemplo desta postura do Ministério Público, ao longo do seu Recurso, a referência e censura de declarações de um Arguido que nem sequer compareceu às sessões de Instrução; o reconhecimento de que a sua Acusação se multiplica em «lapsos», «divergências de datas», «irregularidades», etc., mas nunca retirando as consequências daí decorrentes; a incorporação de novos factos, nunca antes comunicados; a admissão, quanto ao crime de corrupção imputado, que «será difícil de demonstrar-se se ocorreu uma promessa (ou foi oferecido algo)», mas persistindo na sua indiciação; imputa novos factos e novos crimes nunca antes sequer indiciados, etc., etc..
F. É, em suma, por apelo a argumentações e interpretações deste teor, manifestamente ilegais, que o Ministério Público vem agora sustentar a submissão dos autos a julgamento, mesmo face a uma Acusação que imputa um crime de corrupção sem nunca identificar os funcionários supostamente corrompidos, ou as motivações que teriam presidido ao pactum sceleris; que imputa um crime de falsificação de documento sem nunca identificar o concreto documento; que imputa um crime de branqueamento por via da descrição de um esquema ilegal de aquisições de imóveis que, é já pacífico, foram todos adquiridos com montantes transferidos ainda antes do pretenso pagamento da peita.”
Na sequência do acórdão de 9.7.2020 que conheceu do recurso do Ministério Público – e resposta do recorrente –, o qual revogou a decisão instrutória de não-pronúncia e decidiu pronunciar os arguidos –, veio o recorrente apresentar, a 31.8.2020, um requerimento pedindo a aclaração daquele acórdão e, a 7.9.2020, num segundo requerimento perante o Tribunal da Relação arguindo nulidades respeitantes à sua pronúncia.
Do requerimento com pedido de aclaração, com interesse para a apreciação do presente recurso, destacamos:
“31. Paralelamente, o ora Arguido vem também arguir a nulidade da decisão de pronúncia por violação do caso julgado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 577.°, alínea c/), e 621.0, ambos do Código de Processo Civil, aplicável com as devidas adaptações ex vi artigo 4.° do Código de Processo Penal, pois que, ao pronunciar o Arguido nos termos da Acusação, este Tribunal pronunciou o arguido por referência a segmentos acusatórios julgados improcedentes em Primeira Instância e que não foram impugnados pelo Ministério Público em sede de Recurso,
(…).
33. A este propósito, sempre deverá considerar-se materialmente inconstitucional a norma resultante da interpretação, isolada ou conjugada, do disposto nos artigos 577.°, alínea c/), e 621.°, ambos do Código de Processo Civil, aplicável com as devidas adaptações ex vi artigo 4.° do Código de Processo Penal, e nos artigos 286.°, n.º 1, 307.°, 403.°, 425.°, n.º 4, e 379.°, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal quando aplicada e interpretada no sentido de que, em sede de recurso de decisão instrutória de não pronúncia, pode o Tribunal pronunciar um arguido por factos e crimes que não foram objeto de recurso, por violação das garantias de defesa do arguido, dos princípios ne bis in idem, do caso julgado e do acusatório e do contraditório, nos termos do disposto nos artigos 1.°, 2.°, 18.°, n.º 2, 29.°. n.º 5, e 32. °, nºs 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa, o que desde já se deixa arguido cautelarmente para os devidos efeitos legais”. sublinhados e negrito nosso.
Do segundo requerimento de 7.9.2020, para a arguição de nulidades respeitantes à sua pronúncia, destacamos:
“b) Da nulidade por violação do caso julgado.
38. Em linha com o que vem de se expor, um putativo esclarecimento de que a pronúncia vertida no Acórdão deste Venerando Tribunal assenta nas imputações da Acusação -quando, como se viu supra, para onde se remete, não era esse o objeto e o pedido do Recurso interposto da decisão de não-pronúncia proferida em Primeira Instância -, além de redundar num excesso de pronúncia, implicaria ainda a violação do caso julgado.
39. É que, consequência da forma como o Ministério Público delimitou o Recurso, excluindo o pedido de repristinação da Acusação nos seus exatos termos, alguns segmentos decisórios da decisão de não-pronúncia de primeira instância transitaram logo e necessariamente em julgado.
40. Nem se vê como poderia ser de outra maneira, dado que o Ministério Público recusou a indiciação de segmentos da sua própria Acusação”. sublinhados e negrito nosso.
Sobre estes dois requerimentos, o Tribunal da Relação pronunciou-se, no seu acórdão de 1.10.2020, sobre as questões que o recorrente pretendeu ver aclaradas e rejeitou as nulidades arguidas, o que fez nos seguintes termos:
“1. Sobre o pedido de aclaração de AA
c) Também não há razão jurídica ou sequer lógica que suporte a afirmação do arguido AA de que o acórdão de 09.07.2020 é nulo por violação de caso julgado. O trânsito em julgado refere-se à questão que o Tribunal tem que decidir no recurso – no caso a de saber se a prova produzida permitia concluir que os arguidos deviam ser pronunciados e não aos argumentos invocados pelo Ministério Público nas alegações do recurso para convencer o Tribunal de recurso a alterar a decisão recorrida e pronunciar os arguidos ou pelos arguidos nas respostas às alegações do recurso para convencer o Tribunal de recurso a confirmar a decisão da 1.ª instância. Não estando a questão decidida, não tem sentido falar em violação de caso julgado.
d) O acórdão de 09.07.020, pronunciando-se sobre requerimento do arguido AA, reconheceu expressamente que não havia lugar à alteração de factos imputados na acusação em relação a ele e que apenas havia uma alteração da qualificação jurídica, em relação aos arguidos CC, DD, EE e FF. Portanto, não tem qualquer fundamento a arguida nulidade do acórdão por falta de notificação dele para se defender da alteração dos factos imputados na acusação.” sublinhado e negrito nosso.
III- C
Posto isto, resulta evidente que na sua resposta ao recurso, o recorrente trouxe perante o Tribunal da Relação todos os argumentos com que fundamenta o seu entendimento condensado na afirmação de que “verdadeiramente, o Ministério Público não interpôs um Recurso da decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal” perante os quais, o Tribunal da Relação haveria necessariamente que retirar as devidas consequências. E, portanto, estaria transitado em julgado a decisão instrutória de não-pronúncia.
Porém, perante os argumentos da resposta do recorrente ao recurso do Ministério Público – em síntese acima transcritos –, entendeu o Tribunal da Relação não serem os mesmos procedentes porquanto, perante a argumentação de que que o Ministério Público “desistira” do recurso cuja consequência necessária seria o transito em julgado da decisão ali recorrida, decidiu o Tribunal da Relação antes, rejeitar toda aquela argumentação e, conhecendo do recurso pronunciar o recorrente e demais arguidos.
Vem agora o recorrente, no recurso para este Tribunal imputando ao acórdão recorrido a violação de caso julgado, trazer grosso modo, os mesmos argumentos e a mesma fundamentação que levou na resposta ao recurso do Ministério Público perante o Tribunal da Relação bem como nos requerimentos pedindo a aclaração e arguindo nulidades do acórdão que o pronunciou, perante o mesmo Tribunal.
Ora, o Tribunal da Relação já apreciou os argumentos com que fundamentou a sua resposta ao recurso do Ministério Público, designadamente – no que aqui importa – aqueles de cuja procedência, resultaria o trânsito em julgado da decisão instrutória de não-pronúncia recorrida.
Acrescendo que, com os seus requerimentos de pedido de aclaração e de arguição de nulidades nos quais de novo e expressamente trouxe perante o Tribunal da Relação a alegação de que a decisão instrutória de não-pronúncia estaria transitada em julgado.
Deste modo, ao responder ao recurso do Ministério Público nos termos em que o fez, o recorrente não só não se viu impedido de colocar, antes colocou na sua resposta ao recurso e nos dois requerimentos subsequentes, perante um tribunal superior, a alegação que perante aquele concreto recurso do Ministério Público, a decisão instrutória de não-pronúncia transitara em julgado.
E, ainda que se entendesse que o recorrente não tivesse colocado e trazido à discussão perante o Tribunal da Relação todas as questões de cuja procedência, resultaria o trânsito em julgado da decisão recorrida, não se entenderia porque, perante tão flagrantes evidencias sobre os erros que aponta ao recurso do Ministério Público, não acautelara na sua resposta alegada desistência do recurso uma vez que no final o Ministério Público pede a revogação da decisão instrutória recorrida e a consequente pronúncia dos arguido. No mínimo teria que de defender que existia uma inconciliabilidade entre os fundamentos do recurso e o pedido.
Assim, não se pode considerar que o recorrente tenha sido tomado de surpresa com a decisão do acórdão recorrido, por não terem sido considerados procedentes os argumentos trazido à discussão perante o Tribunal da Relação colocando as questões de cuja procedência, resultaria o trânsito em julgado da decisão recorrida e a afirmando expressamente ter-se verificado o seu trânsito em julgado, vendo assim exercido o contraditório – vd. o Acórdão n.º 107/2012, do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ de Acórdão da Relação, sem prévio contraditório.
Ao tomar conhecimento dos argumentos que trouxe à sua resposta ao recurso do Ministério Público, designadamente todos aqueles dos quais resultaria o trânsito em julgado da decisão instrutória recorrida, designadamente, a alegação de que, o recuso do Ministério Público consistia na desistência da pronúncia relativamente aos factos pelos quais deduzira acusação, o recorrente viu garantido pelo Tribunal da Relação um duplo grau de jurisdição e por conseguinte o direito ao recurso.
Posto isto, o direito ao recurso como consagrado na Constituição da República – artº. 32º, nº. 1, realiza-se pela garantia de um grau de recurso, ou seja, por um duplo grau de jurisdição. No sentido de que o direito ao recurso se concretiza cumprindo-se um segundo grau de jurisdição, não havendo imposição constitucional para um terceiro grau de jurisdição V. os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 49/2003, 255/2005, 682/2006, 353/2010, 324/2013 e 163/2015.
Como decidiu este Tribunal no citado Acórdão de 17.6.2015 no Proc. nº. 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, 3.ª Secção, relator Cons. João Silva Miguel:
“XI - Decisão relevante para questionar a alegada violação do caso julgado, constituído pela sentença do tribunal de 1.ª instância de 09-07-2009, teria sido o acórdão proferido nestes autos, pela Relação, transitado em 24-10-2012, e que não reconheceu a existência de ofensa a caso julgado, como pretendida pelo recorrente, pelo que não há, agora, que convocar essa questão.
XII - O TC tem afirmado reiteradamente que o art. 32.º, n.º 1, da CRP não impõe um duplo e, muito menos, um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso ao STJ, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados”.
E, ainda o citado Acórdão de Tribunal de 18.6.2020, no Proc. nº. 28/06.7TELSB.L2.S1 - 5.ª Secção, relatora Cons. Margarida Blasco:
“VI - E, assim, porque quanto a tal questão foi assegurado o duplo grau de jurisdição e porque, como é sabido, a garantia do direito ao recurso consagrada no n.º 1 do art. 32.º da CRP com tal se basta, não está preenchido o requisito para a admissão “excepcional” do recurso com fundamento no invocado art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC”.
VI – Decisão.
Por todo o exposto, e porquanto a decisão que admitiu o presente recurso não vincula este Tribunal – vd. artº. 405º, nº. 4, do CPP –, decide-se rejeitar o recurso interposto por AA por o mesmo não ser admissível, nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 432, nº. 1, al. b), 400º, nº. 1, al. c) e 420º, nº. 1, al. a) e al. b), todos do CPP.”.
17. Desta Decisão Sumária reclamou o recorrente para a conferência, o que fez nos seguintes termos:
1. Em sede de instrução, o Tribunal Central de Instrução Criminal (adiante, “TCIC”) proferiu decisão de não-pronúncia de todos os Arguidos por todos os crimes que lhes vinham imputados na Acusação deduzida pelo Ministério Público.
2. Desta decisão instrutória, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, delimitado a determinados segmentos da mesma (conformando-se com outros), e peticionando a pronúncia dos Arguidos por novos factos e crimes que não constavam da Acusação.
3. Por Acórdão datado de 09.07.2020, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu pronunciar os Arguidos.
4. Por requerimento apresentado em 31.08.2020, o Arguido solicitou a aclaração do referido Acórdão, porquanto o mesmo simultaneamente decidiu “julgar procedente” o recurso interposto pelo Ministério Público, e pronunciar “pelos factos imputados na acusação”.
5. Paralelamente, em 07.09.2020, o Arguido suscitou a invalidade do Acórdão proferido, e, à cautela, em 28.07.2020, dele interpôs Recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.
6. Por Acórdão com data de 01.10.2020, o Tribunal da Relação de Lisboa veio, entre o mais, indeferir as invalidades arguidas pelo Arguido, e, bem assim, aclarar o teor do seu anterior Acórdão de pronúncia.
7. Em 05.11.2020, o Arguido recorreu, novamente, do Acórdão de pronúncia, e, ainda, do Acórdão que, por sua vez, indeferiu as invalidades arguidas e aclarou o teor daquele primeiro Acórdão.
8. Por despacho com data de 13.11.2020, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu não admitir o Recurso interposto pelo Arguido para o Supremo Tribunal de Justiça (ou, simplesmente, o “Recurso”), por alegada irrecorribilidade do Acórdão de pronúncia.
9. Em 26.11.2020, o Arguido reclamou, nos termos do disposto no artigo 405.º, n.º 1, do CPP, do referido despacho para o Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, reclamação essa que, por decisão singular de 17.12.2020, foi deferida, determinando-se a substituição do despacho reclamado por outro que admitisse o Recurso, na parte respeitante ao caso julgado.
10. Por despacho proferido em 04.01.2021, em subsitutição do despacho reclamado, foi o Recurso admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e, subsequentemente, em Fevereiro de 2021, remetido a este Supremo Tribunal de Justiça.
11. Em 14.05.2021, o Arguido foi notificado de requerimento apresentado pelo Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, pelo qual este se limitou a requerer a realização da audiência requerida pelo Arguido por ocasião da interposição do Recurso, para a mesma remetendo a discussão e tomada de posição sobre o objeto do mesmo ¾ sem nunca (embora o pudesse fazer) questionar a sua admissibilidade ([1]), ou, de resto, acrescentar quaisquer razões ou argumentos aos já constantes dos autos, nem sequer por remissão para o parecer do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa ¾ tendo, nessa medida, promovido o cumprimento do disposto no artigo 421.º do CPP (isto é, e desde logo, a abertura de conclusão para designação de data para a realização da audiência requerida).
12. Por requerimento apresentado em 27.05.2021, o Arguido acompanhou a dita promoção do Ministério Público, reservando, de igual jeito, para a referida diligência o desenvolvimento da motivação do Recurso e o exercício do contraditório sobre a posição subscrita pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
13. Numa palavra, o Ministério Público não viu qualquer obstáculo à admissibilidade do Recurso e promoveu o agendamento de alegações.
14. Eis senão quando, encontrando-se a aguardar a designação de data para a realização da por si audiência requerida e entretanto promovida pelo Ministério Público, foi o Arguido surpreendido por uma nova Decisão Sumária proferida pelo Exmo. Senhor Venerando Juiz Conselheiro Relator, com data de 9.06.2021 (a “Decisão Sumária”, ou, simplesmente, a “Decisão”), pela qual, contrariando a Decisão Singular anteriormente proferida pela Exma. Senhora Vice-Presidente deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça, foi o Recurso rejeitado, por, alegadamente, não ser admissível.
15. É desta Decisão que o Arguido vem agora reclamar, requerendo a sua reapreciação pela Conferência.
16. Com efeito, o Arguido ora Reclamante com tal Decisão não se conforma, nem pode conformar, na medida em que ¾ com o devido respeito, que é muito ¾ a mesma é, quando não processual e materialmente inadmissível, ilegal e infundada.
17. Como adiante se demonstrará, não só os fundamentos invocados na Decisão se afiguram errados, como ultrapassam, largamente, o objeto de uma decisão sumária nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 6, do CPP, sobretudo atendendo ao fundamento de recorribilidade especificamente em causa (a ofensa de caso julgado).
18. E assim é porque, como se detalhará, (i) não deveria ter sido proferida Decisão Sumária sem antes se dar cumprimento ao pedido de realização de audiência do Arguido (e também posteriormente promovido pelo Ministério Público); (ii) a Decisão Sumária extravasa o âmbito de apreciação admitido a uma decisão dessa natureza, impedindo a realização de audiência e a concretização do direito a uma decisão de fundo sobre o recurso do Arguido e, bem assim, obstando à análise do Recurso por um Tribunal coletivo; (iii) o Recurso interposto era e é admissível; (iv) essa recorribilidade não fica prejudicada pelo facto de o Arguido anteriormente ter suscitado a violação do caso julgado em sede de resposta a recurso interposto por outro sujeito processual, nem por ter suscitado a invalidade perante o Tribunal recorrido.
19. Termos em que a Decisão não poderá manter-se, devendo ser revogada e substituída por Acórdão proferido pela Conferência que, desde logo, admita o Recurso interposto pelo Arguido ora Reclamante, mais designando data para a realização da audiência inicialmente requerida.
Pois bem:
I. Da inadmissibilidade (processual e material) da Decisão
20. Em primeiro lugar, dir-se-á, antes do mais e salvo melhor opinião, que, tendo o Arguido ora Reclamante requerido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do CPP, a realização de audiência, ao Exmo. Senhor Venerando Juiz Conselheiro Relator estava vedada a possibilidade de prolação de decisão sumária.
21. No âmbito do exame preliminar a que se refere o artigo 417.º do Código de Processo Penal, cabe, desde logo, ao relator “determinar se pode julgar o recurso através de uma decisão sumária” ([2]).
22. O que bem se comprende, porquanto, nas palavras deste Supremo Tribunal de Justiça, “[a] decisão sumária proferida nos termos do art. 417.º, n.º 6, do CPP, não é um despacho qualquer do relator – é a decisão que julga o recurso, pondo assim termo à instância recursória”, constituindo “um mecanismo expedito e simplificado de decisão do recurso” ([3]) (destaque nosso).
23. Em comentário ao citado preceito legal, esclarece Paulo Pinto de Albuquerque que “[o] recurso não pode ser julgado por decisão sumária quando uma audiência deva ter lugar, por o recorrente ter manifestado a sua vontade nesse sentido” ([4]) (destaque nosso).
24. Na realidade, continua o mesmo autor, este “é um direito discricionário de cada recorrente: nem o recorrido se pode opor ao pedido, nem o tribunal de recurso pode negar a pretensão do recorrente” ([5]).
25. É certo que o mesmo traduz, simultaneamente, “um direito vinculado, cujo exercício é controlado pelo relator no exame preliminar” ([6]).
26. No entanto, tal controlo deve cingir-se à verificação do cumprimento dos respetivos requisitos legais, i.e., à especificação dos concretos pontos da motivação do recurso que o recorrente pretende ver debatidos na audiência (cfr. artigo 411.º, n.º 5, do CPP).
27. O que significa que, uma vez cumpridos tais requisitos pelo recorrente, deve a audiência ser realizada,
28. Como sucedia in casu e foi também promovido pelo Minsitério Público.
29. Em síntese, “[a] audiência de recurso […] mantém-se hoje como um direito”, “tem agora apenas lugar quando requerida, mas deve ter lugar se requerida nos termos legais” ([7]) (destaque nosso).
30. Pelo que a Decisão ora proferida surge, desde logo, como processualmente inadmissível, em denegação do direito do Arguido, na qualidade de Recorrente, à audiência oral perante este Supremo Tribunal de Justiça sobre os concretos pontos da motivação do Recurso, regular e oportunamente especificados, e, consequentemente, à correspondente decisão colegial (com a maior solenidade e fundamentação que tal necessariamente encerra).
31. O que é quanto basta para determinar, desde já, a sua revogação.
Acresce que,
32. A Decisão extravasa, em larga medida, o âmbito da apreciação legalmente permitida ao Relator, prevista no artigo 417.º do Código de Processo Penal, consubstanciando um verdadeiro julgamento do mérito do Recurso, sendo, nessa medida, igualmente inadmissível do ponto de vista material.
33. Não obstante a irrecorribilidade da decisão, em processo penal, possa constituir fundamento para a prolação de decisão sumária de rejeição do recurso [nos termos conjugados dos artigos 417.º, n.º 6, alínea b), 420.º, n.º 1, e 414.º, n.º 2, primeira parte, todos do CPP ([8])],
34. O exame que ao Relator é permitido para o efeito é, precisamente, e nos termos da lei, preliminar (cfr. epígrafe e redação do artigo 417.º do CPP), ou seja, necessária e meramente perfunctório ([9]).
35. Ora, para, a final, determinar a rejeição do Recurso, por o mesmo não ser admissível (cfr. página 31 da Decisão), a Decisão ora sob reclamação não só ultrapassa, largamente, tal exame, como, ao apreciar da existência ou não da violação de caso julgado, procura conhecer, efetivamente, da questão de fundo objeto do Recurso.
36. A este propósito, pode ler-se na Decisão:
III - O Objecto […] deste recurso:
São as seguintes as questões apreciar e decidir, conforme se retira da motivação e respectivas conclusões, restringidas apenas à parte do recurso “respeitante ao caso julgado”:
A – Se o recurso, com os fundamentos pelos quais foi deferida a reclamação – “apenas no respeitante ao caso julgado”, é admissível.;
B – E, no caso de ser admissível, se se verificou a violação do caso julgado pelo Tribunal recorrido.”
[…]
“[v]ejamos então o caso deste recurso:” (destaques no original).
37. Nisto, cumpre recordar as doutas palavras da Exma. Senhora Vice-Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que “a questão sobre a existência ou não de caso julgado releva já do julgamento sobre um fundamento material do recurso e menos da apreciação prévia sobre a verificação dos pressupostos objectivos de admissibilidade” (cfr. página 4 da decisão singular de 17.12.2020; destaque nosso).
38. Do que resulta que a Decisão ora reclamada, ao não se cingir à questão relativa à admissibilidade do Recurso, não só suplanta o exame preliminar do mesmo, como não encontra respaldo nos fundamentos legalmente justificativos da prolação de uma decisão sumária nos termos do artigo 417.º, n.º 6, do CPP.
39. É que, como V. Exas. (bem ou melhor) saberão, a decisão sobre a admissibilidade de um recurso com fundamento na ofensa de caso julgado não pode ¾ não deve ¾ confundir-se com a decisão, sempre de fundo, relativa à verificação ou não da alegada ofensa.
40. Até sob pena de, por essa via, se negar ao Recorrente a concretização do seu direito ao recurso por via da obtenção de um Acórdão esgotante na apreciação da questão de fundo e apreciado coletivamente (e não singularmente) sujeito ao grau máximo de fundamentação (certamente superior àquele aposto nas decisões sumárias).
41. Ao passo que a questão prévia da admissibilidade do recurso se prende, unicamente, com a invocação/alegação de uma pretensa violação de caso julgado ([10]), a questão/conclusão sobre a ocorrência ou não de tal violação respeita já ao conhecimento do objeto do recurso (e, com isso, à respetiva procedência ou improcedência) ([11]).
42. Razão justamente pela qual o Arguido estruturou o Recurso da forma como o fez, apresentando, antes de entrar nas alegações de fundo, um capítulo prévio, relativo à recorribilidade do Acórdão de pronúncia (cfr. Capítulo B do Recurso).
43. Em conformidade, aliás, com o entendimento reiterado deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça:
“Para que o recurso seja admissível basta que se invoque a ofensa do caso julgado […].
Saber se tal invocação é cabida já será questão do mérito do recurso.
E se dúvidas houvesse sobre o assunto, e que não há, recorde-se aqui o que diz Abrantes Geraldes (Recursos no novo Código de Processo Civil […]): “Independentemente do valor da ação, a decisão que, na perspetiva do interessado, ofenda outra decisão já transitada em julgado é sempre passível de impugnação em via de recurso”.
“Ora, a Recorrente invoca a ofensa do caso julgado. Logo, é o recurso admissível.
Se a pretensa ofensa do caso julgado se verifica ou não, isso já é outra coisa” ([12]) (destaques nossos).
44. Termos em que não deveria o Recurso interposto pelo Arguido para este Supremo Tribunal de Justiça ter sido julgado por Decisão Sumária do Exmo. Senhor Venerando Juiz Conselheiro Relator, tanto menos nos termos e com os fundamentos com que o foi,
45. Negando-se, deste modo, ao Arguido o direito a uma audiência legalmente requerida e a um Acórdão esgotante quanto à questão de fundo,
46. E violando-se também o princípio do juiz natural, por via da preclusão da possibilidade de obtenção de um Acórdão analisado e proferido por três Juízes Conselheiros, com a maior solenidade e garantismo daí decorrentes.
47. A norma resultante da interpretação, isolada ou conjugada, do disposto nos artigos 11.º, n.º 5, 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, alínea b), e 420.º, n.º 1, todos do CPP, 577.º, alínea i), 621.º e 629.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis com as devidas adaptações ex vi artigo 4.º do CPP, no sentido de que o recurso interposto com fundamento em violação de caso julgado pode ser rejeitado, por inadmissível, por decisão sumária do Relator que aprecie da verificação ou não da existência da alegada violação de caso julgado, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da proteção da confiança, da certeza e segurança jurídicas, inerentes ao princípio fundamental do Estado de Direito Democrático, e, bem assim, das garantias de defesa do arguido, do direito de tutela jurisdicional efetiva, na vertente de direito ao recurso, e do princípio do juiz natural, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 9.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 29.º. n.º 5, 32.º, n.os 1 e 9, todos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), o que se deixa, desde já, invocado para os devidos efeitos legais.
Sempre e em todo o caso:
Da ilegalidade e/ou falta de fundamento da Decisão ¾ a admissibilidade do Recurso
48. Como se disse, vê-se o Arguido agora confrontado com uma decisão de rejeição do Recurso, desta feita proferida pelo Exmo. Senhor Venerando Juiz Conselheiro Relator ¾ sublinhe-se, em completa discordância da posição anteriormente sufragada pela Exma. Senhora Vice-Presidente deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça ¾, a qual, assenta, essencialmente, nas seguintes premissas:
(i) Desde logo, na inaplicabilidade, no âmbito do processo penal, da recorribilidade com fundamento na violação de caso julgado;
(ii) Depois, na excecionalidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com fundamento na violação de caso julgado em nome do cumprimento da garantia constitucional do duplo grau de jurisdição em sede de recurso;
(iii) Nesse caso excecional, na admissibilidade do recurso condicionada (i) à alegação de que a violação resulta da própria decisão recorrida, e (ii) a que se apresente como verosímil e séria a existência de ofensa de caso julgado;
(iv) E, por fim, na inexistência, no caso concreto, de violação de caso julgado pela decisão recorrida (o Acórdão de pronúncia proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa).
49. Salvo o devido respeito ¾ que, repita-se, é muito ¾, o entendimento sufragado na Decisão tem por base interpretações não uniformes nem maioritárias, ou, no limite, não atendíveis face ao concreto circunstancialismo que as rodeia,
50. Consubstanciando, em todo o caso, uma restrição inconstitucional (e, por isso, intolerável) dos direitos de defesa do Arguido ora Reclamante.
51. Com efeito, não só a aplicabilidade do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), parte final, do CPC, ao processo penal (ex vi artigo 4.º do CPP) tem vindo a ser expressamente afirmada pela doutrina e jurisprudência portuguesas, incluindo deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça ¾ arredadas, na sua grande maioria, dos referidos condicionalismos ¾,
52. Como a admissão do Recurso interposto pelo Arguido ora Reclamante sempre se imporia por força da garantia constitucional do respetivo direito ao recurso (que, como se verá, é autónoma da garantia do duplo grau de jurisdição).
53. Sendo, de resto ¾ ainda que não cumpra, nesta sede, dela aferir ¾ mais do que verosímil e séria, a alegada ofensa de caso julgado efetivamente existente no caso em apreço.
Senão vejamos:
54. A violação do caso julgado, “pela sua gravidade em face da insegurança que induz no sistema, determinou a previsão da recorribilidade da decisão” ([13]), designadamente no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), parte final, do CPC, nos termos do qual é sempre admissível recurso das decisões “com fundamento […] na ofensa do caso julgado”.
55. As razões de tal recorribilidade radicam em interesses de ordem pública, perfeitamente transponíveis para o processo penal, na medida em que o princípio à mesma subjacente, o caso julgado, nele constitui valor igualmente estruturante, enquanto verdadeiro direito do arguido ([14]).
56. O que justifica, pois, a sua aplicabilidade (analógica ou subsidiária) ao processo penal, e, consequentemente, ao caso dos autos (com a inerente e necessária recorribilidade do Acórdão de pronúncia).
57. Tanto assim é que “ao despacho de não pronúncia são correspondentemente aplicáveis as disposições que regulam o caso julgado material da sentença” ([15]).
58. A este propósito, não podemos deixar de acompanhar Germano Marques da Silva quando refere “não se justificar que o âmbito dos recursos seja mais amplo no processo civil que no processo penal pois nos parece que essa maior amplitude dos recursos no processo civil representa uma inversão de valores” ([16]).
59. E, no mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, ao afirmar que “o recurso interposto em processo criminal com fundamento em violação […] do caso julgado, é sempre admissível em relação à decisão sobre matéria civil”, para concluir que “como a protecção garantida a estas regras processuais fundamentais não é mais importante em matéria civil do que em matéria penal, deve entender-se que é aplicável analogicamente a disposição do artigo 678.º [atual artigo 629.º], n.º 2, do CPC à decisão sobre matéria penal” ([17]).
60. Neste contexto, a admissibilidade de interposição de recurso, em processo penal, com fundamento na violação de caso julgado é, também, acolhida na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, maxime deste Supremo Tribunal de Justiça, incluindo quando em causa está, como aqui, uma decisão instrutória:
“Deverá ser sempre admitido para o STJ o recurso de decisão da Relação, quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art. 678º [atual artigo 629.º], n.º 2 do CPC) por força do art. 4.º do CPP e por aplicação dos princípios próprios do processo penal.
Os interesses protegidos pelas normas que permitem o recurso em caso de violação de caso julgado são de ordem pública, totalmente transponíveis para o processo penal, onde se impõem por maioria de razão” ([18]).
“[A] possibilidade de ser interposto recurso para o STJ com esse fundamento está limitada aos casos em que, como no presente, a decisão que alegadamente viola caso julgado é de um Tribunal da Relação, surgindo o recurso como o efectivar então do segundo grau de jurisdição. Aderindo-se a todos esses fundamentos, temos para nós também que nos termos do referido art.º 629º, n.º 2, alín. a) do CPC, por força do art.º 4.º do CPP, é admissível recurso para o STJ com fundamento em o acórdão da Relação ofender o caso julgado” ([19]).
“O caso julgado só pode abrir a via do recurso para o STJ se a respectiva violação for de imputar ao próprio acórdão da relação […] para ser dado cumprimento à garantia constitucional do duplo grau de jurisdição em sede de recurso” ([20]).
“Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Setembro de 2019, na sequência do recurso interposto pelo Ministério Público da parte da decisão instrutória de não pronúncia, no que releva foi o arguido […] pronunciado pela prática de vários crimes. Inconformado o arguido […] interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando ofensa do caso julgado.
[…]
[A] reclamante invoca como fundamento da admissibilidade do recurso, a ocorrência do caso julgado. A violação do caso julgado, como fundamento do recurso, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), fine, do CPC, constitui um motivo específico de admissibilidade de recurso fora de todos os pressupostos típicos e comuns de recorribilidade; com esta natureza, constitui solução que responde a um princípio geral – respeito pelo caso julgado, sendo, por isso, compatível com a disciplina e o regime do processo penal. Deve, assim, considerar-se aplicável ao processo penal nos termos do artigo 4.º do CPP” ([21]).
“[P]orque a violação do caso julgado vem imputada ao próprio acórdão recorrido da Relação, o qual visa concretizar a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de recurso, concorda-se que tem lugar, aqui, a aplicação subsidiária do art.º 629.º, n.º 2, parte final, do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP (neste sentido v. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., UCE, p. 1049 e Acs. STJ de 08.02.2001 e 08.03.2001, CJ/STJ, 2001, I, 229 e 241, 30.06.2011, Proc. 505/02.9TAESP.P1.S1, in www.dgsi.pt e 17.06.2015, Proc. 1149/06.AOLH.L1.S1-3.ª e 03.05.2018, Proc. 218/12.3TAFAR.E1.S1, in SASTJ)” ([22]).
(destaques todos nossos)
61. Note-se que, contrariamente à maioria da jurisprudência citada na Decisão Sumária, esta corrente tem plena aplicação ao caso sub judice ¾ i.e., ao recurso interposto de Acórdão da Relação, não confirmativo da decisão proferida em primeira instância, ao qual é imputada, direta e imediatamente, a violação de caso julgado, como questão determinante para o próprio sentido da decisão recorrida.
62. Ao invés, os arestos a que a Decisão ora reclamada faz referência, no sentido da inaplicabilidade, ao processo penal, do fundamento de recorribilidade em causa, foram proferidos, quando não em casos de dupla conforme ¾ neles se convocando, assim, a questão da admissibilidade do recurso de revista excecional em processo penal ([23]) ¾, perante alegadas ofensas de caso julgado relativas a questões irrelevantes para a decisão sindicada ([24]), ou, de resto, imputáveis/reconduzíveis, não a essa decisão, mas a uma decisão anterior, nela já expressamente apreciadas e decididas ([25]).
63. Nesses, de que o presente caso não é exemplo, até se poderá entrar numa disputa sobre a suportabilidade ou insuportabilidade de vedação do acesso ao terceiro grau de jurisdição.
64. Não é, porém, e como em seguida melhor se verá, o que o Arguido ora Reclamante pretende (mas, tão-só, o exercício efetivo do seu direito ao recurso).
65. A este propósito, sempre deverá considerar-se materialmente inconstitucional a norma resultante da interpretação, isolada ou conjugada, do disposto nos artigos 577.º, alínea i), 621.º e 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, aplicáveis com as devidas adaptações ex vi artigo 4.º do CPP, e nos artigos 399.º, 400.º, 402.º, 403.º, n.º 1, e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do CPP, no sentido de que não constitui fundamento válido de recurso a violação de caso julgado em decisão de pronúncia proferida em sede de recurso de decisão instrutória de não-pronúncia, por violação das garantias de defesa do arguido, do direito de tutela jurisdicional efetiva, na vertente de direito ao recurso, dos princípios ne bis in idem, do caso julgado e do acusatório e do contraditório, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 29.º, n.º 5, e 32.º, n.os 1, 2 e 5, da CRP, o que se deixa, uma vez mais, cautelarmente arguido para os devidos efeitos legais.
Sem prescindir,
66. E mesmo que se entendesse que a admissibilidade do Recurso ver-se-ia, de um lado, condicionada à verossimilhança e seriedade (e, no limite, à própria existência/verificação) da alegada ofensa de caso julgado ¾ o que não resulta, como se viu, de qualquer corrente maioritária, unânime ou aplicável às especiais circunstâncias do caso concreto ¾,
67. Ou, do outro, adstrita ao cumprimento do duplo grau de jurisdição em sede de recurso,
68. A verdade é que, ainda assim, sempre deverá o Recurso interposto pelo Arguido ora Reclamante ser por V. Exas. admitido.
69. Seja, desde logo, porque o Ministério Público, no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa do Acórdão de pronúncia, conformou-se, efetivamente, com determinados segmentos da decisão instrutória (por isso, transitados em julgado), que o Acórdão recorrido acaba por represtinar.
70. Seja, em todo o caso, porque a primeira decisão desfavorável ao Arguido ora Reclamante, e que corporiza, em si, a alegada violação de caso julgado é, de facto, o Acórdão recorrido, assistindo ao Arguido ora Reclamante o direito da sua reapreciação por um tribunal hierarquicamente superior, no caso este Supremo Tribunal de Justiça.
Ora:
71. Quanto à primeira alegada questão tratada na segunda parte (B) da Decisão, a de aferir se o Ministério Público verdadeiramente “desistiu” de recorrer da decisão instrutória de não-pronúncia, sempre se dirá, muito sucintamente, o seguinte:
72. O Ministério Público não recorreu na íntegra da decisão de não-pronúncia proferida pelo TCIC, aceitando segmentos da mesma, designadamente aqueles que denunciavam omissões, impossibilidades lógicas e falhas probatórias da Acusação.
73. Como tal, a parte não impugnada da decisão instrutória transitou em julgado, formando caso julgado, pelo menos parcial, nos autos.
74. Nesta medida, o seu reexame pelo tribunal superior, neste caso o Tribunal da Relação de Lisboa, consubstancia ofensa daquele julgado.
75. Veja-se, de resto, que o Ministério Público não recorreu da decisão da não-pronúncia alegando a procedência da Acusação.
76. Pelo contrário: anuindo a vários segmentos factuais (e mesmo jurídicos) da referida decisão instrutória, o Ministério Público optou por interpor um recurso no qual pugnou pela introdução de novos factos e crimes, não se limitando, pois, a admitir meros lapsos da Acusação, antes procurando corrigi-los, em substituição por aqueles (novos factos e crimes).
77. Aliás, é por demais visível, até numericamente, que a tese e os factos enviados para recurso não são os mesmos que constam da Acusação (basta ver que, em sede recursiva, o Ministério Público, que havia acusado por 381 (trezentos e oitenta e um) factos, veio requerer a pronúncia dos Arguidos por 405 (quatrocentos e cinco) factos — não sendo apenas o articulado factual que aumenta, mas também o que nele se descreve, em alteração significativa na forma de pretensa execução dos crimes, do grau e participação dos Arguidos ([26]).
78. De resto, ao longo do recurso do Ministério Público colhem-se várias concessões e admissões de falhas na Acusação, sempre num sentido de conformação com a sua falência.
79. No entanto, o Tribunal da Relação de Lisboa, ao pronunciar os Arguidos “pelos factos imputados na acusação”, veio, ilegalmente, repristinar a tese acusatória abandonada, quer pelo Tribunal de Primeira Instância, quer pelo próprio Ministério Público.
80. A este propósito, esclarece Paulo Pinto de Albuquerque que “no caso de recurso interposto pelo MP no interesse da acusação ou pelo assistente, a parte não impugnada da sentença transita, formando caso julgado parcial, e, por isso, da procedência do referido recurso não podem ser retiradas “consequências” relativamente à parte não impugnada da decisão” (destaques nossos) ([27]).
81. O que é precisamente o que resulta do Acórdão recorrido.
82. Isto assente, a referida desistência (e consequente conformação) do Ministério Público resulta, não de uma qualquer leitura ou interpretação, mais ou menos própria do Arguido ora Reclamante, mas da apreciação, globalmente considerada, do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa.
83. Sendo que jamais o Arguido ora Reclamante, ao contrário do que pretende fazer crer a Decisão Sumária, afirmou ou pretendeu afirmar que toda a Decisão Instrutória proferida pela primeira instância transitou em julgado ou que o Ministério Público se absteve de recorrer de tal Decisão na sua totalidade.
84. O que o Arguido ora Reclamante afirmou, e reitera, até porque tal decorre do próprio Recurso apresentado pelo Ministério Público da Decisão de primeira instância, como, aliás, se viu já, é que, em sede de tal Recurso, o Acusador aceitou partes da Decisão Instrutória, afirmando inclusivamente a existência, efetiva, de lapsos na Acusação, o que, também por isso, o levava a requerer a Pronúncia dos Arguidos, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, com base em fundamentos e factos parcialmente distintos da imputação inicial.
85. E nem se diga que tal aceitação da Decisão Instrutória de primeira instância, ainda que parcial, teria que resultar expressamente do mesmo, porquanto, como é sabido (e perfeitamente pacífico), o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões, incluindo tacitamente (cfr. artigo 635.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP), independentemente do disposto nos artigos 402.º e 403.º do Código de Processo Penal.
86. Assim ensina Germano Marques da Silva:
“Como o âmbito do recurso é dado pelas conclusões da respectiva motivação, é através delas, pois, em princípio, que se fica a saber se o recorrente pretende uma reapreciação da decisão em toda a sua globalidade ou apenas de parte da decisão e qual.
Esta possibilidade de limitação do recurso tanto pode resultar de uma declaração expressa do recorrente (especificação concreta de quais as questões a reapreciar) como decorrer de modo tácito (o que acontece quando o impugnante não invoca nas conclusões todas as questões resolvidas na decisão recorrida, limitando-se a pronunciar-se sobre algumas delas, o que significa que as demais ficam excluídas” ([28]) (destaque nosso).
87. No mesmo sentido, Simas Santos e Leal-Henriques, segundo os quais “o âmbito do recurso é dado pelas respectivas conclusões, pelo que o recorrente pode limitar tacitamente o objecto do recurso” ([29]).
88. Ainda, conforme é entendimento do próprio Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, “são as conclusões formuladas na motivação do recurso que definitivamente e em exclusivo definem e delimitam o respectivo objecto (cuja limitação a lei permite), sendo que, conforme vem sendo também entendimento do STJ, […] nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso” (destaques nossos) ([30]).
89. Em suma, e nas palavras desta mais alta instância, “o objecto dos recursos é definido pelas conclusões com que o recorrente encerra a motivação”, “nas conclusões, o recorrente pode restringir expressa ou tacitamente o objecto do recurso” ([31]) (destaque nosso).
90. Uma última palavra, nesta sede, quanto à alegação de que o Arguido ora Reclamante deveria ter defendido a inconcialiabilidade entre os fundamentos do recurso interposto pelo Ministério Público e o respetivo pedido, para dizer que, em bom rigor, tal inconcialiabilidade não existia, na medida em que a respetiva motivação assentava (como assenta) em novos factos, concluindo-se, a final, pela pronúncia dos Arguidos por esses mesmos factos, indicados expressamente nas alegações de recurso, ou seja, nos precisos termos em que se alude nas alegações de recurso, nomeadamente considerando-se os factos e a prova [nela] evocados (cfr. páginas 21 e 22 da própria Decisão).
Finalmente:
91. E no que concerne à segunda alegada questão apreciada na Decisão ora reclamada, a de apreciar se o Arguido ora Reclamante se viu impossibilitado de impugnar perante um tribunal superior as “novas” questões trazidas naquele recurso [do Ministério Público] ou resultantes da sua interposição,
92. Começar-se-á por dizer, em abono da verdade, que a Decisão não só faz corresponder a garantia do duplo grau de jurisdição ao direito ao recurso, como parece confundir este último com o exercício do direito ao contraditório.
93. Lê-se na Decisão que os argumentos aduzidos pelo Arguido ora Reclamante no Recurso correspondem, grosso modo, aos oferecidos na sua resposta ao recurso do Ministério Público, e, bem assim, nos respetivos requerimentos de aclaração e arguição de nulidades do Acórdão recorrido, tendo sido logo apreciados pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
94. Concluindo-se, sem mais, estar garantido, ao Arguido ora Reclamante, “um duplo grau de jurisdição e por conseguinte o direito ao recurso, na medida em que esse direito (ao recurso) realiza-se pela garantia de um grau de recurso, ou seja, por um duplo grau de jurisdição”.
95. Sucede, porém, que, não só o direito ao recurso constitui realidade autónoma da garantia do duplo grau de jurisdição, como não se confunde com o exercício do direito ao contraditório.
96. Como tem vindo a ser recorrentemente afirmado pelo Tribunal Constitucional, por referência ao disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o direito ao recurso “constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal, encontrando-se expressamente inscrito entre os pilares constitucionais do Direito do Processo Penal da República Portuguesa”,
97. Garantia essa que “não deve ser confundida com a garantia de um duplo grau de jurisdição” ([32]).
98. Por outras palavras, o direito ao recurso é “autónomo em relação ao duplo grau de jurisdição” ([33]).
99. Tratando-se, um e outro, de “conceitos autónomos e não confundíveis” ([34]).
100. Concretizando, e parafraseando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018 ([35]):
“Por “direito ao recurso” entende-se – de um modo geral – a faculdade conferida à parte vencida de suscitar o reexame de uma decisão que lhe foi desfavorável e da qual discorda com o intuito de corrigir erros e de ver proferida uma decisão que vá ao encontro das suas expetativas.
Por seu lado, com a menção a “duplo grau de jurisdição” pretende-se significar a possibilidade de reexame efetuado por um órgão jurisdicional distinto e hierarquicamente superior ao que apreciou a causa pela primeira vez, com prevalência sobre este”.
[…]
Assim, apesar da forte ligação entre ambos os conceitos, esta «não significa que baste o duplo grau de jurisdição para se considerar sempre assegurado o direito ao recurso” (destaques nossos).
101. Se é verdade que “existe uma correlação intrínseca e necessária entre o duplo grau de jurisdição e o direito ao recurso em processo penal”, já não o é “que o direito ao recurso coincida sempre, e em todo o caso, com o duplo grau de jurisdição” ([36]).
102. Assim é porque “o facto de haver uma dupla jurisdição da causa não implica necessariamente que o direito ao recurso tenha sido exercido pelo arguido” ([37]).
103. Tomemos precisamente o exemplo dos presentes autos: o Arguido foi não pronunciado em primeira instância, e, na sequência do recurso interposto pelo Ministério Público, veio a ser pronunciado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
104. Também aqui, “existe dupla jurisdição da causa, ou seja, a mesma é julgada por duas instâncias distintas, sendo que a segunda é hierarquicamente superior à primeira, mas nem por isso houve o exercício do direito ao recurso pelo arguido” ([38]) (destaque nosso).
105. Destarte, “uma vez que o direito ao recurso é, e tem de ser, uma garantia necessariamente subjectiva, ao passo que o duplo grau de jurisdição é uma garantia objectiva”, “só pode dizer-se que o duplo grau de jurisdição assegura o direito de defesa do arguido quando o recurso foi efectivamente interposto pelo arguido” ([39]) (destaque nosso).
106. O que, porém, não sucedeu.
107. Por conseguinte, “se o direito ao recurso pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, pode não se bastar com ele” ([40]), porquanto o mesmo “ultrapassa em larga escala a exigência do duplo grau de jurisdição” ([41]).
108. Em síntese:
“É de rejeitar uma leitura redutora de ambas as figuras, que reconduz o direito ao recurso à mera garantia de um duplo grau de jurisdição em matéria penal.
Uma tal leitura implica uma interpretação restritiva do direito ao recurso […] que não encontra fundamento constitucional em qualquer outro texto normativo vinculativo da República Portuguesa.
[…]
A distinção entre as duas figuras permite afirmar que a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na existência de duplo grau de jurisdição ([42]) (destaque nosso).
109. Do que decorre, contrariamente ao sufragado na Decisão ora reclamada, que o direito, constitucionalmente consagrado, ao recurso do Arguido ora Reclamante não se vê satisfeito pelo mero duplo grau de jurisdição, acionado por um recurso por ele não interposto,
110. Nem, tão-pouco, pela oportunidade de nele intervir, seja por que meio for.
111. Na verdade, uma coisa é refutar ou responder a determinadas questões e alegações.
112. Outra, crê-se bem distinta, é impugnar a decisão que as aprecie e decida.
113. É que, Excelentísimos Senhores Venerandos Juízes Conselheiros, quando da resposta do Arguido ora Reclamante ao recurso do Ministério Público não estava ainda consubstanciada qualquer ofensa do caso julgado, apenas e só a pretensão, do Ministério Público, que nela viria a culminar.
114. E a decisão que, em primeira e única mão, a perpetrou, a única desfavorável/prejudicial à posição processual do Arguido ora Reclamante, tendo por efeito a sua submissão a julgamento ([43]), não foi ainda objeto de reapreciação por um outro órgão jurisdicional.
115. Sendo, para tanto, irrelevante a aclaração e/ou o conhecimento das nulidades nessa sequência arguidas, porque pelo mesmo Tribunal que proferiu a decisão recorrida.
116. A este propósito, recorde-se que, enquanto “uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal” ([44]), “o direito a pelo menos um grau de recurso […] é agora constitucionalmente garantido” ([45]),
117. Estando o respetivo exercício “naturalmente dependente do integral conhecimento da decisão que se pretende impugnar”, e a sua tutela “relacionada com o regime da sua apreciação pelo tribunal superior” ([46]).
118. Nesta medida, a garantia constitucional do direito ao recurso “significa e impõe que o sistema processual penal preveja um modelo de impugnação das decisões que possibilite, de maneira efectiva, a reapreciação por uma instância superior” ([47]).
119. In casu, nenhum grau de recurso foi ainda assegurado ao Arguido ora Reclamante no que respeita à violação do caso julgado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, pela simples e fatal razão que esse caso julgado foi ineditamente lesionado apenas com esse aresto.
120. Tornando à relação entre o exercício do contraditório e a arguição de invalidades perante o Tribunal a quo, por um lado, e o recurso a um Tribunal ad quem, por outro, sublinhe-se que o recurso constitui “um meio de impugnação de uma decisão judicial junto de um outro órgão jurisdicional” e que o correspondente direito não implica “apenas uma oportunidade processual de contra-argumentar” ([48]) no âmbito de instâncias recursivas desencadeadas por sujeitos processuais que não o arguido.
121. Pelo contrário, o direito ao recurso do arguido consiste na “oportunidade de defesa numa instância superior […] e não se confunde, pois, com o exercício do direito de resposta à motivação do recurso da acusação” ([49]).
122. Neste particular, “[n]o âmbito dos recursos […], o direito de resposta do arguido […] afigura-se, ao fim e ao cabo, como a mais genuína manifestação do princípio do contraditório e, como tal, não se confunde com o direito ao recurso do arguido” ([50]).
123. Numa palavra: “[d]o exercício do direito de resposta não resulta o exercício do direito ao recurso” ([51]).
124. Até (ou senão precisamente) porque “quando o arguido exerce o direito de resposta, não conhece ainda os fundamentos da hipotética [decisão]”, estando “o exercício do direito ao recurso […] naturalmente dependente do integral conhecimento da decisão que se pretende impugnar” ([52]), com vista ao respetivo “exercício consciente, fundado e eficaz” ([53]),
125. Do mesmo modo que, quando suscita a invalidade da decisão recorrida — que tem o dever de imediatamente suscitar, desde logo para efeitos de arguição das inconstitucionalidades que aí arguiu —, não conhece ainda a posição do Tribunal sobre a mesma.
126. Tudo isto milita, pois, na imperativa conclusão que o exercício de direito de resposta e a arguição de invalidades não se confundem com o esgotamento da dupla jurisdição, sob pena, de resto, de uma defesa, não efetiva, mas “meramente teórica”, com base numa decisão inexistente ou (ainda) não conhecida ([54]).
127. A norma resultante da interpretação, isolada ou conjugada, do disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da CRP, 411.º e 413.º, n.º 1, ambos do CPP, no sentido de que fica impedido o exercício do direito ao recurso quando o arguido suscitou a questão objeto de recurso em anterior resposta a um recurso interposto por um sujeito processual anteriormente à decisão sobre a qual recorre e quando suscita a invalidade da decisão sobre a qual recorre perante o tribunal recorrido, por existência de duplo grau de jurisdição, é materialmente inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido, do direito de tutela jurisdicional efetiva, na vertente de direito ao recurso, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da CRP, o que se deixa, também, invocado para os devidos efeitos legais.
Em face do exposto:
128. Deve a presente Reclamação ser julgada procedente, e, consequentemente, o Recurso interposto pelo Arguido ora Reclamante ser admitido, na parte respeitante ao caso julgado, com a necessária revogação da Decisão ora reclamada, mais designando-se data para a realização da audiência inicialmente requerida.
Nestes termos, e nos mais de Direito, deve a presente Reclamação ser julgada procedente, revogando-se, em consequência, a Decisão ora reclamada, e admitindo-se o Recurso interposto pelo Arguido ora Reclamante, na parte respeitante ao caso julgado, seguindo-se os demais termos legais, desde logo a designação de data para a realização da audiência requerida quando da interposição do mesmo;
18. Notificado da reclamação para a Conferência apresentada pelo recorrente, o Ministério Público junto deste Tribunal pugnou pelo seu indeferimento e, em consequência, pela confirmação da Decisão Sumária que não admitiu o recurso interposto, por manifesta improcedência e por inadmissibilidade legal, nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 432º, nº. 1, al. b), 400º, nº. 1, al. c), e 420º, nº. 1, al. a), e al. b), todos do CPP.
19. Após os vistos, foram os presentes autos à Conferência, conforme previsto no artº. 419º, nº. 3, al. a), do CPP.
Posto isto,
II – Fundamentação:
20. Dispõe o artº. 417º, nº. 8, do CPP que “Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos nºs. 6 e 7”.
Deste modo, conforme assinala o Acórdão deste Tribunal de 5.11.2020, no Proc. nº. 14514/16.7T9PRT.P1.S1, 5.ª Secção, relatora Cons. Margarida Blasco – em www.dgsi.pt, “Se é certo que o arguido pode, ao abrigo do disposto no n.º 8, do artigo 417.,º do CPP, reclamar para conferência, tendo para tal o legislador previsto a salvaguarda da colegialidade da lei, não é menos certo que a decisão sumária não é um despacho qualquer do relator, pois com tal decisão se põe termo à instância recursória. Relembre-se que com a introdução da decisão sumária, introduzida no CPP, com a Lei n. º 48/2007, de 29 de Agosto, o legislador pretendeu racionalizar e simplificar o funcionamento dos tribunais superiores, criando um mecanismo mais expedito e simplicado de decisão do recurso- a decisão sumária do relator- quando o recurso esteja destinado ao insucesso, por alguma das razões elencadas nas diversas alíneas do n.º 6 do artigo 417º.”.
21. Ora, é justamente o que sucede nos presentes autos. O recurso foi julgado inadmissível por Decisão Sumária. A reclamação reitera/insiste, em suma, na mesma argumentação que já constava do recurso pretendendo o recorrente convencer o Colégio de Juízes em Conferência da tese da admissibilidade do recurso rejeitado por aquela decisão.
22. Conforme se escreve no Acórdão deste Tribunal de 3.11.2011, no Proc. nº. 2/00.7TBSJM.P2.S1, 5.ª Secção, relatora Cons. Isabel Pais Martins – em www.dgsi.pt, a Conferência pode acordar “em reafirmar as razões explicitadas na decisão sumária que fundamentaram a rejeição do recurso”, e “corroborando-as e dando-as por reproduzidas, por via delas”, decidir “em conferência, confirmar a decisão sumária do relator de rejeição do recurso” e, “consequentemente, indeferir a reclamação.”.
23. A motivação da Decisão Sumária reclamada, abarca (quase) todas questões que o recorrente suscita na reclamação sobre a admissibilidade do recurso por si interposto, pelo que entendemos desnecessário voltar a reproduzi-las integralmente.
24. Com efeito, a Conferência concorda, adere e reproduz a fundamentação da Decisão Sumária no sentido da inadmissibilidade do recurso, sendo fastidioso e meramente repetitivo voltar a enunciá-la.
Em síntese, concluiu-se que o recurso em apreço, não é admissível em processo penal, afirmando-se que, em regra, não é permitido convocar a norma do processo civil que admite sempre o recurso, em situação de ofensa do caso julgado – cfr. o artº. 629º, nº. 2, al. a), do CPC. Admitindo-se, contudo, que, excepcionalmente, poderá ser permitido o recurso, apelando ao artº. 629º, nº. 2, al. a), do CPC, se constatados as premissas/pressupostos para que tal seja possível: “a alegação de que a violação resulta da própria decisão recorrida, e que se apresente como verosímil e séria a existência de ofensa de caso julgado;”.
E, após, fundamentou-se o motivo pelo qual, no caso em concreto, não se verificariam as premissas/pressupostos para permitir que, excepcionalmente, se convocasse a referida norma do processo civil. Aludindo-se, ainda, à compatibilização com os direitos ao recurso, duplo grau de jurisdição e contraditório.
25. Síntese sobre o percurso da fundamentação que, aliás, o recorrente realça no ponto 48 da reclamação, referindo que a Decisão Sumária assenta nas seguintes premissas: “inaplicabilidade, no âmbito do processo penal, da recorribilidade com fundamento na violação de caso julgado”; “excecionalidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com fundamento na violação de caso julgado em nome do cumprimento da garantia constitucional do duplo grau de jurisdição em sede de recurso;” “Nesse caso excecional, na admissibilidade do recurso condicionada (i) à alegação de que a violação resulta da própria decisão recorrida, e (ii) a que se apresente como verosímil e séria a existência de ofensa de caso julgado;” “inexistência, no caso concreto, de violação de caso julgado pela decisão recorrida (o Acórdão de pronúncia proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa).”.
26. Impõe-se, contudo, concretizar e esclarecer, sinteticamente, alguns pontos trazidos pelo recorrente e que, entendemos, não têm correspondência com o que foi assumido na Decisão Sumária e/ou que merecem a nossa total discordância.
27. Diz o recorrente que “a aplicabilidade do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), parte final, do CPC, ao processo penal (ex vi artigo 4.º do CPP) tem vindo a ser expressamente afirmada pela doutrina e jurisprudência portuguesas, incluindo deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça arredadas, na sua grande maioria, dos referidos condicionalismos”.
28. Ora, trata-se de matéria já profusamente abordada na Decisão Sumária, como resulta da sua simples leitura e que se reitera no presente Acórdão.
Com efeito, quanto a esta questão a Decisão Sumária após elencar a divergência de opiniões na doutrina e jurisprudência, tomou posição expressa sobre a mesma, a qual esta Conferência subscreve. Ali se deixou claramente exarado que não deve ter aplicação em processo penal a recorribilidade com fundamento em ofensa/violação de caso julgado, pois que, “admitir que através da invocação da violação de caso julgado permitiria sempre socorrer-se das regras do processo civil implicaria abrir uma “caixa de Pandora” e postergar o princípio da suficiência do processo penal.”
Porém, apesar de se referir que não basta a invocação de violação do caso julgado para que, apelando a uma norma do processo civil – o artº. 629º, nº. 2, al. a), do CPP –, se admita recurso em processo penal, não se arredou a possibilidade de recurso quando se constate uma situação excepcional notória e evidente, “a integrar nos termos permitidos pelo artº. 4º, do CPP, uma situação em que não estando abrangida ou não pudesse ser integrada pela previsão das normas do processo penal viesse a contender com direitos fundamentais, com direitos, liberdades e garantias, tais como, para o que aqui interessa, o direito ao recurso como consagrado na Constituição da República – artº. 32º, nº. 1”. E, mais concretamente, firmou-se claramente qual essa situação excepcional: “Deste modo, a admissibilidade de recurso fica condicionada, por um lado, à alegação que a violação resulta da própria decisão recorrida, e, por outro lado, que se apresente como verosímil e séria a existência de ofensa de caso julgado”.
Em suma, a regra é da inadmissibilidade. A excepção é a admissão do recurso com fundamento na violação do caso julgado. Mas, tal depende daquelas premissas/pressupostos, claramente referenciadas.
29. No caso em apreço, foi entendido, posição que se mantém, que não estavam verificadas as premissas ou pressupostos que permitem admitir excepcionalmente o recurso penal com fundamento na violação/ofensa de caso julgado.
Conforme se aludiu na Decisão Sumária “sempre que o tribunal superior, do exame preliminar dos autos, concluir ser ostensivo, claro e evidente, sem qualquer dúvida, que o vício – de ofensa ao caso julgado - não é imputável à decisão recorrida deve rejeitar o recurso. E foi o que se decidiu, entendendo-se, desde logo, que não se estava perante uma ofensa (verosímil e séria) de caso julgado, que contendesse com as garantias de defesa do recorrente – artº. 32º, nº. 1, da Constituição da República.
30. O recorrente alega, que a Decisão Sumária errou ao considerar que não se estava perante uma violação (verosímil e séria) do caso julgado. No entanto, também sobre essa temática foi explicado, fundamentadamente, porque não existe qualquer violação/ofensa (verosímil e séria) do caso julgado, assinalando-se que o acórdão do Tribunal da Relação, claramente e inequivocamente, não se pronunciou sobre factos não abarcados pelo recurso do Ministério Público, sem que, desse modo, se verificasse caso julgado parcial.
E, respigando o mais relevante, exarou-se na Decisão Sumária: “Tendo como ponto de partida que, a alegação de que a violação do caso julgado resulta da própria decisão recorrida e condicionada a que se apresente como verosímil e séria a existência de ofensa de caso julgado, será excepcionalmente admissível recurso em processo penal para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em o acórdão da Relação ofender o caso julgado nos termos do artº. 629º, nº. 2, al. a), do CPC, aplicável por força do art. 4.º, do CPP, vejamos então o caso deste recurso: (…) Ora, como supra exposto, sendo certo que é imputada ao acórdão da Relação recorrido a violação do caso julgado e que, tendo o Ministério Público interposto recurso, a parte deste acórdão que não tivesse sido impugnada por este recurso transitaria, formando caso julgado parcial. E ainda que, excepcionalmente, para garantir ao recorrente, o direito a recurso consagrado no artº. 32º, nº. 1 da Constituição da República, seria admissível os termos do artº. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, aplicável por força do art. 4.º, do CPP. Já a admissibilidade de recurso fica, porém, condicionada a que se apresente como verosímil e séria a existência de ofensa de caso julgado. Deste modo, haverá que aferir se, por um lado, como alega o recorrente, o Ministério Público com o recurso que interpôs, verdadeiramente “desistiu” da recorrer a decisão instrutória de não-pronúncia dos arguidos, designadamente, o recorrente e, por outro lado, apreciar se o recorrente se viu impossibilitado de impugnar perante um tribunal superior as “novas” questões trazidas naquele recurso ou resultantes da sua interposição, porquanto com a alegada desistência do recurso transitaria em julgado a decisão instrutória de não-pronúncia. Quanto à primeira questão, da leitura da motivação do recurso do Ministério Público, resulta claramente que as expressões e segmentos de texto que o recorrente refere e/ou transcreve na sua motivação, e que acima apontámos, não têm nem o significado directo ou indirecto, nem o alcance que o recorrente lhes atribui. Elas são feitas num contexto de argumentação na motivação e decorrem da especificação dos fundamentos do recurso e das razões do pedido. Afirmar que a motivação do recurso do Ministério Público consiste numa nova acusação para daí retirar que o Ministério Público “desistiu” da anterior acusação que não obteve a comprovação judicial da decisão instrutória recorrida, afigura-se-nos uma interpretação muito própria do recorrente, sem correspondência com o que consta daquela peça recursiva. (…) Em parte alguma o Ministério Público refere que desiste de qualquer parte da decisão instrutória recorrida. Diz, antes, expressamente o contrário. Limita-se a admitir a ocorrência “alguns pequenos lapsos” na acusação, que atribui à extensão e complexidade do processo no qual foi deduzida. Lapsos esses irrelevantes para a decisão de pronúncia pela qual pugna, requerendo que o seu “recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja a decisão instrutória de fls. 5108 a 5306 revogada” pedindo uma decisão de “sentido oposto – decisão de pronúncia de todos os arguidos – nos precisos termos em que se alude nas presentes alegações de recurso, nomeadamente considerando-se os factos e a prova acima evocados.” Com efeito, como resulta do artº. 402º nº. 1 do CPP, “Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão”. Assim, contrariamente à sua alegação o recorrente não pode retirar a “desistência” de recurso por parte do Ministério Público de uma putativa intenção de desistir sem correspondência na intenção expressa no recurso. Já o artº. 403º nº. 1, ao estabelecer que “É admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas”, define as regras em que o recurso interposto de uma decisão não abranja toda a decisão. Ora, o Ministério Público refere expressamente quer na interposição do recurso, quer no texto da motivação quer nas suas conclusões que o recurso “abrange toda a decisão” instrutória de não-pronúncia, sem que limite o objecto do recurso “a uma parte da decisão”. Fundamentos relativamente aos quais esta Conferência não tem razões para divergir e com os quais concorda.
31. Em suma, conforme explanado na Decisão Sumária, o recurso do Ministério Público abarcou expressamente toda a decisão de não pronúncia proferida na 1ª instância, não se tendo cristalizado por força de caso julgado qualquer segmento desta. É certo que o recorrente se insurge em relação a esta conclusão, alegando existência de caso julgado parcial, por uma suposta conformação do Ministério Público em relação a uma parte da decisão de não pronúncia. Porém, pelos motivos explanados na Decisão Sumária, a que adere esta Conferência, entendemos que se afigura claro e ostensivo que inexiste o aludido caso julgado da decisão de 1ª instância, o qual não se formou na sequência do recurso interposto pelo Ministério Público.
32. E a este propósito, convém frisar que não tem qualquer razão o recorrente ao sustentar que a Decisão Sumária não poderia ter analisado a (in)existência, condicionada à verossimilhança e seriedade, de ofensa de caso julgado. Com efeito, face ao que ali se defendeu e defende quanto aos condicionalismos de admissibilidade, excepcional, do recurso penal, recorrendo à norma do artº. 629º, nº. 2, al. a), do CPC, podia, e devia ter sido feita aquela análise, sob pena de omissão de pronúncia. Basta para tanto, percorrer o raciocínio lógico empreendido na Decisão Sumária.
Conforme supra se assinalou, foi entendido que para tutela do direito ao recurso, em casos excepcionais, seria admitir o recurso penal, apelando à norma do processo civil que permite sempre o recurso por violação de caso julgado: – a violação tem que resultar da decisão recorrida, e apresentar-se como verosímil e séria a existência de ofensa de caso julgado.
Daí que, apenas se poderia concluir pela (in)admissibilidade do recurso, analisando, precisamente, se a decisão recorrida, condicionada à verossimilhança e seriedade, afrontou o caso julgado. O que mereceu resposta negativa.
33. Refere a este propósito o recorrente que “sempre deverá considerar-se materialmente inconstitucional a norma resultante da interpretação, isolada ou conjugada, do disposto nos artigos 577.º, alínea i), 621.º e 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC, aplicáveis com as devidas adaptações ex vi artigo 4.º do CPP, e nos artigos 399.º, 400.º, 402.º, 403.º, n.º 1, e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do CPP, no sentido de que não constitui fundamento válido de recurso a violação de caso julgado em decisão de pronúncia proferida em sede de recurso de decisão instrutória de não-pronúncia, por violação das garantias de defesa do arguido, do direito de tutela jurisdicional efetiva, na vertente de direito ao recurso, dos princípios ne bis in idem, do caso julgado e do acusatório e do contraditório, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 29.º, n.º 5, e 32.º, n.os 1, 2 e 5, da CRP, o que se deixa, uma vez mais, cautelarmente arguido para os devidos efeitos legais”.
34. Ora, desde logo, não procede a inconstitucionalidade invocada, porque não se decidiu “no sentido de que não constitui fundamento válido de recurso a violação de caso julgado em decisão de pronúncia proferida em sede de recurso de decisão instrutória de não-pronúncia”. Pelo contrário. Admitiu-se que é possível em circunstâncias excepcionais, verificadas determinadas premissas/pressupostos que se elencaram, e que se entendeu não ocorrerem no caso em concreto. Ou seja, é certo que se sustentou que o processo penal não contempla, em regra, o recurso obrigatório no caso de violação de caso julgado. Mas, apelando às garantias de defesa do arguido decidiu-se existir essa possibilidade, verificados requisitos que foram claramente identificados. Acresce que aquela questão de inconstitucionalidade é irrelevante no caso em concreto, já que se abordou e analisou da (in)existência de violação do caso julgado, condicionada à verossimilhança e seriedade, e concluiu-se que tal não ocorreu.
35. Igualmente, suscitou o recorrente a inconstitucionalidade da “norma resultante da interpretação, isolada ou conjugada, do disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da CRP, 411.º e 413.º, n.º 1, ambos do CPP, no sentido de que fica impedido o exercício do direito ao recurso quando o arguido suscitou a questão objeto de recurso em anterior resposta a um recurso interposto por um sujeito processual anteriormente à decisão sobre a qual recorre e quando suscita a invalidade da decisão sobre a qual recorre perante o tribunal recorrido, por existência de duplo grau de jurisdição, é materialmente inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido, do direito de tutela jurisdicional efetiva, na vertente de direito ao recurso, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, todos da CRP, o que se deixa, também, invocado para os devidos efeitos legais”.
36. Também sobre esta questão a Decisão Sumária emitiu pronúncia com a qual esta Conferência concorda. Desde logo, como supra referimos, o direito ao recurso não é ilimitado, circunscrevendo-se ao conjunto de situações em que o legislador considerou intolerável não permitir o acesso a um Tribunal Superior para discorrer sobre as suas razões.
E, conforme mencionámos, por regra o arguido não tem direito ao recurso de um acórdão de um Tribunal da Relação que decide pronunciá-lo – alterando decisão da 1.ªinstância que não o pronunciou – . Porém, também se ressalvou que, para salvaguarda das garantias de defesa do arguido e direito ao recurso, em situações excepcionais, seria de admitir o recurso com fundamento na violação de caso julgado. Analisaram-se esses requisitos e concluiu-se que não se verificaram in casu.
37. Ou seja, falece aquela arguição de inconstitucionalidade, já que a interpretação plasmada na Decisão Sumária foi no sentido de que em determinadas situações aí elencadas, o recorrente poderia ter recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça. Porém, não se verificando in concreto, não o poderia ter feito.
38. E no discurso argumentativo sobre a (in)admissibilidade de recurso e sua interconexão com o direito ao recurso, sustentou-se que a não admissão do recurso no caso em concreto não consistia numa afronta intolerável ao duplo grau de jurisdição e contraditório. Isto porque, sobre a questão da violação do caso julgado já o recorrente a tinha suscitado/defendido/argumentado/contra motivado, na resposta ao recurso do Ministério Público e, de novo, em sede de arguição de invalidades perante o Tribunal da Relação. E, diga-se também, que, para aferir da (in)admissibilidade do recurso o Supremo Tribunal de Justiça acabou por concluir, primeiro em Decisão Sumária, e agora em Conferência, que não existiu – condicionada à verossimilhança e seriedade – nenhuma violação de caso julgado na decisão de pronúncia do Tribunal da Relação, questão de fundo que o recorrente pretendia que fosse analisada por este Tribunal.
39. E em relação duplo grau de jurisdição e contraditório, escreveu-se na Decisão Sumária: “Quanto à segunda questão, saber se o recorrente se viu impossibilitado de impugnar perante um tribunal superior as “novas” questões trazidas naquele recurso ou resultantes da sua interposição, das quais resultou, como afirma, a desistência do Ministério Público de recorrer da decisão instrutória de não-pronuncia pelos factos imputados ao recorrente no despacho de acusação por si deduzida porquanto, com a alegada desistência do recurso, transitaria em julgado a decisão instrutória de não-pronúncia. É certo que a resposta a esta segunda questão fica prejudicada na sequência do que acima ficou dito. Com efeito, o recorrente faz uma leitura da postura processual do Ministério Público que não corresponde aos termos do recurso. Pelo contrário, é bem clara e expressa a posição do Ministério Público ao pugnar pela revogação da decisão instrutória de não-pronúncia e pela pronúncia dos arguidos (o recorrente incluído). (…) “Posto isto, resulta evidente que na sua resposta ao recurso, o recorrente trouxe perante o Tribunal da Relação todos os argumentos com que fundamenta o seu entendimento condensado na afirmação de que “verdadeiramente, o Ministério Público não interpôs um Recurso da decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal” perante os quais, o Tribunal da Relação haveria necessariamente que retirar as devidas consequências. E, portanto, estaria transitado em julgado a decisão instrutória de não-pronúncia. Porém, perante os argumentos da resposta do recorrente ao recurso do Ministério Público – em síntese acima transcritos –, entendeu o Tribunal da Relação não serem os mesmos procedentes porquanto, perante a argumentação de que que o Ministério Público “desistira” do recurso cuja consequência necessária seria o transito em julgado da decisão ali recorrida, decidiu o Tribunal da Relação antes, rejeitar toda aquela argumentação e, conhecendo do recurso pronunciar o recorrente e demais arguidos. Vem agora o recorrente, no recurso para este Tribunal imputando ao acórdão recorrido a violação de caso julgado, trazer grosso modo, os mesmos argumentos e a mesma fundamentação que levou na resposta ao recurso do Ministério Público perante o Tribunal da Relação bem como nos requerimentos pedindo a aclaração e arguindo nulidades do acórdão que o pronunciou, perante o mesmo Tribunal. Ora, o Tribunal da Relação já apreciou os argumentos com que fundamentou a sua resposta ao recurso do Ministério Público, designadamente – no que aqui importa – aqueles de cuja procedência, resultaria o trânsito em julgado da decisão instrutória de não-pronúncia recorrida. Acrescendo que, com os seus requerimentos de pedido de aclaração e de arguição de nulidades nos quais de novo e expressamente trouxe perante o Tribunal da Relação a alegação de que a decisão instrutória de não-pronúncia estaria transitada em julgado. Deste modo, ao responder ao recurso do Ministério Público nos termos em que o fez, o recorrente não só não se viu impedido de colocar, antes colocou na sua resposta ao recurso e nos dois requerimentos subsequentes, perante um tribunal superior, a alegação que perante aquele concreto recurso do Ministério Público, a decisão instrutória de não-pronúncia transitara em julgado. E, ainda que se entendesse que o recorrente não tivesse colocado e trazido à discussão perante o Tribunal da Relação todas as questões de cuja procedência, resultaria o trânsito em julgado da decisão recorrida, não se entenderia porque, perante tão flagrantes evidencias sobre os erros que aponta ao recurso do Ministério Público, não acautelara na sua resposta alegada desistência do recurso uma vez que no final o Ministério Público pede a revogação da decisão instrutória recorrida e a consequente pronúncia dos arguido. No mínimo teria que de defender que existia uma inconciliabilidade entre os fundamentos do recurso e o pedido. Assim, não se pode considerar que o recorrente tenha sido tomado de surpresa com a decisão do acórdão recorrido, por não terem sido considerados procedentes os argumentos trazido à discussão perante o Tribunal da Relação colocando as questões de cuja procedência, resultaria o trânsito em julgado da decisão recorrida e a afirmando expressamente ter-se verificado o seu trânsito em julgado, vendo assim exercido o contraditório – vd. o Acórdão n.º 107/2012, do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ de Acórdão da Relação, sem prévio contraditório. Ao tomar conhecimento dos argumentos que trouxe à sua resposta ao recurso do Ministério Público, designadamente todos aqueles dos quais resultaria o trânsito em julgado da decisão instrutória recorrida, designadamente, a alegação de que, o recuso do Ministério Público consistia na desistência da pronúncia relativamente aos factos pelos quais deduzira acusação, o recorrente viu garantido pelo Tribunal da Relação um duplo grau de jurisdição e por conseguinte o direito ao recurso. Posto isto, o direito ao recurso como consagrado na Constituição da República – artº. 32º, nº. 1, realiza-se pela garantia de um grau de recurso, ou seja, por um duplo grau de jurisdição. No sentido de que o direito ao recurso se concretiza cumprindo-se um segundo grau de jurisdição, não havendo imposição constitucional para um terceiro grau de jurisdição V. os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 49/2003, 255/2005, 682/2006, 353/2010, 324/2013 e 163/2015. Como decidiu este Tribunal no citado Acórdão de 17.6.2015 no Proc. nº. 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, 3.ª Secção, relator Cons. João Silva Miguel: “XI - Decisão relevante para questionar a alegada violação do caso julgado, constituído pela sentença do tribunal de 1.ª instância de 09-07-2009, teria sido o acórdão proferido nestes autos, pela Relação, transitado em 24-10-2012, e que não reconheceu a existência de ofensa a caso julgado, como pretendida pelo recorrente, pelo que não há, agora, que convocar essa questão. XII - O TC tem afirmado reiteradamente que o art. 32.º, n.º 1, da CRP não impõe um duplo e, muito menos, um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso ao STJ, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados”. E, ainda o citado Acórdão de Tribunal de 18.6.2020, no Proc. nº. 28/06.7TELSB.L2.S1 - 5.ª Secção, relatora Cons. Margarida Blasco: “VI - E, assim, porque quanto a tal questão foi assegurado o duplo grau de jurisdição e porque, como é sabido, a garantia do direito ao recurso consagrada no n.º 1 do art. 32.º da CRP com tal se basta, não está preenchido o requisito para a admissão “excepcional” do recurso com fundamento no invocado art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC”.”.
40. Ou seja, não se decidiu que o direito ao recurso do arguido ficaria sempre satisfeito com a possibilidade de discutir as questões que entenda pertinentes e relativamente às quais pretenda recorrer, se as mesmas forem analisadas por via da arguição de invalidades ou por terem sido suscitados na resposta ao recurso.
O que se escreveu foi algo distinto. Frisou-se que o duplo grau de jurisdição existiu no caso em concreto, com a intervenção de um Tribunal Superior, que analisou a argumentação trazida pelo recorrente na sua resposta ao recurso e, de novo, em sede de arguição de invalidades, o qual se pronunciou sobre a questão da violação do caso julgado invocada pelo recorrente. E frisando-se, também, que não estávamos perante uma situação de restrição intolerável de acesso ao terceiro grau de jurisdição.
Assim, não só pelo que supra referimos, cumpre voltar a salientar que este Tribunal, para analisar se estavam verificadas as premissas/pressupostos excepcionais elencadas de admissibilidade de recurso, à luz do artº. 629º, nº. 2, al. a), do CPC, teve que apreciar se a alegada ofensa de caso julgado se reportava ao acórdão recorrido e se se apresentava como uma violação verosímil e séria do caso julgado, que justificasse a sua intervenção. Para tal, este Tribunal teve que sindicar, ainda que de forma perfunctória e condicionada à verossimilhança e seriedade, a temática de fundo que fora suscitada em recurso, mas porque o recorrente não vinha através deste recurso trazer pela primeira vez, perante um Tribunal Superior, a discussão da pretendida violação de caso julgado. Já o tinha feito antes, em sede de resposta ao recurso do Ministério Público para o Tribunal da Relação e de arguição de invalidades do acórdão do Tribunal da Relação.
41. Ou seja, ao contrário do alegado pelo recorrente, a Decisão Sumária chamando à colação e citando o Acórdão deste Tribunal de 17.6.2015, no Proc. nº. 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, 3.ª Secção, relator Cons. João Silva Miguel, apenas analisou se a suscitada ofensa/violação de caso julgado se apresentava, de antemão, verosímil e séria, ou se, pelo contrário, era claro e evidente que esse vício não era imputável ao acórdão do Tribunal da Relação recorrido, devendo ser rejeitado o recurso.
42. Deste modo, a interpretação cuja inconstitucionalidade o recorrente defende, não foi encetada. Aliás, sobre a questão da conformidade com a Constituição da República, também na Decisão Sumária se notou que “o direito ao recurso como consagrado na Constituição da República – artº. 32º, nº. 1, realiza-se pela garantia de um grau de recurso, ou seja, por um duplo grau de jurisdição. No sentido de que o direito ao recurso se concretiza cumprindo-se um segundo grau de jurisdição, não havendo imposição constitucional para um terceiro grau de jurisdição V. os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 49/2003, 255/2005, 682/2006, 353/2010, 324/2013 e 163/2015”. Ou seja, foi feito apelo a diversos arestos do Tribunal Constitucional para justificar que, no caso concreto, a inexistência de um terceiro grau de jurisdição é tolerável constitucionalmente.
43. Sustenta ainda o recorrente que, tendo requerido a realização de audiência, e uma vez que o Ministério Público promoveu essa audiência, está vedada a possibilidade de a negar e prolatar Decisão Sumária. E, sustenta ainda que a lei não admite que a Decisão Sumária tenha a extensão que teve, devendo ater-se à questão da irrecorribilidade, acentuando que a “Decisão extravasa, em larga medida, o âmbito da apreciação legalmente permitida ao Relator, prevista no artigo 417.º do Código de Processo Penal, consubstanciando um verdadeiro julgamento do mérito do Recurso, sendo, nessa medida, igualmente inadmissível do ponto de vista material”. “Deste modo impediu-se a concretização do direito a uma decisão de fundo sobre o recurso do Arguido e, bem assim, obstando à análise do Recurso por um Tribunal coletivo”. “E violando-se também o princípio do juiz natural, por via da preclusão da possibilidade de obtenção de um Acórdão analisado e proferido por três Juízes Conselheiros, com a maior solenidade e garantismo daí decorrentes”.
44. Ora, não se vislumbra qualquer afronta à lei. O Código de Processo Penal permite que, num exame preliminar, o relator opte pela prolação de uma Decisão Sumária, desde que verificadas determinadas premissas. Admite-se, assim, por apelo à celeridade processual que, em casos mais evidentes, se decida desde logo pela inviabilidade do recurso através de um mecanismo expedito, ágil e mais célere. Aliás, sempre se afiguraria inútil e irrazoável – vd. artº.130ºdo CPC ex vi o artº. 4º do CPP –, convocar-se a realização de uma audiência para debater “os pontos C e D do recurso”, quando se verifica, de antemão, existirem motivos que levem, necessariamente, a uma rejeição liminar do recurso.
45. Em nenhum segmento da lei se preceitua que o requerimento da audiência exclui a admissibilidade da Decisão Sumária. Pelo contrário, conforme se referiu na Decisão Sumária “Dispondo o artº. 421º, sob a epígrafe “Prosseguimento do processo”, nº. 1 “Se o processo houver de prosseguir, é aberta conclusão ao presidente da secção, o qual designa a audiência para um dos 20 dias seguintes, determina as pessoas a convocar e manda completar os vistos, se for caso disso”. sublinhado nosso. Deste modo, apenas se o processo houvesse de prosseguir haveria lugar à requerida realização da audiência. Pelo que se profere a presente decisão sumária”.
É nesta perspetiva que deve ser interpretado o direito do arguido à realização da audiência, em sede de recurso. Também a jurisprudência deste Tribunal já se pronunciou sobre esta temática, tendo decidido que “II - O facto de o reclamante haver requerido a realização de audiência não é obstáculo à decisão do recurso por decisão sumária do relator. Conforme se vê do art. 417.º, n.º 6, al. b), do CPP o relator após o exame preliminar do processo, profere ecisão sumária se, além do mais, o recurso dever ser rejeitado, independentemente de ter ou não sido requerida a realização da audiência Esta só terá lugar, nos termos do art. 421.º, n.º 1, se o processo houver de prosseguir. E o processo não prossegue quando o recurso seja rejeitado.” – cfr Acórdão deste Tribunal, de 22.3.2018, no Proc. n.º 816/09.2IDLSB.L3.S1, relator Cons. Manuel Braz, disponível em www.stj.pt Sumários de Acórdãos/Criminal - Ano de 2018.
46. Com efeito, a audiência é um direito do recorrente, mas que requer a não verificação dos pressupostos que permitem a Decisão Sumária e que o relator opte por esta tramitação processual mais simplificada. É a única compatibilização lógica e coerente em termos sistemáticos. Pelo que, só quando o recurso não puder ser julgado por decisão sumária é que há possibilidade de realização de audiência. Só assim, teria razão o recorrente, se uma audiência devesse ter lugar.
O que não é o caso.
Deste modo, como resulta dos fundamentos expostos naquela decisão, o recurso deveria – como foi – ser rejeitado.
É que, como resulta expressamente da lei, “após exame preliminar, o relator profere decisão sumária”, al. b), “sempre que o recurso dever ser rejeitado”.
Portanto, contrariamente ao invocado na reclamação, não só a Decisão Sumária era admissível, como, é aquele o sentido indicado no artº. 417º, nº. 6, al. b) do CPP. Por isso, na sequência do exame preliminar realizado, e sendo manifesto que o recurso deveria ser rejeitado, como resulta do destaque supra assinalado, foi proferida a Decisão Sumária reclamada.
47. Sendo que, ao contrário do que refere o recorrente, não fica nem ficou vedada a apreciação do seu recurso por um Colectivo de Juízes. Conforme resulta do nº. 8 do artº. 417º do CPP, discordando da Decisão Sumária, o recorrente tem o direito de provocar a intervenção de um Colectivo de Juízes, constituído pelo relator, adjunto e presidente da Secção, com voto de desempate. Direito esse, aliás, que o recorrente exerceu no caso em concreto.
48. Tão pouco tem razão o recorrente ao considerar que, ao ser proferida a decisão sumária tendo sido requerida audiência quando esta não deva ser realizada por dever ser rejeitado o recurso, constitui uma violação do princípio do Juiz natural. Tal pressuporia que essa violação resultava de lei expressa – no caso dos artº. 417º, nº. 6, al. b) do CPP. Aliás, nem sequer se percepciona esta alusão à violação do princípio do Juiz natural.
Com efeito, não só a causa não foi subtraída a nenhum Juiz como, pelo contrário, foi atribuído nos exactos termos que constam da lei. O processo foi distribuído em conformidade com a Lei. O relator proferiu a Decisão Sumária ao abrigo do artº. 417.º, do CPP, como dita a Lei. Por força da reclamação e nos preceitos da Lei, foram chamados a julgar em Conferência o relator, adjunto, e presidente da Secção, com voto de desempate. Não há qualquer afronta ao Juiz natural.
49. Já quanto à invocação de que a Decisão Sumária reclamada “extravasa, em larga medida, o âmbito da apreciação legalmente permitida ao Relator, prevista no artº. 417º”, do CPP e que “consubstanciando um verdadeiro julgamento do mérito do Recurso”, é, “igualmente inadmissível do ponto de vista material” , é certo que o artº. 420º, nº. 2 do CPP, dispõe que “Em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão”. Contudo não estabelece limites à fundamentação da decisão. Com efeito, trata-se de norma com caracter meramente indicativo, ficando a extensão da fundamentação condicionada por aquela que deva ser aduzida para decisão do caso concreto. Não existe qualquer encurtamento ao dever da fundamentação.
Assim, de uma extensa fundamentação não resulta qualquer prejuízo para as garantias processuais do recorrente, ainda que conheça ou constitua uma “decisão de fundo” como refere o recorrente.
E também não se alcança em que normativos o recorrente assenta a sua tese de que a Decisão Sumária extravasou a fundamentação permitida por Lei. É certo que a Decisão se designa de “Sumária”, porque é proferida por um só Juiz, o relator, numa tramitação mais simplificada, mais ágil e com um ritualismo processual menos solene. Mas as questões decididas podem ser complexas.
É o sucede quando se verifica evidente que o recurso é inadmissível ou está votado ao insucesso. E, nessa medida, ao invés da tramitação comum, o legislador consagrou um ritualismo mais expedito em prol da celeridade processual.
Porém, como dispõe o artº. 97º, nº. 5, do CPP, há o dever de aduzir as razões da decisão. E sustentando-se a tese de que o recurso apenas seria admissível caso fosse séria e verosímil a violação do caso julgado, naturalmente que a Decisão Sumária deveria, sob pena de omissão de pronúncia, justificar porque entendia que não se verificavam aqueles pressupostos.
Também, não pode ignorar o recorrente que, quer a fundamentação da decisão sumária seja extensa como afirma ser o caso, quer seja precária, dispõe o artº. 417º, nº.8 do CPP, que “Cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos nºs. 6 e 7”. Portanto, contrariamente ao que afirma, de “por essa via, se negar ao Recorrente a concretização do seu direito ao recurso por via da obtenção de um Acórdão esgotante na apreciação da questão de fundo e apreciado coletivamente (e não singularmente) sujeito ao grau máximo de fundamentação (certamente superior àquele aposto nas decisões sumárias)”, desta forma não se suprimiu a possibilidade de um Colectivo de Juízes decidir sobre essa questão. Aliás, foi o que fez o recorrente ao apresentar a reclamação à Conferência.
E com a “extensa” fundamentação da Decisão Sumária, teve recorrente a possibilidade de conhecer e rebater através da reclamação que apresentou, todos os fundamentos que a alicerçaram, com vista a habilitar a Conferência a uma decisão ponderada, pelo que não se vislumbra que com a prolação da Decisão Sumária reclamada, tenha sido beliscado qualquer direito ou garantia de defesa do recorrente.
50. Cabe a este propósito ainda citar o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 17/2011 , DR, II Série de 16.2.2011, que decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do Código de Processo Penal, quando permite ao juiz relator proferir decisão sumária de indeferimento, em caso de manifesta improcedência do mesmo, decisão essa passível de reclamação para a conferência”.
51. Deste modo, entende-se não se verificar a inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente a este propósito: “A norma resultante da interpretação, isolada ou conjugada, do disposto nos artigos 11.º, n.º 5, 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, alínea b), e 420.º, n.º 1, todos do CPP, 577.º, alínea i), 621.º e 629.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis com as devidas adaptações ex vi artigo 4.º do CPP, no sentido de que o recurso interposto com fundamento em violação de caso julgado pode ser rejeitado, por inadmissível, por decisão sumária do Relator que aprecie da verificação ou não da existência da alegada violação de caso julgado, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da proteção da confiança, da certeza e segurança jurídicas, inerentes ao princípio fundamental do Estado de Direito Democrático, e, bem assim, das garantias de defesa do arguido, do direito de tutela jurisdicional efetiva, na vertente de direito ao recurso, e do princípio do juiz natural, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 9.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 29.º. n.º 5, 32.º, n.os 1 e 9, todos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), o que se deixa, desde já, invocado para os devidos efeitos legais.”
52. Por todo o exposto, não se vislumbra na fundamentação da Decisão Sumária e no presente Acórdão, que mantém aquela decisão, qualquer interpretação desconforme à Constituição.
Assim, e em conclusão:
53. A conferência “apenas chancelará – ou não – a decisão individual com a garantia do tribunal colectivo”.
Sendo que, concordando com os fundamentos e sentido da decisão sumária, pode limitar-se “a reafirmar as razões explicitadas na decisão sumária que fundamentaram a rejeição do recurso”, e “corroborando-as e dando-as por reproduzidas, por via delas”, decidir “confirmar a decisão sumária do relator de rejeição do recurso” e, “consequentemente, indeferir a reclamação”. – vd. os Acórdãos deste Tribunal 20.4.2017, no Proc. n.º 799/15.0JABRG.G1.S1, e de 3.11.2011, no Proc. n.º 2/00.7TBSJM.P2.S1 – em www.stj.pt – Sumários de Acórdãos Ano 2017 e www.dgsi.pt, respectivamente.
III- Decisão:
Por todo o exposto, acordam em indeferir a reclamação apresentada e, consequentemente, manter a Decisão Sumária.
Vai ainda o recorrente condenado no pagamento de 7 UC, nos termos do artº. 420º, nº. 3, do CPP.
Consigna-se que foi observado o disposto no artº. 94º, nº. 2 do CPP.
João Guerra (Relator)
Helena Moniz
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([1]) No sentido de que o Ministério Público, na vista a que se refere o artigo 416.º do CPP, ainda que tenha sido requerida a realização de audiência (e para esta reservando o teor das alegações orais em relação ao mérito do recurso), pode (para não dizer deve) suscitar “as questões prévias que se lhe ofereçam, sobretudo se obstativas do conhecimento do mérito do recurso”, vide António Pereira Madeira, Código de Processo Penal comentado, 2.ª edição, revista, Almedina, 2016, p. 1328. No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, segundo o qual a circunstância de ter sido requerida audiência “não impede que o MP se pronuncie antes da audiência sobre tudo o que não deva ser retardado para a audiência como o são todos os casos que determinem a rejeição do recurso”, Direito Processual Penal Português, Volume III, UCP Editora, 2018, p. 344. Também, Manuel Simas Santos, Manuel Leal-Henriques e João Simas Santos, segundo os quais “a circunstância de ter sido requerida a realização de audiência, com a correspondente oportunidade para o M.º P.º tomar posição sobre o mérito do recurso não impede que se coloquem questões que obstam ao conhecimento do mérito e à realização da audiência, pelo que deve o M.º P.º pronunciar-se sobre essas questões no visto”, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, 2010, p. 519. Assim continuam os mesmos autores: “[u]ma vez que o relator, logo que o processo lhe é concluso, e no exame preliminar, terá que pronunciar-se sobre determinadas questões que a lei enuncia nos n.os 6 e 7 do art.º 417.º [do CPP] […], justifica-se que o M.º P.º dê o seu parecer sobre essas matérias”, ob. cit., pp. 518-519.
([2]) Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, Constituição Portuguesa Anotada, Volume I, Artigos 1.º a 79.º, 2.ª edição, revista, UCP Editora, p. 520.
([3]) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2014, processo n.º 851/08.8TAVCT.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt, tal como os adiante referidos na presente Reclamação sempre que não indicada outra fonte.
([4]) Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição, UCP Editora, p. 1157.
([5]) Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 1158.
([6]) Idem.
([7]) Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17.09.2013, processo n.º 380/09.2JACBR-B.E2.
([8]) Vide, por todos, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2017, processo n.º 2956/11.9TDLSB.L1.S1.
([9]) Assim, por exemplo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.2007, processo n.º 07P4201. No sentido de uma “análise perfunctória”, também, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28.06.2006, processo n.º 06P1589.
([10]) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, 2018, Almedina, p. 45. Assim, por exemplo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13.10.2020, processo n.º 168/05.0TVVC-N.E1.S1. No mesmo sentido, também, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 8.05.2019, processo n.º 3167/17.5T8LSB-B.L1.S1. Ainda, o Acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.2020, processo n.º 814/14.4TBALQ.L1.S1.
([11]) Assim, por exemplo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 25.03.2021, processo n.º 17335/18.9T8PRT.P1.S1. No mesmo sentido, também, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 22.11.2018, processo n.º 408/16.0T8CTB.C1.S1.
([12]) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2019, processo n.º 2075/17.4T8FNC.L1.S1. No sentido da clara distinção entre a “questão prévia da admissibilidade do recurso”, pela mera invocação da ofensa de caso julgado, e “o objecto do recurso”, saber se essa ofensa se verifica, vide os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2019 e 13.11.2018, processos n.os 1545/12.5TBCTX-D.E1.S1 e 4263/16.1T8VCT.G1.S1, respetivamente.
([13]) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Parte Geral e Processo de Declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, 2018, p. 745.
([14]) Assim, Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 181.
([15]) Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 785.
([16]) Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 299.
([17]) Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 1198.
([18]) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 8.02.2001, processo n.º 00P3993. No exato mesmo sentido, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 8.03.2001, processo n.º 01P146.
([19]) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 24.09.2015, processo n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5. No mesmo sentido, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 409, pp. 646-653, de 30.06.2011, processo n.º 505/02.9TAESP.P1.S1, e de 15.11.2012, processo n.º 1054/07.4TAOLH.
([20]) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 03.05.2018, processo n.º 680/12.4PEAMD-A.S1.
([21]) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2019, processo n.º 6421/17.2JFLSB-D.1-A.S1.
([22]) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 3.12.2020, processo n.º 6421/17.2JFLSB-D.L1.S2.
([23]) Vide, por exemplo, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 4.12.2019 e 6.5.2020, processos n.os 354/13.9IDAVR.P2.S1 e 4/12.0IFLSB.G2.S1, respetivamente.
([24]) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 23.4.2020, processo n.º 589/15.0JALRA-KE2.S1.
([25]) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17.6.2015, processo n.º 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1.
([26]) Sem pretensão de exaustividade, até porque a sua apreciação constitui já um thema decidendum posterior à admissão do Recurso, identificam-se algumas dessas divergências:
(i) a pp. 81-82 (pontos 41. e 45.), o Ministério Público sugeriu o aditamento de dois novos factos sobre o Arguido ora Recorrente e a propósito da sociedade C..., referindo que a mesma estaria “vocacionada para a montagem de estruturas societárias de conveniência e de ocultação” de que o Arguido ora Reclamante se serviria. Saliente-se, a este respeito, que a Acusação apenas referia a C... no seu ponto 40., sem especificar os serviços que prestava, e muito menos imputando-lhe qualquer propósito de conveniência ou de ocultação, o que só em sede de recurso veio a ser referido.
(ii) a pp. 86 a 89 (nos respetivos pontos 60. a 72.), o Ministério Público sugeriu o aditamento de 12 (doze) novos factos à Acusação que considerou indiciados e que se reportavam, em suma, ao putativo conhecimento que os Arguidos BB e GG teriam dos montantes que haviam recebido para efeitos de aquisição dos imóveis alegadamente objeto de branqueamento, e, ainda, ao conhecimento que teriam, por intermédio do Arguido ora Reclamante, sobre a W.... Saliente-se que a Acusação nada referia sobre este conhecimento daqueles Arguidos, nem associava qualquer intervenção sua a conhecimentos que lhes teriam sido partilhados pelo Arguido ora Reclamante, visto que nos seus pontos 47. e 51. apenas se refere que aqueles co-Arguidos utilizaram contas nacionais de sociedades nacionais que representavam — e nada mais.
(iii) a p. 89 do Recurso, o Ministério Público propôs um outro novo facto sobre o envolvimento da W... Portugal, no sentido de que “não chegou a ser utilizada no presente esquema tendo ficado adormecida”. Saliente-se, a este respeito, que a Acusação assentava em factos opostos (transitados em julgado porque não impugnados em recurso), referindo que a W... Portugal estaria integrada num esquema alegadamente ilícito concebido pelo Arguido ora Reclamante, conforme se alcança dos seus pontos 43. e 44.
(iv) a p. 97 do seu recurso, o Ministério Público sugeriu o aditamento de um novo pretenso facto, segundo o qual os Arguidos ligados à TAP “detinham os poderes essenciais, e indispensáveis, para executarem as decisões relativas aos contratos celebrados com a S... e a W... ao nível da criação de todos os documentos necessários aos pagamentos a receber da S..., aos pagamentos a realizar à W...”. Sucede que, a este respeito, a Acusação assentava em factos opostos (transitados em julgado porque não impugnados), expressamente referindo que era a W... que “elaborava as faturas a pagar”, conforme se alcança, entre o mais, do ponto 13. da Acusação.
(v) a pp. 176 e seguintes do seu recurso, o Ministério Público propôs o aditamento de um conjunto significativo de factos relativos à “imputação subjectiva”, entre os quais acrescentou, além do mais, a referência aos conhecimentos e intenções dos Arguidos quanto à corrupção de funcionários públicos estrangeiros e à afetação do comércio internacional através da falsificação de documentos (ponto 385., a p. 174 do recurso). Sucede que, a este respeito, a Acusação nada referia sobre factos elucidativos da imputação subjetiva de uma intenção de corromper no comércio internacional, nem sobre qualquer vontade de abalar a verdade intrínseca de documentos, conforme (não) se alcança dos seus pontos 364. a 368.
(vi) a p. 179 do recurso, o Ministério Público pugna pelo aditamento e alteração dos crimes inicialmente imputados na Acusação, concretamente, e no que ao Arguido ora Reclamante se reporta, alterando o crime de falsificação por que o Arguido ora Reclamante vinha acusado, na forma continuada (conforme p. 113 da Acusação), para “um crime unificado de falsificação da documentos”.
([27]) Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 1034. No sentido de que o objeto inicial do recurso é restringindo, “expressa ou tacitamente”, pelas respetivas conclusões, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20.03.2015, processo n.º 267/09.9GBLLE.E1.
([28]) Manuel Simas Santos, Manuel Leal-Henriques e João Simas Santos, ob. cit., pp. 492-493.
([29]) Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª edição, Rei dos Livros, 2011, p. 89.
([30]) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.11.2007, processo n.º 1587/07-9
([31]) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2009, processo n.º 09P0607.
([32]) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018, disponível em http://www.tribunalconstitucional.
([33]) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 102/2021, disponível em http://www.tribunalconstitucional.
([34]) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018, disponível em http://www.tribunalconstitucional.
([35]) Apud, por sua vez, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 429/2016, ambos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional. No mesmo sentido, Bruna Ribeiro de Sousa, «Da inconstitucionalidade da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal (na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro)», in Revista do Ministério Público, n.º 138, Ano 35, abril-junho 2014, pp. 135-174 (152).
([36]) Bruna Ribeiro de Sousa, ob. cit., p. 152.
([37]) Idem.
([38]) Idem.
([39]) Bruna Ribeiro de Sousa, ob. cit., p. 154.
([40]) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018, disponível em http://www.tribunalconstitucional.
([41]) Bruna Ribeiro de Sousa, ob. cit., p. 156.
([42]) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018, disponível em http://www.tribunalconstitucional.
([43]) Que constitui “a cerimónia degradante mais amplificadora das sequelas de estigmatização” ¾ Manuel da Costa Andrade, «Consenso e oportunidade (reflexões a propósito da suspensão provisória do processo e do processo sumaríssimo)», in Jornadas de Direito Processual Penal. O novo Código de Processo Penal, 1988, p. 322. No sentido de que “a prossecução do processo para julgamento pode ser prejudicial aos interesses do arguido”, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 101/2016, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt.
([44]) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 49/2003, disponível em http://www.tribunalconstitucional.
([45]) Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, ob. cit., pp. 518-522.
([46]) Idem.
([47]) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 30.06.2010, processo n.º 1594/01.9TALRS.S1. No mesmo sentido, também, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10.02.2021, processo n.º 2127/18.3JAPRT.P1.
([48]) Helena Morão, «Da delimitação subjectiva do direito ao recurso em matéria penal — fundamento e legitimidade para recorrer», in Anatomia do Crime, Revista de Ciências Jurídico-Criminais, n.º 5, janeiro-junho de 2017, Almedina, pp. 9-32 (11).
([49]) Helena Morão, «Whenever yet was your appeal denied?..., ob. cit., pp. 41-42.
([50]) Bruna Ribeiro de Sousa, ob. cit., pp. 148-149.
([51]) Bruna Ribeiro de Sousa, ob. cit., p. 149. No mesmo sentido, Miguel Ângelo Lemos, «O direito ao recurso da decisão condenatória enquanto direito constitucional e direito humano fundamental», in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume III, Coimbra Editora, 2009-2010, p. 937.
([52]) Bruna Ribeiro de Sousa, ob. cit., p. 149.
([53]) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 148/2001, disponível em http://www.tribunalconstitucional.
([54]) Bruna Ribeiro de Sousa, ob.0 cit., p. 149.