PROCESSO URGENTE
CONTAGEM DE PRAZOS
FÉRIAS JUDICIAIS
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário


I - A prática de actos processuais no âmbito de processos qualificados legalmente como urgentes, como são os processos de insolvência incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos (arts. 9.º, n.º 1, 148.º, CIRE), aplica-se a regra da continuidade da contagem dos prazos sem suspensão no período de férias judiciais, tal como resulta da injunção do art. 138.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC, com consequência da aplicação do art. 139.º, n.º 3, para os prazos peremptórios ou preclusivos (extinção do direito de praticar o acto).
II - Essa aplicação não é paralisada pelo art. 137.º, n.º 2, em conjugação com o seu n.º 1, do CPC, uma vez que a excepção aí prevista para a não realização de actos processuais durante o período de férias judiciais quando estejam em causa «atos que se destinem a evitar dano irreparável» abrange, como actos com essa natureza, os actos a praticar em processos que a própria lei qualifica como urgentes.
III - Esta interpretação, que obvia a que se paralise a aplicação dos arts. 138.º, n.º 1, e 139.º, n.º 3, do CPC, pela indicação de inexistência de «dano irreparável» nos actos processuais realizados nos processos urgentes, não viola, em particular tendo em conta o amplo poder de conformação que assiste ao legislador na concreta modelação processual, princípios ou normas constitucionais, em especial o da tutela jurisdicional efectiva plasmado no art. 20.º da CRP.

Texto Integral




Proc. N.º 1855/13.4TBVRL-B.G1-B.S1

Reclamação de Despacho do Relator: Arts. 643º, 4, 652º, 3, CPC (Reclamação Prévia: Arts. 641º, 6, 643º, CPC)

Reclamante: AA

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

6.ª Secção

I. Relatório

A) AA apresentou Reclamação, nos termos do art. 643º, 1 e 3, do CPC, contra o despacho do Tribunal da Relação de … (de fls. 67), que não admitiu recurso de revista interposto do acórdão desse tribunal, proferido em 10 de Julho de 2019 (de fls. 8-28), entendendo que, nos termos dos arts. 9º do CIRE e 138º, 1, e 677º do CPC, tratando-se de processo urgente e o prazo de interposição de recurso de 15 dias, tal acto foi praticado fora do prazo: a recorrente considera-se notificada a 15/7 (notificação enviada a 11/7); o prazo terminou a 30/7; o requerimento de interposição do recurso entrou a 2/9; sendo o prazo peremptório, extinguira-se o direito a praticar o acto, por aplicação do art. 139º, 3, do CPC.

B) O referido acórdão da Relação de … julgou improcedente a apelação interposta por BB e mulher CC e julgou procedente a apelação interposta pela «Novo Banco, S.A.» e, em consequência, declarou que os créditos laborais de que são titulares DD, EE, (a aqui Reclamante) AA e FF não beneficiam de privilégio imobiliário especial, antes de privilégio mobiliário geral, na graduação de créditos, de que fez graduação, no mais mantendo-se a sentença proferida em processo de reclamação, verificação e graduação de créditos, correndo por apenso ao processo de insolvência em que foi decretada a insolvência de «Jorge Sebastião Vaz, Irmão & Companhia, Lda.».  

A aqui Reclamante não se resignou perante aquela decisão de 2ª instância e interpôs recurso de Revista (fls. 29 e ss deste apenso), tendo como fito a anulação parcial do acórdão recorrido e a sua substituição por acórdão que determinasse o peticionado na 41.ª Conclusão das suas alegações (cfr. fls. 54).

C) Confrontada com a decisão de não admissão do recurso, a Reclamante, ainda que admitindo que o recurso tinha sido apresentado fora do prazo máximo legalmente previsto, isto é, dia 30 de Julho de 2019, alegou, todavia, que o acto sempre poderia ser realizado no primeiro dia útil subsequente ao término das férias judiciais de Verão, ou seja, “e porque o dia 01 de setembro[,] caiu num domingo, na segunda-feira seguinte, ou seja, no dia 02 de setembro de 2019”, uma vez que sustenta aplicar-se no caso o art. 137º, 1 e 2, do CPC, tendo em conta que o acto de interposição “não se destinava, manifestamente, a evitar dano irreparável, pelo que tal ato processual de interposição não se podia praticar, ou, pelo menos, não tinha que ser praticado[,] durante o período de férias judiciais”. Pediu-se a anulação desse despacho de rejeição da revista e a sua substituição por decisão de admissão do recurso interposto pela Reclamante.

D) Por despacho singular do Relator, proferido em 17 de Dezembro de 2019, foi decidido julgar improcedente a Reclamação, confirmando-se a decisão reclamada de não admissão do recurso de revista.

E) Notificado de tal despacho, vem dele a Recorrente reclamar para a Conferência, alinhando, no que interessa, a argumentação que se transcreve:
1. “sempre poderia esse recurso ser apresentado em tribunal no primeiro dia útil subsequente a tais férias judiciais de verão, ou seja, e porque o dia 01 de setembro de 2019 caiu num domingo, (…)sendo pois de aplicar também o artigo 138.º-2, do CPC, um dia útil, na segunda-feira seguinte, isto é, no dia 02 de setembro de 2019, como aliás sucedeu. E isto, porque a interposição de tal recurso, manifestamente, não constitui uma citação, uma notificação ou um registo de penhora, nem se destinava a evitar dano irreparável, pelo que tal ato processual de interposição do recurso em causa não se podia praticar, ou, pelo menos, não tinha que ser praticado, durante o período de férias judiciais, como decorre do estatuído no artigo 137.º-1 e 2, do CPC e 17.º, do CIRE”;

2. “qualquer interpretação ou dimensão normativa, do artigo 137.º-1 e 2, do CPC, segundo a qual todos os atos processuais, a praticar em processos urgentes, ainda que não se destinem a evitar dano irreparável, e cujo termo do respetivo prazo caia no decurso das férias judiciais, têm que ser levados a cabo nesse dia, não se transferindo essa prática para o primeiro dia útil subsequente a tais férias judiciais, padece efetivamente do vício da inconstitucionalidade material, e por tal interpretação ou dimensão normativa desse artigo 137.º-1 e 2, do CPC, violar, como viola, os artigos 2.º, 3.º e 20.º, os três da CRP, e os Princípios Constitucionais da República Portuguesa ser um Estado de Direito (Democrático), da Constitucionalidade, da Tutela Jurisdicional Efetiva e do pro actione, e a correlativa garantia, em tais artigos 2.º, 3.º e 20.º, os três da CRP, plasmados, artigos estes dos quais o 20.º, constitui um feixe de direitos que se desdobra em várias modalidades”.

Na sequência de se invocar a inconstitucionalidade material da interpretação do art. 137º, 1 e 2, do CPC, no sentido de o prazo para a prática do acto processual de interposição de um recurso, num processo ainda que urgente, caindo no decurso das férias judiciais, não possa ser praticado no primeiro dia útil subsequente ao termo de tais férias, a Reclamante veio requerer a desaplicação da norma nessa sua dimensão normativa, contra a qual se insurge, aplicando-se, como se pede, interpretação contrária que, no fim, permita decisão que “admita, por tempestivo, o recurso em causa (…), interposto (…) em 02 de setembro de 2019, e determine a requisição do processo principal (…) ao Tribunal da Relação de …”.

F) Não houve pronúncias nos termos do art. 652º, 3, in fine, do CPC.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. APRECIAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO

A) O despacho reclamado, na sua parte decisória, apresenta o seguinte teor:

5. A questão a decidir é, assim, a de saber se o acto processual de interposição, respeitante a processo urgente, pode ocorrer fora do respetivo prazo contínuo, a correr em férias judiciais, incluindo o prazo para interposição de recurso, uma vez aplicado o art. 137º, 1 e 2, que afastaria a aplicação dos arts. 138º, 1, 638º, 1, e 677º, sempre do CPC.

6. O processo em causa, uma vez não incluído no âmbito especial recursivo do art. 14º, 1, do CIRE, tem a sua disciplina processual resultante da remissão feita pelo art. 17º, 1, do CIRE, salvaguardada pela estatuição do art. 9º, 1, do CIRE («O processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal.»), em referência ao art. 148º do mesmo CIRE.

7. Regem assim, nesta matéria de aferição do prazo recursivo, os arts. 638º, 1 («O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º.»), e 677º do CPC, em conjugação com os arts. 138º, 1, 139º, 3, e salvaguardadas as situações de tempestividade anómala previstas nos arts. 139º, 4, e 140º (“justo impedimento”), e 139º, 5 e ss (prorrogação em prazo adicional de três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, condicionada ao pagamento de multa pelo beneficiário desta dilação), do CPC.

8. Sendo o processo qualificável como urgente, o prazo-regra de prática dos actos é 15 dias. É um prazo contínuo que não se suspende em férias judiciais, tendo em conta que a lei considera o processo urgente – art. 138º, 1, do CPC. E é um prazo peremptório, que demanda o art. 139º, 3, do CPC («o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato”).

9. Não foram invocadas situações de “justo impedimento” nem a prática do acto no “prazo de complacência” com pagamento de multa.

10. Antes a Reclamante invoca que a sanção letal do art. 139º, 3, em conjugação com a continuidade do prazo e a sua não suspensão de contagem durante o período de férias judiciais, deve ser paralisada pela aplicação do art. 137º, 1 e 2, do CPC: «1 – Sem prejuízo de atos realizados de forma automática, não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais. / 2 – Excetuam-se do disposto no número anterior as citações e notificações, os registos de penhora e os atos que se destinem a evitar dano irreparável

Tais disposições pretendem impedir que a circunstância de não haver actividade processual durante um certo lapso de tempo possa fazer perigar interesses merecedores de tutela incompatível com delongas. Neste caso, devem ser praticados nos dias de encerramento dos tribunais e em férias judiciais os actos previstos no n.º 2 do art. 137º, assim como os actos destinados a evitar dano irreparável. Entre estes encontram-se justamente os actos a praticar em processos que é a própria lei a qualificar como urgentes, como ocorre com o processo de insolvência, incluindo os seus incidentes, apensos e recursos[1]. Interpretar de outra forma o art. 137º, 2, em conjugação com o seu n.º 1, no sentido de que as regras cogentes sobre os prazos pudessem ser ultrapassadas nas situações particulares e merecedoras de previsão legal diferenciada, desde que o interessado invocasse a falta de dano apreciável, seria abrir a porta a factores de intolerável imprevisibilidade na fluidez dessas tramitações processuais com consideração especial, como é o caso dos autos, e uma caução para dispensar o princípio da auto-responsabilidade das partes, decisivo e estruturante no processo civil, nomeadamente quanto à consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da inobservância de prazos peremptórios ou preclusivos (como no caso sucede)[2]. Sendo certo que a fixação de prazos peremptórios serve de compulsão à prática do acto, estimulando o conhecimento e o cumprimento legal com diligência pela parte onerada.

11. Destarte, o art. 137º, 2, não excepciona, antes confirma a aplicação dos arts. 138º, 1, 2ª parte, CPC, 9º, 1, CIRE, 638º, 1, 677º, CPC, de modo que o recurso foi interposto manifestamente fora de prazo, pois continuou a correr em férias judiciais de Verão (16 de Julho a 31 de Agosto: art. 28º da LOSJ – Lei 62/2013, de 26 de Agosto).”

B) Não existem motivos para afastar a fundamentação do despacho nem vício ou motivação que motive o seu falecimento.

Na verdade, o estabelecimento de prazos para a prática dos actos processuais serve não apenas os interesses das partes em que o processo seja célere, mas serve também um interesse geral de fluidez na administração da justiça. E tais interesses ainda mais se acentuam quando a lei indica prazos mais curtos para os processos qualificados como urgentes e, sendo urgentes os processos, a lei determina que não se suspende a contagem dos prazos dos seus actos em período de férias judiciais. Interpretar o art. 137º, 1 e 2, no sentido de permitir – a coberto de uma interpretação casuística de que determinados actos processuais não são “actos que se destinem a evitar dano irreparável” – que os arts. 138º, 1 («O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.»), e 139º, 3, sempre do CPC, fossem precludidos, de modo a que a contagem dos prazos se fizesse com suspensão no período de férias judiciais a coberto dessa mesma interpretação, e desde que o interessado o fizesse no primeiro dia útil seguinte após se ter esgotado esse mesmo período, seria – reitere-se – abrir a porta a factores de inaceitável risco para a fluidez da tramitação processual, particularmente exigente quando se trata de processos objecto de consideração diferenciada pela lei pela qualificação de “urgentes”.

São estes, como se apontou no despacho reclamado, que merecem a previsão do art. 137º, 2, pois neles (entre outros[3]) se concentra a ocorrência do «dano irreparável» que se visa prevenir. Por outras palavras, essa aplicação dos arts. 138º, 1, e 139º, 3, do CPC não é paralisada pelo art. 137º, 2, em conjugação com o seu n.º 1, do CPC, uma vez que a excepção aí prevista para a não realização de actos processuais durante o período de férias judiciais quando estejam em causa «atos que se destinem a evitar dano irreparável» abrange, como actos com essa natureza, os actos a praticar em processos que a própria lei qualifica como urgentes. Logo, o art. 137º, 2, não excepciona, antes confirma e traduz, a solução injuntiva que, em especial, o art. 138º, 1, 2.ª parte, confere aos processos urgentes.

C) Claro que, optando (ou não) a recorrente por um caminho e por uma opção que se afigurava incerta e naturalmente discutível, o prazo tendente à inadmissibilidade do recurso não deixou de seguir o seu curso. Por isso, quando apresentou o requerimento de interposição do recurso de revista já estava esgotado o prazo legal para o efeito, conforme detalhado na decisão singular, merecendo a reacção das instâncias consistente no juízo de intempestividade.

A Reclamante aduz agora, em seu abono, que se deve desaplicar a norma do art. 137º, 2 (em conjugação com o seu n.º 1), do CPC, por ela enfermar de inconstitucionalidade material quando interpretada no sentido que fundou o despacho reclamado. Em causa estaria a violação dos princípios do Estado de Direito, da conformidade com a Constituição e da tutela jurisdicional efectiva e “pro actione”, tal como consagrados nos arts. 2º, 3º, 3, e 20º, 1 e 4, da CRP. Em palavras sumárias, a aqui Reclamante veio trazer ao processo a compreensão de que o despacho reclamado enferma de uma interpretação formalista que inviabiliza o direito a uma justiça efectiva, desconforme com a “verdade material” e com a ultrapassagem de argumentos ritualistas que impeçam a apreciação do mérito ou fundo das causas.

Apreciando a inconstitucionalidade invocada: não cremos.
Como é entendimento aceite na doutrina e na jurisprudência constitucional, o legislador tem um amplo poder de conformação na concreta modelação processual, neste caso aplicado aos regimes de prática dos actos e da contagem dos seus prazos de realização, assim como da qualificação de processos como urgentes (também) para esse efeito, desde que não se estabeleçam mecanismos arbitrários ou desproporcionados de compressão ou negação do direito à prática desses actos (incidente aqui na impugnação recursiva)[4]. Não é aqui o caso. Antes é o caso de enfatizar que, no fito de tal tutela se concretizar efectiva e plenamente, também as partes devem seguir a aparelhagem legalmente constituída com a auto-responsabilidade exigível para a concretização dos seus direitos, nomeadamente quando estamos perante normas imperativas quanto ao condicionamento ou balizamento do exercício de direitos processuais. De facto, como se salientou recentemente neste tribunal, “[e]xistem normas cuja injuntividade paralisam as pretensões, e as que estipulam prazos judiciais peremptórios, são algumas delas (…)”[5] – e é nelas que, sem se precludir o direito de apreciação jurisdicional, se deve mobilizar com acréscimo de diligência a atenção das partes e dos seus mandatários, sob pena de – essa sim – a ausência de diligência frustrar a pretendida tutela assegurada pelo poder judicial de um Estado de Direito (art. 20º da CRP).
Assim, ao invés, todo o circunstancialismo processual ocorrido e acima descrito, finalizado com a rejeição de recurso assim sancionada por lei por intempestividade, não configura uma situação de negação de acesso à justiça que afronte os princípios basilares de um Estado de Direito (particularmente o de «respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais», tal como prescrito no art. 2º da CRP). A Constituição faculta ao legislador um grande espaço de definição e é desejável que assim o faça nesta matéria dos prazos de impugnação recursiva (em geral e em especial) e da natureza dos processos, que aqui se conjugam. Tendo em conta a salvaguarda da segurança e certeza jurídicas e a observância estrita da igualdade de acesso, essa definição deve ser feita por intermédio de normas gerais e abstractas, de tal modo que não se entregue em concreto ao julgador do processo o apuramento das situações preclusivas da realização dos actos processuais. Ao mesmo tempo, a interpretação a dar aos regimes que se articulam com os pertinentes regimes que estabelecem prazos processuais peremptórios não pode ser feita sem que haja densificação racional e teleologicamente compatível com a natureza preclusiva dos prazos de cumprimento tempestivo desses mesmos actos processuais. Se tais normas reguladoras não fossem previamente estabelecidas e conhecidas – tanto mais que, no que vem discutido, manifestamente se enquadram na exigência constitucional do art. 20º, 5, da CRP («Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.») –, e se tais regimes conexos não forem objecto de uma racionalidade intelegível e aceite, aí sim estaríamos a promover um arbítrio intolerável e um afastamento casuístico que afrontaria a equidade e a efectividade da tutela jurisdicional. Não é de todo o que aqui enfrentamos quando se integram os actos a praticar em processos qualificados pela lei como urgentes – como ocorre com o processo de insolvência, incluindo os seus incidentes, apensos e recursos – no âmbito dos actos destinados a evitar dano irreparável que, como tal, correm sem suspensão durante o período de férias judiciais. Pelo que, também por esta via, não se vislumbra que tal interpretação se mostre censurável à luz do art. 3º, 3, da CRP, uma vez que se demonstra que está suficientemente justificada em fundamentos objectivos e materialmente fundados, precludindo-se ver nela algo de desadequado, desnecessário, desproporcionado ou excessivamente oneroso no intuito de efectivação dos direitos processuais, não comprometendo de todo as expectativas legítimas dos cidadãos nem a segurança jurídica.
Em conclusão: não se configura qualquer ablação ou limitação do direito da Recorrente com a interpretação das normas jurídicas do Código de Processo Civil adoptada, não existindo desconformidade com os parâmetros e preceitos constitucionais invocados (arts. 2º, 3º, 3, e 20º da CRP) que justifique a pretendida desaplicação ao caso do art. 137º, 1 e 2, do CPC, no sentido justificadamente seguido pelo despacho reclamado, que ora se confirma.


III. DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em indeferir a Reclamação apresentada, mantendo-se o despacho reclamado.
*
Custas pela Reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UCs, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.


STJ/Lisboa, 5 de Maio de 2020  

Ricardo Costa - Relator

Maria da Assunção Raimundo

Ana Paula Boularot

______________________________________________________


[1] Neste sentido, v. ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 137º, págs. 159-160, JOSÉ ANTÓNIO FRANÇA PITÃO/GUSTAVO FRANÇA PITÃO, Código de Processo Civil anotado, Tomo I (artigos 1.º a 702.º), Quid Juris, Lisboa, 2016, sub art. 137º, pág. 198.
[2] FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, págs. 96-97.
[3] V. ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I cit., sub art. 137º, pág. 160.
[4] V., por ex., o Ac. do TC n.º 460/2011, de 11/10/2011, processo n.º 517/11, Rel. JOÃO CURA MARIANO (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110460.html), e, para a específica matéria do direito ao recurso em processo civil, o Ac. do TC n.º 361/2018, de 28/6/2018, Rel. CATARINA SARMENTO E CASTRO (tal direito “não encontra previsão expressa no artigo 20.º da Constituição, não resultando como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade”).
[5] Ac. do STJ de 10/12/2019, Rel. ANA PAULA BOULAROT, processo n.º 392/185T8STR-C.E1-A.S1, in www.dgsi.pt (acrescentando a essas as que regem a “operância do caso julgado”).