ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
MATÉRIA DE FACTO
PROVA VINCULADA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
OBSCURIDADE
Sumário


I - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 674.º, n.º 3, do CPC).
II - Não se verificando nenhuma destas hipóteses excepcionais (a que se acrescentam a sindicação do exercício dos poderes atribuídos pelo art. 662.º, n.os 1 a 3, do CPC, em actuação do art. 674.º, n.º 1, al. b), e o exercício da competência prevista no art. 682.º, n.º 3, do CPC), o STJ não pode apreciar a decisão de facto recorrida, nomeadamente quando esta se baseia em prova de apreciação livre (arts. 607.º, n.º 5, e 662.º, n.º 4, do CPC).
III - No âmbito do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, a Relação, em segundo grau de julgamento da matéria de facto (662.º, n.os 1 a 3, CPC), deve formar e fundamentar a sua própria convicção, de acordo com a natureza do dever de fundamentação imposto pelos arts. 154.º e 607.º, n.os 3 e 4, do CPC.
IV - Há nulidade de acórdão, por aplicação dos arts. 615.º, n.º 1, al. c), e 666.º, n.º 1, do CPC, seja por contradição intrínseca entre os fundamentos e a decisão, seja por obscuridade dos fundamentos que tornam ininteligível o resultado decisório, quando se entra em oposição de raciocínio entre a materialidade considerada provada e a subsunção jurídica exposta no resultado decisório. Se a apreciação da matéria de facto não está no âmbito dos poderes cognitivos do STJ, tendo por regra a estatuição do art. 662.º, n.º 4, do CPC, a discórdia da valoração probatória feita pela Relação em sede de apreciação crítica de prova livre, sendo insindicável como regra em sede de revista, não pode ser satisfeita mediatamente através da arguição dessa nulidade (como expediente para lograr a reapreciação do juízo probatório da Relação) e, ademais, quando essa pretensão não logra demonstrar os requisitos legais de preenchimento dessa nulidade.

Texto Integral




Processo n.º 754/09.9TYVNG-AK.P1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, 2.ª Secção

Acordam na 6. ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. Por apenso ao processo especial de insolvência em que foi declarada insolvente “Martinho Tavares – Imóveis, S.A.” (“Martinho Tavares”), AA propôs acção de verificação ulterior de créditos, ao abrigo do disposto nos artigos 146º, 1 e 2, b), e 148º do CIRE, pedindo o reconhecimento, em consequência da recusa do Sr. Administrador da Insolvência (AI) em cumprir o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 24/1/2005 entre “Martinho Tavares – Imóveis, S.A.” e BB, tendo por objecto as fracções autónomas "AC" e "DG", descritas na Conservatória do Registo Predial de ... sob os n.os 3962/20000724-AU e 3962/20000724-DG, da titularidade de um direito de crédito sobre a insolvência, no montante de 139.000,00 €, correspondente ao dobro do sinal prestado, mais se decidindo que tal crédito da Autora é garantido por direito de retenção sobre tais fracções autónomas do prédio apreendido para a massa insolvente, nos termos do art. 755º, 1, f), do CCiv., sendo-lhe reconhecido o inerente direito de preferência para efeitos de venda judicial e de pagamento. Alegou que, nessa data de 24/1/2005, BB, como segundo outorgante, celebrou com a insolvente “Martinho Tavares”, como primeira outorgante, um “contrato promessa de compra e venda e recibo”, pelo qual esta prometeu vender-lhe e ele prometeu comprar-lhe a fracção autónoma para habitação designada pelas letras "AC", sita na Av. ..., em ..., e a fracção autónoma designada pelas letras "DG", correspondente a uma garagem no piso – 2 do mesmo edifício, pelo preço de €76.000,00. O aludido preço seria pago com a quantia de €69.500,00, a titulo de sinal, provindo este valor da indemnização que o segundo outorgante, em representação da sociedade “Moreira & Figueiredo, Lda.”, tinha a receber da primeira outorgante, relativo a uma loja devoluta, devendo o restante valor, de € 6.500,00, ser pago na data da escritura notarial de compra e venda, a ter lugar dentro de 18 meses após a data do contrato. Ficou acordado que o segundo outorgante poderia ocupar o apartamento e a garagem de imediato, o que fez, juntamente com a Autora, com quem vive em união de facto. Não obstante as inúmeras interpelações dirigidas à primeira outorgante, a mesma nunca acedeu a celebrar a escritura definitiva de compra e venda. Em 14 de Maio de 2008 o referido BB cedeu à Autora a sua posição contratual relativamente ao indicado contrato promessa, tendo a promitente vendedora aceite tal cessão, conforme documento junto, continuando esta na posse das indicadas fracções. O Sr. AI recusou, após a declaração da insolvência celebrar a escritura pública de compra e venda das indicadas fracções, pelo que lhe assiste o direito de receber o sinal pago em dobro, encontrando-se este seu crédito garantido por direito de retenção sobre as indicadas fracções.
A Ré “Massa Insolvente da ‘Martinho Tavares – Imóveis, S.A.”, representada pelo Sr. AI, apresentou a sua Contestação, invocando estar verificada a caducidade do direito de a Autora instaurar a presente acção e negando os factos alegados na petição inicial, concluindo pela absolvição dos pedidos.
Instada por despacho que faz fls. 91, a Autora respondeu à excepção de caducidade, pugnando pela sua improcedência em face de a sua invocação estar ferida de abuso de direito (art. 334º CCiv.), esclareceu que o direito a reconhecer é o direito de retenção resultante do incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável ao AI, beneficiando da tradição da coisa e a aplicação da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 4/2014, para garantia do crédito indemnizatório de 139.000,00 € e, por fim, concretizou o alegado nos artigos 13º a 16º da petição inicial (fls. 92 e ss).
Novamente instada por despacho que faz fls. 99, a Autora rectificou os pedidos (a fls. 100-101 dos autos): em síntese, (i) reconhecimento do direito de retenção sobre as fracções autónomas do prédio apreendido; (ii) reconhecimento do crédito no valor de 139.000,00 em consequência do incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo AI depois do decretamento da insolvência, por efeito da recusa expressa do AI (arts. 106º, 104º e 102º do CIRE); (iii) reconhecimento do crédito como privilegiado ou garantido e com prevalência. Ficaram estes a substituir os pedidos constantes da petição inicial (fls. 102).

2. Foi realizada audiência prévia em 24/5/2018, sendo proferidos despacho saneador e despacho previsto no art. 596º, 1, do CPC (objecto do litígio e temas da prova).
Foi realizada audiência final em 27/6/2018 e em 10/7/2018.
3. Em 14/9/2018, foi proferida sentença pelo Juiz 1 do Juízo de Comércio de ... – Tribunal Judicial da Comarca do …, que julgou a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, “reconhece-se e verifica-se o crédito reclamado pela Autora (…) nos presentes autos, no valor de € 69.500,00, o qual se encontra garantido por direito de retenção sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “AC” e “DG”, descritas na Conservatória do Registo Predial de ... sob os números 3963/20000724-AC e 3963/20000724-DG, apreendidas sob as verbas números 121 e 143 do auto de apreensão de bens elaborado em 18.4.2011, constante do apenso U, o qual haverá de ser graduado em conformidade com a ordem que lhe couber no apenso de reclamação de crédito[s]”.

4. A “Massa Insolvente”, inconformada, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), tendo em vista a revogação do acórdão recorrido. Para decisão foram identificadas pelo TRP as seguintes questões: “reapreciação da prova produzida, quanto aos pontos julgados provados 5, 6 e 10 da matéria de facto considerada provada e consequente improcedência da acção, caso tal matéria mereça modificação”; “caducidade do direito de acção da autora”. Proferiu-se acórdão em 24/9/2019, julgando procedente a apelação, em consequência revogando a sentença recorrida, julgando não provada e improcedente a acção e absolvendo a Ré de todos os pedidos formulados.

5. Confrontada e não se resignando, a Autora interpôs recurso de revista junto do STJ, tendo em vista a revogação do acórdão recorrido e “substituindo-o por outro que considere provados os factos constantes dos pontos 5, 6 e 10 da matéria de facto, nos termos que foram, e bem, decididos em primeira instância e em consequência rejeite a apelação deduzida pela ali recorrente Massa Insolvente de Martinho Tavares – Imóveis, S.A.”.
Nas alegações encontram-se as seguintes Conclusões, que se transcrevem:

“1. Ao reapreciar a matéria de facto controvertida constante dos pontos julgados provados 5, 6 e 10 da matéria de facto considerada provada, alterando a formulação dos pontos 5 e 6 e consequentemente as respostas dadas aos mesmos, bem como ao ponto 10, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 376º, nº 1 do Código Civil.

2. O acórdão recorrido desconsiderou a força probatória do documento de fls. 10 dos autos, escrito particular denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo”.

3. Trata-se assim de um erro de direito, cuja sindicância se integra na esfera de competências do Supremo Tribunal de Justiça.

4. O acórdão recorrido alterou a formulação dos pontos julgados provados 5 e 6 da matéria de facto considerada provada e consequentemente a resposta aos pontos julgados provados 5, 6 e 10 da matéria de facto considerada provada, fundamentando, em síntese, essa decisão no entendimento contrário ao expresso pelo Tribunal de 1ª Instância no que concerne à putativa impugnação pela Ré do documento de fls. 10 epigrafado de “Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo”, nas consequências jurídicas dessa putativa impugnação e na reapreciação dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora e pela Ré e do depoimento de parte prestado pela Autora.

5. O acórdão recorrido desconsiderou a força probatória plena do documento de fls. 10, apesar de o considerar genuíno, conjugado ainda com o teor dos depoimentos prestados, designadamente pelos próprios intervenientes no negócio, e a ausência de contraprova por parte da Ré Massa Insolvente no tocante à impugnação do documento, em concreto sobre a falsidade do respectivo conteúdo.

6. A Ré teve oportunidade de fazer a contraprova do conteúdo do documento, o que vale dizer da falsidade do mesmo, sob pena de, nos termos do disposto nos artigos 342º, nº 2, 346º, 347º, 358º, nº 2, 374º e 376º do Código Civil ver tal documento e respectivo conteúdo a reverter – o que vale dizer, a fazer prova – contra si.

7. A recorrida não fez a contraprova que lhe competia, limitando-se a fazer uma impugnação genérica dos documentos juntos com a P.I., socorrendo-se de argumentos em tudo idênticos aos aduzidos na resposta às inúmeras impugnações à lista de credores reconhecidos apresentadas nos autos principais, cujo objecto radica igualmente na celebração de contratos-promessa de compra e venda e no alegado direito de retenção, designadamente no que respeita à total desconsideração dos negócios anteriormente celebrados pela administração da Insolvente, reputando-os (invariável e implicitamente) de negócios simulados, sem contudo o alegar expressamente.

8. A recorrida não juntou com a contestação à petição inicial qualquer prova documental, isto apesar de estar na posse de toda a documentação contabilística da sociedade insolvente, nem requereu a notificação da recorrente para, ao abrigo do dever de cooperação processual, juntar qualquer documento que entendesse relevante para a descoberta da verdade material.

9. Nem mesmo aproveitou da faculdade processual de alterar o respectivo requerimento probatório na audiência prévia realizada em 24-05-2018.

10.Em momento algum o documento de fls. 10 dos autos, que é particular, foi arguido de falso, não tendo igualmente sido invocada falta e/ou vício de vontade que o afectasse quanto à materialidade integradora dele nos termos previstos no artigo 446º do Código de Processo Civil, pelo que o mesmo faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, como dispõe o artigo 376º, nº 1, do Código Civil.

11.Se bem decifra a Recorrente o que perpassa do entendimento expresso no acórdão recorrido é que a dúvida sobre um facto assente nos autos, isto é, a existência de poderes por parte de DD para obrigar a Insolvente à altura da celebração do contrato em causa, é suficiente para afirmar que as declarações constantes do documento de fls. 10 não são contrárias aos interesses de quem o emitiu, ou seja, a recorrida, nos termos do regime previsto no artigo 376º, nº 2, do Código Civil.

12.E quedando-se com tais dúvidas e suposições, suficientes para derrogar o princípio da livre apreciação da prova no tocante à respectiva valoração e convicção extraída e evidenciada pelo Tribunal de 1ª Instância, o Tribunal recorrido afastou a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº 1 do artigo 376º do Código Civil, concluindo como concluiu.

13.Reitera-se que o documento particular de fls. 10 dos autos não foi arguido de falso, nem foi invocada falta e/ou vício de vontade que o afecte quanto à materialidade integradora dele, pelo que o mesmo faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (a recorrida), como dispõe o artigo 376º, nº 1, do Código Civil.

14.Nos documentos particulares assinados pelo seu autor, se não existir a impugnação a que aludem os artigos 374º e 375º do Código Civil, a declaração nele contida considera-se plenamente provada, na medida em que seja contrária aos interesses de quem a profere, a não ser que o declarante refira que não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada por algum vício de consentimento, o que terá que expressamente arguir.

15.Tal impugnação não se verificou por parte da aqui recorrida, pelo que, nessa conformidade, a declaração é equiparada a uma confissão, devendo-se-lhe aplicar o respetivo regime.

16.Ao não considerar provados os factos compreendidos no documento de fls. 10 na medida em que os mesmos se afiguravam contrários aos interesses da recorrida ali declarante, violou o douto Acórdão da Relação do Porto, designadamente, os artigos 351º, 363º, nº 2, 374º nº 1, 376º nº 1 e 2 e 393º do Código Civil.

17.Embora não esteja vedado o uso de presunções judiciais pelo Tribunal recorrido para, partindo de um ou mais factos conhecidos, firmar um facto desconhecido (artigo 349º do Código Civil), ainda que tais presunções não constituam verdadeiros meios de prova, no exercício de tal faculdade deverá sempre o Julgador, avaliando a prova produzida, extrair conclusões lógicas dos factos apurados, depois de os analisar criteriosamente e de ponderá-los, com base na experiência e no conhecimento geral da vida, em ordem à obtenção da justiça material.

18.Não está legalmente vedado ao STJ verificar se o uso dessas presunções judiciais ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados.

19.Analisado o douto acórdão recorrido, mais concretamente no que respeita à alteração promovida da formulação dos pontos 5 e 6 da matéria de facto considerada provada, verifica-se que a formulação dada ao ponto 6 padece de uma evidente ilogicidade.

20.Em face do que resulta expressa e inequivocamente do conteúdo do documento de fls. 10, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo”, bem como do facto de não existir, sublinhe-se, um único depoimento, conforme perpassa da prova gravada, que infirme o conteúdo do mesmo, questiona-se como foi possível ao Tribunal recorrido extrair desde logo a conclusão de que a sociedade “Moreira & Figueiredo, Lda.” se considerou paga da quantia de 69.500,00€?

21.Não se consegue descortinar ao abrigo de que raciocínio lógico e dedutivo, avaliando a prova produzida e os factos concretamente apurados, o Tribunal recorrido enunciou tal ilação e procedeu a tão flagrante inversão dos termos do negócio objecto do denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo” com a formulação dada ao ponto 6 da matéria de facto considerada provada.

22.A alteração da formulação do ponto 6 da matéria de facto considerada provada, promovida pelo Tribunal recorrido, não tem qualquer correspondência com a realidade dos factos.

23.Realidade dos factos que afinal deveria ser o corolário do uso das presunções judiciais (artigo 341º do Código Civil), mas que in casu, salvaguardando sempre o devido respeito, se afiguram nos antípodas dessa função e cânone.

24.O douto acórdão recorrido alterou a formulação do ponto 6 da matéria de facto fazendo uso de presunções judiciais ilógicas e/ou partindo de factos não provados.

25.O douto acórdão recorrido extraiu dos factos materiais provados ilações que deles não são a decorrência lógica, fazendo em consequência um uso ilegítimo das presunções com vista à fixação dos factos, violando dessa forma os artigos 341º do Código Civil, 607º, nº 4 e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil.

26.O douto acórdão recorrido padece da nulidade prevista no artigo 615°, nº 1, alínea c) ex vi do artigo 666.º, ambos do Código de Processo Civil.

27. Porquanto da concreta formulação dada pelo douto acórdão recorrido ao ponto 6 da matéria de facto decorre uma clara ambiguidade ou obscuridade que tornam a decisão ininteligível, prestando-se a interpretações equívocas ou dúbias.

28.Atenta a formulação dada pelo insigne Tribunal da Relação do Porto ao ponto 6 da matéria de facto, afigura-se evidente a interpretação “ao contrário” do conteúdo do documento de fls. 10 dos autos.

29.O conteúdo do documento de fls. 10 dos autos, designadamente no que concerne às partes contratantes e conteúdo da cláusula segunda do mesmo, o teor dos depoimentos prestados e até a análise conjugada do documento nº 4 junto com a P.I. denominado “Contrato de Cessão de Posição Contratual”, imponham uma interpretação e conclusão distintas, ou seja, a de que a sociedade “Martinho & Tavares Imóveis, S.A.” é que se considerou paga da quantia de 69.500,00€ a título de sinal e princípio de pagamento do preço indicado no documento de fls. 10.

30.Incorreu assim o douto acórdão recorrido no vício de nulidade previsto no artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.”

As contra-alegações da Recorrida não foram admitidas por apresentação intempestiva.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

1. Admissibilidade e objecto do recurso

1.1. Estão verificadas as condições gerais e especiais de admissibilidade da revista (arts. 629º, 1, 671º, 1, CPC).

1.2. Extrai-se das Conclusões (delimitadoras do objecto recursivo: arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC) que a Recorrente submete em revista a apreciação de um vício correspondente a erro na decisão da Relação quanto à apreciação da impugnação da decisão em 1.ª instância sobre a matéria de facto e correspondentes normas de direito adjectivo – um “erro de direito”, que será legítimo dentro dos poderes de cognição do STJ: art. 674º, 1, b), CPC.

Como condição específica de admissibilidade do recurso nessa impugnação da decisão relativa à matéria de facto, cabe destacar os ónus processuais de alegação recursiva previstos no art. 640º, 1 e 2, do CPC, que determina: «1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. / 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.»[1]-[2].

De acordo com a doutrina processualista, as referidas exigências legais “devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[3], “sem real mais valia funcional”[4]. Esse rigor deve ser filtrado pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de não ser denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontrem sustentação clara na letra e no espírito do legislador, dando prevalência aos aspectos de ordem material. Assim, “[o]s aspetos fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição clara do objeto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido”[5].

Ora, consultadas as Conclusões, o Petitório pós-Conclusões e a motivação das Alegações em sede de revista, verifica-se que:
(i) identificam-se e contextualizam-se os pontos da matéria de facto considerada provada que se considera terem sido incorrectamente julgados aquando da alteração da sua formulação e eliminação pelo acórdão recorrido, a saber e respectivamente, os factos provados 5., 6. e 10.;
(ii) indica-se o meio de prova que sustenta a posição recursiva e impunha decisão diversa da recorrida, a saber, o documento particular denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo”,  constante de fls. 10 e junto com a petição inicial;
(iii) especifica-se a decisão que deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada, ou seja, o resultado pretendido – considerar provados os factos constantes dos pontos 5., 6. e 10. da matéria de facto nos termos em que foram fixados pela sentença da 1.ª instância.

Assim, estando verificados e preenchidos os ónus que incidiam sobre a Recorrente, a questão a decidir é saber se o acórdão da Relação fez uma correcta interpretação e aplicação da lei quando alterou a redacção de tais factos, tendo em conta a alegação de o referido documento particular ter força probatória plena e a convocação dos arts. 376º, 1 e 2, do CCiv., em articulação com o regime dos arts. 351º, 363º, 2, 374º, 1, e 393º do mesmo CCiv. (segmento das Conclusões 1. a 16.)

1.3. Ademais, do conteúdo recursivo constam ainda como questões a apreciar:

— a legalidade das presunções judiciais usadas pelo acórdão recorrido na alteração da formulação dos pontos 5. e 6. (nomeadamente este) da matéria de facto provada, considerando a aplicação dos arts. 341º do CCiv. e 607º, 4, ex vi art. 663º, 2, do CPC (Conclusões 17. a 25.);

— a nulidade do acórdão recorrido, tendo por fundamento a aplicação do art. 615º, 1, c), do CPC, ex vi art. 666º, 1, e a sindicação prevista no art. 674º, 1, c), do mesmo CPC (Conclusões 26. a 30.).

Quanto à primeira destas, é jurisprudência dominante neste STJ que, em sede de impugnação da matéria de facto, o Supremo poderá sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação tendo por escopo averiguar se houve ofensa de norma legal (saber se era permitido tal uso), se padece de alguma ilogicidade ou se se baseia em factos não provados[6].

Quanto à segunda, tal nulidade pode ser fundamento de apreciação recursiva, uma vez admitido o recurso de revista, de acordo com o previsto pelo art. 615º, 4, 2.ª parte, do CPC. Considerado o previsto no art. 684º, 1, do CPC («Quando for julgada procedente alguma das nulidades previstas nas alíneas c) e e) e na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º ou quando o acórdão se mostre lavrado contra o vencido, o Supremo Tribunal de Justiça supre a nulidade, declara em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhece dos outros fundamentos do recurso.»), dever-se-á ter como regra conhecer prioritariamente da nulidade imputada ao acórdão recorrido; se for considerada procedente, conhecer-se-á ainda dos restantes fundamentos do recurso[7]. No entanto, atento o encadeamento e cruzamento jurídico-processual das questões delimitadas pela Recorrente, uma vez que a questão da nulidade surge como tópico subsequente às considerações e apreciações relativas às questões anteriores relativas à matéria de facto, acrescida dos poderes de substituição que assistirão ao STJ se essa  nulidade invocada for considerada procedente, seguiremos, como mais adequada para as respostas a essas matérias recursivas, a ordem enunciada pelas Conclusões.

2. Factualidade relevante

Foram considerados os seguintes factos como provados e não provados, com modificação pela Relação:

A) Factos provados

1. Após petição inicial apresentada em 22.9.2009 pelo Banco Espírito Santo, S.A., que incorporou por fusão o Banco Internacional de Crédito, S.A., a sociedade comercial "MARTINHO TAVARES – IMÓVEIS, SA" foi declarada insolvente por sentença proferida a 9.2.2011, devidamente transitada em julgado a 21.3.2011.

2. A presente acção deu entrada em juízo em 18.5.2012.

3. Foram apreendidas a favor da massa insolvente as fracções autónomas designadas pelas letras "AC" e "DG", descritas na Conservatória do Registo Predial de ... sob os números 3963/20000724-AC e 3963/20000724-DG, sob as verbas números 121 e 143 do auto de apreensão de bens elaborado em 18.4.2011, constante do apenso U.

4. As fracções referidas em 3 integram-se no prédio constituído em regime de propriedade horizontal inscrito na matriz sob o artigo 5784 – urbano, da cidade de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 3963/20000724.

5. Martinho Tavares – Imóveis, SA acordou com a sociedade "Moreira & Figueiredo, Lda.", representada pelo seu sócio gerente BB, pagar-lhe a quantia de 69.500,00€, a título de indemnização pela desocupação de uma loja a si arrendada.
Alterado para:
Entre DD e BB, sócio gerente da sociedade "Moreira & Figueiredo, Lda.", foi elaborado o documento de fls. 10, denominado "Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo", que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual “Martinho Tavares – Imóveis, SA” acordou com a sociedade “Moreira & Figueiredo, Lda.”, representada pelo seu sócio gerente BB, pagar-lhe a quantia de 69.500,00€, a título de indemnização pela desocupação de uma loja a si arrendada.

6. Em 24.1.2005, Martinho Tavares – Imóveis, S.A. celebrou com BB o acordo que consta do documento de fls. 10, denominado "Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo", que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e considerou-se paga da quantia de €69.500,00, aí referida, acordando que tal pagamento constituía sinal e princípio de pagamento do preço indicado em tal escrito particular.
Alterado para:
Mais ficando desse escrito a constar que a sociedade "Moreira & Figueiredo, Lda." considerou-se paga da quantia de €69.500,00, aí referida, e que tal pagamento constituía sinal e princípio de pagamento do preço indicado em tal escrito particular.

7. Na altura referida em 6, Martinho Tavares – Imóveis, SA entregou a BB as chaves das fracções autónomas "AC" e "DG", descritas na Conservatória do Registo Predial de ... sob os números 3962/20000724-AC e 3962/20000724-DG.

8. BB celebrou com a Autora o acordo que consta escrito no documento junto a fls. 31, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, nos termos do qual cedeu a sua posição contratual no acordo identificado em 6, o que a sociedade Martinho Tavares – Imóveis, SA aceitou.

9. BB e a Autora utilizam as fracções autónomas "AC" e "DG" desde 24.01.2005, ininterruptamente, ali tendo instalado o seu centro de vida, passando a habitar a fracção autónoma designada pelas letras "AC" e a estacionar o seu veículo automóvel na fracção autónoma designada pelas letras "DG".

10. BB e a Autora interpelaram a ré Devedora para a celebração da escritura pública correspondente ao acordo referido em 6.

Eliminado.

11. No dia 17 de Maio de 2012, o Sr. Administrador da Insolvência afixou editais anunciando a venda das fracções referidas em 3, a ter lugar no dia 23 do mesmo mês, pelas 10:00 horas, através da abertura de propostas que até esse momento lhe fossem entregues no seu escritório sito na Rua ..., n.° 000, Sala 0.0 em ..., conforme documento n° 5 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

B) Factos não provados

1. Em face das interpelações referidas em 10 [facto eliminado pelo acórdão recorrido], a ora insolvente sempre recusou celebrar escritura pública de compra e venda das fracções em apreço.

2. O senhor administrador da insolvência, durante o prazo para a reclamação de créditos e durante o prazo para a instauração de verificação ulterior de créditos conferenciou com a Autora, garantindo-lhe a realização da escritura definitiva de compra e venda e a desnecessidade de qualquer preocupação a respeito, criando a legítima expectativa de que a escritura seria realizada.

3. O direito aplicável


3.1. A primeira questão decidenda visa apreciar a modificação do julgado em 1.ª instância sobre a matéria de facto, “com inversão em sentido negativo da matéria dos pontos 5, 6 e 10, julgados provados pela douta sentença recorrida” (assim se sintetizou no acórdão recorrido), de acordo com os poderes conferidos pelo art. 662º, 1, do CPC.
Assim se fundamentou.

Quanto à alteração dos pontos 5. e 6. dos factos provados:
(i) “A Mma. Juíza valorou, para prova da matéria dos pontos 5 e 6, e antes de mais, o [documento] de fls. 10 epigrafado de "Contrato promessa de compra e venda e recibo", referindo "sabendo-se ainda este documento não foi impugnado pela Ré nos autos". Ora, no item 6 da sua contestação, alegou a Massa Insolvente, ora recorrente "resultam isso sim que as ‘indemnizações’ alegadamente negociadas entre o Autor uma terceira sociedade por si alegadamente representada e a administração da insolvente – e especificamente o constante dos documentos 1 e 4 da contestação, que assim ficam expressamente impugnados – não se encontram lançados nos livros contabilísticos da insolvente, pelo que não pode o administrador da insolvência inscrever tais putativos créditos a favor do Autor”. Perante tal alegação, não cabe dúvidas de que a Ré rejeitou a factualidade que a A. de tal documento pretende retirar como meio de prova, pondo em crise o conteúdo do mesmo. O que vale por dizer que efectivamente o impugna, não se acompanhando, assim, com o devido respeito, a ilação da Mma. Juíza de que o documento não foi impugnado pela Ré nos autos.”;
(ii) “No tocante às consequências jurídicas de tal impugnação, haverá que atender ao disposto no art. 376.º do Código Civil (…).
Ora, da conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas BB e DD, a quem são atribuídas as assinaturas constantes do documento, não cabe dúvida de que as mesmas lhes pertencem, tratando-se de documento genuíno. Já a questão de saber se os factos compreendidos na sua declaração se devem presumir como verdadeiros e considerar-se provados se coloca de modo muito distinto. Desde logo, o documento em causa não garante que tenha sido elaborado nas circunstâncias de tempo e lugar que dele constam, não se encontrando excluída a possibilidade de ter sido posteriormente elaborado com a finalidade de dar aparência a uma realidade negocial que não existiu no tempo próprio. Por outro lado, as declarações que dele constam não podem considerar-se contrárias aos interesses daqueles dois declarantes que nele intervêm. BB, companheiro da autora, com quem vive, era o próprio beneficiário da declaração negocial aí contida e, na sua própria versão, continua actualmente a manter um interesse quase inalterado no objecto da causa, na medida que a cessão da posição contratual que fez a favor da autora visava apenas garantir à mesma o reembolso de uns dinheiros que dela recebeu para os negócios do depoente; este manteria a fruição do apartamento, que continuava a habitar. A testemunha DD, antigo administrador da sociedade insolvente, também nada tem a perder com a declaração constante do documento. Quem poderá por via dela sofrer prejuízos são os credores que concorrem à Massa Insolvente, cuja posição resultará diminuída por via do aditamento deste crédito.”;

(iii) “Do exposto resulta que o documento de fls. 10, de per si, nada prova. Em última análise, decisivo será o relevo daqueles e dos demais depoimentos prestados, e das declarações de parte da autora, para a formação de uma convicção de certeza sobre a real celebração do acordo aí corporizado. Ora, no tocante às declarações de parte, trata-se de meio de prova que versa sobre factos favoráveis ao depoente, sujeito ao princípio da livre apreciação da prova. “Essas declarações devem, porém, ser atendidas e valoradas com algum cuidado uma vez que são declarações de pessoas interessadas no desfecho da acção, e, por conseguinte, tendencialmente parciais, vindo a jurisprudência a entender que, quanto a factos essenciais e que são favoráveis à parte, as respectivas declarações serão, em princípio, insuficientes, só por si, desacompanhadas de outras provas, para as sustentar” (Ac. da RL de 11-10-2017 (…)). O depoimento da testemunha BB é um depoimento interessado, como se disse. Por outro lado, o relato que apresenta não evidência total coerência, porquanto a versão do valor correspondente ao sinal proveniente de compensação com indemnização devida pela insolvente a uma sociedade detida pelo depoente faria sentido caso tal sociedade tivesse visto cessar definitivamente o arrendamento da loja, não tanto na hipótese, que diz ter ocorrido, de a insolvente lhe ter disponibilizado outra loja noutro local. O depoimento de DD acerca de tal negócio colide com a circunstância, inequivocamente revelada pelo depoimento da testemunha CC, contabilista certificado que procedeu à análise da escrituração da insolvente, de a transacção em causa não se encontrar aí registada nem existir justificativo documental. Ou seja, sempre perdura o enigma do porquê de, sendo ela verdadeira, qual o motivo então porque DD tê-la-á omitido à contabilidade. É certo que não se trataria de omissão imputável à autora ou a BB, mas também por banda deste e da sociedade que deteve e cujo giro a ela teria dado causa – "Moreira & Figueiredo, Lda." – tão pouco existem registos conhecidos e justificativos documentais, primeiro da aquisição do crédito sobre a insolvente, depois da sua transmissão a BB. Uma omissão de transacção envolvendo uma soma tão avultada na escrituração de uma sociedade comercial é já um enigma. Duas omissões são dois enigmas.
Seria, pois, necessário o apuramento de outros factos patrimoniais, a montante e a jusante do invocado contrato promessa, mormente fluxos de dinheiro ou outros valores, preferencialmente através do circuito bancário, para obter alguma certeza quanto à sua rastreabilidade. Em vez de o mesmo se deparar como algo nebuloso, assente apenas no relato das duas pessoas que nele intervieram, corroborado pelo indirecto conhecimento da autora, de que deu conta nas suas declarações de parte. As demais testemunhas não revelaram qualquer razão de ciência a respeito de tal negócio.”;

(iv) “A credibilidade proporcionada por tais depoimentos e declarações de modo nenhum pode ser considerada ‘a toda a prova’. É certo que a prova não pressupõe uma certeza absoluta, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» (Rev. Min. Pub. 19°, 40). Perante tais circunstâncias, impõe-se alterar a formulação dos pontos 5) e 6) sob impugnação, reduzindo-os à única matéria que resulta da prova documental (…)”.

O que levou à conclusão nuclear do acórdão recorrido:
“(…) em face da reformulação dos pontos 5) e 6) fica a dúvida, não só de saber se os intervenientes no documento particular epigrafado de "Contrato promessa de compra e venda e recibo" quiseram efectivamente vincular-se e vincular as sociedades de que se arrogavam ser representantes nos termos aí exarados, como ainda, e sobretudo, a de saber se DD tinha ainda poderes para obrigar a "Martinho Tavares – Imóveis, SA", por forma a poder concluir-se que as obrigações dele constantes foram validamente contraídas pela sociedade insolvente, constituindo agora dívidas da Massa Insolvente ré. A dúvida sobre tais factos, que são constitutivos do direito a que a A. se arroga, terá de ver-se resolvida em seu desfavor, improcedendo consequentemente a acção – arts. 342.º, n.º 1, do CCivil e 414.º do CPCivil.”

No que respeita à eliminação do ponto 10.:

(v) “No tocante à matéria do ponto 10, a que a Mma. Juíza não faz menção, por referência a quaisquer meios de prova, na motivação da sua convicção, nada mais é possível encontrar senão as declarações de BB e da própria Autora, merecendo as objecções a que supra se fez referência.”

*


Sendo o STJ um tribunal de revista, a sua competência-regra incide sobre a cognoscibilidade, em matéria de recurso, de questões de direito: arts. 674º, 3, e 682º, 2, do CPC. A eventual censura do STJ ao julgamento da matéria de facto que as partes carrearam para o processo, a fim de ancorar as pretensões submetidas à resolução jurisdicional, tem que respeitar as balizas imperativas desse art. 674º, 3, 2.ª parte. O erro na apreciação das provas e o erro na fixação dos factos materiais da causa está fora dos poderes cognitivos do STJ, como regra. Excepcionalmente, a revista pode incidir sobre o decretamento de violação de norma legal que exija prova vinculada para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, considerados como erros de direito em sede de direito probatório material a conhecer no âmbito dos poderes do STJ (ao que se acrescenta a sindicação dos limites traçados pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC para o exercício do poder de reapreciação da decisão de facto da 1.ª instância[8], a actuar de acordo com o art. 674º, 1, b), do CPC)[9]-[10].
De acordo com a Recorrente, é justamente na segunda dessas excepções que se fundaria o primeiro dos vícios do acórdão recorrido: a Relação teria descurado o valor probatório pleno do documento particular constante de fls. 10 dos autos, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo”, considerando a aplicação do art. 376º do CCiv., em conjugação com os arts. 374º, 1, e 393º, 1, do mesmo CCiv., insurgindo-se, por isso, contra a modificação da materialidade dada como provada em primeiro grau, efectuada por parte da Relação em sede de apelação.
A pretensão da Recorrente é, por isso, susceptível de apreciação pelo STJ, uma vez que traduz uma questão relativa a alegada ofensa de disposição que fixa a força de determinado meio de prova, consubstanciada no dissenso sobre a força probatória do aludido documento particular. Por isso, traz a conhecimento a conformidade do juízo inverso da Relação com as normas que disciplinam tal matéria de direito probatório material, sendo esta matéria de direito.
Vejamos.
 
O documento particular em causa está previsto como forma solene dos contratos-promessa no art. 410º do CCiv.[11]
O art. 376º, 1, do CCiv. dispõe: “O documento particular cuja autoria seja reconhecido nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”. O respectivo n.º 2 adiciona: «Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão”.
O art. 376º, 1, do CCiv. refere-se à autoria do documento reconhecida nos termos dos preceitos anteriores. Destarte, os documentos particulares devem ser assinados nos termos indicados pelo art. 373º do CCiv.; por outro lado, «a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras» e, ademais, «se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade» (art. 374º, 1 e 2, CCiv.). Isto significa que os documentos particulares assinados pelo seu autor, se não existir a impugnação a que alude o art. 374º (e também 375º, se for o caso), fazem prova plena em relação às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo, porém, da arguição e prova da sua falsidade.
Em complemento, o art. 376º, 2, do CCiv. prescreve que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante, sendo, todavia, indivisível a declaração, nos termos prescritos para a prova por confissão (convocando-se, nesse encalce, os arts. 358º e 359º, 1, CCiv.). Tal remissão implica que, desde logo, o declarante tem ao seu alcance a prova de que essa declaração não correspondeu à vontade negocial das partes ou à sua emissão livre e esclarecida. Poderá fazê-lo se invocar que a declaração foi inquinada por algum vício de consentimento ou que a sua declaração não correspondeu à sua vontade, de acordo com a aplicação do regime da confissão extra-judicial[12].
Assim sendo – os factos objecto da declaração que são contrários aos interesses do declarante apresentam-se como factos objecto de confissão e, por isso, consideram-se provados nos termos gerais da confissão –, a aplicação do regime da confissão determina um último pressuposto para a força vinculativa do documento particular: tendo em conta o prescrito pelos arts. 352º («Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.») e 358º, 2 («A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.»), do CCiv., a referida prova plena, quanto à eficácia do acto documentado, apenas ocorre nas relações inter partes (no confronto entre si dos intervenientes declarante e declaratário) e não abrange a esfera de terceiros nem lhes oponível; relativamente a estes e perante estes, a prova documental fica sujeita à livre apreciação do tribunal (como resulta da aplicação do art. 358º, 4, do CCiv.)[13].
Em suma, socorrendo-se ao resumo feito pelo Ac. do STJ de 7/5/2009, “num documento particular cuja autoria não seja colocada em causa (…), a declaração nele contida considera-se plenamente provada, na medida em que seja contrária aos interesses de quem a profere, a não ser que o declarante refira que não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada por algum vício de consentimento, o que terá que expressamente arguir. Naquela conformidade, a declaração é equiparada a uma confissão, aplicando-se-lhe o respectivo regime”[14].
*

No caso sub judice, deve entender-se que, não obstante a impugnação genérica que a Ré “Massa Insolvente” faz do documento particular no item 6.º da sua Contestação, o certo é que não impugnou especificadamente (art. 574º, 1, CPC) nem a autoria nem a assinatura do documento, não arguiu a sua falsidade (através de “prova do contrário”: art. 347º do CCiv.), nem invocou que as declarações nele constantes estavam afectadas por qualquer falta ou vício da vontade – cfr. arts. 446º e ss do CPC. Em consequência, as instâncias reconhecem que o documento é genuíno. E, por isso, estaria a porta aberta para que materialidade das declarações nele contidas fosse tida como plenamente provada.
No entanto:
Essas declarações – em especial no que tange à identidade e qualidade das partes contratantes (sociedade “Martinho Tavares” vs pessoa singular BB), à natureza do contrato formalizado, ao preço do contrato prometido, à forma de pagamento e à responsabilidade de terceiro (a sociedade “Moreira & Figueiredo, Lda.”) pelo pagamento do sinal convencionado – não se configuram desfavoráveis aos interesses dos declarantes contratantes, nomeadamente do promitente-comprador, depois cedente da sua posição contratual à aqui Autora e Recorrente; em consonância, são antes desfavoráveis aos Credores da Massa Insolvente, uma vez que o crédito invocado pela Autora, cessionária do declarante promitente-comprador, se considerado existente e garantido pelo direito de retenção, compromete a satisfação dos créditos dos demais credores. Nesta medida, o documento é livremente apreciado pelo julgador, sem compromisso com a vinculação plena do documento, tal como impõe o art. 376º, 2, do CCiv.[15], e contra o que pugna a Recorrente.
Por outro lado, as declarações proferidas pelos promitentes não podem valer perante a Massa Insolvente e perante o colectivo dos Credores da Massa Insolvente, Réus na acção de reclamação de créditos e terceiros para este efeito probatório, pois não são partes negociais contrárias (v. novamente o art. 352º do CCiv.) da promitente-vendedora, entretanto declarada insolvente. 
Em conclusão:
Tal documento particular apenas pode valer como meio de prova sujeito ao regime de livre apreciação, a ponderar no contexto das demais provas (arts. 607º, 5, 662º, 1, CPC). Razão pela qual a convicção retirada pela Relação, que fundamentou a alteração da redacção dos factos 5. e. 6. da matéria de facto considerada provada, não pode ser objecto da intervenção correctiva do STJ (quanto a existência de eventual erro por parte do tribunal recorrido) em sede de revista (art. 662º, 4, do CPC), tal como almejado pela Recorrente, improcedendo nessa parte as Conclusões 1. a 16.
*

Já quanto à eliminação do ponto 10. da matéria de facto provada, pura e simplesmente não está no âmbito de sindicação do art. 374º, 3, 2.ª parte, do CPC a reapreciação feita pela Relação. Na verdade, ao contrário do que sustenta a Recorrente (em esp. nas Conclusões 1. e 4.), a desconsideração da força probatória material do aludido documento particular não contendeu com o decidido quanto a esse ponto 10. A Relação mobilizou, nessa parcela, a prova testemunhal e as declarações de parte para infirmar o provado em primeiro grau (cfr. supra, (v), do expendido em 3.1.). Estamos, portanto, mais uma vez, em sede do princípio da liberdade da apreciação da prova, cuja actuação motivou a alteração nos termos do art. 662º, 1, do CPC, sendo esta decisão (no domínio da “prova livre”) insusceptível de recurso para o STJ nos termos do art. 662º, 4, do CPC (a não ser se fosse de controlar o uso ou não uso dos poderes do art. 662º, 2) e, portanto, impeditiva de o STJ controlar a bondade da apreciação e rever a decisão em sede de revista.

3.2. Alega depois a Recorrente que o acórdão recorrido usou de presunções judiciais para alterar a formulação dos pontos 5. e 6. (Conclusão 19.), atacando especialmente a reformulação do facto provado 6. por se ter fundado em presunção ilógica e partindo de factos não provados, ferindo com a veste da ilegitimidade o uso de tais presunções para a fixação dos factos.
A presunção consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo, provado ou conhecido (“base da presunção”), e se chega a um facto desconhecido (“facto presumido”) – art. 349º do CCiv. A presunção judicial ou de facto funda-se nas regras práticas da experiência, ou seja, nos ensinamentos decorrentes da observação (empírica) dos factos[16].
Será que, como defende a Recorrente, usou o acórdão recorrido desse método dedutivo-empírico para reformular os pontos 5. e 6. da matéria de facto provada?
Para este efeito, assume destacar a parcela da fundamentação do ac. recorrido que mais releva para o raciocínio a dissecar:
“A credibilidade proporcionada por tais depoimentos e declarações [de parte] de modo nenhum pode ser considerada "a toda a prova". É certo que a prova não pressupõe uma certeza absoluta, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (…). Perante tais circunstâncias, impõe-se alterar a formulação dos pontos 5) e 6) sob impugnação, reduzindo-os à única matéria que resulta da prova documental:

5.   “Entre DD e BB, sócio gerente da sociedade "Moreira & Figueiredo, Lda.", foi elaborado o documento de fls. 10, denominado "Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo", que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual "Martinho Tavares - Imóveis, SA" se declarou devedora à sociedade "Moreira & Figueiredo, Lda." da quantia de 69.500,00€, a título de indemnização pela desocupação de uma loja a si arrendada.”

6.    “Mais ficando desse escrito a constar que a sociedade "Moreira & Figueiredo, Lda." considerou-se paga da quantia de €69.500,00, aí referida, e que tal pagamento constituía sinal e princípio de pagamento do preço indicado em tal escrito particular.” (sublinhado nosso).
Deste modo, o tribunal da Relação julgou pouco credíveis os depoimentos testemunhais e as declarações de parte e recorreu à prova documental constante dos autos para dar corpo à inversão dos factos provados em 1.ª instância. Não usou de presunções, antes exerceu a sua liberdade de apreciação da prova – que, como concluímos, é legítima, ao abrigo do art. 607º, 5, uma vez considerado que, nomeadamente, o documento particular que formaliza o contrato-promessa a fls. 10 dos autos, não beneficia de força probatória plena e vinculativa. Ora, assim sendo, não pode aqui sindicar-se o uso das presunções judiciais – no âmbito limitado e residual em que pode ser sindicado pelo STJ, como anunciámos –, uma vez não ter sido feita a ilação de factos que, por presunção, dessem corpo à modificação dos pontos 5. e 6. Antes, estamos ainda e mais uma vez no contexto de averiguação do erro imanente à apreciação crítica da prova livre, âmbito que está vedado ao tribunal de revista, de acordo com o art. 662º, 4, em referência ao n.º 1, do CPC.
Improcedem, pois, as Conclusões 17. a 25.

3.3. Porém, alega a Recorrente, por último e em epílogo do que em grande medida antes invocara, que o acórdão recorrido é nulo, nos termos do art. 615º, 1, c), do CPC (ex vi arts. 666º, 1) – «quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível». Em especial, ataca-se uma vez mais a reformulação do ponto 6. dos Factos Provados, pois esse passo enferma de “uma clara ambiguidade ou obscuridade que tornam a decisão ininteligível, prestando-se a interpretações equívocas ou dúbias”.
Analisemos.

A lei, na prescrição de nulidade decisória com base no art. 615º, 1, c), do CPC, prevê, numa primeira hipótese, a contradição intrínseca da decisão judicial, pela circunstância de “os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem logicamente a uma conclusão oposta ou, pelo menos, diferente daquela que consta da decisão”[17].
Em segunda hipótese, a lei censura a ambiguidade e a obscuridade da decisão, que a tornam ininteligível
Pois bem.
Afirma-se no acórdão recorrido: “Do exposto resulta que o documento de fls. 10, de per si, nada prova. Em última análise, decisivo será o relevo daqueles [depoimentos prestados pelas testemunhas BB e DD] e dos demais depoimentos prestados, e das declarações de parte da autora, para a formação de uma convicção de certeza sobre a real celebração do acordo aí corporizado.
Depois – recordemos –, o acórdão recorrido acaba por se servir da prova documental para a reapreciação dos factos provados, depois de criticar a credibilidade e desvalorizar a prova testemunhal e as declarações de parte/Autora (nomeadamente quanto à celebração simulada (ou não) do contrato-promessa e à existência de indemnização de sociedade terceira com que se pagaria o sinal desse mesmo contrato-promessa): “A credibilidade proporcionada por tais depoimentos e declarações de modo nenhum pode ser considerada "a toda a prova". É certo que a prova não pressupõe uma certeza absoluta, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» (Rev. Min. Pub. 19°, 40). Perante tais circunstâncias, impõe-se alterar a formulação dos pontos 5) e 6) sob impugnação, reduzindo-os à única matéria que resulta da prova documental”.
Assim se chegou à alteração do ponto 5. da matéria de facto – passando a constar como provado “Entre DD e BB, sócio gerente da sociedade "Moreira & Figueiredo, Lda.", foi elaborado o documento de fls. 10, denominado "Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo", que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual “Martinho Tavares – Imóveis, SA” acordou com a sociedade “Moreira & Figueiredo, Lda.”, representada pelo seu sócio gerente BB, pagar-lhe a quantia de 69.500,00€, a título de indemnização pela desocupação de uma loja a si arrendada”.
E assim se concluiu pela alteração do ponto 6. da matéria de facto – passando a dar como provado “Mais ficando desse escrito a constar que a sociedade "Moreira & Figueiredo, Lda." considerou-se paga da quantia de €69.500,00, aí referida, e que tal pagamento constituía sinal e princípio de pagamento do preço indicado em tal escrito particular.
E, atenta ainda a eliminação do facto provado 10., o acórdão recorrido remata: “Em sede de aplicação do direito aos factos, atentas as modificações da factualidade provada ora introduzidas, impõe-se a inversão do sentido decisório proferido pela 1.a instância. Com efeito, em face da reformulação dos pontos 5) e 6) fica a dúvida, não só de saber se os intervenientes no documento particular epigrafado de "Contrato promessa de compra e venda e recibo" quiseram efectivamente vincular-se e vincular as sociedades de que se arrogavam ser representantes nos termos aí exarados, como ainda, e sobretudo, a de saber se DD tinha ainda poderes para obrigar a "Martinho Tavares – móveis, SA", por forma a poder concluir-se que as obrigações dele constantes foram validamente contraídas pela sociedade insolvente, constituindo agora dívidas da Massa insolvente ré. A dúvida sobre tais factos, que são constitutivos do direito a que a A. se arroga, terá de ver-se resolvida em seu desfavor, improcedendo consequentemente a acção – arts. 342.º, n.º 1, do CCivil e 414.° do CPCivil”.
             
Ora.
O CPC prevê um duplo grau de jurisdição em matéria de facto. Isso implica que a Relação, em segundo grau de julgamento da matéria de facto (art. 662º, 1 a 3, CPC), deve formar e fundamentar a sua própria convicção, ainda que não beneficie das virtualidades da imediação[18]. Para que essa nova convicção se constitua deve seguir-se o cumprimento do dever de fundamentação imposto pelos arts. 154º e 607º, 3 e 4 («Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.»), do CPC, a fim de tal decisão sobre a matéria de facto mostrar o caminho seguido para essa convicção (nomeadamente se modificativa) se estabelecer[19].
A Recorrente pode considerar que discorda do recurso à prova documental (nela também se incluindo, conceda-se, o documento que, a fls. 31, formaliza a cessão da posição contratual de promitente-comprador à Autora) e dos termos da modificação fáctica, referindo-se a composição dos novos factos, nomeadamente, à intervenção de BB nesse contrato como representante da sociedade “Moreira & Figueiredo, Lda.” e à convenção indemnizatória entre esta sociedade e a “Martinho Tavares”, assim como à assunção de pagamento pela sociedade “Moreira & Figueiredo, Lda.” (não interveniente no contrato-promessa) da quantia de 69.500,00 a título de sinal. No entanto, não se verifica contradição, ambiguidade ou obscuridade da decisão jurídica obtida perante a materialidade apurada depois de modificada e, como vimos, insusceptível de ser revista nos termos preditos.

O que se verifica é, neste ponto e novamente, inconformismo da Recorrente relativamente à valoração e ao juízo probatórios do acórdão recorrido que, aproveitando no final a “janela” de arguição de uma nulidade de decisão, a conduz a intentar por esta via a reapreciação da matéria de facto alterada. Todavia, não cabe no âmbito do recurso de revista, nos termos vistos, sindicar o modo como as instâncias julgaram a matéria de facto, dado estar em causa, essencialmente, a valoração de prova documental, testemunhal e declarações de parte. Nem se vislumbra que se tenha chegado a um resultado de subsunção jurídica incompreensível, ambíguo ou ininteligível, em virtude de esse resultado poder traduzir uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, diferente em face do raciocínio lógico anteriormente adoptado, considerados os factos adquiridos processualmente e visto o decisório in totum[20].
Se assim agora fosse de concluir como pretende a Recorrente, por último, as limitações em sede de matéria de facto que se atribuem ao STJ em sede de revista, tal como dissecadas supra, ponto 3.1., seriam mediatamente ultrapassadas, o que não se concede.
Neste âmbito, improcedem também as Conclusões 26. a 30. da revista.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista e, em conformidade, confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

STJ/Lisboa, 2 de Junho de 2020

Ricardo Costa – Relator

Maria da Assunção Raimundo

Ana Paula Boularot


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[1] Tal como se fez dogmática na jurisprudência do STJ, “é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…); e [em referência ao art. 640º, 2] um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida (…): Ac. de 20/10/2015, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, Rel. LOPES DO REGO, in www.dgsi.pt. Mais recentes: Ac. de 21/3/2019, processo n.º 3683/16.6T8CBR.C1.S2, Rel. ROSA TCHING, in www. dgsi.pt: “integram um ónus primário, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº 1 do citado art. 640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.(…) já constituirá um ónus secundário, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640º, pois tem, sobretudo, por função facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência”; Ac. de 17/12/2019, processo n.º 363/07.7TVPRT-D.P2.S1, Rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO, in www.dgsi.pt.
[2] Atenta a jurisprudência abundante do STJ sobre este regime, vejamos a título de exemplo o Ac. de 17/3/2016, Processo n.º 124/12.1TBMTJ.L1.S1, Rel. TOMÉ GOMES, in www.dgsi.pt, com sublinhados nossos, em especial para o art. 640º, 1: “O sentido e alcance destes requisitos formais de impugnação da decisão de facto devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza e estrutura da própria decisão de facto.
Assim, em primeira linha, importa ter presente que, no domínio do nosso regime recursório cível, o meio impugnatório para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida. Significa isto que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da ação, mas julgar a própria decisão recorrida.
Em segundo lugar, no que respeita à impugnação da decisão de facto, esta decisão consiste no pronunciamento que é feito, em função da prova produzida, sobre os factos alegados pelas partes ou oportuna e licitamente adquiridos no decurso da instrução e que se mostrem relevantes para a resolução do litígio. Essa decisão tem, pois, por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação.
Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal da relação tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos do n.º 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido. De resto, como é hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal, a reapreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal de 2.ª instância não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.
São portanto as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza e estrutura da decisão de facto que postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 640.º do CPC. Tal especificação pode fazer-se de diferentes modos: o mais simples, por referência aos artigos da base instrutória, quando tenha havido lugar a ela, ou aos pontos da sentença em que se encontram inseridos; ou então pela transcrição dos próprios enunciados probatórios.
Por seu turno, a indicação dos concretos meios probatórios convocáveis pelo recorrente, nos termos da alínea b) do mesmo artigo, já não respeita propriamente à delimitação do objeto do recurso, mas antes à amplitude dos meios probatórios a tomar em linha de conta, sem prejuízo, porém, dos poderes inquisitórios do tribunal de recurso de atender a meios de prova não indicados pelas partes, mas constantes dos autos ou das gravações realizadas.
Impõe-se também ao impugnante, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 640.º, o requisito formal de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Este é, pois, o método processual assumido como garantia de um julgamento equitativo das questões de facto e da legitimidade da decisão que sobre elas venha a recair, com observância dos princípios do contraditório e do tratamento igual das partes.
Por outro lado, o legislador terá sido cauteloso em não permitir a utilização abusiva ou facilitação do mecanismo-remédio de impugnação da decisão de facto. Aliás, mal se perceberia que o impugnante atacasse a decisão de facto sem ter bem presente cada um dos enunciados probatórios e os meios de prova utilizados ou a utilizar na sua fundamentação cirúrgica. Daí a cominação severa da sua imediata rejeição.”
[3] ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 640º, pág. 169.
[4] Convergente: Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, Artigos 546.º a 1085.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2015, sub art. 640º, pág. 142.
[5] ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 640º, pág. 175.
[6] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A impugnação das decisões judiciais”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 442 e ss, ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 674º, págs. 407 e ss.
[7] V. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos recursos em processo civil, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 297.
[8] Em restrição do previsto no art. 662º, 4, do CPC: v., com jurisprudência, ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, págs. 312, 313, sub art. 674º, pág. 403; ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 662º, págs. 799, 800, sub art. 674º, pág. 815.
[9] E ainda, noutra frente de excepcionalidade de tratamento da matéria de facto, o exercício da competência do art. 682º, 3, do CPC (devolução ao tribunal recorrido «quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito»).
[10] Aproveitemos a síntese esgotante elaborada no Ac. do STJ de 18/6/2019, processo n.º 745/05.9TBFIG.C1.S2, Rel. ANA PAULA BOULAROT, in www.dgsi.pt: “O Supremo Tribunal é um Tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, nº1 do artigo 674º do NCPCivil, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este Tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº 3 do artigo 674º do CPCivil, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova (…). A Revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos situações excepcionais, ou seja quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 682º, nº3 do NCPCivil.
Decorre do disposto no artigo 607º do NCPCivil que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, vinculada pois, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas, cedendo o mesmo naquelas situações vulgarmente denominadas de «prova taxada», designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, cfr. artigos 358º, 364º e 393º do CCivil.
Enquanto o princípio da prova livre permite ao julgador a plena liberdade de apreciação das provas, segundo o princípio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela Lei que lhes designam o valor e a força probatória e os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto, circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram, ou não, no caso concreto violados. Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só poderá fazê-lo – no rigor dos princípios – por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para este Órgão Jurisdicional.
Por outras palavras e em termos práticos, dir-se-á que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça, pois o que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido” (sublinhado nosso).
[11] «1 – À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. / 2 – Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral. / 3 – No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respetiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.»
[12] V. por todos PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, sub art. 376º, págs. 332, 552, 561-562.
[13] V. MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, págs. 230-232, 255, ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, nt. (1) – pág. 524.
Neste sentido, com óbvio interesse para o caso dos autos, v. os Acs. do STJ de 18/9/2018, processo n.º 1210/11.0TYVNG-D.P1.S1, Rel. JOSÉ RAINHO, em esp. a nt. (5), de 12/2/2019, processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1, tb. Rel. JOSÉ RAINHO («Estes [os terceiros] (que são todos aqueles que não são partes, sucessores ou representantes das partes no negócio jurídico em que se inserem as declarações), não participaram no ato e por isso não podem ser prejudicados pelas estipulações e declarações de vontade ou de ciência (desfavoráveis ou não) feitas pelos outorgantes, o que aliás está em linha com o princípio da relatividade dos acordos negociais (v. art. 406.º, n.º 2 do CCivil).»), e de 29/10/2019, processo n.º 1012/15.5T8VRL-AU.G1.S1, Rel. GRAÇA AMARAL, sempre in www.dgsi.pt.
[14] Processo n.º 09A0664, Rel. GARCIA CALEJO, in www.dgsi.pt.
[15] V. ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil cit., págs. 523-524.
[16] V. ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual… cit., págs. 500 e ss.
[17] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Composição da acção”, ob. cit., pág. 224.
Na jurisprudência do STJ: “(…) quebrou a necessária harmonia lógica e necessária que deve ligar os fundamentos de facto e de direito à decisão” (Ac. de 5/5/2011, processo n.º 805/06.9TBCTB.C1.S1, Rel. ORLANDO AFONSO, inédito, mas sumariado in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2011.pdf); “Este vício de nulidade, sem conexão com o erro de julgamento, é o que ocorre quando os fundamentos de facto e de direito invocados na sentença ou acórdão conduzirem logicamente a um resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório” (Ac. de 27/10/2015, processo n.º 128/06.3TBRSD.P1.S1, Rel. GREGÓRIO SILVA JESUS, inédito, mas sumariado in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel2015.pdf); “A nulidade do aresto, sustentada na contradição entre os seus fundamentos e decisão, pressupõe um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adoptada, ou seja, apenas ocorre[,] quando os fundamentos invocados pelo Tribunal deviam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo do dito acórdão” (Ac. de 22/1/2019, processo n.º 19714.4T8VVD.G1.S1, Rel. OLIVEIRA ABREU, in www.dgsi.pt).
[18] V., por ex., os Acs. do STJ de 25/11/2008, processo n.º 08A3334, Rel. NUNO CAMEIRA, e de 29/10/2013, processo n.º 1410/05.2TCSNT.L1.S1, Rel. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA, in www.dgsi.pt.
[19] V., entre outros, o Ac. do STJ de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, Rel. AZEVEDO RAMOS, in www.dgsi.pt.
[20] V. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Volume V, 3.ª ed. (reimp. 2012), Coimbra Editora, Coimbra, sub art. 668º, pág. 141, ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual… cit., págs. 689-690, AMÁNCIO FERREIRA, Manual dos recursos em processo civil cit., pág. 56.