I - O direito de requerer a destituição judicial de administradores ou gerentes de sociedades comerciais, sempre fundada em “justa causa”, promovida pela sociedade ou por sócios, está sujeito ao prazo especial de prescrição societária regulado no art. 174.º, n.º 1, al. b), do CSC («Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos: O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade.»), com recurso à extensão teleológica da norma.
II - O art. 254.º, n.º 6, do CSC («Os direitos da sociedade [por quotas] mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa atividade.»), integrado no regime da violação da obrigação de não exercício por gerente de actividade concorrente com a da sociedade (art. 254.º, n.º 1, CSC), aplica-se aos «direitos da sociedade» referidos no n.º 5 do art. 254.º, ou seja, ao direito de a sociedade pedir uma indemnização pelos prejuízos sofridos com o exercício da actividade concorrente, a exercer de acordo com os arts. 72.º e ss. do CSC, e ao direito de a sociedade destituir (neste caso com “justa causa”) o gerente violador de tal obrigação de não concorrência, recorrendo para tal ao expediente-regra da deliberação dos sócios, de acordo com o art. 257.º, n.os 1 e 6, do CSC. Nestas situações, o preceito do n.º 6 do art. 254.º oferece um prazo de prescrição que se afasta do regime geral societário do art. 174.º do CSC – portanto, um prazo especial dentro da regra societária, seja para a responsabilidade para com a sociedade do gerente lesante (tal como prevista no seu n.º 1, al. b)), seja para a destituição (mas apenas a que for) deliberada pela sociedade (pelos seus sócios), seja para a destituição requerida judicialmente pela sociedade (depois de deliberada pelos sócios) na hipótese do art. 257.º, n.º 3, do CSC (destituição de gerente com direito especial à gerência) e do art. 1055.º, n.º 5, do CPC (destituição de gerente nomeado judicialmente). Esse prazo de prescrição não se aplica às situações de destituição judicial (facultativa ou imperativa, nos termos do art. 257.º, n.os 4 e 5, do CSC) em que se atribui aos sócios quotistas a legitimidade para requerer judicialmente a destituição com justa causa dos gerentes.
III - A norma do art. 254.º, n.º 6, do CSC, atenta a sua excepcionalidade – tanto por incidir tão-só sobre um dever legal específico, ainda que irradiação do dever geral de lealdade, assim como por se referir à destituição operada por iniciativa da própria sociedade –, não é susceptível de aplicação analógica a todas as outras situações de destituição, deliberada nos termos societários comuns ou judicialmente, do gerente quotista com “justa causa”.
Revista Excepcional – Tribunal recorrido: Relação do Porto
Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. AA intentou acção de suspensão e destituição de titulares órgãos sociais, na qualidade de sócia da «Euroffuton – Indústria e Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda.», contra esta sociedade e os seus co-sócios e gerentes, BB e CC (cfr. fls. 439 e ss dos autos), pedindo a destituição de tais gerentes da gerência da sociedade Ré assim como a sua suspensão. Alegou que o gerente BB constituiu em 2013 a sociedade «Fall Asleep Matress, Unipessoal, Lda.», que tem como objecto social o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos ortopédicos, nomeadamente colchões e poltronas, da qual é, desde essa data, sócio e gerente único, mantendo-se tal sociedade activa e em franco crescimento, sendo que a sua actividade de fabrico e venda de produtos são em tudo idênticos aos da sociedade Ré. Mais invocou que a sede social corresponde à morada do gerente BB (local sem quaisquer condições para acomodar material e maquinaria necessária à produção de colchões, e sem capacidade para armazenar matérias primas), o seu contacto telefónico é o mesmo número de telemóvel que a sociedade Ré disponibilizou a BB e que os produtos da referida sociedade Fall Asleep são produzidos nas instalações da sociedade Ré. Alegou ainda que de tudo isto teve a confirmação no dia 28 de Março do ano de 2017, quando se deslocou às (novas) instalações da sociedade requerida para consulta de documentos tendentes à preparação da assembleia de prestação de contas referente ao exercício de 2016, altura em que se deparou com lonas e banners publicitários onde constava a marca Eurofutton associada à marca Fall Asleep, sendo que naquele mesmo dia solicitou e consultou os documentos de suporte às contas de 22 dos principais fornecedores da sociedade Ré, tendo-se apercebido que a dita Sociedade Fall Asleep era uma das principais fornecedoras no ano de 2016, e também era credora de € 17.470,92, assim concluindo que BB, com a concordância de CC, criou na sociedade Ré uma necessidade que esta não tinha e, em paralelo, apresentou a solução, beneficiando directamente esta empresa fornecedora, da qual este é o único sócio e gerente.
2. O Juiz 3 do Juízo de Comércio de ... do Tribunal Judicial da Comarca do … proferiu decisão de indeferimento do pedido de imediata suspensão dos gerentes requeridos – cfr. fls. 163-172.
3. Citados os requeridos, apresentaram a sua Contestação a fls. 176 e ss, excepcionando a prescrição, nos termos do preceituado no art. 254º, 6, do CSC. Sustentaram para o efeito que o direito à destituição como gerentes da sociedade dos requeridos BB e CC entronca directamente na pretensa violação do dever de lealdade e de proibição de concorrência. Considerando que desde a data da constituição da sociedade Fall Asleep Matress, em 24/10/2013, todos os três sócios da sociedade Ré Eurofutton têm conhecimento da sua existência e do motivo da sua constituição, o mesmo sucedendo com os anteriores sócios da sociedade, e ainda que a Fall Asleep Matress tem vindo a fornecer bens à Ré desde a sua constituição, o alegado direito à destituição dos gerentes já estava prescrito quando a A. intentou a presente demanda em 5/7/2017. Impugnaram de facto e de direito (arts. 64º e 254º do CSC) para fundarem a improcedência da acção e pediram a condenação da Autora em litigância de má fé.
Apresentou a Autora a sua Resposta a fls. 418 e ss: a acção não se centra numa simples questão de concorrência desleal, e sim de algo bem mais insidioso, a saber, a existência de um plano concertado de dois sócios gerentes (irmãos) que, à revelia da outra sócia (a Autora), empreenderam um conjunto de condutas que mais não visam que a desertificação da sociedade Ré em prol de uma outra sociedade através do expediente de instrumentalizar a Ré e a sua marca em prol da sociedade Fall Asleep Matress; não subsiste a invocada prescrição, pois não se aplica o art. 254º, 6, a não ser a “condutas concorrenciais”, quando o que se verifica é uma “violação transversal do dever de lealdade”, e o prazo sempre será o de 5 anos a contar da constituição da sociedade Fall Asleep Matress (e não o de 90 dias, que, mesmo assim, estaria cumprido a contar do acto dos requeridos traduzido na presença nas feiras de Março que terminaram a 25/4/2017, sendo a acção intentada no início de Julho); rebatem as imputações de abuso de direito e de litigância de má fé; concluem com a condenação integral no pedido pela improcedência da excepção e a procedência da acção por provada.
4. Tramitada a instância, foi proferida sentença em 7/12/2018 (fls. 455 e ss), julgando “verificada a excepção de prescrição do direito da autora pretendido fazer valer nestes autos, invocada pelos requeridos e estabelecida no art. 254.º, n.º 6, do CSC”, e, consequentemente, absolveu os requeridos do pedido.
Foi fixado o valor da causa coincidente com o valor indicado na petição inicial: € 30.000,01.
5. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto visando revogar a sentença recorrida. Identificando-se como questão decidenda “saber se o direito à destituição dos gerentes da sociedade Eurofutton se encontra prescrito” e, em caso afirmativo, “se se deve conhecer da questão da interrupção da prescrição”. Por acórdão proferido em 4/6/2019, o TRP julgou a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida (rejeitou a pretensão de afastar a prescrição do direito que a Autora apelante pretendia exercer e não se conheceu da questão da interrupção da prescrição).
6. Mostrando que não se resignara ao veredicto da 2.ª instância, a Autora interpôs revista excepcional para o STJ, invocando para sua admissibilidade a al. a) do art. 672º, 1, do CPC («questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito»). As Recorridas apresentaram contra-alegações a fls. 583 e ss.
Por acórdão proferido em 27/11/2019 (fls. 604 e ss), a Formação do STJ a que alude o art. 672º, 3, do CPC, julgou previamente não ser de aplicar o art. 988º, 2, do CPC e decidiu a admissibilidade da revista excepcional tendo em vista a apreciação da questão do prazo de prescrição aplicável à destituição operada por via da acção judicial intentada pela Autora e Recorrente.
7. Nas suas alegações de recurso, merecem a transcrição pelo relevo impugnatório para a questão identificada na decisão de admissibilidade, as seguintes Conclusões:
“XXV – A questão de elevada complexidade entronca-se em saber qual é o prazo de prescrição para a destituição de um gerente pela violação do dever de lealdade.
XXVI – Há autores que, através de um olhar demasiado simplista e desprovidos de um certo rigor técnico-jurídico, referem que o prazo para destituir um gerente, com base na violação do dever de lealdade, é de 90 dias, aplicando o artigo relativo à violação da obrigação de não concorrência, presente no artigo 254.º, n.º 6 CSC.
XXVII – O próprio Supremo Tribunal de Justiça já entendeu, como nós também já entendemos, que o prazo a aplicar seria o prazo geral de 20 anos, previsto no artigo 309.º CC.
XXVIII – Há ainda, como é do nosso entendimento, quem proclame que o prazo é de 5 anos, por aplicação da regra geral prevista no artigo 174.º CSC.
XXIX – Submete, assim, a Autora a presente questão à apreciação do Douto Supremo
Tribunal de Justiça, tendo em vista a sua tarefa uniformizadora.
(…)
XXXVIII – Na verdade, a Recorrente não se conforma com o Acórdão recorrido que julgou a excepção de prescrição como procedente.
XXXIX- Desde logo, porque a correcta consideração dos elementos de Direito deveria ter levado o Tribunal a quo a alcançar, inexoravelmente, conclusão diversa, maxime de QUE NÃO ESTAVA VERIFICADA A EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DE PRESCRIÇÃO, estando igualmente obrigados a pronunciar-se sobre a interrupção da referida prescrição.
(…)
LXIV – Acresce que, afirmou o Tribunal de Primeira Instância que:
“No caso dos autos, adquire especial relevo o “dever de lealdade”, pois que, não temos dúvidas de que, a atermo-nos ao pedido deduzido nos autos – o de serem destituídos por justa causa os gerentes BB e CC – é na específica violação desse dever por banda dos mencionados gerentes, que a autora entronca e justifica o pedido em causa”.
LXV – Acontece que, mesmo assim, incoerentemente, decidiu o Tribunal que estava verificado o prazo prescricional de 90 dias, uma vez que como é referido na respectiva sentença: “o preceituado no artigo 254.º, nº 6 CSC tem plena aplicação em casos como o presente”.
LXVI – De igual forma decidiu o Tribunal da Relação do Porto, concluindo no respectivo acórdão que “o prazo de prescrição aplicável à destituição de um gerente é de 90 dias, mesmo em situações que não reconduzam à violação do dever de não concorrência”.
LXVII – Extrai-se dos factos alegados pela Autora que está em causa a violação do dever de lealdade lato sensu, e não apenas a violação do dever de não-concorrência.
LXVIII – Fala-se, e provou-se, num comportamento concertado de dois sócios e gerentes, irmãos, que à revelia da outra sócia a quem tudo fizeram para retirar a sociedade Ré, empreenderam um conjunto de condutas que mais não visam que a desertificação da sociedade Ré em prol e uma outra sociedade através do expediente obvio de instrumentalizar a sociedade Ré e a sua marca em prol da sociedade Fall asleep matress, Unipessoal, Lda.
LXIX – O que, como é evidente, vai muito além da definição de concorrência que se
prende com o desvio de clientela.
LXX – Neste âmbito não conseguimos perceber a linha de raciocínio que os Ex.mos Juízes seguiram ao decidir pela aplicabilidade do artigo 254.º CSC.
LXXI – Será necessário ter em conta que, o gerente de uma sociedade é a figura jurídica que tem a função de administrar a sociedade, isto é, atingir a finalidade pelo qual foi constituída a sociedade.
LXXII – Sempre se refira que, nos sistemas do civil law, como o nosso, o dever de lealdade está positivado, sendo consagrado entre nós no art. 64º, n.º 1, b) do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
LXXIII – A doutrina salienta que “lealdade” assenta numa relação de confiança baseada na previsibilidade da conduta e na correcção desta própria conduta pelo administrador.
LXXIV – Isto é, o dever de lealdade fundamenta-se no Princípio da boa-fé e no Princípio da confiança, ambos claramente violados no caso sub judice.
LXXV– Estando em causa a violação do dever de lealdade, a Doutrina afirma que, uma vez expostos os actos limitativos do dever de lealdade, procede-se ao estudo do instituto da responsabilidade civil, pelo menos de modo objectivo, decorrente da infracção destes actos.
LXXVI – Ora, nos termos do art. 72º, n.º 1 do CSC, a violação do dever lealdade, nomeadamente, do dever de não concorrência e da não apropriação de oportunidades de negócios gera duas consequências para o gerente ou administrador, nomeadamente através da obrigação de indemnizar a sociedade pelos prejuízos sofridos decorrentes do ato praticado – nos termos da responsabilidade contratual (art. 799º CC português), ou recorrendo à destituição do gerente ou administrador por justa causa (art. 254º, n.º 5 do CSC).
LXXVII – Veja-se que, seguindo a lógica dos Exmos. Juízes, o legislador estabeleceu dois prazos diferentes para a violação da mesma norma.
LXXVIII – Na verdade, não se alcança qual é o motivo subjacente à aplicação de dois prazos tão díspares, para a violação da mesma norma (o artigo 64.º b) CSC), nem tal construção jurídica faz sentido.
LXXIX – O artigo 254.º CSC trata-se, de facto, de uma norma especial, mas é quanto à violação do dever de não concorrência, esgotando a sua amplitude ali.
LXXX – Portanto, o artigo 254.º CSC não se configura como uma norma especial em relação ao dever de lealdade, não sendo por isso de aplicar no presente caso.
LXXXI – Muito menos conseguimos chegar a essa solução através do mero silogismo judiciário, isto é, sendo a premissa maior representada pela norma e a premissa menor representada pela situação concreta, podemos concluir que a situação concreta não é subsumível na previsão da norma, e como tal não podemos concluir pela consequência jurídica prescrita na estatuição da norma.
LXXXII – Assim, também não será possível recorrer à analogia, uma vez que para recorrer à analogia terá de existir uma lacuna, coisa que, diga-se, desde já, não existe.
LXXXIII – Existe uma lacuna jurídica (caso omisso) quando uma determinada situação, merecedora de tutela jurídica, não se encontra prevista na Lei.
LXXXIV– In casu, não encontramos nenhuma lacuna no sistema quanto ao prazo de que os sócios ou a sociedade dispõe para exercer o seu direito contra o gerente que violou os deveres de lealdade a que estava adstrito, uma vez que o legislador estipulou um prazo geral no artigo 174.º CSC.
LXXXV – Esta norma configura-se como uma norma de carácter geral, constituindo o direito regra para o sector das relações que regula, que é precisamente os direitos da sociedade contra os gerentes.
LXXXVI – Conforme se extrai do exposto, não havendo nenhuma norma de carácter especial para aplicar à violação do dever de lealdade, será de aplicar a norma geral.
LXXXVII – Motivo pelo qual, o prazo de prescrição do Direito da Autora deverá ser de 5 anos, uma vez que em casos como os da violação do dever do dever de lealdade, os sócios deverão ter um prazo alargado, para que seja possível delimitar com precisão a actuação do gerente, que pela sua relação de confiança que estabeleceu com a sociedade viola as suas incumbências de actuar no interesse da sociedade, agindo em seu próprio interesse.
LXXXVIII – Face ao exposto, o Tribunal a quo não deveria ter concluído que o direito da Autora se encontrava prescrito, uma vez que o prazo de prescrição a aplicar seria o prazo de 5 anos previstos no supra mencionado artigo.
LXXXIX – Quando muito seria ainda possível considerar que o prazo para destituição dos gerentes seria o prazo geral de 20 anos previsto no artigo 309.º CC, mas nunca o prazo previsto no artigo 254.º, n.º 6 CSC.
XC – Veja-se a este respeito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07 de Outubro de 2003: “Quer isto dizer, que a sociedade não está obrigada a obedecer a qualquer prazo especial para o exercício do seu direito de exclusão de sócio. Terá de ter em conta tão só o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no art. 309º do C. Civil, como bem se decidiu no acórdão recorrido”.
XCI – Continua o mesmo acórdão referindo que “não é de aplicar, por analogia, um
prazo especial instituído para outra situação jurídica, como seja, o prazo para o exercício do direito de destituição de gerente”.
XCII – O douto Tribunal, com a sapiência que lhe é reconhecida, facilmente detectará o plano concertado pelo gerente, aqui em causa, e pelo seu irmão em tornar a sociedade Ré fantasma em prol de uma nova sociedade.
XCIII – Portanto, o Supremo Tribunal de Justiça terá que ir mais além, ultrapassando a mera obrigação de não concorrência advindo à violação do dever de lealdade tout court.
XCIV – Chegando à conclusão de que o direito da Autora não se encontrava prescrito.
XCV – Apresenta ainda a Autora uma hipótese subsidiária, mas plausível, caso se considere (ainda que erroneamente) que seria de aplicar o prazo previsto no artigo 254.º CSC, por se tratar de uma espécie concreta de concorrência, nomeadamente concorrência parasitária.
XCVI – Relembrando que parasita “é aquele que vive à custa alheia, como acontece, precisamente, nos presentes autos”, sendo o que imita não só uma marca, mas todo um sistema de trabalho, tirando proveito dos estudos, das despesas de preparação e da experiência do concorrente.
XCVII – Não é um acto isolado, mas uma cadeia de actos coordenados entre si, que examinados no seu conjunto, são a expressão de uma finalidade ilícita, que ao realizar-se é susceptível de prejudicar um concorrente.
XCVIII – Note-se que, a concorrência parasitária tem sido considerada como um acto contínuo e, portanto, o prazo de prescrição conta-se a partir da cessação do acto proibido.
XCIX – Quanto a este critério, podemos classificar a obrigação de não concorrência como sendo de realização continuada e prolongada no tempo.
C – Ou seja, para início da contagem do prazo de prescrição, in casu, seria necessário
que tivesse ocorrido a cessação do facto proibido, como é regra nos factos continuados.
CI – Mutatis mutandis, tanto a doutrina como a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça são unânimes em afirmar, sem qualquer hesitação que, estando em causa um crime continuado, o prazo da prescrição do procedimento criminal só corre depois da prática do último acto.
CII – Ou seja, a prescrição ainda não havia ocorrido à data da entrada da peça em juízo.
CIII – Contando-se o prazo prescricional a partir do último acto praticado pelos réus, ou seja, a partir da sua presença nas feiras de Março que terminaram a 25 de Abril de 2017, sempre se diga que a presente acção é tempestiva.
CIV – A Autora dispunha até ao dia 25 de Julho para intentar a competente acção, e
fê-lo a 5 de Julho, portanto, a tempo.
CV – Tendo que concluir que, estando em causa este tipo específico de concorrência parasitária, a Autora encontrava-se em prazo de tempo razoável para o exercício do seu respectivo direito.
CVI – Se a referida tese não colher, sempre se deverá considerar o presente caso incluído na segunda parte do artigo 254.º, n.º 6 CSC, sendo forçoso considerar a aplicabilidade do prazo de 5 anos, a contar do início da actividade concorrente, sendo a presente acção tempestiva.
CVII – Em jeito de conclusão, pode afirmar-se que, quer seguindo uma tese, quer seguindo outra, a presente acção sempre se terá que considerar como procedente, não estando o direito desta prescrito.”
Em outra parcela das Conclusões, a Recorrente ainda alega:
“XLI – Acontece que temos de fazer, nesta sede, um pequeno parêntese quanto a uma nulidade processual que se vislumbrou, quer em sede de 1ª instância, quer em sede da Relação.
XLII – A verdade é que a Autora, depois de ter sido notificada da contestação, exerceu sponte sua o contraditório, respondendo à contestação apresentada pelos Réus.
XLIII – Nesse requerimento argumentou o seguinte:
d) Da irrelevância da base factual invocada pelos Réus;
e) De que não será de equacionar a operacionalização da prescrição prevista no n.º 6 do artigo 254.º CSC, que se aplica somente às condutas concorrenciais;
f) Apresentando ainda a Autora um argumento subsidiário, o qual ostenta na possibilidade (ainda que errada) de se entender que será de aplicar ao presente caso o artigo 254.º, n.º 6 CSC, onde se engloba a interrupção da prescrição.
XLIV – Apresentou, ainda, a Autora um esquema das ações, quer no plano endógeno
quer no plano exógeno, demonstrando, de forma clara e perceptível, que pretendeu fazer valer, por diversas formas, o seu direito.
XLV – Ora, toda esta argumentação mais não configura do que a alegação plena da
interrupção da prescrição.
XLVI – Assim, deverá ser entendido que a Autora já tinha referido a contra excepção
de interrupção de prescrição no supra referido Requerimento.
XLVII – Não sendo, portanto, verdade que surge ex novo esta contra excepção nas alegações de recurso, conforme é invocado nas contra-alegações dos Réus.
XLVIII – É tão verdade que até o próprio Tribunal de 1ª instância, na sua lista de factos consolidados, engloba nos factos dados como provados o preciso requerimento que interrompe a prescrição.
XLIX – Note-se que a Autora nunca foi notificada pelo Tribunal para responder à excepção invocada pelos Réus, cumprindo, por sua livre e espontânea vontade, o contraditório.
L – Mediante recepção da contestação dos réus onde estes se defendem por excepção peremptória, aqui prescrição, deveria o Tribunal ter notificado a Autora, para que esta, exercendo o contraditório, se pudesse defender do laivo criativo dos Réus em alterar o foco essencial de toda esta questão.
LI – Veja-se, a este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 2016, correspondente [ao] processo n.º 1937/15.8T8BCL.S1:“sendo deduzida na contestação defesa por excepção, não é admitido articulado de réplica (art. 584º, nº 1); por isso, a não ser que o juiz determine o contraditório antecipado, ao abrigo do princípio da adequação formal (art. 547º), a resposta às excepções suscitadas pelo réu deve ser exercida na audiência prévia, nos termos dos arts. 3º, nº 4, e 591º, nº 1, do CPC".
LII – Se [se] viesse a entender que a resposta à excepção não devia ter tido lugar nesse acto, nem por isso lhe poderia restringir o exercício dessa possibilidade, como devia ter feito, na audiência prévia.
LIII – O que não o fazendo acabou por coarctar a Autora na sua prova quanto à interrupção da prescrição.
LIV – Trata-se, necessariamente, de uma das actuações do Princípio do contraditório, sendo este a trave-mestra do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
LV – Sublinhe-se ainda que a alegada interrupção da prescrição, no caso sub judice, fez-se valer com o Requerimento Cautelar, de carácter urgente, apresentado no dia 18 de Abril de 2017, em sede do processo nº 3645/15.0T8STS, ao abrigo do estipulado nos artigos 1050.º e 1055.º do Código de Processo Civil, onde a Autora requereu que fosse decretada a suspensão da actual gerência, e como tal deveria ficar a gestão da sociedade Ré a cargo de um perito nomeado pelo Tribunal.
LVI – É bom de ver que a interrupção da prescrição estaria sempre verificada no caso em apreço, tal e qual como foi alegado no requerimento de resposta à excepção e, novamente, nas respectivas alegações de recuso de apelação.
LVII – Note-se que, a correlatividade entre o ónus de concentração e a preclusão significa que, sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado, mas também exprime que a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração.
LVIII – Se não for imposto à parte nenhum ónus de concentração, então a parte pode escolher o facto que pretende alegar para obter um determinado efeito e, caso não o consiga obter, pode alegar posteriormente um facto distinto para procurar conseguir com base nele aquele efeito.
LIX – Ao contrário do que referem os Réus, a Autora nunca foi convidada para responder às excepções, não se encontrando vinculada ao ónus de concentração.
LX – Ora, o juiz tem que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de omissão de pronúncia.
LXI – Não o fazendo, levará a uma nulidade processual, presente no artigo 615.º d) CPC.
LXII – O Tribunal deixou de dar resposta a uma questão que lhe foi colocada, silenciando-se na sua decisão.
LXIII – Como corolário do exposto, deverá o douto Tribunal determinar que o acórdão do Tribunal do Porto seja substituído por outro em que se determine a apreciação da interrupção da prescrição.”
Os Requeridos apresentaram contra-alegações, batendo-se pela inadmissibilidade do recurso e, se admitido, falta de provimento.
II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO
1. Admissibilidade e objecto do recurso
1.1. Estamos perante um processo de jurisdição voluntária (arts. 986º-988º, 1055º, CPC), que chegou à 2.ª instância em sede de apelação.
O art. 988º, 2, do CPC determina: «Das resoluções proferidas [nos processos de jurisdição voluntária] segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.» Esta é uma norma específica que estabelece a exclusão do acesso ao terceiro grau de jurisdição, sempre que a decisão seja tomada segundo critérios de conveniência ou oportunidade. Assim, pela sua própria natureza, as decisões que assentam nestes critérios não são suscetíveis de recurso de revista, pois, nos termos dos arts. 671º e 674º do CPC, este é um recurso que, em regra, só conhece de direito. A revista já será, todavia, admissível quando (verificados os requisitos gerais de recorribilidade) a decisão seja tomada segundo critérios de legalidade estrita.
Ora, no caso, não vale o impedimento recursório descrito no preceito, uma vez que é claro e manifesto que o julgador se encontra vinculado a critérios de legalidade quando aferiu o prazo de prescrição do direito de requerer judicialmente a destituição com “justa causa” de gerentes de uma sociedade por quotas e, com esse juízo, absolveu os requeridos do pedido.
1.2. Estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade (art. 629º, 1, CPC) e foi admitido o recurso de revista excepcional pela Formação a que alude o art. 672º, 3, do CPC de acordo com o fundamento previsto no art. 672º, 1, a), do CPC.
1.3. Tendo por fundamento, em primeira e decisiva linha, a delimitação traçada pelo acórdão da Formação do STJ de apreciação preliminar sumária, que baliza, nos termos do art. 672º, 1, do CPC, o âmbito dos poderes cognitivos para julgamento do recurso, assistida pelas Conclusões da Recorrente (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1, CPC), a questão a apreciar é a determinação do prazo de prescrição a aplicar ao direito de requerer a destituição, operado judicialmente por sócio de sociedade por quotas contra os seus gerentes.
1.4. Para além do fundamento principal da revista excepcional, a Recorrente veio alegar a nulidade do acórdão recorrido, tendo por fundamento a al. d) do art. 615º, 1 (omissão de pronúncia sobre a questão da “interrupção da prescrição”: v. Conclusão LX. a LXIII.), aplicável por força do art. 666º, 1, e 674º, 1, c), sempre do CPC.
O art. 615º, 4, do CPC, aplicável por força do art. 666º, 1, do CPC, estatui que «[a]s nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades». O que implica que, uma vez convocado o art. 674º, 1, c), do CPC, essa arguição não é admitida autonomamente se não for admissível recurso ordinário, em termos gerais, e, se for pela ocorrência de dupla conforme que tal recurso não se admite, só será admissível suscitar, acessoriamente, a questão de nulidade decisória como fundamento do recurso de revista se este recurso for também admissível a título especial (arts. 671º, 3, 1.ª parte, 629º, 2, CPC) ou de revista excepcional (art. 672º, 1, 3, CPC)[1].
Tendo sido interposta e admitida revista a título excepcional, está preenchido o pressuposto legal para o conhecimento da referida nulidade no âmbito do objecto recursivo, o que se fará com prioridade.
2. Factualidade
Foram considerados pelas instâncias os seguintes factos (de acordo com a valoração probatória feita tendo por base “acordo das partes, posição assumida pelas partes nos articulados e prova documental produzida”):
a) A autora AA intentou a presente acção de destituição de órgãos sociais, na qualidade de sócia da “Euroffuton – Indústria e Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda.”, contra a referida sociedade e seus dois gerentes BB e CC, pedindo que fossem estes destituídos da gerência da ré, com as legais consequências, alegando, para tanto, que o sócio gerente BB criou em 2013 a sociedade Fall Asleep Matress, Unipessoal, Lda., que possui como objecto social o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos ortopédicos, nomeadamente colchões e poltronas, da qual, desde aquela, data é sócio e gerente único, e que esta sociedade se mantém activa e em franco crescimento, sendo que o seu escopo o fabrico e venda de produtos em tudo idênticos aos da sociedade ré, a sua sede corresponde à morada do gerente BB (local sem quaisquer condições para acomodar material e maquinaria necessária à produção de colchões, e sem capacidade para armazenar matérias primas), e cujo contacto telefónico ínsito no site da empresa é o mesmo que o número do telemóvel que a sociedade ré disponibilizou a BB, os produtos da referida sociedade Fall Asleep são produzidos nas instalações da sociedade ré;
b) Mais alegou que de tudo isto teve a confirmação no dia 28 de Março do ano de 2017, quando se deslocou às (novas) instalações da sociedade requerida para consulta de documentos tendentes à preparação da Assembleia de Prestação de Contas referente ao exercício de 2016, altura em que se deparou com lonas e banners publicitários onde constava a marca “Eurofutton” associada à marca “Fall Asleep”, sendo que naquele mesmo dia solicitou e consultou os documentos suporte às contas 22 dos principais fornecedores da Sociedade Ré, tendo-se apercebido que a dita Sociedade Fall Asleep era uma das principais fornecedoras da Sociedade ré no ano de 2016, e também era credora de € 17.470,92, assim concluindo que BB, com a concordância de CC, criou na sociedade ré uma necessidade que esta não tinha e, em paralelo, apresentou a solução, beneficiando directamente esta empresa fornecedora, da qual este é o único sócio e gerente;
c) Corre termos no J2 desta Instância Central do Comércio, acção de inquérito judicial com o n.º 3645/15.0T8STS, no âmbito da qual, a ali também autora, AA, em resposta à contestação apresentada pela ali (também) ré – a sociedade Eurofutton –, que deu entrada em juízo a 06.01.2016, nos seus arts. 53.º e 57.º de tal peça processual, alude concretamente à circunstância de um dos sócios e gerentes da ré deter em seu nome individual uma empresa que se dedica não só à venda de colchões, como também ao seu fabrico, a saber, a sociedade Fall Asleep Matress, Unipessoal, Lda., com o NUIPC 000 000 000, sediada na ...;
d) No âmbito da acção identificada na alínea anterior, por requerimento dado entrada pela autora AA em 16.05.2016, esta alega que «um dos clientes da sociedade ré é a sociedade Fall Asleep Matress Unipessoal, Lda., sendo o seu sócio único o Sr. BB, que tem como objecto social o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos ortopédicos, nomeadamente colchões e poltronas» e que «o pretenso papel de apoio desempenhado pela empresa Fall Asleep Matress mais não é do que uma falsidade (…) pese embora a empresa publicitar no seu site (wwwfallasleep.pt) que comercializa produtos de fabrico próprio, a verdade é que, de acordo com o relatório ora junto não foi possível apurar a localização das instalações fabris desta entidade», e que «resulta da informação apurada que 90% das vendas da Sociedade Ré no ano de 2014 concentraram-se em 15 clientes, entre eles a empresa Fall Asleep Matress (…) tendo a sociedade ré, em 2014, vendido àquela produtos no valor de € 13.963,82. Curioso como uma empresa que segundo a ré é uma mera muleta para o seu crescimento lhe adquira produtos no valor de mais de treze mil euros.», e ainda que «(…)veja-se os roll ups que se encontram nas instalações da ré e que aqui se reproduzem: (fotos)(…) Com efeito, não só as instalações da ré são abusivamente utilizadas para a produção de produtos de uma sua concorrente directa, como também, assiste-se à utilização da marca Eurofutton associada ao nome Fall Asleep Matress por forma a engrandecer esta última. (…) Na verdade, a empresa aqui em apreço é uma concorrente directa da Sociedade Ré, comercializando produtos idênticos que produz nas instalações da Sociedade ré, visando unicamente o engrandecimento patrimonial do sócio gerente BB a expensas da sociedade ré, e claro está, dos seus sócios. Sendo ainda pouco crível que tal conduta desleal e abusiva seja carreada à revelia do seu irmão CC», tudo conforme teor do documento junto a fls. 372 a 379 dos autos, que aqui se dá por reproduzido;
e) Ainda no âmbito da acção aludida em c) – inquérito judicial à sociedade – por articulado ali junto pela autora AA em 09.09.2016, esta expõe que “(…) não obstante a tese que a sociedade ré e os réus, seus gerentes, pretendem perpassar, a realidade, porém, é que existe uma promiscuidade comercial entre a Sociedade ré e a empresa Fall Asleep Matress que poderá culminar num esvaziar da sociedade ré em detrimento daquela (…) com efeito, estamos perante uma empresa concorrente da sociedade ré que opera no mesmo mercado vendendo o mesmo tipo de produto, não ocupando, como larga e falsamente propalado pela Sociedade Ré uma mera posição de assistência (…) somente por ingenuidade se poderia crer que o plano dos réus não passará por, em maior ou menor medida, transladar os activos da sociedade ré para a empresa Fall Asleep Matress”, tudo como flui do teor do documento de fls. 380 a 393, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, para os devidos efeitos;
f) Corre termos sob o n.º 229/16.0T8PVZ, no Juízo Central Cível da ... (J5), acção instaurada pela autora AA contra a aqui ré Eurofutton, pedindo que se declare a condenação da ré ao pagamento de € 94.000,00 a título de indemnização por inexistência de justa causa para a deliberada destituição da ali autora, referente à perda de proventos da gerência e danos não patrimoniais, que ali deu entrada aos 17.02.2016, constando da referida peça processual (petição inicial), mais precisamente dos seus artigos 138.º e ss., concreta alusão à circunstância de a ali autora não ser a única dos sócios a ter ligações com outra pessoa colectiva de objecto social idêntico, mais ali se referindo que tal sociedade (Fall Asleep) tem como objecto social o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos ortopédicos, nomeadamente colchões e poltronas, que a sede de tal sociedade corresponde à morada de habitação do sócio e gerente BB; que a produção da Fall Asleep é carreada pelo sócio e gerente BB nas instalações da ré Eurofuttom, conforme comprovou pelas ordens de produção que a autora logrou recolher nas instalações da ré (ordens de produção quirografadas redigidas pelo sócio e gerente BB que ali fez juntar), facto que referiu ser notório, atenta a quantidade de materiais da empresa Fall Asleep – tais como tecidos, etiquetas, cartões de contacto, até mesmo colchões – na sede da ré Eurofutton, tudo como flui do teor de fls. 222 a 272, que aqui se dá por reproduzido;
g) No âmbito do processo aludido na alínea anterior, através de requerimento ali dado entrada pela autora AA no dia 18.04.2016, esta declarou que a ré vem justificar a criação da empresa Fall Asleep como um mecanismo de fuga aos credores, segundo transpira da explanação produzida (…), a verdade é que (…) esta nova empresa iria paulatinamente esvaziando a sociedade ré de património e de clientes por forma a promover a dissolução desta última, extinguindo quaisquer obrigações que sobre ela impendessem, tudo como flui do teor do documento de fls. 353 a 371 dos autos, que aqui se dá por reproduzido;
h) Corre termos processo judicial com o n.º 121/16.8YHLSB, no 1.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual, acção instaurada pela autora AA, em 04.04.2016, contra a também aqui ré Eurofutton, pedindo que a ré seja condenada a não usar, imitar ou usurpar, seja de que forma for, a marca nacional n.º 433587 Eurofutton ou qualquer expressão similar confundível com aquela, e a não praticar quaisquer actos de concorrência desleal, nomeadamente a prática de qualquer acto que permita associar a marca “Eurofutton” à sua pessoa e às actividades que promove e desenvolve, e, ainda, ser anulada a firma da ré e a parte do seu contrato social que a insere, sendo que nesta demanda, mais precisamente nos artigos 34.º e ss. da petição inicial, a autora AA refere que o sócio e gerente BB é o sócio único de uma pessoa colectiva unipessoal denominada Fall Asleep Matress Unipessoal, Lda., com sede que coincide com a morada daquele sócio gerente, com objecto social que se identifica com o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos ortopédicos, nomeadamente colchões e poltronas, (…) que esta produção é carreada pelo sócio e gerente BB nas instalações da ré (…) e que o sócio e gerente BB compra matérias-primas através da sua Sociedade Unipessoal, vendendo-as de seguida à ré Eurofutton, tudo conforme teor de fls. 274 a 285 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, para os devidos efeitos;
i) No âmbito do processo referido em c), a autora AA, por requerimento ali dado entrada em 18.04.2017, dá conta de se ter deslocado à sede da Sociedade ré no dia 28.03.2017, para consulta de documentos de preparação da assembleia geral e que foi surpreendida com a presença de algumas lonas e banners onde figurava a marca e firma Eurofutton associada à firma/marca Fall Asleep (…) tornando-se por demais evidente que os sócios gerentes BB e CC, num esforço concertado, estão a engradecer a sociedade Fall Asleep Matress a expensas da Eurofutton. Se dúvidas restarem estas rapidamente se dissipam quando se analisa a conta 22 da sociedade ré (…), ali requerendo que ao abrigo do disposto no art.1050.º e 1055.º do CPC, fosse suspensa a actual gerência, pretensão que ali foi indeferida, tudo conforme teor de fls. 394 a 405, e cópia certificada de fls. 159 a 161, que aqui se dá por reproduzido;
j) A presente acção deu entrada em juízo em 05.07.2017;
k) A sociedade Fall Asleep Matress foi constituída em 24.10.2013, tendo como único sócio e gerente BB, sendo que este facto é do conhecimento do sócio CC desde então;
l) Por deliberação dos sócios, em assembleia geral de 11.09.2015, a autora foi destituída de gerente da sociedade ré – funções que desempenhava desde Abril de 2010 –, por invocada justa causa;
m) A sociedade ré, tem actualmente, como sócios a autora AA e os réus BB e CC, sendo estes últimos seus gerentes (desde 2009).
Com interesse para a causa (art. 986º, 2, CPC), adicione-se:
— Na Resposta à Contestação dos Requeridos, a Autora alegou que a acção se centra na existência de um plano concertado de dois sócios gerentes (irmãos) que, à revelia da outra sócia (a Autora), empreenderam um conjunto de condutas que mais não visam que a desertificação da sociedade Ré em prol de uma outra sociedade através do expediente de instrumentalizar a Ré e a sua marca em prol da sociedade Fall Asleep Matress.
3. O direito aplicável
3.1. Da nulidade do acórdão recorrido invocada ao abrigo do art. 615º, 1, d), CSC
3.1.1. O art. 615º, 1, d), do CPC prescreve com a nulidade a decisão em que o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. Esta nulidade decorre da exigência prescrita no n.º 2 do artigo 608º do CPC, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Este ónus processual implica, como corolário do “princípio da disponibilidade objectiva” (traduzido no art. 5º do CPC/2013), que “o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões”[2]. Essa nulidade do art. 615º serve, por isso, de cominação para o desrespeito do art. 608º, 2.
O ónus processual de decisão, em sede de recurso, fica cumprido se ficarem apreciadas a questão ou questões delimitadas em concreto nas Conclusões das alegações recursivas (arts. 639º e 640º do CPC) e no próprio requerimento de interposição do recurso (art. 635º, 2, CPC); não se encontra violado se não são apreciados e/ou discutidos todos os argumentos, considerações, motivos, pressupostos, juízos de valores ou raciocínios utilizados pelas partes e/ou tribunal recorrido para a resolução da questão ou questões que efectivamente se delimitam e cumpre apreciar (tanto mais que o art. 5º, 3, do CPC estatui que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”). Não se impõe que o tribunal decisor aprecie ou responda ponto por ponto a todos os argumentos e razões invocados para sustentação (“‘Argumentos’ não são ‘questões’”), exigindo-se antes que indique e desenvolva a fundamentação atinente às questões que integram o objecto do recurso e que constituem o propósito legal da actividade judicativa do tribunal “ad quem”[3]. Só a ausência de apreciação dessas questões é determinante da nulidade em referência. Em suma: “não constitui nulidade da sentença [ou acórdão], por omissão de pronúncia, a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocaram tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas, tanto mais que, com muita frequência, as partes são prolíficas num argumentário cuja medida é inversamente proporcional à pertinência das questões”[4].[5] Mais: a nulidade da sentença ou de acórdão com fundamento na omissão de pronúncia só se manifesta se e quando uma questão a conhecer “não mereceu qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras)”[6].
3.1.2. A questão alegadamente omissa pelo acórdão recorrido seria a da interrupção da prescrição por facto da Autora Recorrente, ocorrido em outro processo. Mas tal vício não se verifica: o acórdão recorrido identificou a questão e resolveu-a no sentido do seu não conhecimento, atendendendo ao regime legal de invocação da interrupção e ao objecto recursivo próprio da apelação.
Assim fundamentou:
“(…) tal questão não pode ser conhecida, sob pena de se incorrer em excesso de pronúncia, em virtude de não ter sido oportunamente invocada no requerimento de resposta à excepção.
Como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência, os recursos destinam-se a reapreciar as decisões dos tribunais superiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre (…). Por outro lado, não se pode perder de vista o modelo recursório vigente no nosso direito: o modelo da apelação restrita. Como referem Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. III, tomo I, 2.ª edição, pg. 98, a apelação não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em primeira instância, mas tão-somente “a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento” (TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos, cit., pg. 395). No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 3ª, ed., pg. 103-4: A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em regra, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e do processo contenha todos os elementos imprescindíveis. Compreendem-se perfeitamente as razões por que o sistema assim foi arquitectado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devam ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios. Na jurisprudência, a título meramente exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ, de 2010.09.30, Maria dos Prazeres Beleza, www.dgsi.pt.jstj, proc. 3860/05.5TBPTM.E1.S1.Trata-se, no entanto, de questão nova que não pode ser conhecida.
Apenas escapam a esta limitação as questões do conhecimento oficioso, designadamente as questões de inconstitucionalidade de normas suscitadas nas alegações de recurso, do abuso do direito, da nulidade de actos jurídicos ou da caducidade de conhecimento oficioso (Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, op. cit., pg. 8).
Ora, configurando-se a interrupção da prescrição como uma contra-excepção, não pode deixar de estar sujeita ao mesmo regime que a prescrição ─ depende de invocação daquele a quem aproveita (artigo 303.º CC).
Neste sentido, veja-se os acórdãos do STJ, de 2014.05.13, João Camilo, www.dgsi.pt.jtstj, proc. n.º 360/12.0T2AND.C1.S1, de 2001.01.16, e da Relação de Coimbra, de 2009.10.13, Falcão de Magalhães, www.dgsi.pt.jtrc, proc. n.º 15/08.0TBAGN.C1, e Vaz Serra, Prescrição, BMJ, 105 / 151”.
Concluindo que o exposto impedia que se conhecesse da questão, não se pode julgar que a questão não foi respondida. Ao invés, foi identificada, delimitada e respondida. Não teria o acórdão sindicado que “dialogar” com todos os possíveis argumentos e raciocínios usados pela Recorrente no sentido de ancorar a sua posição, uma vez que tais pontos “não integram matéria decisória para o juiz”[7]; não teria que ir mais além se entendeu que o regime legal solucionava a questão e o seu conhecimento viciaria por excesso a pronúncia que a Recorrente imputa necessária e devida.
Não padece, pois, o acórdão de omissão de pronúncia quanto à questão expressamente invocada pela Recorrente. Razão pela qual, contrariamente ao alegado, não há preenchimento do art. 615º, 1, d), do CPC e improcedem as Conclusões descritas XLI a LXIII.
3.2. Da prescrição do direito de requerimento judicial da destituição
3.2.1. O art. 174º do CSC disciplina, através de um regime especial societário, os prazos de prescrição extintiva relativamente aos direitos subjectivos que o CSC confere à sociedade, aos sócios e a terceiros. Afasta assim expressamente o regime geral e os regimes especiais civilísticos consignados no art. 309º e ss do CCiv., sem prejuízo de vigorar ainda esse regime geral no que respeita à suspensão (arts. 318º-322º CCiv.) e à interrupção da prescrição (arts. 323º-327º CCiv.)[8]. Estabelece o prazo cujo esgotamento faz extinguir os direitos quando não exercitados pelo período de tempo legalmente determinado para a prescrição societária – 5 (cinco) anos.
“A sistematização operada pelo art. 174º toma como fio condutor os sujeitos ativos e passivos dos vínculos atribuídos pelo e regulados no CSC”[9]. Assim, nomeadamente, os n.os 1 e 2 prevêem direitos da sociedade (credora) e direitos contra a sociedade (devedora) contra e a favor dos sujeitos elencados (avultam os sócios e os membros dos órgãos sociais).
A contagem do prazo societário especial faz-se a partir de factos de cariz predominantemente objectivo (independentemente de conhecimento ou cognoscibilidade por sujeito envolvido, em particular o credor; excepciona-se a al. b), uma vez que se proporciona a contagem do prazo desde a «revelação» da conduta, naturalmente com conhecimento da parte)[10].
Olhando para o n.º 1, verifica-se que temos hipóteses específicas de contagem nas als. a) (obrigações de entrada ou de prestações suplementares), b) (responsabilidade perante a sociedade), c) (responsabilidade dos transmitentes de quotas ou acções) e e) (obrigações resultantes de actos praticados em nome da sociedade irregular por falta de forma ou registo). A al. d) consagra uma hipótese geral para qualquer obrigação diferente daquelas outras.[11]
Interessa-nos debater a al. b) do art. 174º, 1: «Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos: O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade.» Bem como o n.º 2 do art. 174º, aplicável à responsabilidade, para com sócios ou terceiros, de «fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º», remetendo-se para os factos previstos na al. b) para efeitos de contagem do prazo (isto é, o termos da conduta dolosa ou culposa do sujeito responsável ou a sua revelação, se houver sido ocultada). Porquê?
Conjugadas as duas previsões legais, temos à nossa disposição o regime prescritivo aplicável à responsabilidade dos gerentes e administradores em face da sociedade, credores sociais e outros terceiros (arts. 72º a 79º do CSC)[12].
Tal responsabilidade, se for para a com a sociedade (art. 72º, 1 (acção social ut universi), e 77º (acção social ut singuli), CSC), funda-se na violação de deveres legais – gerais (cuidado e lealdade: art. 64º, 1, CSC) e específicos –, não legais – estatutários e contratuais (para os “contratos de administração ou de gerência”) – e de cumprimento (legal ou estatutário) de deliberações de outros órgãos sociais ou das condutas consignadas em “regulamento interno” da administração ou gerência[13]. A violação de tais deveres constitui a ilicitude que, verificados os restantes pressupostos, permite responsabilizar os administradores e os gerentes na relação com a sociedade[14]. Simultaneamente, tal violação (nomeadamente quando estão em causa deveres legais, a começar pelos de natureza e execução geral – cuidado e lealdade –, e estatutários) “é fundamento para a destituição (e suspensão prévia em processo judicial) com justa causa de gerentes (art. 257º, 6) e de administradores (arts. 403º, 4, 430º, 2). Assim é se for ‘grave’ ou reveladora de incapacidade ou inaptidão para o exercício normal das funções de administração”[15].
Conclui-se que há identidade entre tal responsabilidade perante a sociedade e a destituição dos administradores (e tendo por isso “justa causa”) no fundamento relativo à violação grave dos deveres compreendidos na posição jurídica de administrador na sua relação com a sociedade. A própria lei assume essa identidade em alguns preceitos: vejam-se os arts. 74º, 1 («causa da responsabilidade ou de destituição do responsável»), 75º, 2 («Na assembleia que aprecie as contas de exercício e embora tais assuntos não constem da convocatória, podem ser tomadas deliberações sobre a acção de responsabilidade e sobre a destituição dos gerentes ou administradores que a assembleia considere responsáveis (…).»)[16], 254º, 5 (a violação da obrigação de não concorrência do gerente de sociedade por quotas, «além de constituir justa causa de destituição, obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra») e 6 («Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade.»), e 292º, 2, a) (no processo de inquérito judicial: «O juiz pode determinar que a informação pedida seja prestada ou pode, conforme o disposto no Código de Processo Civil, ordenar: A destituição de pessoas cuja responsabilidade por atos praticados no exercício de cargos sociais tenha sido apurada»), do CSC.
3.2.2. Havendo “justa causa”, a lei permite fazer sair a destituição da órbita da deliberação dos sócios e abre (facultativamente ou obrigatoriamente) a via da destituição judicial (arts. 191º, 4 e 7, 257º, 3 e 5, 403º, 3, CSC, 1055º, 5 [administradores e gerentes nomeados judicialmente], CPC), requerida pela sociedade ou por sócio ou sócios. Também é previsto esse expediente, sempre assente num processo de jurisdição voluntária (art. 1055º do CPC), para as circunstâncias previstas nos arts. 449º, 4, do CSC (abuso de informação) e 292º, 2, a), 450º, 1, CPC e 1051º, 2, CPC (para o inquérito judicial: arts. 292º, 1, 450º, 1 e 3, CSC)[17]. A este processo especial subjaz uma base racional claramente identificada (quando é facultativo): “A ideia que preside à atribuição do direito de sócios (minoritários) requererem judicialmente a destituição é o propósito de minorar o risco de administradores sócios maioritários ou apoiados pela maioria se manterem indevidamente (em prejuízo da sociedade e/ou sócios) na gerência [administração]"[18].
Foi a esse processo especial que a Autora sócia (e gerente destituída por deliberação da sociedade: v. facto l)) recorreu nos autos, em acção intentada contra a sociedade e os gerentes a destituir: art. 257º, 4, CSC.
3.2.3. Argumentou a título principal a violação do dever legal específico (vinculado e sem discricionariedade na execução) de não se exercer actividade concorrente com a da sociedade – sendo esta uma manifestação legal do dever de lealdade (art. 254º, 1, CSC, desde que não haja consentimento da sociedade)[19]. Ademais, aludiu a comportamentos que remetem o julgador para a pesquisa do incumprimento de outros deveres legais específicos que vinculam os gerentes e administradores e são também manifestações legais do dever geral de lealdade (art. 64º, 1, b), do CSC), como sejam – sejamos esgotantes em abstracto – “não dispor dos bens sociais em proveito pessoal ou de terceiros” (art. 186º, 2, d), CIRE), “não exercer, a coberto da personalidade jurídica da sociedade, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da sociedade, maxime da sua empresa” (art. 186º, 2, e), CIRE), “não fazer do crédito ou dos bens da sociedade uso contrário ao interesse social, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra sociedade na qual tenham interesse direto ou indireto” (art. 186º, 2, f), CIRE), e “não prosseguir uma exploração deficitária da sociedade, no seu interesse pessoal ou de terceiro, com conhecimento ou cognoscibilidade da grande probabilidade de conduzirem a sociedade a uma situação de insolvência” (art. 186º, 2, g), CIRE)[20]. E, em acrescento, poderão mesmo conduzir à averiguação do preenchimento de manifestações não legais do dever de lealdade, caucionadas directamente pelo art. 64º, 1, b), do CSC, em particular “não aproveitar e/ou desviar as oportunidades negociais da sociedade para seu proveito ou de outras pessoas, especialmente a si ligadas, salvo consentimento válido da sociedade”[21] e “não utilizar ou abusar de meios ou informações próprios da sociedade para daí retirar proveitos, sem contrapartida para a sociedade”[22] – v. factos a), b) e n).
3.2.4. Sendo exercido (facultativa ou obrigatoriamente) o direito de requerer em juízo a destituição do gerente – independentemente dos deveres cuja violação tenha sido alegada como “justa causa” –, esse exercício não se diferencia em termos de base comportamental do exercício relativo a uma acção de responsabilidade perante a sociedade (nos termos do art. 72º, 1, CSC) sempre que a violação dos deveres é “grave” (culposa, com dolo ou com negligência grosseira e consciente) – em ambas as situações pretende-se como finalidade sancionar o comportamento censurável do administrador ou gerente. Estando sempre em cena uma «conduta dolosa ou culposa» do gerente ou administrador, julgamos que, atenta a “teleologia imanente”[23] da norma em sede de prescrição de direitos, se deve empreender uma extensão teleológica do art. 174º, 1, b), do CSC ao (não previsto na letra da norma) exercício judicial dos direitos da sociedade ou de sócios tendo em vista a destituição de administradores e gerentes, necessariamente assente em conduta causadora de “justa causa” – com a devida adaptação quando a destituição for exercida no âmbito de direitos de sócios, como acontece no previsto pelos arts. 191º, 4 (ainda que disjuntivamente pela sociedade) e 7, 257º, 4 (o caso dos autos) e 5, e 403º, 3, CSC.[24]
De todo o modo, sabemos que a sincronia com que nos estribamos não é necessária: (i) pode haver violação de deveres sem responsabilidade perante a sociedade (por ex., por falta de culpa, presumida mas ilidível) e, mesmo sem a gravidade subjectiva inerente à “justa causa” (que implica dolo ou negligência grosseira e consciente), ainda haver nessa violação “justa causa” objectiva para destituição, tendo em vista a revelação de incapacidade/inaptidão para o exercício normal das funções de administrador[25]; (ii) pode haver violação de deveres com responsabilidade (por ex., ainda culposa, mas leve na negligência) mas sem qualquer “justa causa” de destituição, porque a violação não é “grave” nem, de outra banda, reveladora de incapacidade ou inaptidão[26]; (iii) pode haver “justa causa” de destituição sem qualquer violação de deveres societários, sendo disso os exemplos mais claros a inexistência de facto que seja imputável ao gerente e administrador (impossibilidade ou impedimento físico e/ou intelectual) ou a ocorrência de circunstâncias inerentes ao funcionamento do órgão ou (noutras vertentes) à pessoa do administrador que afectam com impacto a relação administrativa[27]. Nestes casos, falece a identidade, uma vez que responsabilidade civil societária perante a sociedade e destituição com “justa causa” não coincidem. Porém, justifica-se atirar tais situações de destituição não coincidente com responsabilidade para o prazo-regra dos 20 anos do art. 309º do CCiv.?
Atendendo à lei especial do art. 174º em matéria societária no confronto da lei geral do direito civil (lex specialis derogat legi generali);
considerando que sempre a destituição judicial visa cessar a relação orgânica de administração, invocando-se “situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do gerente, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este”[28];
sendo esta uma matéria que merece uma resposta uniformemente mais célere e norteada pela “preocupação de segurança jurídica”[29], uma vez assumido o natural alarme intrassocietário que o comportamento ou a própria pessoa do gestor traz para o funcionamento do órgão de administração e representação;
não menosprezando que a destituição como facto extintivo prescinde do concurso da vontade do administrador, seja em que modalidade for e, se for o caso, seja qual for a “justa causa”, cabendo sempre ao interessado unilateral (sociedade ou sócios, como tais, neste caso através de tribunal) ser diligente temporalmente para fazer valer esse interesse de extinção, não fisiológica e intrinsecamente hostil ao visado[30];
não vemos que se deva distinguir e, também nessas outras situações destitutivas não coincidentes com a acção de responsabilidade civil perante a sociedade, sempre se aplicará o prazo de prescrição societária dos 5 anos como prazo-regra.
3.2.5. No encalce da argumentação da sentença de 1.ª instância, porém, o acórdão recorrido raciocinou em outro sentido, fundando-se na aplicação ao caso do art. 254º, 6, do CSC («Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa atividade.»), aplicável à violação da obrigação de não exercício por gerente de actividade concorrente com a da sociedade (art. 254º, 1, CSC), e, a partir dele e por analogia com outros preceitos do CSC em que o mesmo prazo é estabelecido para a definição de situações jurídicas dos sócios quotistas e gerentes, para concluir: “o prazo aplicável à destituição de gerente é de 90 dias, mesmo em situações que não se reconduzam à violação do dever de não concorrência”.
Acontece que o fio condutor das instâncias, salvo o devido respeito, incorre num vício de raciocínio quanto ao âmbito de aplicação do art. 254º, 6, do CSC.
Na verdade.
O prazo de prescrição regulado aplica-se aos «direitos da sociedade» referidos no n.º 5 do art. 254º – ou seja, ao direito de a sociedade pedir uma indemnização pelos prejuízos sofridos com o exercício da actividade concorrente, a exercer de acordo com os arts. 72º e ss do CSC, e ao direito de a sociedade destituir (neste caso com “justa causa”) o gerente violador de tal obrigação de não concorrência, recorrendo para tal ao expediente-regra da deliberação dos sócios, de acordo com o art. 257º, 1 e 6, do CSC. Nestas situações, o preceito do n.º 6 do art. 254º oferece um prazo de prescrição que se afasta do regime geral do art. 174º do CSC[31] – portanto, um prazo especial dentro da regra societária, seja para a responsabilidade para com a sociedade do gerente lesante (tal como prevista no seu n.º 1, al. b)), seja para a destituição (mas apenas a que for) deliberada pela sociedade (pelos seus sócios[32]) e para a destituição requerida judicialmente pela sociedade (depois de deliberada pelos sócios) na hipótese do art. 257º, 3, do CSC (destituição de gerente com direito especial à gerência) e do art. 1055º, 5, do CPC (destituição de gerente nomeado judicialmente: arts. 253º, 3, 2.ª parte, 394º, analogicamente, CSC).
Esse prazo de prescrição não se aplica, assim, às situações de destituição judicial (facultativa ou imperativa, nos termos vistos do art. 257º, 4 e 5) em que se atribui aos sócios quotistas a legitimidade para requerer judicialmente a destituição com justa causa dos gerentes – como se verifica ser o caso da pretensão judicial da Autora, aqui Recorrente.
Por seu turno, atenta a sua excepcionalidade – tanto por incidir tão-só sobre um dever legal específico (não exercício de actividade concorrente), ainda que irradiação do dever geral de lealdade, assim como por se referir à destituição operada por iniciativa da própria sociedade –, não apresenta o normativo do art. 254º, 6, do CSC a virtualidade de ser base para uma aplicação analógica a todas as outras situações de destituição, deliberada nos termos societários comuns ou judicialmente, do gerente quotista com “justa causa” (mesmo que fossem só fundadas na violação do dever de lealdade, o que não é de todo de aceitar). Porque também não se justifica qualquer aplicação analógica para a acção de responsabilidade dos gerentes ex vi art. 72º do CSC, acção essa que também se contempla na previsão do art. 254º, 6, e, exceptuando este normativo, não deixa de seguir o prazo de prescrição societária admitido no art. 174º do CSC.
Em suma.
No âmbito de aplicação do n.º 6 do art. 254º do CSC, afasta-se o art. 174º, 1, b), do CSC (prazo de prescrição: 5 anos) e convoca-se um prazo de prescrição significativamente mais curto (90 dias) apenas para as situações de “direitos da sociedade” previstas no n.º 5 desse art. 254º.
O que, em conclusão e reiteração, não deixa de abonar à interpretação teleologicamente extensiva do art. 174º, 1, b), do CSC, que nos permite advogar a sua aplicação à presente acção judicial de destituição de gerente de sociedade por quotas, por estaremos perante uma situação não abrangida pelo art. 254º, 6, do CSC (destituição judicial requerida por sócio) – e, assim, nem sequer aplicável quando se invoca a violação do dever legal específico de proibição de exercício de actividade concorrente.
3.2.6. Em face da natureza da acção de destituição, que visa promover a extinção da relação administrativa com a sociedade do gerente ou administrador requerido, refira-se, por último, que não se aplica o art. 318º, d), do CCiv. («A prescrição não começa nem corre entre as pessoas coletivas e os respetivos administradores, relativamente à responsabilidade destes pelo exercício dos seus cargos, enquanto neles se mantiverem.»).
3.2.7. Aplicando-se o art. 174º, 1, b), do CSC, a contagem do prazo de prescrição quinquenal faz-se a partir do termo da conduta do gerente infractor ou (se posterior ao termo ou se ainda não houver termo) da sua revelação (com conhecimento e antes ocultada por quem tem legitimidade para promover a destituição)[33].
A 1.ª instância considerou:
“(…) a sócia AA, aqui autora, (…) em face da leitura conjugada de toda a factualidade acima exarada, estará inteirada de todo o circunstancialismo relevante que poderia desencadear uma acção desta índole há pelo menos mais de um ano, desde a data de interposição da presente demanda (v. factos acima elencados sob as alíneas c), d) e) e f)). Mesmo que se pudesse atender ao último facto alegado pela autora – e que é nada mais nada menos que uma nova manifestação do concreto circunstancialismo já por si conhecido anteriormente – sempre o mesmo se teria que situar em 28.03.2017 (v. facto i) (…)”.
Esta situação temporal não foi infirmada pelo acórdão recorrido, quando, ao aplicar o art. 254º, 6, do CSC, se referiu ao “momento do conhecimento dos factos por todos os sócios, independentemente de tal actividade poder-se prolongar no tempo”.
Dos autos não resulta qualquer referência ou averiguação do termo da conduta dos gerentes visados com a destituição.
Cabe, portanto, aplicar o regime jurídico considerado adequado à factualidade provada no caso concreto (arts. 682º, 1, 5º, 3, CPC).
Assim:
Em referência ao processo de inquérito judicial com o n.º 3645/15.0T8STS, no âmbito da qual a Autora e aqui Recorrente apresentou peça processual com revelação e conhecimento da conduta fundante da destituição, a data relevante para início de contagem do prazo será o dia 6 de Janeiro de 2016 – v. facto c) –, independentemente do revelado posteriormente nessa mesma acção de inquérito judicial – v. factos d) e e) – e em outras acções – v. factos f) a i).
A presente acção foi instaurada em 5 de Julho de 2017 – v. facto j).
Deste modo, entendemos que, considerado nos termos sobreditos o prazo de prescrição de 5 anos por aplicação do art. 174º, 1, b), do CSC (questão de direito a decidir para aplicação ao caso dos autos), não se encontra verificada a excepção de prescrição invocada pelos Requeridos à data da presente acção, fazendo proceder as Conclusões pertinentes da Recorrente.
III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista e, uma vez não verificada a excepção da prescrição do direito da Autora exercido na acção, ordenar a prossecução dos autos para conhecimento do pedido.
Custas pelas partes Recorridas.
STJ/Lisboa, 16 de Junho de 2020
Ricardo Costa – Relator
Maria da Assunção Raimundo
Ana Paula Boularot (Voto a Decisão)
Sumário (arts. 663º, 7, 679º, CPC)
_______________________________________________________
[1] V., na doutrina, ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., 2018, sub art. 674º, pág. 405, Ac. do STJ de 24/11/2016, processo n.º 470/15.2T8MNC.G1-A.S1, Rel. TOMÉ GOMES, in www.dgsi.pt.
[2] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As formas de composição da acção”, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 219-220.
[3] V., entre os mais significativos, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, 1952, 3.ª ed., reimp. 2012, Coimbra Editora, Coimbra, sub art. 668º, pág. 143; ANTUNES VARELA, “Acórdão do STJ de 25 de Maio de 1985 – Anotação”, RLJ, ano 122º, 1989, n.º 3781, pág. 112; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As formas de composição da acção”, loc. cit., págs. 220-221 (“O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa”: sublinhado nosso); RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III (Arts. 467.º a 800.º), 3.ª ed., do Autor, Lisboa, 2001, sub art. 660º, págs. 180-181; ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 635º, pág. 116, a quem pertence a transcrição; ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 615º, pág. 738.
[4] ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado cit., sub art. 608º, pág. 727, sublinhado da nossa responsabilidade.
[5] Na jurisprudência do STJ, v., por ex., os Acs. de 30/10/2003, processo n.º 03B3024, Rel. FERREIRA DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt, 1/3/2012, processo n.º 353/2000.E1.S1, Rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA, in www.dgsi.pt, e 27/3/2014, processo n.º 555/2002.E2.S1, Rel. ÁLVARO RODRIGUES, in www.dgsi.pt ("Para efeitos de nulidade de sentença/acórdão há que não confundir «questões» com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, sem como isso incorrer em omissão de pronúncia.” – ponto I. do Sumário).
[6] V., recentemente, os Acs. do STJ de 9/4/2019, processo n.º 4148/16.1T8BRG.G1.S1, e 27/6/2019, processo n.º 1346/15.9T8CHV.G2.S1, ambos Rel. FERNANDO SAMÕES, in www.dgsi.pt: “(…) a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras)”).
[7] RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III cit., sub art. 660º, pág. 180.
[8] V. CAROLINA CUNHA, “Artigo 174º”, Código das Sociedades Comerciais em comentário, Volume II (Artigos 85.º a 174.º), 2.ª ed, coord. J. M. Coutinho de Abreu, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 814-815.
[9] CAROLINA CUNHA, “Artigo 174º”, loc. cit., pág. 815.
[10] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 174º”, Código das Sociedades Comerciais anotado e regime jurídico dos procedimentos administrativo de dissolução e de liquidação de entidades comerciais (DLA), coord.: António Menezes Cordeiro, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, pág. 577.
[11] CAROLINHA CUNHA, “Artigo 174º”, loc. cit., pág. 815.
[12] V. COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, 2.ª ed., IDET - Cadernos n.º 5, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 58-59, 81, 95.
[13] V., entre outros estudos do Autor, RICARDO COSTA, “Artigo 64º”, pontos 1.-5., Código das Sociedades Comerciais em comentário, Volume I (Artigos 1.º a 84.º), 2.ª ed, coord. J. M. Coutinho de Abreu, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 766-771, com desenvolvimento.
[14] A ilicitude com que se funda a responsabilidade dos arts. 78º e 79º do CSC apresenta variantes de restrição e ampliação quanto aos deveres implicados na conduta ilícita e culposa, que não são aqueles que interessam para a censura implicada na imputação de “justa causa”.
[15] RICARDO COSTA, “Artigo 64º”, loc. cit., pág. 799.
[16] V. também o art. 376º, 1, c), do CSC.
[17] V., para um regime de apreensão complexa, RICARDO COSTA, Os administradores de facto das sociedades comerciais, Almedina, Coimbra, 2014 (reimp.: 2016), nts. 1243 e 1244 – págs. 608 e ss.
[18] COUTINHO DE ABREU, “Artigo 257º”, Código das Sociedades Comerciais em comentário, Volume IV (Artigos 246.º a 270.º-G), 2.ª ed., coord. J. M. Coutinho de Abreu, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 132, “Artigo 403º”, Código das Sociedades Comerciais em comentário, Volume VI (Artigos 373.º a 480.º), 2.ª ed, coord. J. M. Coutinho de Abreu, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 411.
[19] RICARDO COSTA, “Artigo 64º”, loc. cit., pág.789.
[20] Para a identificação dos comportamentos/deveres descritos no art. 186º, 2, do CIRE como campo de manifestações normativas e específicas do dever de lealdade, v. RICARDO COSTA, “Gestão das sociedades em contexto de “crise de empresa”, V Congresso Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 193-194.
[21] V. COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, 2.ª ed., Cadernos n.º 5 – IDET, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 31-33 (nomeadamente: “O aproveitamento indevido de oportunidades de negócio societárias significa nalguns casos também a violação do dever de não concorrência com a sociedade: o negócio aproveitado implica actividade abrangida no objecto da sociedade”).
[22] Sobre estas manifestações, que transcrevemos, cfr. RICARDO COSTA, “Artigo 64º”, loc. cit., págs. 789-791, com doutrina e jurisprudência.
[23] V. CASTANHEIRA NEVES, “Interpretação jurídica”, Digesta. Escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e outros, Volume 2.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, pág. 368.
[24] Decifrar o sentido de uma norma, uma vez superado o dogmatismo interpretativo, é, nas sempre actuais palavras (ainda) de CASTANHEIRA NEVES, “Interpretação jurídica”, loc. cit., págs. 358-359, 362, “determinar um sentido à fonte interpretanda que se obtenha e justifique perspectivando-a sobretudo pelos fins práticos que com ela se visam alcançar, um sentido teleologicamente funcional, e assim mediante uma hermenêutica de racionalidade prática (comprometida com a praxis e as suas exigências) que privilegie antes a intenção de justeza ou plausibilidade «pragmática», e pela qual o direito como que se compreende essencialmente pelos seus resultados”. Se devemos olhar para a norma visando realizar a particular intenção prática que o direito visa cumprir, não nos podemos fechar na auto-suficiência das exigências do sistema e dos seus pressupostos fundamentos dogmáticos, uma vez que esses devem abrir-se “a uma intencionalidade materialmente normativa, que, na sua concreta e judicativo-decisória realização, se oriente decerto por aquelas mediações dogmáticas, mas que ao mesmo tempo as problematize e as reconstitua pela sua experimentação concretizadora”. Em complemento, v. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito. Introdução e teoria geral, 13.ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, págs. 414-415: “... é elemento a ponderar na interpretação o que podemos chamar a justificação social da lei. A finalidade proposta carece de ser tida em conta. A ela deve ser adequada a regra resultante, porque todo o direito é finalista. Toda a fonte existe para atingir fins ou objectivos sociais”.
[25] Sobre esse outro fundamento legal (e exemplificativo) de “justa causa”, previsto nos arts. 257º, 6 («incapacidade», sociedade por quotas), e 403º, 4 («inaptidão», sociedade anónima), v. JOÃO LABAREDA, “A cessação da relação de administração”, Direito societário português – Algumas questões, Quid Juris?, Lisboa, 1998, pág. 78, COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, Volume II, Das sociedades, 6.ª ed., 2019, págs. 591 e ss (“quer a (revelada) falta de conhecimentos necessários para uma gestão ordenada, quer a impossibilidade física decorrente, por exemplo, de doença prolongada (incurável, nomeadamente) impeditiva do exercício normal das respetivas funções”).
[26] V. ILÍDIO DUARTE RODRIGUES, A administração das sociedades por quotas e anónimas – Organização e estatuto dos administradores, Livraria Petrony, Lisboa, 1990, págs. 245-246, JOÃO LABAREDA, “A cessação da relação de administração”, loc. cit., págs. 78, 79, COUTINHO DE ABREU, “Artigo 403º”, loc. cit., pág. 408 e nt. 16, JOAQUIM TAVEIRA DA FONSECA, “Suspensão e destituição dos membros dos órgãos de administração das sociedades por quotas e anónimas”, V Congresso Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Coimbra, 2019, págs. 205, 219-220.
[27] Para exemplos, v. COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, Volume II cit., págs. 593-594.
[28] COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, Volume II cit., pág. 589.
[29] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 174º”, loc. cit., pág. 577.
[30] RICARDO COSTA, Os administradores de facto das sociedades comerciais, Almedina, Coimbra, 2014, reimp.: 2016, págs. 325-326.
[31] Esta é a posição da doutrina: ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, “Artigo 254º”, Código das Sociedades Comerciais em comentário, Volume IV (Artigos 246.º a 270.º-G), 2.ª ed., coord. J. M. Coutinho de Abreu, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 112-113.
[32] E, na estrutura germânica da sociedade anónima, pelo conselho geral e de supervisão, para o caso previsto e regulado pelo art. 430º, 1, a), em referência aos administradores executivos designados por tal órgão de fiscalização, nos termos admitidos pelo art. 425º, 1, a), sempre do CSC. O art. 254º, 5 e 6, é aplicável à anónima por força doa remissão do art. 398º, 5.
[33] Para este entendimento, com as adaptações à acção de destituição, v. as leituras interpretativas de RAÚL VENTURA/BRITO CORREIA, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades anónimas e dos gerentes de sociedades por quotas, BMJ n.º 195, 1970, págs. 43-44 (para o antecedente art. 19º, 4, do DL n.º 49 381, de 15 de Novembro de 1969 [«O direito de indemnização prescreve no prazo de cinco anos, a contar do termo da conduta dolosa ou culposa do administrador, ou a partir da sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e da produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado.»]), COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade civil… cit., págs. 58-59, CAROLINA CUNHA, “Artigo 174º”, loc. cit., pág. 815.
O momento da «produção do dano», constante também da alínea b), a considerar-se posterior à revelação-conhecimento, não releva para a destituição, antes se restringe à hipótese literalmente prevista das acções de responsabilidade para com a sociedade.