ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REEMBOLSO DE DESPESAS
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
Sumário

I - Ocorrida a cessação das funções do AI e independentemente do motivo para tanto, está este obrigado a prestar contas, a elaborar em forma de conta corrente com um resumo de toda a receita e despesa, com vista a retratar sucintamente a situação da massa insolvente.
II - A partir do valor aludido no artigo 26º nº 6 da Lei 32/2004 todas as despesas efetuadas pelo AI têm de ser justificadas em sede de prestação de contas, estando então sujeitas ao crivo da utilidade e indispensabilidade por referência aos atos que o exercício das funções no processo concreto demandaram.
III - As despesas que correspondem a despesas inerentes ao exercício da atividade do AI, ou seja “os encargos da estrutura logística com a qual o Sr. Administrador da Insolvência se propôs desempenhar as suas funções” são encargos da sua exclusiva responsabilidade.
IV - A exigência de prévia autorização das despesas a que alude o artigo 55º nº 3 do CIRE exclui a sua aprovação tácita.
Prévia autorização que quando não exista tem como consequência a não aprovação das despesas.
V - Admite-se excecionalmente que quando a não solicitação de autorização se mostre justificada pelo AI com base em critérios de urgência, oportunidade e necessidade em defesa dos interesses dos credores e da massa, evidenciando para estes o correspondente benefício, se possa vir caso a caso a considerar justificadas as despesas que em tal enquadramento tenham sido realizadas.
VI - O recebimento da remuneração variável está dependente de liquidação a ser elaborada oportunamente pela secretaria do tribunal – vide artigos 24º e 29º do EAJ e 182º do CIRE.
Até lá carece o AI de legitimidade para reter qualquer quantia a tal título.

Texto Integral

Processo nº.237/11.7YVNG-AE.P1
3ª Secção Cível
Relatora: Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. Comércio de Vila Nova de Gaia
Apelante/B…

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC):
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
Por apenso aos autos de insolvência de “C…, Lda.” e na sequência da sua substituição no cargo, apresentou o AI Exmo. Sr. Dr. B… e ora recorrente contas do exercício do seu cargo.
Por decisão proferida em 13/11/2020 foram julgadas “validamente prestadas as contas apresentadas pelo Sr. Administrador da Insolvência substituído, Sr. Dr. B…, com exceção do montante das despesas, as quais ascendem à quantia global de 92.633,44 (noventa e dois mil seiscentos e trinta e três euros e quarenta e quatro cêntimos), ao invés da quantia de € 232.508,71 contabilizada na prestação de contas apresentada.

Inconformado com o assim decidido, interpôs o AI recurso de apelação, pugnando pela revogação de tal decisão, para tanto apresentando as seguintes conclusões:
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Não se mostram apresentadas contra alegações.
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O recurso foi admitido - na sequência do decidido no apenso AK[1] referente a reclamação apresentada nos termos do artigo 643º do CPC - como recurso de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos (Apenso AE) com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante ser questão a apreciar se todas as despesas apresentadas pelo AI e que o tribunal a quo não aprovou deveriam ter sido aprovadas.

III. FUNDAMENTAÇÃO
Para apreciação do assim decidido, importa considerar as seguintes vicissitudes processuais:
(extraídas do processo principal)
1) Por sentença proferida em 06/05/2011 nos autos principais foi declarada a insolvência de “C…, Lda.” com sede em Vila Nova de Gaia;
2) Na sentença referida em 1) foi nomeado como administrador da insolvência o Exmo. Sr. Dr. “B… da legal Lista do distrito judicial do Porto publicada no Diário da República, II Série, de 11 de Março de 2005 (cfr. artº 73. 36º, alª d), e 52º, nº 1, do C.I.R.E., e artº 28º, nº 6, da Lei nº 32/2004, de 22/07).”
3) Em 21/06/2011 foi junto aos autos relatório pelo AI nos termos do artigo 155º do CIRE.
Neste relatório é mencionado no ponto 3 que os documentos contabilísticos foram entregues no escritório do AI pela TOC da insolvente “Dra. D…”.
Neste mesmo relatório foram identificados os bens imóveis da insolvente, todos sitos em Vila Nova de Gaia.
4) Em ata de assembleia de credores realizada em 09/08/2011 foi constituída comissão de credores sendo nomeado Presidente da Comissão de Credores “E…, S.A.”;
5) Em 12/10/2011 foi junta aos autos ata nº 1 da comissão de credores da qual consta, entre o mais ter a Comissão deliberado “por unanimidade autorizar o AI a contratar o Exmo. Sr. Dr. F…, para efetuar perícia à contabilidade dos últimos 3 exercícios, concedendo ao mesmo um prazo de 15 dias para apresentar orçamento dos respetivos serviços”.
6) Em 09/12/2012 foi junta aos autos a ata nº 2 da comissão de credores realizada a 31/01/2012 no escritório do AI sito em Anadia.
Desta consta como ordem de trabalhos e deliberações:
«1. Contratação de TOC para (a) “tratamento contabilístico de todos os documentos, assessoria contabilística e fiscal e acompanhamento de processo de insolvência” pelo valor de 1.200,00€ + IVA/ano; e (b) realização de Perícia Contabilística pelo valor de 5.000,00€ acrescidos de IVA e despesas
(…).»
Nesta assembleia destacou ainda o AI “o facto de que tem vindo a receber notificações da Direção de Finanças do Porto/Divisão de Inspeção Tributária que reclamam a intervenção urgente quer de um TOC quer de advogado especialista em direito tributário pelo que reiterou o pedido de autorização para a contratação do referido TOC, bem com agora também para a contratação de advogado.”
Submetida a votação, «foi deliberado por unanimidade autorizar a contratação do TOC relativamente aos dois orçamentos que apresentou, com a ressalva de que relativamente ao “tratamento contabilístico de todos os documentos, assessoria contabilística e fiscal e acompanhamento de processo de insolvência” pelo valor de 1.200,00€ + IVA/ano se deve considerar contratado apenas pelo período de um ano.»
7) Em 28/03/2017 e na sequência de comunicação da CAAJ relativamente a decisão de suspensão imediata das funções do Exmo. AI Sr. Dr. B…, foi nomeada nova AI a Sra. Dra. G….
8) Em 20/02/2020 a nova AI nomeada informa ter tomado conhecimento de que a atividade da insolvente apenas foi cessada em sede de IVA, tendo o TOC Dr. F… continuado a enviar os modelos 22 e IES, conforme doc. que juntou.
O doc. oferecido corresponde a mail enviado pelo TOC Dr. F… -(ADConta) onde o mesmo comunica ter a empresa “cessado em IVA a 30/01/2012” tendo-se mantido com as “as obrigações fiscais (Modelo 22 e IES)” submetidas nos anos de 2012 a 2018.
Mais declarando que por cada ano “é-nos devido o valor de 150,00 + IVA”
(do apenso de prestação de contas)
9) No requerimento inicial de prestação de contas, requereu o AI a aprovação de despesas globais no valor de € 232.508,71 que mais declarou estar das mesmas totalmente ressarcido.
Destas tendo declarado que € 216.021,60 foram debitados diretamente (por si) da receita da massa insolvente e a quantia restante de € 16.487,11 foi por si suportada e reembolsada faseadamente.
Mais declarou ter retido por conta da remuneração variável a quantia de € 73.289,12.
10) Notificada a comissão de credores para emitir parecer sobre as contas apresentadas, não o fez.
Notificados os credores e insolvente por éditos para se pronunciarem, nada disseram.
11) Após foram os autos conclusos ao MºPº para se pronunciar, tendo este promovido a não aprovação das seguintes despesas identificadas pelo AI:
“a) despesas indicadas a título de deslocações (com ressalva do pagamento do valor de € 0,36 por km percorrido), no valor total de € 4.115,43;
b) despesas identificadas como “CESE”, no valor total de € 1.744,46, por não se mostrarem documentadas e o seu pagamento ser responsabilidade pessoal do administrador de insolvência;
c) despesas relacionadas com “e-mail” e “fax”, no valor global de € 1.597,50, por se apresentarem como irrazoáveis e injustificadas e deverem considerar-se integradas na remuneração do administrador de insolvência;
d) despesas indicadas como “reuniões – almoço (ou jantar) de trabalho”, no valor de € 6.317,58, e indicadas como “deslocações-estadas”, no valor de € 254,30, por não demonstrarem qualquer relação com o exercício funcional de que foi incumbido o administrador de insolvência nestes autos;
e) despesas com advogada, no valor global de € 50.737,50, por não existir qualquer comprovativo da entrega de tal montante à Sra. Advogada e por não estarem juntos aos autos os respetivos recibos na forma legalmente exigível;
f) despesas relativas a pagamentos de serviços de contabilidade à sociedade “I…, Lda.”, no montante global de € 60.270.00, por não existir qualquer comprovativo da entrega de tal montante àquela empresa de contabilidade; por não estarem juntos aos autos os respetivos recibos na forma legalmente exigível e por a contratação de tais serviços não ter sido previamente autorizada pelos credores ou pelo Tribunal;
g) despesas relativas a pagamentos de serviços de contabilidade à sociedade “H…”, no montante global de € 60.496.00, por não existir qualquer comprovativo da entrega de tal montante àquela empresa; por não estarem juntos aos autos os respetivos recibos na forma legalmente exigível e por a contratação de tais serviços não ter sido previamente autorizada pelos credores ou pelo Tribunal;
h) despesas relativas a pagamentos de serviços à Sra. D…, viticultora, no valor de € 5.080,00, por não resultar evidenciada a necessidade/utilidade para a massa insolvente de tais serviços e por a contratação de tais serviços não ter sido previamente autorizada pelos credores ou pelo Tribunal.”
A final tendo promovido a notificação do AI para devolver o valor correspondente as estas despesas indicadas como pagas por força da MI (massa insolvente), bem como para devolver a quantia de € 73.289,12 de que o AI declarou já se ter pago, por conta da remuneração variável.
12) Promoveu ainda o MºPº a notificação
“da Sr.ª Advogada, identificada nos apensos em que tem procuração (cfr. fls. 5) para informar se recebeu as quantias tituladas nos documentos (cuja cópia se p. seja remetida) 419, 428, 454, 485, 554, 582, no valor total de € 50.737,50 (…)”
“no que diz respeito a Contabilidade, atendendo a que o anterior Sr. AI refere pagamentos à “I…, Lda.”, p. seja notificado o legal representante de tal sociedade identificada no doc. 109 (com cópia dos mesmos) para informar, remetendo-se cópia, se a referida sociedade recebeu as quantias referidas nos doc. 109, 288, 386, 393, 396, 429, 443, 562, e por que meio, bem como para remeter, em caso de resposta afirmativa, os competentes recibos, na forma legalmente exigível; Em caso de resposta negativa, para informar se recebeu qualquer quantia, e em que valor, por serviços desempenhados a favor da massa insolvente de “C…, Lda”, mais se solicitando, nesse caso, sejam elencados os serviços prestados, informado qual o valor efetivamente pago, por quem e por que meio, bem como a emissão dos competentes recibos, emitidos pela forma legalmente exigível;”
“no que diz respeito a ao pagamento de serviços à “H…”, atendendo a que o anterior Sr. AI refere pagamentos à “I…, Lda.”, p. seja notificado o legal representante de tal sociedade identificada no doc. 300 (com cópia dos mesmos) para informar, remetendo-se cópia, se a referida sociedade recebeu as quantias referidas nos doc. 300, 303, 346, 350, 359, 415, 490 e 561, e por que meio, bem como para remeter, em caso de resposta afirmativa, os competentes recibos, na forma legalmente exigível; Em caso de resposta negativa, para informar se recebeu qualquer quantia, e em que valor, por serviços desempenhados a favor da massa insolvente de “C…, Lda”, mais se solicitando, nesse caso, sejam elencados os serviços prestados, informado qual o valor efetivamente pago, por quem e por que meio, bem como a emissão dos competentes recibos, emitidos pela forma legalmente exigível.”
13) Na sequência das notificações ordenadas vieram:
- I… – de que é gerente F…, TOC, conforme identificado no relatório de Auditoria Fiscal que fez juntar aos autos com a sua resposta - informar que pelos serviços prestados à insolvente recebeu desta:
. € 4.920,00 em 01/08/2014 conforme doc. 288 junto pelo AI com a prestação de contas.
Incluindo nesta verba despesas no valor de € 307,50;
. € 1.537,50 em 17/07/2012, conforme doc. 109 junto pelo AI com a prestação de contas.
- H… informar que pelos serviços prestados recebeu € 2.000,00 conforme doc. junto a fls. 843/844.
Tendo posteriormente já em 12/11/2010 vindo informar que o valor global por si recebido da massa insolvente foi de € 71.236,00 conforme documentos que então juntou;
- A Exma. Sra. Advogada J… informar que recebeu os valores indicados pelo SR AI a título de pagamento por conta dos seus honorários juntando a respetiva fatura/recibo no valor de € 50.737,50 (fls. 847 a 850).
14) Notificado o AI para proceder à devolução das quantias de € 114.308,50 + 73.289,12 reiterou a correção do seu procedimento quer quanto à retenção do valor por conta da remuneração variável - € 73.289,12; quer quanto às contas por si apresentadas.
Destas alegando ter efetuado à I… todos os pagamentos por si descritos, requerendo o depoimento do gerente desta para prova de tal; o mesmo alegando quanto à H… e igual pedido de depoimento do seu gerente solicitando;
15) Em 20/10/2020 o MºPº pronunciou-se pela aprovação das despesas relativas aos honorários à Exma. Sra. Dra. J…, atento o recibo entretanto pela mesma apresentado.
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Apreciando e conhecendo.
Conforme resulta do relatório supra, a presente prestação de contas surgiu na sequência da cessação das funções do AI inicialmente nomeado, por substituição.
Ocorrida a cessação das funções do AI e independentemente do motivo para tanto, está este obrigado a prestar contas, a elaborar em forma de conta corrente com um resumo de toda a receita e despesa, com vista a retratar sucintamente a situação da massa insolvente.
Devendo tais contas ser acompanhadas de todos os documentos comprovativos e devidamente numerados por referência às verbas elencadas em tal conta corrente – vide artigo 62º do CIRE.
Uma vez apresentadas tais contas, cumpre à comissão de credores – caso exista como é o caso dos autos - emitir parecer sobre elas.
Após sendo notificados por éditos os credores e devedor insolvente para o mesmo fim.
E finalmente também para os mesmos fins emitirá parecer o MºPº - vide artigo 64º nºs 1 e 2 do CIRE.
Após o que o juiz apreciará as contas de acordo com os elementos indicados.
Do formalismo processual relatado resulta evidente a oportuna pronúncia do MºPº de acordo com os trâmites legais, em representação do Estado e na defesa dos interesses que lhe são confiados pela lei [vide artigo 2º e 4º nº 1 al. m) da Lei 68/2019 de 27/08 – Estatuto do MºPº].
O que se menciona apenas para afastar o argumento do recorrente de que face ao silêncio da comissão de credores e credores deveriam as contas ter sido aprovadas sem mais.

No que às contas apresentadas respeita, podemos agrupar as verbas questionadas e não aprovadas, fundamento deste recurso, em 3 grupos:
i- um primeiro grupo respeita a despesas relacionadas com os serviços prestados pelo AI e que o mesmo enquadrou em:
. despesas de deslocação como gasóleo, portagens e estacionamento no valor de € 4.115,43;
. “CESE” – custo efetivo serviço escritório no valor de € 1.744,46;
. custos com emails e faxes no valor individual de € 7,50 (reportando-o ao custo com o equipamento informático e materiais subjacentes, licenças, assistência técnica entre outros) no valor de 1.597,50;
. despesas com almoços/jantares e estadias em hotel em deslocações num total de € 6.571,88
[a que correspondem as als. a) a d) do ponto 11 das vicissitudes processuais supra elencadas];
ii- um segundo grupo com origem na contratação de terceiros auxiliares da função do AI e sobre as quais o MºPº manifestou a sua oposição entre o mais por não terem sido previamente autorizadas pela comissão de credores.
Em causa
. contratação da “I…” com vista a efetuar estudo à contabilidade e após prestação de serviços na área da contabilidade – em causa o valor de € 60.270,00;
. contratação da “H…” para limpeza de terrenos e obras de conservação necessárias – em causa o valor de € 60.946,00 - e não como por lapso é referido € 60.496,00 que aqui se deixa corrigido;
. contratação de D… para serviços de contabilidade - em causa o valor de € 5.080,00;
iii- finalmente e num terceiro grupo o valor de € 73.289,12 que o AI reteve com fundamento em pagamento por conta da remuneração variável.

De acordo com o EAJ [Estatuto do Administrador Judicial aprovado pela Lei 22/2013 e alvo já de duas alterações introduzidas pela Lei 17/2017 e 52/2019] o administrador judicial, denominado administrador da insolvência quando nessa qualidade exerce funções, é um servidor da justiça e do direito devendo atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhe vedada a prática de atos que para seu benefício ou de terceiros possam pôr em crise consoante os casos, “a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados.” – vide artigo 12º nºs 1 e 2.
A exigente habilitação para o cargo demanda especial formação – tal como decorre em especial dos atuais artigos 3º e 9º [anteriormente na vigência da Lei 32/2004 revogada pela Lei 22/2013 – artigos 6º e 10º ] - sendo nomeadamente submetidos os candidatos a exame escrito que inclui entre outras matérias
“a) Direito comercial e Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b) Direito processual civil (…);
c) Contabilidade e fiscalidade;
(…).

Pelo exercício destas funções tem o AJ direito a ser remunerado, bem como tem direito a ser reembolsado das “despesas necessárias ao cumprimento das mesmas” – vide artigo 22º do atual EAJ (anterior artigo 19º).
As regras da remuneração estão previstas nos atuais artigos 23º a 30º do EAJ - EAJ atual que se entende aplicável atenta a data em que se constituiu a obrigação de prestar contas. Sem prejuízo dos atos praticados na vigência da anterior Lei 32/2004 como é o caso da provisão para despesas.
E sendo o AI nomeado pelo juiz, como foi o caso, tem direito a receber uma componente fixa de € 2.000,00 fixada pelo nº 1 da Portaria 51/2005 de 01/01 a que acresce uma componente variável a calcular nos termos do artigo 2º desta mesma Portaria, em função do resultado da liquidação da massa insolvente e sempre considerando, no caso de substituição, o previsto no artigo 24º nº 2 do EAJ.
Implicando que o pagamento desta segunda componente está dependente do resultado da liquidação.
Já no que respeita a despesas, estipula o artigo 3º da Portaria 51/2005:
“Presume-se que a provisão para despesas paga pelo Cofre Geral dos Tribunais nos termos do n.º 5 do artigo 26.º e do n.º 2 do artigo 27.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, corresponde às despesas efetuadas pelo administrador da insolvência, não havendo lugar à restituição da mesma ainda que as despesas efetivamente realizadas sejam inferiores ao valor da provisão.”
Atendendo à data em que a provisão foi devida, é de considerar efetivamente o que na Lei 32/2004 [EAJ em vigor à data em que estes valores se venceram] era então disposto e assim a provisão devida era de € 500,00 – tal como resulta da análise conjugada do disposto no artigo 26º nº 6 da Lei 32/2004[2] com o artigo 1º nº 1[3] da Portaria 51/2005 de 20/01 ex vi artigo 20º nº1 da mesma Lei 32/2004.
Da leitura conjugada destes normativos resulta que até ao montante acima referido de € 500,00 o AI não tem que justificar as despesas por si realizadas por ter o legislador presumido ser esse valor adequado para tanto.
A partir do valor aludido no artigo 26º nº 6 da Lei 32/2004 todas as despesas efetuadas pelo AI têm de ser justificadas em sede de prestação de contas, estando então sujeitas ao crivo da utilidade e indispensabilidade por referência aos atos que o exercício das funções no processo concreto demandaram.
No que respeita a despesas de deslocação, apenas são de reembolsar as que seriam devidas a um AI com domicílio profissional na comarca em que foi instaurado o processo de insolvência ou nas comarcas limítrofes – vide 29º nº 11 do EAJ atual [com redação aproximada no anterior EAJ – artigo 26º nº 9].
Tendo presentes estes considerandos temos de concordar com o juízo formulado pelo tribunal a quo quanto às despesas elencadas nas als. a) a d), sem prejuízo da salvaguarda infra mencionada.
Das despesas com deslocações, considerado já o custo dos Kms. contabilizados pelo AI à razão de 0,36 são de excluir as despesas adicionais reclamadas com gasóleo, portagens e estacionamento e que se entendem cobertas pelo anterior valor.
O “custo” dos faxes e mails ao valor unitário de € 7,50 em si não se mostram evidentemente justificados.
E quando reportados aos custos do equipamento, de aquisição, assistência técnica ou licenças, somos remetidos para os custos de funcionamento do escritório do Exmo. Sr. AI que assim cumulou este valor com parte das despesas relacionadas como “CESE”.
Tal como resulta da C/C apresentada pelo Sr. AI “CESE” corresponde a “envelope timbrado (1,00€); papel (0,50€); eletricidade e impressão (0,50€); fotocópias (1,60€); pagamento de prestação de serviços datilográficos/lançamento contabilístico/arquivo (5 €) = 8,60.
E “CESE1” corresponde a “envelope timbrado (2,00€); selo (0,32€); papel (0,50€); eletricidade e impressão (0,50€); fotocópias (1,60€); pagamento de prestação de serviços datilográficos/lançamento contabilístico/arquivo (5 €) = 9,92.
As despesas que correspondem a despesas inerentes ao exercício da atividade do AI, ou seja e tal como referido pelo tribunal a quo “os encargos da estrutura logística com a qual o Sr. Administrador da Insolvência se propôs desempenhar as suas funções” são encargos da sua exclusiva responsabilidade.
A considerar seriam apenas os efetivos e concretos custos em material utilizado no exercício do cargo para que foi nomeado – in casu despesas com papel, selo e envelopes. Já que as demais verbas elencadas corresponde na verdade a encargos assumidos no âmbito da estrutura preparada pelo AI para o exercício da sua atividade.
Sem prejuízo de não terem sido juntos documentos comprovativos destas despesas, entende-se razoável e conforme às regras da experiência ter o AI despendido efetiva e concretamente durante quase 6 anos um valor nestes consumíveis que segundo um juízo de normalidade e razoabilidade se entende como justo fixar em € 300,00.
No mais improcede a pretensão do recorrente.
Ainda neste grupo, não existe fundamento para considerar justificadas as despesas com almoços/jantares ou estadias para reuniões com colaboradores. Estas despesas não se mostram indispensáveis ou úteis ao exercício do cargo ou como consequência do mesmo necessária.
Em suma nenhuma censura merece o decidido nesta sede.

Já no que respeita às despesas correspondentes a custos com terceiros a quem o AI recorreu para o coadjuvar no exercício das suas funções, não é possível ignorar a exigência legal de prévia autorização/concordância da comissão de credores quando esta exista como é o caso – vide artigo 55º nº 3 do CIRE. Tanto mais quando em causa estão elevados valores com necessário reflexo nos interesses dos credores.
A exigência de prévia autorização das despesas a que alude o artigo 55º nº 3 do CIRE exclui a aprovação tácita que o recorrente parece invocar em sede de recurso, quando alega que a prestação de serviços (no caso da I…) era conhecida ou que a necessidade dos serviços era conhecida e resultou em benefício para a massa (no caso da H…).
Subjacente à exigência da prévia autorização está a ideia da “pessoalidade e intransmissibilidade” do cargo evidenciada no nº 2 do artigo 55º.
“Mesmo com o risco de ser acusada de excessivo rigor, a lei optou por uma solução que favorece um maior controlo da atividade do administrador e do modo do seu exercício em consonância com a responsabilização pessoal a que agora irrevogavelmente o submete em conformidade com o artigo 59º”[4]
Prévia autorização que quando não exista tem como consequência a não aprovação das despesas.
Não obstante, admite-se excecionalmente que quando a não solicitação se mostre justificada pelo AI com base em critérios de urgência, oportunidade e necessidade em defesa dos interesses dos credores e da massa, evidenciando para estes o correspondente benefício, se possa vir caso a caso a considerar justificadas as despesas que em tal enquadramento tenham sido realizadas[5].

Esta justificação não foi pelo AI apresentada nos autos.
Mesmo após ter sido notificado para a devolução dos valores, em resposta de 11/11/2019 nada alegou a este propósito relativamente à contratação de D… [que pelos factos apurados resulta ser a TOC da insolvente antes da insolvência] ou da H… – o que só veio a fazer em sede de recurso.
E mesmo nestes casos apenas alegando a necessidade da sua contratação, não os motivos por que previamente não solicitou a autorização da comissão de credores.
Estas despesas estão assim claramente afastadas do condicionalismo exigido para a sua aprovação mesmo por via excecional, já que a sua prévia autorização ou razões para a ausência nem sequer foi alegada.
Já a contratação de “I…” merece um tratamento diverso.
Não obstante o recorrente igualmente apenas ter alegado a necessidade da contratação, nada em concreto alegou quanto a prévia autorização da comissão de credores.
Ainda assim e tal como resulta das vicissitudes processuais acima elencadas, foi efetivamente o AI autorizado a contratar F… – o qual é gerente da I… e para tanto se considera como a autorizada, em consonância aliás com a comunicação enviada pelo AI à comissão de credores a 09/12/2011 e aos autos junta como doc. 50 a fls. 114 - mas nos estritos termos que se mostram ali elencados : ou seja foi autorizada a despesa de € 5.000,00 mais IVA e despesas para a realização de uma perícia contabilística.
Foi ainda autorizada a contratação do TOC (I…) para tratamento contabilístico e assessoria pelo valor de 1.200,00 mais IVA mas apenas por um ano.
Dos docs. juntos mostra-se comprovado o pagamento à I… dos valores de € 1537,50 + € 4.612,50 – vide docs. 109 e 288 juntos com a prestação de contas, dos quais se extrai que ambos respeitam ao pagamento da perícia/ Relatório efetivamente elaborado e junto aos autos e considerado nomeadamente no apenso da qualificação da insolvência.
A estes valores tendo de acordo com a informação prestada pela I… acrescido o montante de € 307,50 a título de despesas que suportou em nome da massa insolvente, conforme esta o informou em 20/11/2019 a fls. 827 dos autos.
Na autorização da comissão de credores foi incluído o pagamento de despesas.
Estes pagamentos mostram-se assim devidamente autorizados pela comissão de credores e estão também justificados pelos docs. 288 e 109 juntos pelo AI.
Perfazendo o total de € 6.457,50.
Da autorização concedida fazia parte ainda o valor de € 1200,00 pelo período de um ano a título de assessoria.
Ocorre que não só o Sr. AI não juntou documento comprovativo do pagamento deste valor – todos os demais valores que este alegou ter pago a esta entidade correspondem a levantamentos em dinheiro feitos pelo mesmo sem qualquer outro comprovativo do destino dado a tal dinheiro, como os valores em questão não correspondem sequer ao valor autorizado, sendo sempre muito superiores.
Impondo a conclusão de que o AI não comprovou o pagamento da quantia que havia sido autorizada e apenas por um ano.
Esta mesma autorização concedida nos termos apurados afasta a legitimidade do Sr. AI em prorrogar a contratação por outros períodos e como tal também por esta via não se mostram justificadas as despesas peticionadas para além dos valores acima referidos – no total de € 6.457,50.
Tanto mais quando em causa estão questões de contabilidade para as quais também o Sr. AI tinha competências, tal como decorre da formação específica que lhe era exigida e acima já aludida.
Assim, os valores autorizados pela comissão de credores e que estão documentalmente demonstrados – no total de € 6.457,50- devem ser considerados aprovados.
Todos os demais valores [para além de não documentalmente demonstrados] por não autorizados, têm de ser considerados como não justificados tal como o tribunal a quo decidiu.
E por esta mesma razão inexiste fundamento para a pretendida notificação dos prestadores de serviços para se pronunciarem sobre a sua contratação, já que a não aprovação das respetivas despesas – para além dos valores acima referidos - sempre estaria inviabilizada pelo exposto.
Improcedendo por tal a arguida nulidade (vide conclusão 58º).

Finalmente temos a questão da retenção por conta da remuneração variável.
Também aqui não assiste razão ao recorrente.
O recebimento da remuneração variável está dependente de liquidação a ser elaborada oportunamente pela secretaria do tribunal – vide artigos 24º e 29º do EAJ e 182º do CIRE. Até lá carece o AI de legitimidade para reter qualquer quantia a tal título. Tendo a norma do nº 9 do artigo 29º do EAJ de ser compatibilizada com os anteriores normativos implicando não poder ocorrer qualquer retenção ou pagamento antes de tal liquidação.

Em suma, procede parcialmente o recurso interposto, apenas quanto às quantias de € 1537,50 e € 4.920,00, num total de € 6.457,50 que passam a dever ser consideradas como aprovadas, acrescidas do montante de € 300,00 a título de despesas com papel, selo e envelopes.
No mais mantém-se a decisão recorrida, nesta se considerando a retificação decorrente de lapso de soma evidente quanto ao valor reclamado pelo AI por despesas (não aprovadas) com a H… – num total de € 60.946,00 (e não € 60.496,00) o que corresponde a uma diferença de mais € 450,00 não aprovados.
O valor final aprovado corresponde assim ao montante total de € 98.940,94 [correspondente este valor à subtração do valor contabilizado pelo AI de € 232.508,71 do valor não aprovado de 140.325,27 (incluída aqui já a retificação dos € 450,00); acrescido do valor de 6.757,50].

IV. Decisão.
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto, consequentemente se mantendo o julgamento de validamente prestadas as contas apresentadas pelo Sr. Administrador da Insolvência substituído, ascendendo as despesas aprovadas ao montante de € 98.940,94 ao invés da quantia de € 232.508.71 que o Sr. AI havia contabilizado.
Custas do recurso pelo recorrente e massa insolvente na proporção do vencimento e decaimento.
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Porto, 2021-07-12.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] No âmbito do qual foram consultados eletronicamente os autos principais e apensos com relevo para o recurso.
[2] Cujo teor aqui se reproduz: “6 - A provisão para despesas equivale a um quarto da remuneração fixada na portaria referida no n.º 1 do artigo 20.º e é paga em duas prestações de igual montante, sendo a primeira paga imediatamente após a nomeação e a segunda após a elaboração do relatório pelo administrador da insolvência, nos termos do artigo 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
[3] Cujo teor aqui se reproduz: “1 - O valor da remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência, é de (euro) 2000.”
[4] Luís C. Fernandes e João Labareda in CIRE Anot., 3ª ed. P. 331 nota 11.
[5] Assim se defendeu no Ac. TRL de 22/09/2020, nº de processo 109/14.3T8VFX-D.L1-1; Ac. TRL de 24/05/2018, nº de processo 10.804/14.1T2SNT-D.L1-6; Ac. TRP de 20/06/2017, nº de processo 1079/11.5T2AVR-G.P1; Ac. TRP de 07/02/2019, nº de processo 495/13.2TBOAZ-H.P1 onde igualmente se declara sufragar o entendimento de que a solução deve ser casuística, admitindo como tal caso a caso eventual justificação de despesas pagas a terceiro e não previamente autorizadas; Ac. TRE de 11/05/2017 nº de processo 114/15.2T8RMZ-D.E1, abordando a questão apenas na vertente da não prévia autorização obtida com a consequente não aprovação das despesas, todos in www.dgsi.pt