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ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE DA ENTIDADE EMPREGADORA
DANOS MORAIS
EXERCÍCIO DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário
I - A extensão da competência material do Tribunal de Trabalho, prevista no n.º 11 do art. 18.º da Lei 98/2009, de 04 de Setembro AT, é uma típica competência por conexão e não uma competência própria e directa em função da matéria em causa. II - Tal extensão de competência só funcionará quando a pretensão principal que se quer fazer valer tenha em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral. III - Se a parte não pretende fazer valer o direito à reparação tipicamente contemplado na lei laboral, mas apenas quer exercitar o direito à indemnização por danos morais, nos termos da lei geral, não se vê qualquer razão para ter de intentar a acção no Tribunal de Trabalho, que não tem competência directa para apreciar tal matéria a não ser por via da conexão acima referida.
* [extraído do Ac. STJ de 24-09-2013, Proc.º 2796/10.2TBPRD.P1.S]
Texto Integral
APELAÇÃO n.º 2019/20.6T8PNF.P1 SECÇÃO SOCIAL
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO I.1 No Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo do Trabalho de Penafiel, B…, veio propor Acção Declarativa Comum de Condenação contra C…, S.A., Sociedade Comercial,e D… – Companhia de Seguros S.A., a qual veio a ser distribuída ao Juiz 3, pedindo que julgada procedente, em consequência, sejam as RR condenadas nos termos seguintes:
A) A ora 1ª Ré a pagar à ora Autora a quantia global €120.000,00 (cento e vinte mil euros), sendo €50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado; €50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos pela ora Autora e €20.000,00 (vinte mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima em função do sofrimento físico por ele padecido e da angústia pela perceção da gravidade do seu estado e da aproximação da morte e que, por sucessão, se transmitiu à ora Autora, bem como no pagamento de juros de mora sobre aquela quantia desde a data da citação até integral e efetivo pagamento, e, bem assim, em custas e procuradoria condigna.
B) A ora 2ª Ré a pagar à ora Autora a quantia global de €1.723,00 (mil setecentos e vinte e três euros) a título de danos patrimoniais, respeitantes às despesas com o funeral do sinistrado e, bem assim, nas custas processuais da parte correspondente.
Para sustentar os pedidos alegou, no essencial, o seguinte:
- O facto de que emerge a causa de pedir da acção é um sinistro que ocorreu a 15 de Dezembro de 2015, cuja participação ao Tribunal do Trabalho ocorreu no dia 21 de Dezembro do mesmo ano.
- Após tentativa de conciliação fracassada no Tribunal de Trabalho, e tendo sido entendimento daquele tribunal que a aqui Autora não preenchia os requisitos para ser beneficiária do trabalhador, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 49.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, optou a Autora por intentar Acção Declarativa de Condenação contra os aqui ora Réus, a 5 de Dezembro de 2018, junto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel, cujos termos correram sobre o processo n.º 3575/18.4T8PNF, invocando então a sua mera condição de familiar e herdeira do arguido, não já a de titular do direito a pensão por morte ou beneficiária nos termos da LAT.
- Existindo jurisprudência no sentido de que a acção para a reclamação de danos não patrimoniais por parte de familiares de sinistrado em acidente de trabalho que não são beneficiários nos termos da LAT dever ser reclamada na jurisdição dos tribunais comuns de competência genérica (Ac. do Tribunal da Relação do Porto, processo 2796/10.2TBPRD.P1, em 09.10.2012 e no processo 917/14.5TBVCD.P1, em 12.01.2016), divergindo, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel julgou-se incompetente para julgar a acção, remetendo-a para os juízos de competência especializada de trabalho.
- Não obstante, na referida acção, os Réus foram devidamente citados, por carta registada, datada de 6 de Dezembro de 201, facto que determinou a interrupção do prazo de prescrição do direito que será peticionado e determina a tempestividade da presente acção.
- A Autora é progenitora de E…, falecido no dia 15 de Dezembro de 2015, pelas 21h25, no Hospital … (Centro Hospitalar …, EPE).
- A Autora é a única e universal herdeira legitimária do seu filho, que faleceu no estado civil de solteiro, sem descendentes e sem testamento ou outra disposição de última vontade.
- A causa da morte do filho da ora Autora foi um acidente de trabalho ocorrido na Rua …, …, ao serviço da aqui primeira Ré, como serralheiro civil, no decorrer da realização de trabalhos relacionados com a colocação de painéis na cobertura de um pavilhão industrial, sito na obra F…, Lda., em …, Felgueiras, durante o horário laboral das 08h30m às 12h30m e das 14h00m às 18h00m, cumprindo instruções e sob a direcção da aqui 1ª Ré, com quem tinha outorgado um Contrato de Trabalho.
- A morte adveio directamente de lesões múltiplas provocadas por queda em altura de aproximadamente 8 metros, para o interior do acima mencionado pavilhão. O sinistrado foi socorrido no local, dando entrada, nesse mesmo dia, no Hospital …, pelas 15h:30m, onde esteve internado cerca de 5 a 6 horas, vindo a falecer pelas 21h25.
- Desde de que o sinistrado deu entrada no Hospital …, o mesmo esteve sempre consciente, apercebendo-se da morte que lhe adveio, tendo sentido imensas dores e sofrimento.
- No dia 16 de Dezembro de 2015, foi efectuada pela ACT uma visita inspectiva ao local de trabalho entre as 15h30 e 16h10, mas o estaleiro onde ocorreu o acidente encontrava-se vedado e sem indícios de actividade. Apesar de contactada a 1.ª Ré, ninguém compareceu no local do sinistro.
- Desconhecendo-se o local concreto - em qual dos pavilhões -, teria ocorrido o acidente de trabalho, a equipa inspectiva verificou a inexistência de protecção colectiva da periferia da cobertura de todos os pavilhões e existência de uma rede de segurança horizontal num dos pavilhões.
- Posteriormente foi realizada uma 2.ª visita inspectiva, no dia 06 de Janeiro de 2016, ao estaleiro referenciado, tendo-se verificado a existência de linhas de vida na periferia da cobertura, uma rede de segurança horizontal e de painéis colocados na cobertura sob a rede de segurança.
- Tal demonstra que a segurança entre o dia 16 de Dezembro de 2015 e o dia 6 de Janeiro de 2016 foi alterada e reforçada, não correspondendo à que existia no dia da ocorrência do sinistro em causa nestes autos.
- O Administrador da 1ª Ré, G…, no dia 15 de Fevereiro de 2016, declarou no inquérito desconhecer a data em que foram colocados aqueles meios de segurança e a quem deu ordens para serem colocadas.
- Resulta da factualidade apurada que se verificou a violação das apontadas regras de segurança impostas à 1ª Ré a equipa inspectiva verificou a inexistência de protecção colectiva da periferia da cobertura de todos os pavilhões e existência de uma rede de segurança horizontal num dos pavilhões., sendo inequívoco o nexo de causalidade entre a inobservância das referidas regras de segurança e o acidente sofrido pelo sinistrado. Houve negligência por parte da entidade patronal, aqui ora 1ª Ré, pois as normas de segurança a que estava adstrita não foram cumpridas.
- A 1ª Ré, na qualidade de entidade empregadora havia transferido a sua responsabilidade civil por acidentes de trabalho para a 2ª Ré, pelo que é a 2.ª Ré parte interessada em contestar a presente acção, razão pela qual se chama a juízo.
- A 1ª Ré efectuou a participação do acidente de trabalho à 2ª Ré no dia 16 de Dezembro de 2015.
- À data do acidente, o sinistrado era uma pessoa robusta e sadia, muito activa, alegre e dinâmica, com grande apego ao trabalho e, essencialmente, à família. Com gosto pela vida, cultivando a amizade com os colegas e gozando de boa reputação no meio social e na comunidade em que estava inserido.
- Auferia mensalmente um salário base de €784,41, ajudava a progenitora, ora Autora, com quem residia, contribuindo para com as despesas da vida corrente da mesma, nomeadamente, as que respeitavam aos alimentos, médicas, medicamentosas, vestuário e casa.
- A Autora dependia muito do seu filho, tanto a nível emocional como económico, uma vez que já possui uma avançada idade e aufere uma pensão no valor de €165,20.
- Após a morte do seu filho mergulhou a Autora numa profunda dor e tristeza, tendo ficado, privada da comunhão de vida com o seu filho depois de 49 anos de existência.
- Clara está a caracterização do sinistro como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, bem como o resultado da autópsia médico-legal. Sendo que tal acidente foi causado por inobservância de regras de segurança por parte da 1ª Ré na qualidade de entidade empregadora.
- Comprovada a actuação negligente da entidade patronal, aqui 1ª Ré, há lugar à ressarcibilidade dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados à aqui ora Autora, em virtude da morte do seu filho.
- Em virtude do falecimento do seu filho, a Autora despendeu a quantia de €1.723,00 com o funeral, sendo que a Segurança Social nunca procedeu ao reembolso dessas despesas, indeferindo o pedido.
- A obrigação de indemnizar pelo dano da perda do directo à vida, deverá ser fixada tendo em conta a circunstância repentina e inesperada da morte, o contributo culposo para a sua ocorrência e a capacidade económica da lesante, considerando-se equitativamente adequado o montante indemnizatório de €50.000,00, sendo que tal pretensão é da titularidade da autora, enquanto herdeira de seu filho, em cuja esfera jurídica se produziu o dano morte.
- Os titulares previstos na lei, têm o direito a obterem uma compensação pelo seu próprio sofrimento, causado pela morte da vítima, e também uma compensação correspondente ao próprio dano da perda da vida. Em relação aos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, os seus danos próprios pela perda de um familiar próximo, ponderando o grau de parentesco imediato, o tempo de convivência, a ligação íntima e cooperante entre a vítima, o acompanhamento familiar, a assídua presença do falecido, a circunstância repentina e inesperada da morte, o contributo culposo para a sua ocorrência e a capacidade económica da lesante, considera a Autora equitativamente adequado o montante indemnizatório de €50.000,00.
- No que concerne ao dano não patrimonial sofrido pela vítima antes de morrer, correspondente à dor que terá sofrido antes de falecer, valorada tendo em atenção o grau de sofrimento, a sua duração, maior ou menor grau de consciência sobre o seu estado e a previsão da sua morte, considera a Autora equitativamente adequado o montante indemnizatório de €20.000,00.
Conclui formulando os pedidos acima descritos. I.2 Concluídos os autos, o Tribunal a quo proferiu o despacho seguinte:
-«Consultei o processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho nº 3382/15.6T8PNF, no qual foi declarada suspensa a instância ao abrigo do artº 119º, nº 4, do C.P.T., e o qual é relativo a um alegado acidente de trabalho sofrido no dia 15.12.2015 por E…. Ao abrigo das disposições conjugadas dos artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), e 117º, nº 1, alínea a), ambos do C.P.T., e 3º, nº 3, 193º, nº 1, 196º e 200º, nº 2, todos do C.P.C., determino que a A. seja notificada para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a nulidade relativa ao erro na forma do processo.
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Notifique e cumpra nos termos determinados.
[..]». I.3 A autora veio pronunciar-se, defendendo que “os tribunais de trabalho, face ao disposto no art.º 85º, c) da L.O.F.T.J., têm competência abstrata para conhecer das ações deduzidas por trabalhador (ou, em caso de morte deste, pelos seus familiares) contra entidade patronal (ou representante desta), a fim de obter indemnização por danos não patrimoniais ligados por nexo de causalidade adequada a acidente de trabalho quando este tenha sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultante de falta de observância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.».
Refere socorrer-se de factos relacionados com o acidente de trabalho de modo a provar a conduta culposa da ora 1ª Ré, mas que não pretende reclamar qualquer crédito laboral ou a existência do acidente de trabalho, embora a alegação dos factos que estiveram na origem do acidente de trabalho seja essencial para a boa decisão da causa no que concerne ao pedido de indemnização cível pelos danos não patrimoniais causados pela conduta ilícita da 1ª Ré, pois sem a sua alegação não seria possível a este Tribunal conhecer do pedido efectuado.
Mais alega propor a presente acção não na qualidade de beneficiária do sinistrado com o intuito de receber a reparação típica nos casos de acidente de trabalho – uma pensão anual – mas sim como herdeira, reclamando o pagamento de montantes indemnizatórios devidos, nomeadamente, o ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos em consequência do falecimento do seu filho.
Reclama pois o pagamento de uma indemnização que se funda não no direito laboral, mas antes na responsabilidade civil.
Conclui, defendendo que não há erro na forma do processo, porquanto, a acção intentada pela Autora situa-se fora do âmbito laboral. I.4 Subsequentemente o Tribunal a quo proferiu a decisão seguinte: -«No despacho de fls. 83, foi determinada a notificação da A., B…, “para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a nulidade relativa ao erro na forma do processo”. Notificada nos termos determinados no despacho de fls. 83, a A. apresentou a peça processual de fls. 85 verso a 88, na qual referiu, para além do mais, que entende e defende que não há lugar a erro na forma do processo, porquanto a acção intentada por si situa-se fora do âmbito laboral. Cumpre apreciar e decidir. Dispõe o artº 48º, do C.P.T., que: “1 - O processo é declarativo ou executivo. 2 - O processo declarativo pode ser comum ou especial. 3 - O processo especial aplica-se nos casos expressamente previstos na lei; o processo comum é aplicável nos casos a que não corresponda processo especial.”. Considerando o disposto no artº 48º, do C.P.T., e a circunstância de o C.P.T., prever vários processos declarativos especiais, é possível afirmar que a aplicação do processo declarativo comum é subsidiária relativamente à aplicação dos processos declarativos especiais. A este propósito, diz Joana Vasconcelos (in “Direito Processual do Trabalho”, Universidade Católica Editora, Lisboa 2017, págs. 77 e 78) que: “O mesmo art. 48.º do CPT proclama, ainda, a subsidiariedade do processo declarativo comum face aos processos especiais (...) Esta subsidiariedade torna essencial a determinação das situações abrangidas por cada processo especial, já que só estas serão através dele acauteladas, mas, também, só através dele o serão, não tendo o titular do direito a efetivar qualquer margem de opção entre este e o processo comum.”. Ora, entre os vários processos declarativos especiais que o C.P.T. prevê encontra-se o processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, o qual está regulado nos artºs 99º a 150º, todos do C.P.T.. Acontece que tal processo constitui a adjetivação das regras sobre reparação de acidentes de trabalho previstas na Lei nº 98/2009, de 04.09, a qual, segundo o nº 1, do seu artº 1º, “regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro.”. Sendo que o artº 2º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, estatui que: “O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei.” e o artº 18º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, prescreve que: “1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. 2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido. 3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele. 4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes: a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição; b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente. 5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59º a 61º. 6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.” (sublinhados meus). Ora, compulsada a petição inicial, verifica-se que a A. instaurou o presente processo declarativo comum por si e na qualidade de única e legítima herdeira de E… e invocou como causa de pedir um alegado acidente de trabalho mortal do qual foi vítima E… no dia 15.12.2015 e que resultou da inobservância de regras sobre segurança e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora daquele. Ante o exposto e considerando a circunstância de, no âmbito do processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho nº 3382/15.6T8PNF - o qual é relativo a um alegado acidente de trabalho mortal do qual foi vítima E… no dia 15.12.2015 - ter sido declarada suspensa a instância ao abrigo do artº 119º, nº 4, do C.P.T., e, bem assim, o disposto no artº 117º, nº 1, alínea a), do C.P.T., simples é de ver que a A., ao invés de ter instaurado o presente processo declarativo comum, deveria ter apresentado a petição inicial no processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho nº 3382/15.6T8PNF para o efeito de dar início à fase contenciosa de tal processo. Assim sendo, encontra-se verificada a nulidade “erro na forma do processo” prevista no artº 193º, nº 1, do C.P.C., sendo que o artº 193º, do C.P.C., é aplicável ao presente processo declarativo comum por força do disposto no artº 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T.. Sucede que tal nulidade implica, tão só, a anulação dos atos que não possam ser aproveitados (artº 193º, nº 1, do C.P.C.) - sendo que não devem aproveitar-se os atos já praticados se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu (artº 193º, nº 2, do C.P.C.) -, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (artº 193º, nº 1, do C.P.C.). Ora, no presente processo declarativo comum, há que proceder à anulação da petição inicial, uma vez que a mesma não pode ser aproveitada. Na verdade, a petição inicial tinha que ter sido apresentada no processo especial para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho nº 3382/15.6T8PNF. Ante o exposto e ao abrigo das disposições conjugadas dos artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 193º, nºs 1 e 2, 196º, 198º, nº 1, e 200º, nº 2, todos do C.P.C., julgo verificada a nulidade “erro na forma do processo” prevista no artº 193º, nº 1, do C.P.C., e, em consequência, anulo a petição inicial e determino o arquivamento do presente processo declarativo comum. * Notifique e cumpra nos termos determinados (..)». I.5 Não se conformando com essa decisão, a Autora interpôs recurso de apelação o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
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……………………………… I.6 A Recorrida não contra-alegou. I.7 A Digna Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação, não emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPT, na consideração de tal lhe estar vedado, por se tratar de questão com natureza processual. I.8 Verificando-se que a 1.ª instância não fixara o valor da causa, determinou-se a baixa dos autos para ser observado o disposto no art.º 306.º n.º3,do CPC.
Dando cumprimento ao determinado, a 1.ª instância fixou o valor da causa em € 121.723,00. I.9 Foram cumpridos os vistos legais, remetido o projecto aos excelentíssimos adjuntos e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência. I.10 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], a questão colocada para apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito ao entender estar-se perante uma situação de “erro na forma do processo” prevista no art.º 193º, nº 1, do C.P.C., em consequência, tendo determinado a anulação da petição inicial e o arquivamento do presente processo declarativo comum. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes são os que constam do Relatório acima, acrescidos dos seguintes:
1. No processo n.º 3382/15.6T8PNF, Comarca do Porto Este - Ministério Público Penafiel - Procuradoria Inst. Central – Trabalho, relativo a Acidente de Trabalho-MORTE (F. Conciliatória), foi realizada tentativa de conciliação, em 28/09/2016, constando do respectivo AUTO DE NÃO CONCILIAÇÃO, o seguinte:
-«Em Penafiel, 28/09/2016, no gabinete da Exma. Procuradora da República deste tribunal, [..], comigo oficial de justiça [..], nos autos de Acidente de Trabalho-MORTAL (F. Conciliatória), Processo: 3382/15.6T8PNF, em que são parte: Sinistrado/Falecido: E… Entidade responsável: D…-Companhia de Seguros SPA-Sucursal em Portugal e outros PRESENTES: Beneficiária: B…, portadora do B. I. n.º ……., nascida em 27/12/1929, com domicílio: Rua …, n.º … - …. Mandatário: Dr. H…, que juntou a procuração que antecede. Entidade responsável: D…-Companhia de Seguros S.P.A. - Sucursal Em Portugal, NIF - ………, domicílio: Rua …, .., ….-… Lisboa Representante da entidade Responsável: I… Pela mãe do sinistrado e o seu Ex.mo mandatário foi dito: - Que o sinistrado E…, foi vítima de um acidente trabalho no dia 15/12/2015, pelas 14:30 em … - Felgueiras, quando exercia as funções de serralheiro, sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade empregadora C…, Ldª, mediante a retribuição anual de €784,41 x 14 + €122,10 x 11, cuja responsabilidade se encontrava transferida para a seguradora. Em consequência do acidente veio a falecer no próprio dia. O acidente ocorreu quando o sinistrado se encontrava a executar as tarefas de colocação de painel na cobertura (+/- 8 metros de altura) de um pavilhão industrial, tendo sofrido uma queda Foi autopsiado no GML de Penafiel, conforme consta do relatório de autópsia a fls. 80 a 82 verso, cujos termos aqui se dão por reproduzidos. Foi a vítima a sepultar no cemitério …, concelho do Felgueiras, pelo que houve transladação. PELO EXPOSTO RECLAMAM: A) - A reclamante pretende receber a pensão sob a forma de capital de remição, pelo que reclama o capital de remição da pensão anual de 2.464,97€ a partir de 16/12/2015, uma vez que face à manifestação de vontade da beneficiária do sinistrado e ao facto de a pensão anual ser inferior a 6 vezes a RMlG, é a mesma obrigatoriamente remível, nos termos do disposto no artigo 75º, nº 1 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro. B) - A quantia de 1.723,00€, a título de despesas suportadas com o funeral, conforme documento que junta. Pela Legal Representante da Companhia de Seguros foi dito: Aceita a transferência salarial de €784,41 x 14 + €122,10 x 11 No entanto declina toda e qualquer responsabilidade nos presentes autos, em virtude de o mesmo ter ocorrido devido a violação das condições de segurança, negligência grosseira, por parte do sinistrado, nomeadamente a não utilização de arnês de segurança. PELA MAGISTRADA DO MINISTÉRIO PÚBLICO, FOI DITO: Dada a posição assumida pelas partes, dava-as por não conciliadas. E ficam os autos a aguardar nos termos do art. 117º, n.º 1 alínea a) do CPT. Sem embargo da eventual intervenção acessória do Ministério Público, não cabe ao próprio Ministério Público o patrocínio oficioso da mãe do sinistrado, visto que o mesmo constituiu mandatário judicial na pessoa do ilustre advogado Exmº Srº. Drº H…, com procuração junta aos autos. Do despacho logo os presentes foram notificados, declarando ficar bem cientes.
(..)».
2. O processo veio a ser distribuído ao J3, da Comarca do Porto Este - Penafiel - Inst. Central - Sec. Trabalho.
3. No processo acima referido, em 25-10-2016, pelo Senhor Juiz foi proferido o despacho seguinte:
- “Ao abrigo do disposto no art.º 119.º n.º 4 do CPT, declaro suspensa a instância. Notifique».
4. Em 14-12-2016, o Ministério Público teve vista nos autos, tendo promovido o seguinte: -«Promovo se extraia e me seja entregue certidão de fls.3 a 21, 24, 28, 29, 31, 59 a 82, 84 a 89, a fim de instaurar processo administrativo com vista a recolha de elementos para eventual propositura de acção e acompanhamento do processo».
5. Em 4-01-2017, foi proferido despacho judicial com o teor seguinte: “Passe e entregue a requerida certidão, mantendo-se os autos suspensos nos termos já determinados”.
6. A A. intentou Acção Declarativa de Condenação contra os aqui Réus C…, S.A. e D… – Companhia de Seguros S.A., no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel, que correu termos no Juiz 2, no processo n.º 3575/18.4T8PNF, na qual a 1.º Ré arguiu a excepção de incompetência material, vindo o Tribunal, por decisão de 2-09-2019, a decidir o seguinte:
-«Pelo exposto, julgando-se procedente a excepção de incompetência em razão da matéria, do presente Juízo Central Cível – Tribunal Comum – decide-se absolver as rés da instância». II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
No entender do Tribunal a quo, vindo a autora propor a presente acção na qualidade de única e legítima herdeira de seu filho E…, invocando como causa de pedir o acidente de trabalho, ocorrido em 15-12-2015, em consequência do qual aquele veio a falecer, alegando que o mesmo se deveu a inobservância de regras sobre segurança e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora aqui demandada, há erro na forma de processo, prevista no art.º 193º, nº 1, do C.P.C.
Subjacente a esse entendimento, está a consideração de que o C.P.T. prevê o processo próprio para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, regulado nos artºs 99º a 150º, o qual constitui a adjectivação das regras sobre reparação de acidentes de trabalho previstas na Lei nº 98/2009, de 04.09, bem assim que correu termos processo, com o nº 3382/15.6T8PNF, para a efectivação de direitos resultantes daquele acidente de trabalho, no qual foi a instância declarada suspensa ao abrigo dos art.º 119º, nº 4, e 117.º n.º 1, al. a) do C.P.T.
Refere o tribunal a quo, que o invés de vir propor a presente acção declarativa com processo comum, a Autora deveria antes ter apresentado a petição inicial naquele processo emergente de acidente de trabalho para dar início à fase contenciosa.
Discordando, contrapõe a autora, no essencial, que no processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho n.º 3382/15.6T8PNF, relativo ao acidente de trabalho que vitimou seu filho, “interveio com o estatuto de beneficiária do direito às prestações específicas de reparação por acidente de trabalho”. Nesse processo não se obteve a conciliação, em razão da D… – Companhia de Seguros SPA, ter declinado a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho por entender que o acidente ocorreu devido a violação das condições de segurança, negligência grosseira, por parte do sinistrado, nomeadamente a não utilização de arnês de segurança.
A instância foi declarada suspensa ao abrigo do disposto no artigo 119º, n.º 4, do C.P.T. “Solicitou o patrocínio do Ministério Público para a propositura da acção - o que deu lugar à instauração do processo n.º 136/17.9T9PNF – o qual foi recusado por se considerar a sua pretensão infundada, o que determinou o arquivamento dos autos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 8º do C.P.T.”
Prossegue, alegando que “(..) tinha o prazo de um ano para propositura da acção (..) no entanto, por um lado o Mandatário constituído à data não o fez e por outro lado o patrocínio foi recusado por parte do Ministério Público”, para referir que “(..) não restaram alternativas à aqui ora Recorrente”, a não ser propor a presente acção com processo comum, na consideração de que “nunca (..) se poderia fazer valer da Ação Especial, pois, se por um lado a mesma intenta a acção enquanto herdeira e não beneficiária, por outro, a verdade é que os direitos resultantes do acidente de trabalho consagrados na L.A.T., já há muito precludiram”.
Procurando sustentar esse entendimento, argumenta, ainda, o seguinte:
- “(..) nunca foi beneficiária do direito à reparação infortunística”;
- “(..) apenas se a Recorrente tivesse tido a oportunidade de reclamar os seus direitos indemnizatórios no processo especial de acidente de trabalho é que seria essa a acção adequada”;
- “peticiona o ressarcimento pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela conduta ilícita da ora 1ª Ré (..)” sendo “(..) tal indemnização (..) peticionada nos termos gerais da Lei Civil”;
- “(..) socorre-se de factos relacionados com o acidente de trabalho de modo a provar a conduta culposa da ora 1ª Ré, no entanto, não pretende (..) reclamar qualquer crédito laboral ou a existência do acidente de trabalho”;
- Não obstante, a alegação dos factos que estiveram na origem do acidente de trabalho “(..) é essencial para a boa decisão da causa no que concerne ao pedido de indemnização cível pelos danos não patrimoniais causados pela conduta ilícita da 1ª Ré”;
- “(..) propõe a acção em crise não na qualidade de beneficiária do sinistrado com o intuito de receber a reparação típica nos casos de acidente de trabalho – uma pensão anual – mas sim como herdeira, reclamando o pagamento de montantes indemnizatórios devidos, nomeadamente, o ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos em consequência do falecimento do seu filho” sendo de considerar “(..) que o pedido formulado se situa fora do âmbito laboral”
- Não tendo a Autora podido exercer os seus direitos em acção especial de acidente de trabalho terá de o fazer em acção de processo comum, não existindo “erro na forma do processo”, devendo a acção continuar a correr os seus termos sob forma de processo declarativo comum. II.2.1 Com o propósito de enquadrarmos a questão em apreço, começaremos por deixar algumas notas essenciais.
Como se sabe, o Regime de Reparação de acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais encontra-se regulado na Lei 98/2009, de 04 de Setembro.
O conceito de acidente de trabalho é-nos dado pelo n.º 1 do art.º 8.º, ao dispor “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
Nos termos do art.º 2.º, são beneficiários com direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho nos termos previstos na lei, o trabalhador e os seus familiares.
No que concerne à responsabilidade pela reparação, rege o art.º 7.º, estabelecendo que “[É]responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho,(..), nos termos previstos na presente lei, a pessoa singular ou colectiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço”, mas importando ter presente que, nos termos do art.º 79.º, ao empregador é imposta a obrigação de “ (..) transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro”.
Os familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho nos casos em que ocorre a morte do sinistrado em consequência do acidente de trabalho. A enunciação dos familiares titulares do direito à pensão por morte é dada pelo art.º 57.º, no que aqui interessa, entre eles constando os “Ascendentes que, à data da morte do sinistrado, se encontrem nas condições previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 49.º; [n.º1. al. d)], ou seja, “(..) com rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com os do seu cônjuge e ou de pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro deste valor”.
Casos há, porém, em que apesar de ter ocorrido um acidente de trabalho, a lei exclui o direito à reparação. Para tanto é necessário que se verifique uma causa excludente daquele direito, nos termos previstos taxativamente na lei, que conduz à denominada “Descaracterização do acidente”. Na actual lei ocupa-se desses casos o art.º 14.º, estabelecendo, no que aqui releva, o seguinte: - «1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: a)For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; b)Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; c)Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
[..]»
Em contraponto, outros casos há em que atendendo à actuação culposa do empregador, a lei estabelece um regime de reparação agravado, abrangendo igualmente os familiares beneficiários em caso de acidente que tenha provocado a morte do sinistrado, constando os mesmos regulados no art.º 18.º da LAT, no que aqui releva, ao dispor o seguinte: -«1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. 2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.
3 – [..].
4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
[..]».
Neste breve percurso pela Lei 98/2009, com relevo para o caso, cabe ainda deixar nota do art.º 179.º n.º1, dispondo que “O direito de acção respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta”.
No que concerne ao direito adjectivo, o art.º 48.º do CPT, com a epígrafe “Espécies de processos”, estabelece o seguinte:
-«1 - O processo é declarativo ou executivo. 2 - O processo declarativo pode ser comum ou especial. 3 - O processo especial aplica-se nos casos expressamente previstos na lei; o processo comum é aplicável nos casos a que não corresponda processo especial».
O processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, consta regulado nos artigos 99.º a 150.º do CPT, compreendendo duas fases distintas: uma primeira, chamada fase conciliatória, de realização obrigatória e sob a direcção do Ministério Público Artigo; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direcção do Juiz.
Através da primeira, como a sua própria denominação o indica, procura-se alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente de trabalho para o sinistrado através da composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas (direitos indisponíveis), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos. Para possibilitar aquele objectivo, a tramitação desta fase compreende, por sua vez, três fases, uma primeira, de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a“(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo susceptível de ser homologado (art.ºs 104.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, nos casos de incapacidade, que consiste na realização do exame médico singular, devendo este no relatório “deve indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (art.ºs 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo susceptível de ser homologado pelo Juiz (art.º 109.º) [Cfr. João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efectivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e sgts.].
Conforme estabelece o art.º 112.º 1, do CPT, não se obtendo o acordo, no auto da tentativa “(..) são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”.
E, como decorre do art.º 117.º, do CPT, o início da fase contenciosa depende da apresentação de petição inicial ou o requerimento a que se refere o n.º2, do art.º 138.º do CPT.
A apresentação de requerimento é o meio processual próprio quando o interessado “se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação da incapacidade para o trabalho” [art.º 138.º2 do CPT], o qual deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos [art.º 117.º n.º2, CPT], a fim de serem respondidos pelos senhores peritos médicos no exame por junta médica previsto no art.º 139.º/1 do CPT, perícia que é de realização obrigatória.
Por seu turno, como se retira a contrario sensu do n.º2, do art.º 138.º do CPT, a apresentação de petição inicial é necessária quando a discordância entre as partes na tentativa de conciliação vá para além da questão da incapacidade, por exemplo, nos casos em que não se obtém o acordo por invocação pelos responsáveis pela reparação de não subsistir esse direito por se verificarem circunstâncias que conduzem à descaracterização do acidente de trabalho.
No que respeita à apresentação da petição inicial, estabelece o art.º 119.º, do CPT, no que aqui releva, o seguinte:
-«1 - Não se tendo realizado o acordo ou não tendo este sido homologado e não se verificando a hipótese prevista no artigo 116.º, o Ministério Público, sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, quanto ao dever de recusa, e no artigo 9.º, assume o patrocínio do sinistrado ou dos beneficiários legais, apresentando, no prazo de 20 dias, a petição inicial ou o requerimento a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º 2 – [..] 3 – [..]. 4 - Findo o prazo referido no n.º 1 ou a sua prorrogação nos termos do n.º 2, o processo é concluso ao juiz, que declara suspensa a instância, sem prejuízo de o Ministério Público dever apresentar a petição logo que tenha reunido os elementos necessários».
Atenta a remissão feita no n.º1 do art.º 119.º, importa, ainda, atentar nos artigos 8.º e 9.º, do CPT.
O artigo 8.º, com a epígrafe “Recusa do patrocínio”, estabelece o seguinte:
-«1 - O Ministério Público deve recusar o patrocínio a pretensões que repute infundadas ou manifestamente injustas e pode recusá-lo quando verifique a possibilidade de o autor recorrer aos serviços do contencioso da associação sindical que o represente. 2 - Quando o Ministério Público recusar o patrocínio nos termos do número anterior, deve notificar imediatamente o interessado de que pode reclamar, dentro de 15 dias, para o imediato superior hierárquico. 3 - Os prazos de propositura da acção e de prescrição não correm entre a notificação a que se refere o número anterior e a notificação da decisão que vier a ser proferida sobre a reclamação».
Por seu lado, o art.º 9.º, dispõe que “Constituído mandatário judicial, cessa a representação ou o patrocínio oficioso que estiver a ser exercido, sem prejuízo da intervenção acessória do Ministério Público”.
Uma última nota, para assinalar que o acidentes de trabalho de que tenha resultado a morte do trabalhador é sempre de participação obrigatória e imediata ao Tribunal competente, seja pela seguradora para quem esteja transferida a responsabilidade infortunística relativamente ao trabalhador vítima do acidente (art.º 90.º n.º1), ou pelo próprio empregador quando a responsabilidade não esteja transferida (art.º 88.º n.º1). II.2.2 Revertendo ao caso, atentas algumas afirmações da recorrente, afigura-se-nos pertinente melhor contextualizar o caso e deixar as considerações necessárias para repor o rigor das coisas.
Na petição inicial que deu origem à presente acção, a autora começou por justificar o recurso a este meio processual, referindo que no processo emergente de acidente de trabalho n.º 3382/15.6T8PNF, relativo ao acidente de trabalho que vitimou seu filho E…, “após tentativa de conciliação fracassada no Tribunal de Trabalho, e tendo sido entendimento daquele tribunal que a aqui Autora não preenchia os requisitos para ser beneficiária do trabalhador, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 49.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, optou a Autora por intentar Acção Declarativa de Condenação contra os aqui ora Réus, a 5 de Dezembro de 2018, junto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel, cujos termos correram sobre o processo n.º 3575/18.4T8PNF, invocando então a sua mera condição de familiar e herdeira do arguido, não já a de titular do direito a pensão por morte ou beneficiária nos termos da LAT”.
Mais referiu, e aqui reitera, que “Posteriormente, a Autora solicitou o patrocínio do Ministério Público para a propositura da acção - o que deu lugar à instauração do processo n.º 136/17.9T9PNF – o qual foi recusado por se considerar a sua pretensão infundada, o que determinou o arquivamento dos autos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 8º do C.P.T.”.
Referiu, ainda, que “Existindo jurisprudência no sentido de que a acção para a reclamação de danos não patrimoniais por parte de familiares de sinistrado em acidente de trabalho que não são beneficiários nos termos da LAT dever ser reclamada na jurisdição dos tribunais comuns de competência genérica (Ac. do Tribunal da Relação do Porto, processo 2796/10.2TBPRD.P1, em 09.10.2012 e no processo 917/14.5TBVCD.P1, em 12.01.2016), divergindo, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel julgou-se incompetente para julgar a acção, remetendo-a para os juízos de competência especializada de trabalho».
É na sequência desse percurso que veio propor a presente acção declarativa com processo comum, alegando que “não tendo (..) podido exercer os seus direitos em acção especial de acidente de trabalho terá de o fazer em acção de processo comum”.
Em contraposição ao entendido pelo Tribunal a quo, defende «que não se encontra verificada a nulidade “erro na forma do processo”, devendo a acção continuar a correr os seus termos sob forma de processo declarativo comum».
Em primeiro lugar, não vimos com que fundamento vem a recorrente sugerir -referindo-se à acção emergente de acidente de trabalho -, que foi entendimento daquele tribunal “que a aqui Autora não preenchia os requisitos para ser beneficiária do trabalhador”.
Desde logo, o Tribunal de Trabalho onde correu termos a acção emergente de acidente de trabalho, com o n.º 3382/15.6T8PNF, não se pronunciou sobre essa ou qualquer outra questão, dado que a fase contenciosa nem sequer se chegou a iniciar em razão da autora não ter apresentado a necessária petição inicial. Certo é, porém, como a própria menciona no recurso, que estava representada por mandatário constituído e, logo, bem poderia ter apresentado a petição inicial.
Acresce dizer, como se retira do Auto de Não Conciliação, que o Ministério Público promoveu a tentativa de conciliação no pressuposto da autora reunir as condições para ser beneficiária, justamente por isso tendo reclamado da Ré seguradora “(..) o capital de remição da pensão anual de 2.464,97€ a partir de 16/12/2015, uma vez que face à manifestação de vontade da beneficiária do sinistrado e ao facto de a pensão anual ser inferior a 6 vezes a RMlG, é a mesma obrigatoriamente remível, nos termos do disposto no artigo 75º, nº 1 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro”, bem assim “A quantia de 1.723,00€, a título de despesas suportadas com o funeral, (..)”.
Mais, a conciliação frustrou-se não em razão da seguradora ter posto em causa a qualidade de beneficiária da autora, mas antes por entender que o acidente terá “ocorrido devido a violação das condições de segurança, negligência grosseira, por parte do sinistrado, nomeadamente a não utilização de arnês de segurança”, ou seja, declinou a responsabilidade no pressuposto de se estar perante uma situação de descaracterização do acidente de trabalho, nos termos previstos no art.º 14.º da Lei 98/2009.
Mas como ficou expressamente consignado no respectivo auto de não conciliação, cabia à autora dar início à fase contenciosa, apresentando para tanto a necessária petição inicial, nos termos do art.º 117.º do CPT, sendo que tal não cabia ao Ministério Público, mas antes ao mandatário constituído pela autora.
Acontece, como a Autora refere, que a acção não foi proposta. Quais as razões não sabemos, mas certamente a Autora delas terá conhecimento, pois deverá ter sido informada pelo seu mandatário constituído, ou ter-lhe-á pedido esclarecimentos.
Não o refere a autora, nem se sabe qual foi a razão, mas o certo é que o mandato forense conferido àquele Senhor advogado cessou e a Autora, num primeiro passo, optou por solicitar o patrocínio do Ministério Público para a propositura da acção, mas veio a ver a sua pretensão recusada, segundo refere “por se considerar a sua pretensão infundada, o que determinou o arquivamento dos autos (entenda-se, do processo administrativo do MP) nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 8º do C.P.T”.
Este Tribunal não dispõe de elementos para saber em concreto quais foram as razões que levaram o Ministério Público a recusar o patrocínio, mas convém ter presente que o n.º 1, do art.º 8.º do CPT, impõe ao Ministério Público o dever de recusa do patrocínio “a pretensões que repute infundadas”.
Não é, por isso, despiciendo assinalar que embora a autora, suportando-se no Relatório de Acidente de Trabalho - elaborado pela ACT, Unidade Local de Penafiel, em 17-03-2016 -, que juntou, venha na petição inicial afirmar que «resulta da factualidade apurada que se verificou a violação das apontadas regras de segurança impostas à 1ª Ré, sendo inequívoco o nexo de causalidade entre a inobservância das referidas regras de segurança e o acidente sofrido pelo sinistrado. Houve negligência por parte da entidade patronal, aqui ora 1ª Ré, pois as normas de segurança a que estava adstrita não foram cumpridas», essa conclusão não é seguramente tão líquida quanto pretende sugerir, pois daquele mesmo documento, para além do mais, consta também o seguinte:
-[..]
Segundo declarações prestadas nesta Unidade Local pelo trabalhador J… (Anexo I – fotocópia do Auto de Declarações do trabalhador):
“No dia do acidente (15/1/2015), da parte da manhã os trabalhadores K…, L…, J… e a vítima E… encontravam-se na cobertura executando tarefas de colocação de painéis na cobertura.
As horas de início e termo das jornadas de trabalho seriam entre as 8:00 às 12:00 e das 14:00 às 18:00.
Aquando do regresso ao trabalho da parte de tarde após as 12:00, deslocaram-se os trabalhadores para o local de trabalho, tende os trabalhadores K… e L… permanecido na plataforma de trabalho executando tarefas de soldadura e os trabalhadores J… e a vítima E… deslocaram-se para a cobertura utilizando para o efeito a plataforma elevatória.
O trabalhador J… aquando do acesso à cobertura já tinha colocado o arnês de segurança e preparava-se para executar tarefas de colocação de parafusos (tendo efetivamente executado).
A vítima E… teria deixado o arnês de segurança na cobertura da parte da manhã, tendo-o efetivamente utilizado no decorrer das tarefas. Não reparou se a vítima colocou o arnês quando iniciou as tarefas da parte de tarde.
No momento antecedente ao acidente a vítima disse que iria buscar uma caixa de parafusos. Não presenciou a queda do trabalhador E….”
[..]».
Seja como for, o certo é que discordando da recusa do patrocínio, ideia que transmite na alegação, inclusive usando ponto de exclamação para a reforçar, a autora poderia ter reclamado, no prazo de 15 dias sobre a notificação daquela decisão, para o imediato superior hierárquico (n.º2, do art.º 8.º, CPT). Ao que se crê, não o terá feito.
É nesse circunstancialismo, que foi suspensa a instância no processo emergente de acidente de trabalho, como o impõe a lei processual (art.º 119.º do CPT), por falta de apresentação da Petição Inicial, condição necessária para o desencadear da fase contenciosa do processo emergente de acidente de trabalho.
Subsequentemente, mediante procuração conferida em 16 de Agosto de 2017 – junta aos autos - a autora constituiu a ilustre mandatária que a representa na presente acção e recurso.
Foi já no âmbito desse patrocínio que intentou a acção Acção Declarativa de Condenação contra os aqui Réus C…, S.A. e D… – Companhia de Seguros S.A., no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel, que correu termos no Juiz 2, no processo n.º 3575/18.4T8PNF, na qual a 1.º Ré arguiu a excepção de incompetência material, vindo o Tribunal, por decisão de 2-09-2019, a julgá-la procedente, absolvendo as rés da instância, na consideração, no essencial (conforme se retira da sentença junta nesta acção) de que “o presente pleito (considerados os sujeitos, o pedido e a causa de pedir, está incluído na medida de jurisdição do Tribunal de Trabalho e, assim, é este o materialmente competente para dele conhecer, o que significa, por contraponto, a incompetência material deste juízo”
Refere a recorrente autora, sugerindo uma posição de discordância com o que veio a ser decidido, que “Existindo jurisprudência no sentido de que a acção para a reclamação de danos não patrimoniais por parte de familiares de sinistrado em acidente de trabalho que não são beneficiários nos termos da LAT dever ser reclamada na jurisdição dos tribunais comuns de competência genérica (Ac. do Tribunal da Relação do Porto, processo 2796/10.2TBPRD.P1, em 09.10.2012 e no processo 917/14.5TBVCD.P1, em 12.01.2016), divergindo, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel julgou-se incompetente para julgar a acção, remetendo-a para os juízos de competência especializada de trabalho”.
Aqui chegados, cabe sublinhar que também não vimos razões para a recorrente vir afirmar que não lhe restaram alternativas senão recorrer àquela acção e, face à decisão ai proferida, à presente acção.
Na verdade, como cremos que ficou bem evidenciado, a autora bem podia ter dado início à fase contenciosa no processo emergente de acidente de trabalho através do mandatário constituído, o que não fez. Subsequentemente, tendo pedido o patrocínio do MP e visto a pretensão ser recusada, podia também ter reclamado, mas tanto quanto parece, também não o fez. Por último, no que concerne à decisão proferida pelo Tribunal Cível, se a autora propôs aí a acção na convicção de ser aquele o Tribunal competente, para tanto sustentando-se na jurisprudência que refere, e se entende que aquele Tribunal divergiu dessa jurisprudência, então bem podia ter recorrido dessa decisão, nada a obrigando a conformar-se com ela e a recorrer ao Tribunal do Trabalho para propor a presente acção. II.2.3 Prosseguindo, para entramos agora directamente na questão em apreço, importa assinalar que se bem atentarmos na fundamentação da decisão recorrida, o Tribunal a quo não tomou posição quanto à questão da competência material para a apreciação da presenta causa, atenta a relação material controvertia configurada pela autora, ou seja, demandando esta na qualidade de única e universal herdeira legitimária do seu filho, “não já a de titular do direito a pensão por morte ou beneficiária nos termos da LAT”, para reclamar da 1.ª Ré empregadora “danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado; €50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos pela ora Autora e €20.000,00 (vinte mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima em função do sofrimento físico por ele padecido e da angústia pela perceção da gravidade do seu estado e da aproximação da morte e que, por sucessão, se transmitiu à ora Autora”, alegando como causa de pedir, o acidente de trabalho que, na sua perspectiva, ocorreu por violação das regras de segurança por parte daquela Ré.
Com efeito, não há qualquer referência a esses pontos, no que se retira da parte essencial da fundamentação, limitando-se o Tribunal a quo a sustentar a decisão na consideração do seguinte: -«Ora, compulsada a petição inicial, verifica-se que a A. instaurou o presente processo declarativo comum por si e na qualidade de única e legítima herdeira de E… e invocou como causa de pedir um alegado acidente de trabalho mortal do qual foi vítima E… no dia 15.12.2015 e que resultou da inobservância de regras sobre segurança e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora daquele. Ante o exposto e considerando a circunstância de, no âmbito do processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho nº 3382/15.6T8PNF - o qual é relativo a um alegado acidente de trabalho mortal do qual foi vítima E… no dia 15.12.2015 - ter sido declarada suspensa a instância ao abrigo do artº 119º, nº 4, do C.P.T., e, bem assim, o disposto no artº 117º, nº 1, alínea a), do C.P.T., simples é de ver que a A., ao invés de ter instaurado o presente processo declarativo comum, deveria ter apresentado a petição inicial no processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho nº 3382/15.6T8PNF para o efeito de dar início à fase contenciosa de tal processo. Assim sendo, encontra-se verificada a nulidade “erro na forma do processo” prevista no artº 193º, nº 1, do C.P.C.».
Não nos parece que tenha sido o percurso mais adequado. Para indagar se há erro na forma de processo, previamente era necessário concluir que o Tribunal de Trabalho é o competente para apreciar a presente acção, nessa indagação tendo em conta a relação material controvertida configurada pela autora e a argumentação que usou para sustentar a sua posição.
Ora, embora ao proferir a decisão recorrida o Tribunal a quo tenha necessariamente actuado como o competente em razão da matéria, o certo é que não se sabe se ponderou essa questão e, caso assim tenha entendido, quais as razões que o levaram a ter por adquirida essa competência.
A incompetência em razão da matéria constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso, salvo se decorrente de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário [art.ºs 576.º 1 e 2, 577.º al. a) e 578.º do CPC].
Assim, desde logo, por se impor esse conhecimento, começaremos justamente por nos debruçarmos sobre essa questão.
Dispõe o artigo 37.º Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto [Lei da Organização do Sistema Judiciário], no seu n.º1, que “Na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território”.
A determinação da competência em razão da matéria entre os tribunais judiciais de primeira instância é regulada pela Lei da Organização do Sistema Judiciário, conforme dimana do n.º2, do seu art.º 40.º.
Em consonância, o art.º 65.º do CPC estabelece que “as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.
Os tribunais de competência especializada conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável, entre eles encontrando-se o tribunal de trabalho, ou com maior rigor de terminologia, os Juízos de trabalho [art.ºs. 80º, nº 2 e 81º n.ºs 1, 2 e 3, al. h), da LOSJ], cuja competência em matéria cível consta enunciada, em termos taxativos, no art.º 126º da referida Lei.
Nos termos do n.º1, al, c), desse artigo, compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (..) “Das questões emergentes de acidentes de trabalho”.
Como assinala o Acórdão do STJ de 08-06-2017 – indagando se aquele normativo “suporta a atribuição aos Tribunais de Trabalho da competência para conhecer os litígios derivados de acidentes sofridos por trabalhadores por conta própria, no exercício das suas funções, entre estes e as seguradoras para quem tenham transferido a responsabilidade pela reparação das consequências daqueles acidentes” - [Proc.º 5515/15.3T8OAZ-A.P1.S1, Conselheiro António Leone Dantas, disponível em www.dgsi.pt] - mas em consideração cujo pressuposto geral é transponível para o caso, “(..) a resolução dos litígios emergentes de acidentes de trabalho há muito que está atribuída a uma jurisdição especializada – a jurisdição do Trabalho - que aborda esta competência num quadro processual próprio – o processo dos acidentes de trabalho - que integra disciplina processual específica para a realização deste ramo do Direito, articulando a dimensão pericial da determinação das consequências do acidente, com a realização dos interesses de natureza pública que estão subjacentes à reparação da perda da capacidade de ganho.”
Na mesma linha de entendimento, reportando-se à Lei 100/97, mas com plena aplicabilidade à actual Lei 98/2009, observa Carlos Alegre que não existem acidentes de trabalho, nem formas de os reparar que o não sejam nos termos (taxativamente) previstos na presente lei do trabalho e demais legislação regulamentar, o que se retira nomeadamente da existência de um processo especial de acidentes de trabalho, exclusivamente reservado ao tratamento judicial dos acidentes previstos “nos termos” da lei” [Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, anotação ao art. º10º da Lei nº 100/97, págs. 73 e 74].
A realidade factual subjacente ao caso, reporta-se a um acidente ocorrido com o trabalhador E…, no dia 15-12-2015, quando prestava a sua actividade laboral à Ré C…, S.A., em consequência do qual veio a falecer.
O acidente mortal foi participado ao Tribunal competente - Comarca do Porto Este - Ministério Público Penafiel - Procuradoria Inst. Central – Trabalho- e, logo, em cumprimento do disposto no art.º 99.º do CPT, tendo por base a participação, o Ministério Público iniciou o processo emergente de acidente de trabalho, que correu termos sob o n.º 3382/15.6T8PNF, dirigindo a fase conciliatória até atingir o seu termo, ou seja, a tentativa de conciliação, que no caso veio a gorar-se em razão da seguradora ter declinado a responsabilidade pela reparação, alegando que o acidente se ficou a dever “(..) a violação das condições de segurança, negligência grosseira, por parte do sinistrado, nomeadamente a não utilização de arnês de segurança”, tendo os autos ficado a aguardar a apresentação de petição inicial pela autora, como condição para se iniciar a fase contenciosa (art.º 117.º n.º1, do CPT).
Como já se referiu, a aqui autora e recorrente interveio na tentativa de conciliação na qualidade de beneficiária, ou seja, significa isso que face aos elementos recolhidos pelo Ministério Público no âmbito das “diligências indispensáveis à determinação dos beneficiários legais dos sinistrados e à obtenção das provas de parentesco” que lhe competiu realizar (art.º 100.º n.º1, do CPT), concluiu que a mãe do sinistrado reunia os requisitos necessários para ser considerada “beneficiária”, mais precisamente titular do direito à pensão por morte que foi reclamada da seguradora, nos termos previstos nos artigos 59.º n.º1 al. d) e 49.º n.º1, al. d), da Lei 98/2009, designadamente, que o seu rendimento individual era “ de valor mensal inferior ao valor da pensão social”.
Não foram então reclamadas pensões agravadas, com fundamento na agora alegada responsabilidade da ré empregadora por alegada violação de regras de segurança no trabalho, ao abrigo do disposto no art.º 18.º da Lei 98/2009, pese embora à data estivesse já disponível e nos autos o Relatório de Acidente de Trabalho - elaborado pela ACT, Unidade Local de Penafiel, em 17-03-2016.
Não obstante, nada impedia que a aí beneficiária, caso tivesse dado início à fase contenciosa mediante a apresentação da petição inicial, apresentando os seus fundamentos e deduzindo a pretensão a que se julgava com direito, suscitasse essa questão – em contraposição à sustentada pela Ré seguradora para recusar a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente.
Ora, como é pacificamente aceite, se assim tivesse procedido e na qualidade de beneficiária, poderia ter formulado todos os pedidos que depois deduziu na acção que intentou nos tribunais cíveis e agora reitera na presente acção, por ser esse o meio processual próprio, visto que o art.º 18.º n.º 1 da Lei 98/2009, estabelece que “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Mas como já referido, acontece que não o fez e, para além disso, entretanto deixou decorrer o prazo de caducidade – e não de prescrição, como refere a recorrente – para exercer o direito de acção respeitante às prestações fixadas na Lei 98/2009, que é de um ano a contar da morte do sinistrado, se esse for o resultado do acidente (art.º 179.º 1, da Lei 98/2009).
Foi no seguimento desse desfecho que a autora, num primeiro passo, intentou a acção junto do tribunal cível, a qual agora vem aqui repetir em razão daquele Tribunal se ter declarado materialmente incompetente para a apreciação da causa, afirmando ser competente o Tribunal do Trabalho.
É entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que a aferição da competência material dos tribunais é feita em função da relação material controvertida tal como configurada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre a pretensão deduzida – o pedido - e os respectivos fundamentos – a causa de pedir-, sem que nessa indagação deva ser formulado um juízo de prognose sobre o mérito da causa.
Os pedidos formulados pela autora são os seguintes:
- A condenação da Ré empregadora a pagar-lhe a quantia global €120.000,00, sendo €50.000,00 a título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado; € 50.000,00 a título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos pela ora Autora e € 20.000,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima em função do sofrimento físico por ele padecido e da angústia pela percepção da gravidade do seu estado e da aproximação da morte “e que, por sucessão, se transmitiu à ora Autora”, bem como no pagamento de juros de mora sobre aquela quantia desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
- A condenação da Ré seguradora a pagar-lhe a quantia global de €1.723,00 a título de danos patrimoniais, respeitantes às despesas com o funeral do sinistrado.
Para sustentar os pedidos alego, no essencial, o seguinte:
- O seu filho, de quem é única e universal herdeira, no dia 15 de Dezembro de 2015, pelas 14:30 em … - Felgueiras, quando no exercício das funções de serralheiro, sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade empregadora C…, Ldª, se encontrava a executar as tarefas de colocação de painel na cobertura (+/- 8 metros de altura) de um pavilhão industrial, sofreu uma queda, causando-lhe múltiplas lesões, em consequência das quais veio a falecer no próprio dia.
- O acidente ocorreu por violação de regras de segurança impostas à 1ª Ré, designadamente, a inexistência de meios de protecção colectiva contra quedas, “sendo inequívoco o nexo de causalidade entre a inobservância das referidas regras de segurança e o acidente sofrido pelo sinistrado. Houve negligência por parte da entidade patronal, aqui ora 1ª Ré, pois as normas de segurança a que estava adstrita não foram cumpridas”.
- À data do acidente, o sinistrado era uma pessoa robusta e sadia, muito activa, alegre e dinâmica, com grande apego ao trabalho e, essencialmente, à família. Com gosto pela vida, cultivando a amizade com os colegas e gozando de boa reputação no meio social e na comunidade em que estava inserido.
- Ajudava a Autora, com quem residia, contribuindo para com as despesas da vida corrente da mesma, nomeadamente, as que respeitavam aos alimentos, médicas, medicamentosas, vestuário e casa.
- A Autora dependia muito do seu filho, tanto a nível emocional como económico, uma vez que já possui uma avançada idade e aufere uma pensão no valor de €165,20.
- Após a morte do seu filho mergulhou a Autora numa profunda dor e tristeza, tendo ficado, privada da comunhão de vida com o seu filho depois de 49 anos de existência.
- A 1ª Ré, na qualidade de entidade empregadora havia transferido a sua responsabilidade civil por acidentes de trabalho.
Refere a autora nas suas conclusões de recurso que propõe “a acção em crise não na qualidade de beneficiária do sinistrado com o intuito de receber a reparação típica nos casos de acidente de trabalho – uma pensão anual – mas sim como herdeira, reclamando o pagamento de montantes indemnizatórios devidos, nomeadamente, o ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos em consequência do falecimento do seu filho. (..) não estando em causa a qualidade de beneficiária do sinistrado para efeitos da legislação laboral, nem a atribuição de pensão por morte prevista na mesma legislação, sempre será de considerar que o pedido formulado se situa fora do âmbito laboral».
Pois bem, no que concerne ao pedido dirigido contra a Ré seguradora, a Autora não tem razão ao defender que não está a pedir prestações previstas no âmbito da reparação proporcionada pela LAT. Desde logo, como parece de fácil compreensão, a seguradora só responde no âmbito da cobertura do seguro, ou seja, pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho. O subsídio por despesas de funeral é uma prestação reparatória prevista na Lei 98/2009 e destina-se a compensar as despesas efectuadas com o funeral do sinistrado, com a particularidade do direito ao mesmo poder ser reconhecido a pessoas distintas dos familiares e equiparados do sinistrado, desde que comprovadamente tenham efectuado o pagamento dessas despesas (art.º 66.º n.ºs 1, 3 e 4, da Lei 98/2009).
Assim, este pedido só poderia ser deduzido pela autora, independentemente de reunir as condições previstas no art.º 49.º n.º1, al. d), da Lei 98/2009, no processo emergente de acidente de trabalho nº 3382/15.6T8PNF, o que pressupunha, com se vem dizendo, que a autora tivesse apresentado a petição inicial para dar início à fase contenciosa.
Por conseguinte, quanto a este pedido dirigido contra a Ré Seguradora, tem razão o Tribunal a quo ao ter julgado «verificada a nulidade “erro na forma do processo” prevista no artº 193º, nº 1, do C.P.C».
Já quanto aos pedidos dirigidos contra a Ré empregadora, atento respectivo âmbito e os fundamentos invocados, designadamente, a qualidade em que a autora demanda, ou seja, de herdeira e não de beneficiária, nos termos previstos na LAT, a solução é diversa. Senão vejamos.
Debruçam-se sobre questões com contornos similares os acórdãos desta Relação do Porto a que a Autora faz referência, lendo-se nos respectivos sumários, no que aqui interessa, o seguinte:
i) De 09-10-2012 [Proc.º2796/10.2TBPRD.P1, Desembargadora Maria João Areias, disponível em www.dgsi.pt] I- [..] II - A competência do tribunal de trabalho com fundamento na ai. c) do art. 85° da LOFTJ - questão emergente de acidente de trabalho -, pressupõe que se encontre em causa a reparação de danos emergentes de acidente de trabalho a que os trabalhadores ou seus familiares tenham direito nos termos previstos na lei do trabalho e demais legislação regulamentar (n°1 do art. 1° da LAT). III - Em caso de morte do trabalhador, os familiares da vítima só terão direito à reparação nos termos previstos na lei do trabalho - consistente na pensão anual prevista no art. 20º da Lei nº 100/97 -, caso se incluam no conceito de beneficiário legal aí contido. IV - Desde que se imponha a competência do tribunal de trabalho por se encontrar em causa a atribuição da típica reparação por acidente de trabalho, este será igualmente competente para conhecer da eventual indemnização por danos não patrimoniais a suportar pela entidade patronal. V - Pretendendo os pais do trabalhador falecido a condenação da entidade patronal, solidariamente com as demais rés, unicamente no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, com fundamento na responsabilidade subjectiva das mesmas, por inobservância regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, a competência para julgar tal acção pertence ao tribunal comum. VI- [..]»
ii) De 12-01-2016 [Proc.º 917/14.5TBVCD.P1, Desembargador Rodrigues Pires, disponível em www.dgsi.pt] I - O tribunal de trabalho, pretendendo-se fazer valer o direito à reparação especialmente previsto na legislação de acidentes de trabalho, é igualmente competente para conhecer do pedido de indemnização por danos não patrimoniais. II - Se aos familiares do trabalhador falecido não é reconhecida a qualidade de beneficiários do sinistrado nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho, a competência para julgar a acção em que estes peticionam o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais com fundamento na inobservância das regras sobre saúde e segurança no trabalho pertence ao tribunal comum.
Para que melhor se entenda o percurso seguido naqueles arestos, no primeiro deles - que é seguido pelo segundo - defende-se o seguinte:
-«[..]
…os AA. não invocam a sua eventual qualidade de beneficiários legais para efeitos de atribuição de qualquer reparação no âmbito do direito do trabalho (nomeadamente, da reparação típica que consiste na pensão anual em caso de morte, atribuída aos beneficiários referidos no art. 20º, e com os limites alargados previstos no nº1 do art. 18º). Não se nega aqui que o nº2 do art. 18º tenha vindo alargar o âmbito da competência do tribunal de trabalho à apreciação dos danos não patrimoniais, nos casos aí previstos – responsabilidade subjectiva da entidade patronal, por violação das normas de segurança no trabalho. Contudo, para que se verifique tal competência por conexão, necessário se torna que a pretensão se mova dentro do direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho “nos termos previstos” na lei do trabalho e demais legislação regulamentar. Ora, em caso de morte, os familiares da vítima só terão direito à reparação por acidente de trabalho – circunscrevendo-se esta à pensão anual aí prevista –, caso se enquadrem dentro do conceito de beneficiário legal previsto no citado art. 20º[17]. Como tal, não invocando a situação de dependência económica relativamente ao falecido como fundamento do seu pedido indemnizatório, e não formulando o correspondente pedido de atribuição da pensão por acidente de trabalho prevista no art. 20º da LAT, os AA. (pais do falecido) colocaram-se fora do âmbito da reparação por acidentes de trabalho. E, para que não fiquem dúvidas quanto ao enquadramento que damos à questão em causa, a nosso ver, o que exclui a competência do tribunal de trabalho não é a circunstância de o pedido assentar na responsabilidade subjectiva, nem sequer o facto de se encontrarem em causa, unicamente, danos não patrimoniais (tais circunstâncias encontram-se abrangidas pelo alargamento da responsabilidade expressamente consagrado no art. 18º da LAT). O que verdadeiramente define a competência do tribunal de trabalho é a determinação sobre se nos encontramos, ou não, perante a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho a que o trabalhador e seus familiares tem direito nos termos da LAT e da legislação complementar. E, para tal, não basta que o acidente em causa se possa qualificar como de trabalho, sendo ainda necessário, em caso de morte do trabalhador, que o requerente seja um dos beneficiários previstos no art. 20º da LAT (caso contrário, pura e simplesmente, a situação encontrar-se-á fora da “reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho) e que se encontre em causa a típica reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho – a compensação pela perda da capacidade de ganho da vítima, sob a forma de pensão anual. Desde que se imponha a competência do tribunal de trabalho por se encontrar em causa a atribuição da típica reparação por acidente de trabalho, este será igualmente competente para conhecer da eventual indemnização por danos não patrimoniais a suportar pela entidade patronal.
[..] No caso em apreço, os danos em questão encontram-se fora da reparação por acidentes de trabalho, só sendo ressarcíveis nos termos da responsabilidade civil por factos ilícitos. Como tal, e não tendo sido formulado qualquer pedido para o qual seja atribuída competência directa ao tribunal de trabalho, será o tribunal de Paredes, enquanto tribunal de competência genérica o competente para conhecer da presente acção. Concluindo, não abrangendo a presente acção qualquer “questão emergente de acidente de trabalho”, encontrando-nos perante uma normal acção de responsabilidade civil com fundamento na prática de actos ilícitos por cada uma das rés, a competência para a sua apreciação e julgamento residirá nos tribunais comuns».
No mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 24-09-2013, [Proc.º 2796/10.2TBPRD.P1.S, Conselheiro Moreira Alves, disponível em www.dgsi.pt], sintetizando essa posição no sumário seguinte:
- «I - A extensão da competência material do Tribunal de Trabalho, prevista no n.º 2 do art. 18.º da LAT, é uma típica competência por conexão e não uma competência própria e directa em função da matéria em causa. II - Tal extensão de competência só funcionará quando a pretensão principal que se quer fazer valer tenha em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral. III - Se a parte não pretende fazer valer o direito à reparação tipicamente contemplado na lei laboral, mas apenas quer exercitar o direito à indemnização por danos morais, nos termos da lei geral, não se vê qualquer razão para ter de intentar a acção no Tribunal de Trabalho, que não tem competência directa para apreciar tal matéria a não ser por via da conexão acima referida».
Na escorreita e elucidativa fundamentação desse aresto, sustenta-se, no essencial, o seguinte:
« [..] Assim e desde logo, há que aceitar que os AA. relatam um acidente susceptível de ser caracterizado como um acidente de trabalho, cuja causa estaria essencialmente, na inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, sendo certo que, como é jurisprudência assente, a competência material se afere pelo pedido ou pretensão submetida à apreciação do tribunal, nos exactos termos unilateralmente afirmados pelo autor na petição inicial. Por outro lado, sem dúvida que é dos Tribunais de Trabalho a competência para apreciar das questões emergentes de acidentes de trabalho, portanto, das questões relativas à reparação dos danos deles decorrentes. Não pode, porém, esquecer-se a especificidade dessa reparação, a titularidade do direito à reparação e os sujeitos passivos dessa obrigação. No caso concreto os AA. são pais do trabalhador falecido em consequência do acidente, mas esses laços familiares não são, só por si, suficientes para lhes garantir a qualidade de beneficiários de qualquer das típicas (taxativas) reparações emergentes da responsabilidade infortunística. Para tal, é ainda necessário alegar e provar a dependência económica do sinistrado falecido, ou seja, é preciso demonstrar que o sinistrado contribuía com regularidade para o seu sustento (Art.º 20º, n.º 1 d) da Lei 100/97 – LAT –, diploma aplicável ao caso). Ora, apesar de os AA. terem alegado que o sinistrado contribuía com 100 €/mês para sustento da A., sua mãe e esporadicamente, também a favor do A., seu pai, não alegaram factualidade capaz de configurar a referida dependência. De qualquer modo, como se salienta no acórdão recorrido “não invocam a sua eventual qualidade de beneficiários legais para efeitos de atribuição de qualquer reparação no âmbito do direito de trabalho”. E não se trata, ao que resulta dos autos, de deficiente articulação de matéria de facto necessária à sustentação e êxito do pedido. O que se passa é que os AA. não pretendem, pura e simplesmente, invocar o direito à reparação típica que o direito laboral eventualmente lhes concederia (pensão por morte) nos termos do já citado Art.º 20º n.º 1 d) da L.A.T. Não é essa a reparação que os AA. pretendem obter. Diferentemente, a sua pretensão, situa-se ao nível da responsabilidade civil em geral, no âmbito das previsões dos Art.º 483º e 496º do C.C., conforme resulta muito claro do pedido formulado, pedido que, por isso, nada tem a ver com a reparação dos danos patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho que o sinistrado ou seus familiares têm eventualmente direito no âmbito da responsabilidade infortunística, e isto, independentemente de as indemnizações peticionadas terem origem num acidente de trabalho. Dir-se-á, no entanto, que a L.A.T. prevê a extensão da competência material do Tribunal de Trabalho para a apreciação e atribuição de indemnizações por danos não patrimoniais (danos morais), como é o caso, quando o acidente tiver sido provocado pela entidade patronal ou resultar da falta de observância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, como decorre do Art.º 18º, n.º 2. Daí que, em situações como a dos autos, fosse competente o Tribunal de Trabalho para a apreciação dos pedidos. Salvo melhor opinião, não nos parece de acolher tal orientação. A extensão da competência material do Tribunal de Trabalho prevista no n.º 2 do Art.º 18º da L.A.T. é uma típica competência por conexão e não uma competência própria e directa em função da matéria em causa. Consequentemente, só funcionará tal extensão de competência, quando a pretensão principal que se quer fazer valer tenha em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral. Então, se para além desse direito, o sinistrado ou os seus familiares beneficiários, pretendem, ainda, obter uma indemnização por danos morais, sendo competente o Tribunal de Trabalho, em razão da matéria, para conhecer do pedido principal, não haveria razão válida, até por uma questão de economia processual, para obrigar a parte a recorrer ao foro comum para se ver ressarcida dos danos morais a que se arroga, daí que a lei estenda a competência do Tribunal de Trabalho, por força da conexão entre os pedidos, caso em que, no que respeita aos danos morais, o Tribunal de Trabalho irá aplicar as normais gerais de responsabilidade civil (nos termos da lei geral, como se diz no preceito). Mas, diferentemente, se a parte não pretende fazer valer o direito à reparação tipicamente contemplado na lei laboral (porque não quer, ou porque não lhe assiste esse direito, como por exemplo acontecerá se os familiares da vítima não estiverem em condições de serem considerados beneficiários para efeito de obterem a pensão por morte prevista no Art.º 20º da L.A.T.), mas apenas quer exercitar o direito à indemnização por danos morais, nos termos da lei geral, não se vê qualquer razão para ter de intentar a acção no Tribunal de Trabalho, que não tem competência directa para apreciar tal matéria a não ser por via da conexão acima referida, que na situação hipotetizada (e que é coincidente com a situação concreta dos autos) não existe. Nem sequer vale aqui o princípio da especialização, que está na base da instituição de diversas espécies de tribunais organizados em razão das matérias a apreciar, porquanto, no que respeita aos peticionados danos morais, o Tribunal de Trabalho teria de decidir de acordo com os critérios gerais da responsabilidade civil, tal como o tribunal comum. Portanto, não estando em causa a qualidade de beneficiário para efeitos do disposto no Art.º 20º da L.A.T. nem a atribuição da pensão por morte ali contemplada, há-de considerar-se que o pedido formulado se situa fora do âmbito do processo especial de trabalho, nada tendo a ver com a reparação específica prevista na L.A.T..
[..]».
Acompanhamos o entendimento afirmado nestes arestos. Como bem sublinha o STJ, para se aferir da competência material em situações congéneres, não pode perder-se de vista a especificidade da reparação prevista no regime de reparação de acidentes de trabalho, assim como a titularidade do direito à reparação e os sujeitos passivos dessa obrigação.
Repare-se que nos termos do art.º 2.º, da Lei 98/2009, os familiares do trabalhador sinistrado, nos casos de morte deste em consequência de acidente de trabalho, têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho “nos termos previstos na presente lei”, o que vale por dizer que só adquirem a condição de beneficiários e passam a ser titulares desse direito reparatório, quando preencham as condições previstas no art.º 49.º.
No que concerne aos ascendentes, como é o caso da autora, desde que os seus rendimentos individuais sejam de valor mensal inferior ao valor da pensão social [art.º 49.º n.º1, al.d)].
Assim, nas situações em que o acidente ocorreu por responsabilidade da entidade empregadora em consequência de falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade pela reparação, a cargo desse empregador, abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelos seus familiares nos termos gerais (art.º 18.º 1), mas desde que sejam beneficiários, ou seja, preencham as condições tipificadas no art.º 49.º.
E, nesse caso, é indiscutível que o direito deve ser exercido através do meio processual próprio, a acção emergente de acidente de trabalho, sendo competentes os tribunais do trabalho.
Mas já assim não acontece quando os familiares do falecido sinistrado não reúnam as condições para serem considerados “beneficiários”, caso em que ficam fora do âmbito da previsão do art.º 2.º, por não se enquadrarem “nos termos previstos na presente lei”.
Para além disso, como se observa no acórdão do STJ, a parte pode mesmo nem querer exercer o direito às prestações reparatórias típicas que constam estabelecidas na Lei 98/2009, desde logo, o direito à pensão anual destinada a reparar a morte, prevista no n.º 4, do art.º 18.º, “(..) mas apenas quer exercitar o direito à indemnização por danos morais, nos termos da lei geral”.
Por identidade de razões, nessa “opção” cabendo, ainda que por motivos que a tornam forçada, as situações em que os familiares, embora reunindo condições para serem considerados “beneficiários”, não exerceram tempestivamente o direito de acção às prestações reparatórias por morte do sinistrado previstas na lei 98/2009, na acção emergente de acidente de trabalho, deixando caducar esse direito (179.º n.º1, da Lei 98/2009).
Com efeito, o facto desse direito de acção ter caducado, não põe em causa a possibilidade de exercício a eventual direito a indemnização por danos não patrimoniais, nos termos da lei geral, sujeito ao prazo de prescrição do art.º 498.º do CC.
Sendo que em qualquer dessas situações, parafraseando o acórdão do TJ ”(..) não se vê qualquer razão para ter de intentar a acção no Tribunal de Trabalho, que não tem competência directa para apreciar tal matéria a não ser por via da conexão acima referida, que na situação hipotetizada (e que é coincidente com a situação concreta dos autos) não existe”.
Ora, no caso em apreço, a autora vem demandar a Ré empregadora invocando a qualidade de única e universal herdeira legitimária do seu filho – e, como refere, “não já a de titular do direito a pensão por morte ou beneficiária nos termos da LAT” - para reclamar daquela indemnização por “danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado; €50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos pela ora Autora e €20.000,00 (vinte mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima em função do sofrimento físico por ele padecido e da angústia pela perceção da gravidade do seu estado e da aproximação da morte e que, por sucessão, se transmitiu à ora Autora”, alegando como causa de pedir, o acidente de trabalho que, na sua perspectiva, ocorreu por violação das regras de segurança por parte daquela Ré.
Assim, atenta a relação material controvertida tal como configurada pela autora, não se inscrevendo aqueles pedidos no âmbito das prestações reparatórias tipificadas no regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho estabelecido na Lei 98/2009, antes se enquadrando no âmbito de eventual responsabilidade por factos ilícitos da Ré empregadora, alegadamente decorrentes da violação de regras de segurança e saúde no trabalho, deve concluir-se que o Tribunal competente em razão da matéria para a sua apreciação é o tribunal comum e não o Tribunal do Trabalho.
Por conseguinte, na nossa perspectiva, o Juízo Central Cível de Penafiel era competente em razão da matéria para apreciar a Acção Declarativa de Condenação aí proposta pela autora, que correu termos no processo n.º 3575/18.4T8PNF na parte respeitante a estes pedidos.
Porém, a autora conformou-se com a decisão que declarou aquele tribunal incompetente em razão da matéria e optou por vir propor a acção no Tribunal do Trabalho.
Não obstante, como estabelece o art.º 100. º do CPC, “A decisão sobre incompetência absoluta do tribunal, embora transite em julgado, não tem valor algum fora do processo em que foi proferida, salvo o disposto no artigo seguinte”.
Sendo a incompetência em razão da matéria uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, salvo se decorrente de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário [art.ºs 576.º 1 e 2, 577.º al. a) e 578.º do CPC], em face do que se deixou exposto, impõe-se que este Tribunal de recurso a reconheça e declare.
Significando isso, por decorrência lógica, que contrariamente ao entendido pela 1.ª instância não há erro na forma de processo. Há é a incompetência do tribunal para apreciar esses os pedidos deduzidos contra a Ré empregadora. De resto, como já se deixou dito, a indagação feita pelo Tribunal a quo só poderia ter lugar a jusante, depois de previamente se ter pronunciado sobre a competência material e caso entendesse ser o competente.
De qualquer modo, no que respeita a estes pedidos, o recurso improcede, embora com fundamentação diversa da usada pela 1.ª instância. III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, nos termos seguintes:
i) Declaram o Tribunal a quo - Juízo do Trabalho de Penafiel – incompetente em razão da matéria para apreciar a causa no que respeita aos pedidos deduzidos pela autora e recorrente contra a Ré C…, S.A., emconsequência absolvendo esta da instância;
ii) Confirmam a decisão recorrida na parte respeitante ao pedido deduzido pela autora e recorrente contra a Ré D… – Companhia de Seguros S.A.,
Custas do recurso a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).
Porto, 23 de Junho de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira