PROCESSO EXECUTIVO
LEGITIMIDADE
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário

I - Em sede de processo de execução a legitimidade, por regra, determina-se pela mera inspeção do título, nos termos do art. 53º CPC.
II - A determinação da pessoa jurídica, que em face do título figura como credor ou devedor, passa pela apreciação jurídica dos direitos e deveres que emanam do título.
III - Identificado o credor, por referência a um documento oficial indicado no título executivo e apresentando-se nessa qualidade considera-se que figura como credor e tem legitimidade como exequente.
IV - Figura como devedor à face do título quem assume o pagamento de uma divida ao credor do primitivo devedor e é parte legitima quando demandado para a execução pelo credor.

Texto Integral

EmbExec-Legitimidade- 22086/19.4T8PRT-A.P1

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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto ( 5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Por apenso à execução ordinária que lhe foi movida por B…, veio a executada, C…, residente na Rua …, n.º …, ….-… …, apresentar os presentes embargos de executado, pedindo a procedência dos mesmos.
Alegou para o efeito que o Exequente por meio de requerimento executivo para pagamento de quantia certa veio exigir o pagamento do montante global de 34.152,13 Euros (trinta e quatro mil cento e cinquenta e dois euros e treze cêntimos), invocando como título executivo uma decisão judicial condenatória, mas não dispõe de título executivo válido contra a embargante, nem o valor indicado à execução é da sua responsabilidade.
O exequente deu à execução uma sentença judicial condenatória que consiste no termo de transação celebrado entre a aqui Executada e a Sociedade “D…, Lda.” no processo n.º 2039/04.8TBPVZ que correu termos no 4.º Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim.
De acordo com o estabelecido na alínea A) do artigo 8.º da transação, a Executada “assume a obrigação de proceder ao pagamento dos honorários devidos ao engenheiro e arquiteto do projeto de construção que corre os seus termos com o n.º …./02 pela Câmara Municipal … e que foi elaborado tendo em vista a construção no mencionado lote dum edifício de rés-do-chão e 5 andares.
O exequente alegou que apresentou à sociedade “D…, Lda.” a sua nota de honorários no montante de 17.553,43 Euros acrescido de IVA, o que perfazia a quantia de 21.590,72 Euros, sendo a executada devedora dessa quantia, bem como de juros moratórios de 4% e juros compensatórios de 5%.
Mais alegou que o exequente não poderia executar a referida sentença porquanto a mesma não configura título bastante, pois no processo n.º 2039/04.8TBPVZ que correu termos no Juiz 1 do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim figuravam como partes a executada enquanto autora e a sociedade D…, Lda. como Ré.
As obrigações transacionadas pelas partes vinculam as mesmas entre si e não com efeitos sob terceiros.
Alegou que decorre do próprio documento junto pelo exequente sob o n.º 3, uma carta enviada pelo exequente à sociedade “D…, Lda.” (e nunca à executada) com uma missiva a indicar que “na oportunidade, os honorários deste gabinete, com base no custo estimativo da obra são de … 17.533,43 Euros”.
Na referida comunicação, o valor final indicado é de 17.533,43 Euros, não se fazendo qualquer alusão a que acrescia IVA à taxa legal em vigor, pelo que, nunca o alegado valor poderia ser de 21.590,72 Euros. O exequente não emitiu ou enviou à executada qualquer fatura do “suposto” valor em dívida, concluindo que existe falta de título executivo.
Alegou que no documento junto (sentença) o exequente não figura como autor, nem tampouco daí emerge alguma obrigação clara e inequívoca por parte da executada.
Considera que não existe título e mesmo que este existisse do mesmo não advém qualquer obrigação certa, líquida e exigível, pelo que, nunca a referida sentença seria exequível.
A executada/embargante, cumpriu os termos da transação celebrada para com a sociedade Ré “D…, Lda.”, tendo estabelecido contacto com o gabinete de arquitetura/engenharia para liquidar os valores em dívida, a quem pagou os valores que lhe foram indicados.
Conclui que não é a executada devedora de qualquer quantia ao exequente, pois que, cumpriu a obrigação de pagamento.
Alega, ainda, que o exequente vem peticionar um pagamento sem qualquer suporte documental. Junta uma comunicação enviada à sociedade construtora com uma série de considerandos e em que estabelece que “na oportunidade” os honorários seriam de 17.533,43 Euros.
Alegou, ainda, sem prejuízo do pagamento realizado pela executada, que o projeto de especialidades que o exequente executou padecia de vícios, tanto mais que, a sociedade adquirente do imóvel não o pôde aproveitar.
Por fim, e quanto aos juros peticionados alegou que o exequente indica um valor de juros mas não apresenta qualquer tipo de cálculo, nem tampouco especifica nem apresenta as operações efetuadas que permitem atingir aquele valor, não especifica o período a que se referem.
No campo destinado à devida liquidação dos montantes objeto de simples cálculo aritmético, o exequente não se dignou sequer a apresentar devidamente os procedimentos realizados para alcançar aquele valor e por isso, os juros não são devidos e mesmo que o fossem, inexiste a exposição dos cálculos aritméticos que lhe permitiram chegar àquele valor.
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Admitidos liminarmente os embargos, procedeu-se à notificação do exequente para contestar.
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O exequente notificado veio contestar e peticiona a improcedência total dos presentes embargos.
Alegou para o efeito que mais de um ano antes da transação judicial celebrada em 23/09/2004 pela executada/embargante e de esta aí ter assumido expressamente a obrigação do pagamento dos honorários ao embargante, já este, por carta de 13/07/2003, tinha apresentado à sociedade D…, Lda. a sua nota de honorários relativamente aos serviços técnicos de conceção e elaboração dos projetos de estabilidade e de todas as demais especialidades de engenharia civil, facto que era do perfeito conhecimento daquela sociedade e também da embargante e que foi discutida e tomada em consideração para efeitos de ser lavrada a transação judicial aqui em causa, pois que de outro modo não figuraria expressamente mencionado o crédito do embargado nessa transação.
O processo de licenciamento de construção nº 1070/02, tendo por objeto um edifício de habitação multifamiliar, a levar a efeito no lote .., do …, Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o nº 00840 e inscrito no artigo 8327 da respetiva matriz – prédio este devidamente identificado na transação judicial e que por via dela foi reintegrado na esfera patrimonial da embargante – deu entrada no Município … em 11/10/2002 em nome da embargante e em 27/01/2003 é que foi averbado para aquela sociedade D…, Lda.,
Processo esse cujos projetos de estabilidade, térmico, acústico, de gás natural, de água e águas residuais e de segurança contra incêndios, foram todos eles da autoria do embargado.
Mais alegou que além do crédito de honorários do embargado, era também do conhecimento da embargante a obrigação que aquela sociedade tinha para com E…, melhor identificado na cláusula 8ª al. B) da transação, de entrega de uma fração autónoma do tipo T-3. Tendo sido por a embargante bem saber e conhecer esses compromissos, que a mesma assumiu expressamente as obrigações que ficaram especificadamente exaradas nas diversas alíneas da cláusula 8ª dessa transação judicial.
Mais refere que a redação expressa do teor dessa cláusula 8ª da transação é claramente reveladora, sem qualquer dúvida, de que a embargante sabia que aquela sociedade tinha realizado trabalhos e assumido “encargos” ou obrigações com terceiros, pelo que a mesma assumiu o cumprimento dessas várias obrigações, que aí ficaram concretizadas e especificadas nas diversas alíneas dessa cláusula, de forma clara, expressa e inequívoca.
Alegou, ainda, que no seguimento da assunção pela embargante da obrigação exequenda para com o embargado, a mesma contactou-o, através da sua Ilustre Mandatária de então, no sentido de averiguar a sua disponibilidade para aceitar o pagamento dos seus honorários em prestações, o que o mesmo expressamente aceitou, mas, apesar disso, a embargante andou por longo tempo a protelar a obrigação que consabidamente assumira, nunca a tendo cumprido de forma voluntária, para tanto se valendo de sucessivas promessas que ao embargado eram sucessivamente transmitidas por terceiros a seu mando, nele fazendo acalentar a verdade e seriedade das promessas de que o pagamento dos seus honorários, embora tardio, seria cumprido.
Mais alegou que a transação homologada por sentença e que constitui o título executivo constitui juridicamente um contrato de assunção de dívida pela embargante, no que respeita ao crédito do embargado, contrato esse que foi celebrado com observância dos termos legalmente exigíveis para o mesmo e para as transações judiciais e que foi devidamente homologado por sentença judicial que, vendo ser juridicamente possível e nada a tal obstando, condenou as partes a cumpri-la nos seus precisos termos, a qual se mostra transitada em julgado.
Pelo que se mostram cumpridos, no que respeita ao conteúdo, os requisitos legais do contrato de assunção de dívida, nos termos previstos no artº 595º do Cód. Civil, e, quanto à forma, tal contrato foi reduzido a escrito e homologado por juiz através da prolação da competente sentença condenatória ao cumprimento de todas as obrigações aí assumidas, entre si e perante terceiros, que não foi impugnada pelas partes, transitando em julgado, nada havendo a opor aos efeitos externos que tal sentença comporta, no que respeita aos créditos de terceiros aí reconhecidos e assumidos, que não foram partes nesse processo judicial, designadamente, no que concerne ao crédito do embargado.
Mais refere que se um documento particular autenticado de confissão de dívida, assinado apenas pelo devedor, constitui título executivo, não se vê porque razão séria uma transação judicial homologada por sentença, que constitui um documento autêntico, não o seria, a não ser o intuito meramente dilatório que está presente em tal alegação.
O argumento de que tal sentença não poderia produzir efeitos sob terceiros não tem qualquer consistência, pois que, se assim fosse, o Mmº. Juiz titular do processo não a homologaria nem condenaria ao cumprimento das obrigações assumidas nos termos que foram aí exarados.
Considera que a invocação, agora feita, de tal ineficácia constitui um manifesto abuso de Direito por parte da embargante, na forma de venire contra factum proprium, pois que ela mesma praticou atos perante o embargado destinados a convencê-lo de que iria cumprir voluntariamente a obrigação de pagamento do crédito dado à execução.
No que respeita à questão suscitada acerca do IVA a acrescer aos honorários, também aí a embargante não tem qualquer razão, porque ao preço apresentado por quem esteja obrigado a passar fatura presume-se que acresce o IVA, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1º, 1, a), 4º, 1, 29º, 1, b), e 37º, 1, do CIVA. Sendo o IVA um imposto devido ao Estado, este terá que acrescer ao valor dos serviços, a não ser que expressamente se mencione que o IVA já está incluído, o que não foi o caso dos autos.
O embargado emite fatura/recibo – os vulgarmente designados “recibos verdes” - apenas no ato de recebimento dos seus honorários, não emitindo faturas como se de um comerciante ou sociedade comercial se tratasse,
Mais alegou que a embargante sabia que o crédito exequendo era certo, líquido, estava vencido e era exigível, pois que os serviços a que respeitava tinham sido prestados muito antes da data da sua assunção da dívida, bem sabendo ser sua a obrigação do seu pagamento, como expressamente assumiu em Juízo, com vista a ser posto termo a um litígio e a tudo ser homologado perante magistrado judicial, tendo a sua postura sido sempre a de fazer chegar ao embargado a promessa de que lhe seriam pagos os honorários apresentados, sobre cujo montante nunca fez qualquer reparo.
Alegou que a embargante nunca reclamou a existência de quaisquer vícios técnicos nos projetos elaborados, bem como quais foram os projetos técnicos da autoria do embargado, dos quais não fez parte o projeto de arquitetura, bem sabendo que a autoria do projeto de arquitetura é de terceiro e ainda que a sua obrigação foi de pagar ao engenheiro e ao arquiteto os respetivos honorários.
Quanto aos juros, face à mora no cumprimento da obrigação, assiste ao embargado o direito a havê-los, e como de forma expressa se refere na exposição dos factos do requerimento executivo, são peticionados apenas os juros moratórios à taxa legal anual de 4% e os juros compensatórios à taxa legal anual de 5%, relativos aos últimos 5 anos, por via da prescrição dos juros mais antigos (artº 310º, al. d) do Cód. Civil),
Pede ainda a condenação da embargante como litigante de má fé.
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A embargante veio exercer o contraditório em relação ao incidente de litigância de má-fé e documentos juntos com a contestação.
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A embargante veio constituir novo mandatário nos autos, juntando substabelecimento.
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Seguiram-se vários requerimentos da embargante e respostas do embargado (ref.ª Citius 34785659, 34801571, 34806814 e 34834757).
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O embargado veio requerer a junção de documentos que indicou na contestação, cuja junção estava dependente de parecer da Ordem dos Advogados, sobre sigilo profissional e bem assim, requereu a junção do parecer da Ordem dos Advogados.
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Em 22 de junho de 2020 (ref. Citius 415169932) proferiu-se o seguinte despacho:
“Ref.ª: 34712190:
Em sede de contestação à oposição mediante embargos de executado, o exequente/embargado peticionou a condenação da executada/embargante como litigante de má fé, com aplicação de multa e fixação de indemnização a seu favor.
Por requerimento espontâneo de 30.01.2020, a executada/embargante exerceu o direito ao contraditório, pugnando pela improcedência do mencionado pedido.
Como é consabido, no incidente de oposição à execução mediante embargos de executado são apenas admissíveis dois articulados: a oposição à execução e a contestação (cfr. art.º 728.º, n.º 1 e 732.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Destarte, o exercício do contraditório a eventuais exceções ou outras questões invocadas naquele articulado deverá ocorrer na audiência prévia ou, não havendo lugar à mesma, no início da audiência final, conforme impõe o art.º 3.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Não obstante o exposto, atentos os deveres de gestão processual e, bem assim, o princípio da adequação formal, consagrados nos arts. 6.º e 547.º do Código de Processo Civil, pode o juiz admitir excecionalmente outros articulados no processo.
Compulsados os autos, verifica-se que a embargante apresentou espontaneamente resposta à contestação do embargado, apesar de tal articulado ser legalmente inadmissível no caso decidindo.
Todavia, não tivesse a embargante exercido, por sua própria iniciativa, o contraditório relativamente ao pedido de condenação de litigância de má fé, sempre iria o tribunal facultar-lhe tal possibilidade, ao abrigo dos deveres de gestão processual e do princípio da adequação formal supracitados.
Ante o exposto, por questões de economia e celeridade processual, admite-se o requerimento apresentado pela embargante em 30.1.2020, valendo o mesmo como exercício do contraditório a esse respeito.
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-Ref.ª 34785659, 34801571, 34806814 e 34834757:
Por requerimento datado de 6.02.2020, a embargante apresentou nova resposta ao pedido de condenação em litigância de má fé.
Notificado do aludido requerimento, o embargado requereu o seu desentranhamento, com condenação da embargante nas custas do incidente.
Mais impugnou todo o seu teor.
Nesse seguimento, veio a embargante invocar o desconhecimento da resposta à litigância de má fé expedida pela sua anterior mandatária, requerendo que a resposta apresentada em último lugar pelo novo mandatário constituído, seja considerada pelo tribunal como a única resposta àquele pedido, substituindo para todos os efeitos legais o requerimento anterior.
Tal petitório mereceu a oposição do embargado, com fundamento no facto de a aceitação e assunção do mandato forense por via de substabelecimento sem reserva de anterior mandatário implicar o prévio conhecimento de todos os atos processuais praticados. Defendeu, assim, que não poderá ser concedida à embargante a possibilidade de repetir o exercício de um direito já antes exercido de forma válida e sem qualquer vício de representação forense.
Ora, atentos os fundamentos anteriormente elencados a propósito dos articulados legalmente admissíveis no incidente de oposição à execução que aqui se repristinam, será forçoso concluir pela inadmissibilidade do requerimento apresentado pela embargante em 6.02.2020, porquanto tal articulado carece de consagração legal e tinha já sido cumprido o contraditório quanto ao pedido de litigância de má fé.
Ademais, como bem invocou o embargado, sendo a resposta apresentada pela anterior ilustre mandatária da embargante válida, tempestiva e isenta de vício de representação, inexiste fundamento legal para tomar em consideração a resposta apresentada em último lugar.
Por todo o exposto, por legalmente inadmissível, ordena-se o desentranhamento do articulado junto aos autos pela executada/embargante em 6.02.2020 (ref. 3478659) e os demais articulados subsequentes àquele, que assim ficam prejudicados (ref. 34801571, 34806814 e 34834757), remetendo-os aos respetivos apresentantes; não sendo possível operacionalizar tal desentranhamento (face ao envio informático desses requerimentos), sempre se julgam como não escritos os artigos alegados nesses requerimentos.
Notifique.
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Questão prévia:
Atenta a data da propositura dos presentes embargos de executado, são aplicáveis as regras previstas no C.P.Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho de harmonia com a regra prevista no art. 6º, nº 4, dessa mesma lei.
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Findaram os articulados.
O presente processo já reúne todos os elementos para ser conhecido o mérito da causa e, consequentemente, ser proferida decisão final.
Na verdade, estando o presente processo munido de todos os elementos que permitem ao tribunal proferir decisão de mérito seria inútil e mesmo violador do princípio da economia processual (vide art. 130º, do C.P.Civil) a designação de uma audiência prévia com vista a facultar às partes a decisão final proferida no processo.
No entanto, face ao disposto no art. 597º, al. c), do C.P.Civil e atento o valor da causa, as partes têm a faculdade de pretender que seja designada a realização da audiência prévia.
Contudo, como vimos, a mesma, a ser realizada, consistirá apenas na revelação às partes da decisão final a proferir pelo tribunal, pelo que se revelará inútil, salvo o devido respeito por entendimento distinto.
Assim sendo, ao abrigo dos citados normativos e ainda do dever de gestão processual plasmado no art. 6º, do citado código (que, para além do mais, impõe ao juiz o dever de providenciar pelo andamento célere do processo), bem como ao abrigo da adequação formal plasmada no art. 547º do mesmo código (vide, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 12-09-2019 e de 23-09-2019, in www.dgsi.pt), convido as partes para, em 10 dias, informarem se prescindem da realização da audiência prévia, sendo o seu silêncio tido como aceitação tácita quanto a prescindirem da realização dessa diligência.
Notifique”.
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Notificadas as partes vieram declarar que prescindiam da realização de audiência prévia.
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Proferiu-se sentença que foi precedida do seguinte despacho:
“O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem de todo.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.
A exceção da legitimidade será apreciada infra em sede do Direito uma vez que apesar da embargante invocar a exceção da falta de título executivo o que está em causa é a sua legitimidade ou falta dela para a execução face ao título executivo apresentado.
Não há outras exceções dilatórias, nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.
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Dado que o processo já reúne todos os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito, tal decisão será proferida de imediato, ao abrigo da conjugação do disposto nos arts. 591º, nº, al. d), 593º, nº 1, 595º, nº 1, al. b) e 597º, al. c), do C.P.Civil – tendo ainda em conta que as partes, ouvidas para o efeito nos autos, não se opuseram a que a realização da audiência prévia fosse prescindida (vide despacho anterior e resposta das partes ao mesmo).
Na verdade, estando o presente processo munido de todos os elementos que permitem ao tribunal proferir decisão de mérito seria inútil e mesmo violador do princípio da economia processual (vide art. 130º, do C.P.Civil) a designação de uma audiência prévia com vista a facultar às partes a decisão final proferida no processo.
Assim sendo, ao abrigo dos citados normativos e ainda do dever de gestão processual plasmado no art. 6º, do citado código – que, para além do mais, impõe ao juiz o dever de providenciar pelo andamento célere do processo -, dispenso a realização da audiência prévia, sendo proferida de imediato decisão final”.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto, julgo totalmente procedentes os presentes embargos de executado, em consequência do que determino a ilegitimidade da embargante/executada, C…, pelo que determino a absolvição da mesma relativamente à instância executiva de que estes autos constituem um apenso, bem como desta instância de embargos de executado.
Custas a cargo do embargado/exequente (vide art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil)”.
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O exequente-embargado veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
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A executada-embargante veio apresentar resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- nulidade da sentença com fundamento no art. 615º/1/c) e d) CPC;
- legitimidade do exequente e da executada.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1.O exequente apresentou à execução a sentença proferida na ação declarativa que correu termos sob o nº 2039/04.8 TBPVZ, no 4º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, transitada em julgado, em que era Autora a aqui embargante/executada e Ré. “D…, LDA”, sendo que o teor da transação assim homologada é, para além do mais, o seguinte:
“1. A Ré reconhece que não levou a efeito a obra negociada com a Autora, e que esta em consequência disso sofreu prejuízos, que ambas as partes estimam ser de montante não inferior a 450.000 €;
(…) 8…
A – A autora assume a obrigação de proceder ao pagamento dos honorários devidos ao engenheiro e arquiteto do projeto de construção que corre seus termos com o nº …./02 pela Câmara Municipal … e que foi elaborado tendo em vista a construção no mencionado lote dum edifício de rés-do-chão e 5 andares…” (cfr. doc. junto com o requerimento executivo nos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
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3. O direito
- Nulidade da sentença com fundamento no art. 615º/1/c) e d) CPC-
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 6, suscita o apelante a nulidade da sentença com fundamento no art. 615º/1 c) e d) do CPC, por constituir uma decisão surpresa e ainda, por estar em oposição com a fundamentação invocada no despacho que imediatamente a antecede de 22 de junho de 2020 (ref. Citius 415169932) e na parte inicial do despacho em que se incorpora a sentença recorrida.
Começando por analisar da nulidade ao abrigo do art. 615º/1/d) CPC, com fundamento no facto da sentença conter uma decisão surpresa.
Considera o apelante, sob os pontos 1 a 5 das conclusões de recurso, que perante o despacho proferido em 22 de junho de 2020 e o consignado no despacho saneador que precedeu a sentença, decorre que o tribunal se propunha conhecer do mérito da causa. Porém, a decisão recaiu sobre um pressuposto processual, a ilegitimidade, induzindo em erro o apelante que prescindiu da realização da audiência prévia no pressuposto de se conhecer do mérito da causa, o que significa que não haveria a discutir exceções que obstam ao conhecimento do mérito.
A questão que se coloca consiste assim em apurar se conhecendo o juiz da exceção de ilegitimidade, depois de convidar as partes a pronunciarem-se sobre a dispensa de audiência prévia, por estar em condições de conhecer do mérito, se deve considerar que foi proferida uma decisão surpresa e desse modo ferida de nulidade a sentença, por ter tomado conhecimento de questão não colocada no processo.
Nos termos do art. 3º/3 CPC “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Dispõe, por sua vez, o artigo 4.º do mesmo diploma legal: “[o] tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.
Como observa LEBRE DE FREITAS[2] a consagração do princípio da proibição das decisões surpresa, resulta de uma conceção moderna e mais ampla do princípio do contraditório, “[…]com origem na garantia constitucional do Rechtiches Gehör germânico, entendido com uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.
O princípio do contraditório no plano das questões de direito exige que antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie[3].
Conforme resulta do regime legal o juiz deve fazer cumprir o princípio do contraditório em relação às questões de direito, mesmo de conhecimento oficioso, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.
Pretende-se, por esta via, evitar a formação de “decisões-surpresa”, ou seja, decisões sobre questões de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente sem que tenham sido previamente consideradas pelas partes.
Dispensa-se a audição da parte contrária em casos de manifesta desnecessidade, o que pode ocorrer quando:
- “as partes embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação;
- quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida; ou
- quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar a irregularidade ou uma insuficiência expositiva”[4].
Na interpretação do conceito de “decisão-surpresa” o Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que “[o] princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efetuada (Ac. STJ 11 de fevereiro de 2015, Proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, www.dgsi.pt ).
Por outro lado, considera-se que o cumprimento do contraditório não significa “[…] que o tribunal «discuta com as partes o que quer que seja» e que alivie as mesmas «de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão»” (Ac. STJ 09 novembro de 2017, Proc. 26399/09.5T2SNT.L1.S1, Ac STJ 17 de junho de 2014, Proc. 233/2000.C2.S1 www.dgsi.pt .
Considera-se, ainda, que: “[h]á decisão surpresa se o Juiz, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio. Ou seja, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever” (Ac. STJ 19 de maio de 2016, Proc. 6473/03.2TVPRT.P1.S1, www.dgsi.pt).
LOPES DO REGO defende que “[…]na audição excecional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela”[5].
O exercício do contraditório dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida.
A legitimidade processual constitui um exceção dilatória (art.577º/e) CPC).
Em sede de processo executivo a exceção é de conhecimento oficioso, podendo constituir fundamento de indeferimento liminar do requerimento executivo (art. 726º/2 b) e art. 578º CPC).
Conforme se prevê no art. 734º/1CPC “o juíz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam determinar, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
O nº 2 do mesmo preceito prevê:”[r]ejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte”.
Constituindo uma exceção de conhecimento oficioso não está o juiz impedido de tomar conhecimento da mesma em sede de embargos à execução, desde que a decisão seja proferida até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados.
A exceção de ilegitimidade do exequente não foi apreciada no processo executivo, após entrada do requerimento executivo e em sede de despacho liminar (art. 726º/1CPC).
A embargante não suscitou a exceção na oposição que deduziu à execução, mas suscitou a exceção de falta de título executivo, alegando para o efeito:
“[…]que o Exequente por meio de requerimento executivo para pagamento de quantia certa veio exigir o pagamento do montante global de 34.152,13 Euros (trinta e quatro mil cento e cinquenta e dois euros e treze cêntimos), invocando como título executivo uma decisão judicial condenatória, mas não dispõe de título executivo válido contra a embargante, nem o valor indicado à execução é da sua responsabilidade.
O exequente deu à execução uma sentença judicial condenatória que consiste no termo de transação celebrado entre a aqui Executada e a Sociedade “D…, Lda.” no processo n.º 2039/04.8TBPVZ que correu termos no 4.º Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim.
De acordo com o estabelecido na alínea A) do artigo 8.º da transação, a Executada “assume a obrigação de proceder ao pagamento dos honorários devidos ao engenheiro e arquiteto do projeto de construção que corre os seus termos com o n.º …./02 pela Câmara Municipal … e que foi elaborado tendo em vista a construção no mencionado lote dum edifício de rés-do-chão e 5 andares.
O exequente alegou que apresentou à sociedade “D…, Lda.” a sua nota de honorários no montante de 17.553,43 Euros acrescido de IVA, o que perfazia a quantia de 21.590,72 Euros, sendo a executada devedora dessa quantia, bem como de juros moratórios de 4% e juros compensatórios de 5%.
O exequente não poderia executar a referida sentença porquanto a mesma não configura título bastante, pois no processo n.º 2039/04.8TBPVZ que correu termos no Juiz 1 do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim figuravam como partes a executada enquanto autora e a sociedade D…, Lda. como Ré.
As obrigações transacionadas pelas partes vinculam as mesmas entre si e não com efeitos sob terceiros.
Decorre do próprio documento junto pelo exequente sob o n.º 3, uma carta enviada pelo exequente à sociedade “D…, Lda.” (e nunca à executada) com uma missiva a indicar que “na oportunidade, os honorários deste gabinete, com base no custo estimativo da obra são de … 17.533,43 Euros.
Na referida comunicação, o valor final indicado é de 17.533,43 Euros, não se fazendo qualquer alusão a que acrescia IVA à taxa legal em vigor, pelo que, nunca o alegado valor poderia ser de 21.590,72 Euros. O exequente não emitiu ou enviou à executada qualquer fatura do “suposto” valor em dívida, concluindo que existe falta de título executivo.
No documento junto (sentença) o exequente não figura como autor, nem tampouco daí emerge alguma obrigação clara e inequívoca por parte da executada.
Não existe título e mesmo que este existisse do mesmo não advém qualquer obrigação certa, líquida e exigível, pelo que, nunca a referida sentença seria exequível”.
Na sentença, o juiz do tribunal “a quo” pronunciou-se, oficiosamente, sobre a ilegitimidade do exequente, sem previamente convidar o embargado a tomar posição sobre a matéria da exceção.
Contudo, a decisão ponderou os argumentos invocados pela embargante e que oportunamente foram impugnados pelo embargado, pois basta atender à seguinte passagem da sentença: “Atenta a defesa apresentada pela embargante no seu petitório radica na exceção da falta de título executivo.
Todavia, como vimos, o que está em causa é aferir da sua legitimidade ou não para a ação executiva à luz do critério previsto no art. 53º, do CPC e à luz do título executivo apresentado”.
Desenvolvendo os argumentos, refere-se:
“Contudo, como é evidente esse caso julgado apenas vincula as partes que celebraram a transação homologada pela sentença homologatória dada à execução. Ou seja, em princípio (e dado que no caso vertente não se aplica a situação excecional da extensão do caso julgado a terceiros – visto que nem sequer o exequente é referido concretamente na referida transação; a mera menção ao “engenheiro do projeto de construção” é obviamente insuficiente para este efeito), o caso julgado apenas se forma relativamente às partes processuais na ação onde foi proferida a sentença homologatória da transação.
Nesta conformidade, o embargante poderia validamente estribar a sua defesa nos termos que o fez, quer ao abrigo da al. a), quer ao abrigo da al. c) do citado art. 729º, do CPC.
Com efeito, à luz da citada al. c) do referido normativo constata-se que o exequente não faz parte da transação que foi homologada por sentença e que constitui o título executivo nesta execução. Caso tal sucedesse e perante a forma como tal previsão teria sido formulada poderia, apenas nesse caso, estar configurada a legitimidade ativa do exequente para a presente execução”.
Os fundamentos invocados são os mesmos que a embargante alegou. Trata-se assim de um diferente enquadramento jurídico dos factos e que o embargado não poderia ignorar, perante os fundamentos invocados pela embargante para fundamentar a exceção de falta de título executivo.
Como se prevê no art. 5º/3 CPC o juiz não está sujeito à alegação de direito das partes e no contexto dos factos alegados, considerou-se que se suscitava a ilegitimidade do exequente.
Acresce que no convite dirigido às partes para se pronunciarem sobre a dispensa de audiência prévia, o juiz do “tribunal “a quo” apesar de fazer menção expressa ao facto do processo reunir os elementos para conhecer do mérito, não adiantou qualquer proposta de decisão com tal objeto. Aliás, decorre de tal convite que apenas se justificaria a realização de audiência prévia no caso de se conhecer de mérito, deixando de fora de tal diligência uma decisão sobre pressupostos processuais, o que bem se compreende por constituir matéria já discutida nos autos.
A apreciação da exceção de ilegitimidade por constituir matéria de conhecimento oficioso e decorrer dos fundamentos da própria oposição à execução, não justificava ser submetida a prévio contraditório e no contexto em que veio a ser apreciada não constitui uma decisão surpresa.
Conclui-se que a decisão não configura uma decisão surpresa nem a decisão está ferida de nulidade, nos termos do art. 615º/1 d) CPC, porque de acordo com o art. 608º/2 do CPC a sentença apreciou das questões (que não meros argumentos ou razões) relativas à consubstanciação da causa de pedir e do pedido[6].
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Numa segunda ordem de argumentos, considera o apelante que a sentença é nula por estar em oposição com a fundamentação invocada no despacho que imediatamente a antecede de 22 de junho de 2020 (ref. Citius 415169932) e na parte inicial do despacho em que se incorpora a sentença recorrida, nulidade que considera enquadrável no art. 615º/1 c) CPC.
Nos termos do art. 615º/1 c) CPC, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
A previsão da norma contempla as situações de contradição real entre os fundamentos e a decisão e não as hipóteses de contradição aparente, resultante de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.
Como refere o Professor ANTUNES VARELA: “a norma abrange os casos em que há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente“[7].
A contradição deve ser apontada na concreta sentença entre os seus fundamentos e a decisão e não com qualquer outro despacho, que a precede ou que conste dos autos.
O apelante suscita a contradição entre dois despachos anteriores e a própria sentença, mas tal situação não configura a nulidade prevista na alínea c) do art. 615ºCPC.
Desta forma, os argumentos indicados não configuram a nulidade prevista no art. 615º/1 c) CPC.
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Nas conclusões de recurso, sob os pontos 7 e 8, indica o apelante uma outra causa de nulidade da sentença, ainda nos termos do art. 615º/1 c) CPC.
Defende existir contradição entre os fundamentos e a decisão, porque a decisão recorrida conclui de forma expressa, na fundamentação de direito, que “[e]m conformidade, verifica-se que o exequente não figura, em momento algum, no título executivo pelo que é parte ilegítima para instaurar a presente execução (vide, entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 13-02-2006, in www.dgsi.pt); daqui resulta a absolvição da presente instância e da instância executiva da embargante/executada” mas na decisão final conclui, não pela ilegitimidade do exequente, em coerência com a sua fundamentação, mas pela declaração de “ilegitimidade da embargante/executada, C…”.
Cumpre ter presente os fundamentos da decisão, que se passam a transcrever integralmente:
“Atenta a defesa apresentada pelo embargante no seu petitório radica na exceção da falta de título executivo.
Todavia, como vimos, o que está em causa é aferir da sua legitimidade ou não para a ação executiva à luz do critério previsto no art. 53º, do CPC e à luz do título executivo apresentado.
Este configura uma sentença, transitada em julgado, proferida na respetiva ação declarativa.
Assim sendo, urge observar que os fundamentos possíveis de serem esgrimidos validamente pelos embargantes, neste processo de embargos de executado, são apenas os que se mostram taxativamente previsto no art.729º, do CPC.
Com efeito, sendo o título executivo uma sentença urge atentar que, por apelo às razões de segurança e confiança jurídicas subjacentes a tal título executivo - dado que o litígio em si já foi esgrimido e decidido pela sentença exequenda -, os fundamentos passíveis de dedução em embargos de executado sofrem uma forte restrição e são limitados ao que taxativamente se mostram previstos no citado art. 729º (vide, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 3-06-2013 e da Relação de Lisboa de 30-06-2011, in www.dgsi.pt).
Nesta medida, teremos de respeitar o caso julgado que se formou sobre a sentença dada à execução.
Na verdade, até por força do disposto no art. 691º, nº 1, do CPC, transitada em julgado a sentença, o respetivo conteúdo fica tendo força obrigatória no processo e fora dele, nos limites fixados nos citados arts.580º e 581º, do mesmo código (vide, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-10-2015, in www.dgsi.pt).
Contudo, como é evidente esse caso julgado apenas vincula as partes que celebraram a transação homologada pela sentença homologatória dada à execução. Ou seja, em princípio (e dado que no caso vertente não se aplica a situação excecional da extensão do caso julgado a terceiros – visto que nem sequer o exequente é referido concretamente na referida transação; a mera menção ao “engenheiro do projeto de construção” é obviamente insuficiente para este efeito), o caso julgado apenas se forma relativamente às partes processuais na ação onde foi proferida a sentença homologatória da transação.
Nesta conformidade, o embargante poderia validamente estribar a sua defesa nos termos que o fez, quer ao abrigo da al. a), quer ao abrigo da al. c) do citado art. 729º, do CPC.
Com efeito, à luz da citada al. c) do referido normativo constata-se que o exequente não faz parte da transação que foi homologada por sentença e que constitui o título executivo nesta execução. Caso tal sucedesse e perante a forma como tal previsão teria sido formulada poderia, apenas nesse caso, estar configurada a legitimidade ativa do exequente para a presente execução.
Fulmina o art. 53º, nº 1, do CPC, um critério de legitimidade para a execução que prevê claramente um critério formal, em termos de apenas poder ser exequente quem figura como credor no título executivo e de ser executado quem figura como devedor nesse mesmo título executivo.
Ou seja, teremos sempre de aferir tal legitimidade executiva à luz do título executivo – vide ainda art. 10º, nºs 4 e 5 do CPC, Note-se que este nº 5 plasma que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
Chegados aqui urge observar atentamente a cláusula nº 8-A da transação em causa, onde se refere expressamente o seguinte:
“A – A autora assume a obrigação de proceder ao pagamento dos honorários devidos ao engenheiro e arquiteto do projeto de construção que corre seus termos com o nº …./02 pela Câmara Municipal … e que foi elaborado tendo em vista a construção no mencionado lote dum edifício de rés-do-chão e 5 andares…”.
Em momento algum é referido expressamente o nome do aqui exequente como sendo o engenheiro que aí se alude. Ora, tal insuficiência fulmina de ilegítima a posição do exequente enquanto tal. Isto porque não figura no título executivo como credor – vide art. 53º, nº 1, do CPC.
Por outro lado, também não estamos perante qualquer das situações previstas no art. 54º do CPC que configuram desvios á regra geral da determinação da legitimidade na execução.
Como doutamente acentua Miguel Teixeira de Sousa (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, p. 608), «o título executivo cumpre no processo executivo uma importante função de legitimação: ele determina as pessoas com legitimidade processual para a ação executiva».
Em conformidade, verifica-se que o exequente não figura, em momento algum, no título executivo pelo que é parte ilegítima para instaurar a presente execução (vide, entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 13-02-2006, in www.dgsi.pt); daqui resulta a absolvição da presente instância e da instância executiva da embargante/executada.
Assim sendo, apenas em sede de ação declarativa o aqui exequente poderá obter a condenação da ora embargante a ser condenada a pagar-lhe os honorários que ora reclama”.
Como se começou por referir a nulidade prevista no art. 615º/1/c) CPC contempla as situações de contradição real entre os fundamentos e a decisão e não as hipóteses de contradição aparente, resultante de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.
No caso presente existe na sentença uma perfeita coerência no raciocínio e a decisão resulta como a conclusão lógica desse raciocínio, pois considerou-se perante os factos provados, que o exequente/embargado era parte ilegítima para a execução, o que conduz à absolvição da instância da executada nos embargos à execução e na execução.
A fundamentação da sentença aborda apenas a exceção de ilegitimidade do exequente, começando-se por fazer a análise dos efeitos do caso julgado, depois da exceção de ilegitimidade em sede de direito, considerando o especial regime do processo de execução, para depois considerar o caso concreto e termina-se tal exposição com as seguintes considerações:
“Em conformidade, verifica-se que o exequente não figura, em momento algum, no título executivo pelo que é parte ilegítima para instaurar a presente execução (vide, entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 13-02-2006, in www.dgsi.pt); daqui resulta a absolvição da presente instância e da instância executiva da embargante/executada.
Assim sendo, apenas em sede de ação declarativa o aqui exequente poderá obter a condenação da ora embargante a ser condenada a pagar-lhe os honorários que ora reclama”.
Na decisão ou dispositivo escreveu-se:
“Pelo exposto, julgo totalmente procedentes os presentes embargos de executado, em consequência do que determino a ilegitimidade da embargante/executada, C…, pelo que determino a absolvição da mesma relativamente à instância executiva de que estes autos constituem um apenso, bem como desta instância de embargos de executado”.
Nos termos do art. 278º/1 d) CPC a exceção de ilegitimidade determina a absolvição do réu da instância.
Adaptando tal dispositivo ao processo de embargos de executado, a ilegitimidade do exequente determina a absolvição da instância executiva da executada /embargante e consequentemente dos embargos de executado.
Na sentença a decisão consigna tal efeito em consonância com os fundamentos.
Contudo, na sentença também se consigna: ”do que determino a ilegitimidade da embargante/executada, C…,”.
Declara-se a ilegitimidade da embargante/executada C…, omitindo a fundamentação de direito que justifica tal decisão. Tal vício não configura oposição entre fundamentos e decisão, como defende o apelante, porque neste aspeto a decisão carece em absoluto de fundamentos.
Neste segmento a sentença é nula, por falta de fundamentos de direito, não produzindo qualquer efeito, nos termos do art. 615º/1/b) CPC.
Conclui-se que a sentença sendo em parte nula, a nulidade que a afeta não impede o conhecimento das restantes questões que se colocam no recurso, por aplicação do princípio da substituição do tribunal recorrido, nos termos do art. 665º/1 CPC.
Improcedem, em parte, as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 8.
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-Legitimidade do exequente e da executada-
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 9 a 16, insurge-se o apelante contra a sentença que julgou o apelante/exequente parte ilegítima e a executada/embargante parte ilegítima, considerando que a sentença homologatória da transação faz caso julgado material sobre a concreta relação obrigacional entre o exequente e a executada.
Cumpre assim apreciar se deve manter-se a decisão que julgou da ilegitimidade das partes e os efeitos do caso julgado.
Adiantando a solução, entendemos que deve ser alterada a decisão, por se considerar perante a matéria alegada no requerimento executivo e a análise do título executivo que as partes têm legitimidade.
Começando por apreciar dos efeitos do caso julgado material.
No processo executivo o título executivo consiste numa sentença homologatória de uma transação. O exequente não figura como parte na referida ação, nem teve intervenção na celebração da transação, mas é com base no acordo ali celebrado de assunção de divida que instaurou a execução contra a executada-embargante, autora naquela ação onde foi proferida a sentença que constitui o título executivo.
A primeira questão que se coloca consiste em saber se o caso julgado formado com tal decisão é extensivo ao exequente/apelante.
O caso julgado, que constitui uma exceção dilatória, pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário – art. 580º CPC.
Distingue a lei o caso julgado material, do caso julgado formal.
O caso julgado formal consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via (art. 620º e 628º CPC).
O caso julgado material que nos interessa analisar na situação presente, consiste na definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal, quer a título prejudicial (art. 619º CPC).
O caso julgado verifica-se em relação às decisões que versam sobre o fundo da causa e portanto sobre os bens discutidos no processo; as que definem a relação ou situação jurídica deduzida em juízo, as que estatuem sobre a pretensão do Autor.
Os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos identificativos da ação – as partes, o pedido e a causa de pedir.
Como se dispõe no art. 581º CPC: “repete-se uma causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
Os limites subjetivos do caso julgado assentam num princípio fundamental que é o da eficácia relativa do caso julgado, de acordo com o qual a sentença só tem força de caso julgado entre as partes[8].
Porém, há situações de extensão do caso julgado a terceiros.
Acolhendo os ensinamentos de MANUEL DE ANDRADE, as várias hipóteses possíveis seriam reconduzidas a esta ideia geral: “a sentença vale erga omnes como definidora da situação jurídica reinante entre as partes; esta situação jurídica terá depois sobre a situação de terceiros as repercussões (eficácia indireta ou reflexa) que possam competir-lhe segundo o direito material – segundo o modo por que este conexiona ou entrelaça as duas situações”[9].
No caso concreto, como se referiu, o título executivo consiste numa sentença homologatória de uma transação, proferida no Proc. 2039/04.8TBPVZ a qual foi celebrada entre C… (autora na ação) e D…, Lda (ré na ação).
Nessa transação consignou-se, entre outras obrigações, a seguinte:
“1. A Ré reconhece que não levou a efeito a obra negociada com a Autora, e que esta em consequência disso sofreu prejuízos, que ambas as partes estimam ser de montante não inferior a 450.000 €;
(…) 8. Como entretanto, relativamente a esse lote de terreno, a ré foi efetuando trabalhos e assumindo encargos, a autora assume, perante a Ré, o cumprimento das seguintes obrigações:
A – A autora assume a obrigação de proceder ao pagamento dos honorários devidos ao engenheiro e arquiteto do projeto de construção que corre seus termos com o nº …./02 pela Câmara Municipal … e que foi elaborado tendo em vista a construção no mencionado lote dum edifício de rés-do-chão e 5 andares…” (cfr. doc. junto com o requerimento executivo nos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido)”.
O título executivo, no segmento que interessa para os presentes autos, consagra uma assunção de divida por parte da autora - aqui executada -, que constitui uma das formas de transmissão singular de divida, prevista no art. 595º CC.
A assunção de divida consiste na operação pela qual um terceiro se obriga perante o credor a efetuar a prestação devida por outrem.
A assunção opera uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo, nem da identidade da obrigação.
A assunção de divida pode resultar de um acordo entre o antigo e o novo devedor, cuja eficácia depende da ratificação pelo credor (art. 595º/1 a) CC), ou de um acordo entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor (art. 595º/1 b) CC).
A assunção pode revestir duas modalidades: liberatória ou cumulativa de dívida.
Na assunção liberatória da divida o compromisso assumido pelo novo devedor envolve a exoneração do primitivo obrigado.
Na assunção cumulativa da dívida o terceiro faz sua a obrigação do primitivo devedor, mas este continua vinculado ao lado dele.
Contudo, quando o credor não intervém como parte no acordo celebrado, a validade do ato de transmissão, em qualquer das modalidades, fica sempre dependente do consentimento por parte do credor, dado sob a forma de ratificação,
Na assunção liberatória o consentimento do credor tem de ser expresso (art. 595º/2 CC).
Na assunção cumulativa o consentimento do credor, dado sob a forma de ratificação, pode ser expresso ou tácito.
Observa o Professor ANTUNES VARELA que considera-se ratificado de “forma tácita, quando o credor[…], o interpele para o cumprimento, lhe prorrogue o prazo ou lhe conceda um prazo para cumprir”[10].
Neste sentido se pronunciaram os Ac. Rel. Porto 13 de maio de 2008, Proc. 0820287 e Ac. Rel. Porto 11 de março de 2013, Proc. 7237/05.4TBMTS-A.P1[11] (ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Caso a assunção de divida concertada entre o antigo e novo devedor não seja ratificada pelo credor, converter-se-á muitas vezes, por obediência à vontade presumível ou conjetural das partes, em mera promessa de liberação ou assunção de cumprimento[12].
O Professor ANTUNES VARELA distinguia as duas figuras da seguinte forma: “na promessa de liberação, o terceiro se obriga apenas perante o devedor, só este tendo o direito de exigir dele a exoneração prometida, enquanto na assunção de dívida a obrigação é contraída (imediata ou posteriormente) em face do credor, que adquire assim o direito de exigir do assuntor a realização da prestação devida”[13].
Revertendo o exposto ao caso concreto, decorre do acordo celebrado e homologado por sentença, que a executada-embargante “assumiu a obrigação de proceder ao pagamento dos honorários devidos ao engenheiro e arquiteto do projeto de construção que corre seus termos com o nº …/02 pela Câmara Municipal … e que foi elaborado tendo em vista a construção no mencionado lote dum edifício de rés-do-chão e 5 andares…”.
Celebrou o acordo com a ré naquela ação, primitivo devedor e assumiu como divida sua perante o engenheiro e arquiteto do projeto. Não se obrigou apenas perante o primitivo devedor a proceder ao pagamento dos honorários, mas reconheceu como sendo sua a divida e assumiu o pagamento dos honorários devidos ao engenheiro, respeitante ao projeto de construção expressamente referenciado na transação. Não se convencionou a liberação do primitivo devedor.
Identificou-se de forma indireta o engenheiro que levou a efeito o projeto, por referência ao concreto projeto e trabalho executado com menção do número do processo pendente na Câmara Municipal …, revelando desta forma a embargante ter conhecimento concreto e preciso da natureza dos trabalhos em causa e dos seus autores, por referência ao concreto processo camarário.
Desta forma, ficou determinado no acordo quem era o credor – o engenheiro que elaborou os projetos de construção que corre os seus termos como processo nº 1070/02 pela Câmara Municipal … - e a divida em causa – honorários pelos projetos executados.
A executada assumiu o pagamento da divida que era do primitivo devedor como contrapartida de um negócio mais amplo que ali foi celebrado.
Instaurada a execução o exequente no requerimento executivo alegou ter sido ele o autor da conceção e elaboração, para apreciação camarária, dos projetos de estabilidade e de todas as demais especialidades de engenharia civil, para o prédio edificar no lote de terreno (lote 28, referido na cláusula 3ª da transação judicial) e a submeter ao regime de propriedade horizontal (artº 6º).
Alegou, ainda, que já antes daquela transação, tinha apresentado à sociedade ré dos autos em que foi lavrada a transação, D…, Lda., a sua nota de honorários (artº 7º).
O apelante-exequente no requerimento executivo expôs os factos que fundamentam o pedido e que não constavam diretamente do título executivo, faculdade que é concedida nos termos do art. 724º/1 e) CPC.
A instauração da execução corresponde à interpelação da executada[14], demonstrando por esta via que o credor ratificou o ato de transmissão da divida, requisito de validade da assunção. Aliás, esta é a análise que se faz perante a mera apreciação do requerimento executivo e do título executivo, porque se considerarmos os documentos entretanto juntos pelo apelante com a contestação aos embargos, concluímos que a ratificação da transmissão ocorreu com a aceitação da proposta apresentada pela executada-embargante de pagamento dos honorários em prestações (cfr. documentos juntos em 06 de abril de 2020, ref. Citius 25590910).
A autoridade do caso julgado formado com a sentença homologatória da transação tem eficácia reflexa sobre o terceiro, o exequente, face ao regime jurídico previsto para a assunção de divida. Condenada a autora a cumprir a obrigação que assumiu constituiu-se como devedora perante o concreto credor de honorários.
Na resposta ao recurso a apelada defende que o acordo celebrado reveste a natureza de uma promessa de liberação. Porém, apenas em sede de resposta ao recurso defende tal posição, a qual não tem qualquer apoio nos factos que alegou na petição de embargos, onde em sede de mérito defende a extinção da obrigação pelo pagamento e invoca deficiências nos projetos (artºs 24º, 25º e 31º embargos de executado). Em momento algum refuta a obrigação que assumiu perante o concreto credor.
Conclui-se que a autoridade do caso julgado da sentença que homologou a transação produz efeitos em relação ao apelante.
Passando à apreciação da legitimidade do exequente e da executada.
A legitimidade em sede de processo de execução é definida pelo art. 53º CPC.
Decorre da previsão da norma que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição do devedor.
Não se diz que é parte legítima como exequente o credor ou o devedor, mas tão só que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor ou como devedor.
Em regra a simples inspeção do título executivo permite resolver a questão da legitimidade.
Os art. 54º e 55º CPC introduzem regras de exceção, que no caso não relevam[15].
Sendo o título uma sentença de condenação, considerava o Professor ALBERTO DOS REIS[16] que será “parte legítima como executado a pessoa condenada; é parte legítima como exequente a pessoa a favor de quem foi proferida a condenação, a pessoa a quem, segundo a sentença, o condenado há de fazer a prestação”.
Tratando-se de execução fundada em sentença a ilegitimidade consiste em não ser a pessoa ou o legítimo sucessor da pessoa a favor de quem ou contra quem foi proferida a sentença ou para quem ela tem força de caso julgado[17].
Alegando o apelante no requerimento executivo ser o credor dos honorários devidos no projeto de construção que corre seus termos com o nº …./02 pela Câmara Municipal … e que foi elaborado tendo em vista a construção no mencionado lote dum edifício de rés-do-chão e 5 andares, face ao título executivo, tinha legitimidade para promover a execução, por figurar no título executivo como o credor da embargante-executada, que assumiu o pagamento desses honorários. Em face do título o exequente é a pessoa a quem a executada foi condenada a fazer a prestação.
Como se referiu o título identifica de forma indireta o credor, ao fazer a referência ao autor dos projetos que constam do processo pendente nos serviços da Câmara e que a executada não poderia ignorar. Aliás, se dúvidas existissem, seria motivo para convidar à junção de tal documento, o que não aconteceu quando foi proferido o despacho de citação em sede de processo de execução.
Acresce que com a contestação o apelante/embargado juntou a certidão emitida pela Câmara Municipal, na qual se certifica o autor dos projetos apresentados e que é a concreta pessoa que figura como exequente: B… (cfr. 22 de janeiro de 2020, ref. Citius 24876206).
Questão diferente e que se prende com o mérito da causa, consiste em apurar se assiste ao apelante-exequente o direito que se arroga, ou, se é o credor real. Com base no título executivo presume-se apenas a existência do direito.
Perante tudo o que se deixou dito a respeito da natureza da transmissão da divida e ratificação do ato pelo credor, a executada C… é também parte legítima na execução, porque perante o título executivo figura como devedora, na medida em que assumiu o pagamento dos honorários junto do engenheiro autor dos projetos que é o concreto exequente, aliás, facto que nunca foi por si posto em causa.
Ponderando o exposto as partes têm legitimidade para a execução e consequentemente para os embargos.
Procedem, nesta parte, as conclusões de recurso.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante e apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em ¼ e ¾, respetivamente.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar a sentença e nessa conformidade, julgar o exequente B… e a executada C… partes legítimas na execução e nos embargos, prosseguindo os autos de embargos de executado os ulteriores termos.
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Custas a cargo do apelante e apelada, na proporção do decaimento que se fixa em ¼ e ¾, respetivamente.
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Porto, 12 de julho de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, Outubro de 2013, pag. 124
[3] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, ob. cit., pag. 133
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, setembro 2014, pag. 10
[5] CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, pag.25
[6] Neste sentido Ac. STJ 30.09.2010 – Proc. 3860/05.5 TBPTM.E1.S1 – www.dgsi.pt.
[7] ANTUNES VARELA, et al, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Revista e atualizada, Coimbra Editora, Lda, Coimbra, 1985, pag. 690.
[8] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1993, pag. 309
[9] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, ob. cit., pag. 315
[10] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, nota (4), pag. 339
[11] Este último subscrito pela aqui relatora, como segunda adjunta.
[12] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, ob. cit., pag. 328; Cfr. ainda, ANA PRATA (Coord.) Código Civil Anotado, vol. I, 2ª edição Revista e Atualizada, Almedina, Coimbra, Abril 2019, pag. 609
[13] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, ob. cit., pag. 327
[14] Sobre os efeitos da citação enquanto ato de interpelação no processo de execução mostra-se relevante o Ac. STJ 11 de março de 2021, Proc. 1366/18.1T8AGD-B.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt)
[15] Fazendo aplicação de tais regras, entre outros, o Ac. Rel. Porto 17 de outubro de 2016, Proc. 7733/14.2T8PRT-A.P1 (acessível em www.dgsi.pt)
[16] JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, Vol. I, 3ª edição, Reimpressão, Coimbra Editora, Lda, Coimbra, 1985, pag. 220
[17] Cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, Vol. I, 3ª edição, Reimpressão, Coimbra Editora, Lda, Coimbra, 1985, pag. 218