NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REFORMA DE ACÓRDÃO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
Sumário


I. Resulta claro do disposto nos nº 2 e 6, primeira parte, do artigo 617º, aplicável à 2ª instância por força do artigo 666º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, que nos casos em que não é admissível recurso, a decisão que indefere a arguição das nulidades e o pedido de reforma é uma decisão definitiva.
II. Este regime de manifesta inadmissibilidade processual da sucessão entre a arguição das sobreditas nulidades e/ou entre o pedido de reforma de decisão e o recurso da decisão que julgou improcedentes as invocadas nulidades e/ou rejeitou o pedido de reforma, é inteiramente aplicável mesmo no caso em que, sendo admissível recurso, a parte vencida tenha optado por não interpor recurso e por arguir nulidades e/ou pedir a reforma perante o tribunal que proferiu a decisão, pois não é aceitável que a circunstância de a parte ter adotado um procedimento errado, deduzindo a reclamação por nulidades da decisão e/ou o pedido de reforma da decisão diretamente perante o tribunal que proferiu a decisão, quando deveria tê-lo feito em sede de recurso jurisdicional, como determinam os artigos 615º, nº 4 e 616º, nº 3, do Código de Processo Civil, possa ter a virtualidade de facultar-lhe um direito que, no caso, não existe, isto é, o direito ao recurso da decisão que julgou improcedentes as invocadas nulidades e o pedido de reforma.

Texto Integral



ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


***



I. Relatório


1. Nos presentes autos de inventário para partilha dos bens comuns do ex-casal formado por AA e BB foi proferido, em 03.12.2020, acórdão que julgou improcedente a apelação interposta pela interessada BB e, em consequência, confirmou a sentença homologatória da partilha e o despacho de 28.02.2020.


2. Em 17.12.2020, a apelante BB reclamou para a conferência, requerendo, nos termos do art. 616º, do CPC, a reforma daquele acórdão e arguindo a nulidade do mesmo por omissão de pronúncia e por ininteligibilidade.


3. Em 28.01.2021, o Tribunal da Relação ….. proferiu acórdão que desatendeu a reclamação e, em consequência, indeferiu o pedido de reforma e a arguição de nulidades do acórdão datado de 03.12.2020.


4. Inconformada com este acórdão de 28.01.2021, a apelante BB veio, em 03.03.2021, dele interpor recurso de revista nos termos gerais ou, subsidiariamente, a título excecional.


5. Pela Srª. Juíza Desembargadora Relatora, foi proferido, em 23.01.2021, despacho que não admitiu o recurso interposto pela apelante do acórdão de 28.01.2021. com base na seguinte fundamentação:

« (…)

Segundo o artigo 615.º, n.º 4 do CPC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem – as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do mesmo preceito só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Por seu turno, diz o artigo 616.º, n.º 2 que, não cabendo recurso da decisão, é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

O artigo 617.º rege o processamento subsequente à decisão proferida sobre a arguição das nulidades e/ou o pedido de reforma.

O disposto nos artigos 615.º e 617.º é aplicável à 2ª instância (artigo 666.º, n.º 1).

Resulta do disposto nos n.ºs 2 e 6, 1ª parte, do citado artigo 617.º que, nos casos em que não é admissível recurso, a decisão que indefira a arguição das nulidades e o pedido de reforma é uma decisão definitiva.

Decorre da conjugação das normas do artigo 615.º, n.º 4 e 617.º, n.º 2, que o regime de arguição de nulidades tem como pressuposto que, nos casos em que não é admissível recurso, as mesmas sejam feitas perante o tribunal que proferiu a decisão e, nos casos em que é admissível recurso, sejam feitas nas alegações de recurso.

E o artigo 616.º, n.º 2 é explícito quando diz que o pedido de reforma pelos fundamentos ali previstos é feito nos casos em que não é admissível recurso.

Pode suceder, no entanto, que, nos casos em que é admissível recurso, a parte vencida não interponha recurso e venha arguir nulidades e/ou pedir a sua reforma perante o Tribunal que proferiu a decisão.

E, se assim for, o Tribunal que proferiu a decisão não pode deixar de apreciar o requerimento de arguição de nulidades e de pedido de reforma[1].

Mas, quer a parte tenha apresentado aquele requerimento por erro, quer por opção, terá de suportar as consequências da sua conduta.

E essas consequências são, por um lado, a impossibilidade de interposição de recurso da decisão reclamada[2], e, por outro lado, a irrecorribilidade da decisão que vier a indeferir a arguição das nulidades e/ou o pedido de reforma, conforme está previsto no citado artigo 616.º, nº 2 e n.º 6, 1ª parte.

Permitir o recurso da decisão que indeferiu as nulidades e o pedido de reforma seria dilatar indevidamente o prazo de recurso da decisão reclamada, dessa forma subvertendo o sistema que está definido nas supracitadas normas dos artigos 615.º a 617.º.

Há que ver que o recurso do acórdão que indeferiu as nulidades e o pedido de reforma acaba por ser o recurso do acórdão reclamado, pois que a parte poderia desde logo ter invocado as nulidades e os fundamentos de reforma no recurso daquele acórdão, que assim teriam sido apreciadas pelo tribunal superior ao que proferiu a decisão.

No caso, em abstracto, o acórdão de 03.12.20 admitia recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, atento o valor da causa (€ 105.432,33).

Não tendo a apelante interposto recurso, antes vindo arguir nulidades e pedir a reforma do acórdão mediante requerimento autónomo, por todas as razões acima aduzidas, não lhe assiste o direito a recorrer do acórdão de 28.01.21, que indeferiu as arguidas nulidades e o pedido de reforma ».


6. Discordando deste despacho de não admissão do recurso interposto, veio a interessada BB, apresentar reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do nº 1 do art. 643º do CPC, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«I - A decisão proferida pelo Tribunal da Relação ….., que não admitiu o Recurso interposto pela ora Reclamante, merece a nossa inteira censura, porquanto estão verificados os pressupostos para a sua admissibilidade.

II – Ora, por não concordarem com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 28 de janeiro de 2021, na parte em que o Douto Tribunal julgou improcedentes as exceções e vícios invocados pela Apelante no que concerne às seguintes questões, infra melhor consignadas, a aqui Reclamante interpôs Recurso.

- Da decisão que julgou improcedente o vício do Acórdão por omissão de pronúncia, no que diz respeito à invocada e reiterada violação do atual art. 1122.º do Código de Processo Civil (doravante, CPC);

- Da decisão que julgou improcedente o vício do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia, no que concerne ao facto de o Douto Tribunal não ter analisado as questões suscitadas pela Recorrente e, consequentemente, ao ter considerado no Acórdão recorrido que ‘’No despacho do Notário de 13-11-19, indeferiu-se o requerimento da apelante de 23-09-19, com fundamento na extemporaneidade do mesmo. Sendo aquele o fundamento do indeferimento do requerimento, ficou prejudicada a apreciação de todas as questões nele suscitadas’’ (cfr. arts. 24.º a 50.º da reforma).

- Do facto de o Douto Tribunal não ter considerado os documentos constantes dos autos (cfr. alegado nos arts. 52.º a 59.º; 74.º a 79.º do articulado de reforma) que impunham uma decisão diversa da tomada pelo Tribunal da Relação ?

- Que, das questões supra melhor elencadas haveria (ou não) obscuridade/ambiguidade da sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC (cfr. arts. 60.º a 72.º do articulado de reforma).

III – Ora, do Recurso interposto pela aqui Reclamante, o Tribunal da Relação ….. proferiu despacho de não admissão do Recurso interposto pelos Apelante, ora Reclamante, pelo que esta apresenta, agora, Reclamação contra o indeferimento do Recurso, nos termos do art. 643.º, n.º 1 do CPC.

IV – As quatro questões, ora em crise, são passíveis de Recurso imediato, nos termos supra melhor expostos, nos termos do disposto no art. 652.º, n.º 5, alínea b) do CPC (ou subsidiariamente nos termos do art. 672.º alínea a) do CPC).

V – Pelo que, e sem necessidade de mais considerações, facilmente se compreende que o Douto Tribunal se deveria ter debruçado sobre           aqueles vícios/nulidades/lapso manifesto do juiz, e não ter obstado a que as mesmas questões fossem impedidas de serem conhecidas e apreciadas por quem de direito. Sendo que, não o tendo feito, invocando e fundamentando, para isso, questões de índole procedimental que, como demonstrou a Reclamante na presente Reclamação, também aquelas carecem de cabimento legal, porquanto no âmbito do princípio de gestão processual (cfr. art. 6.º do CPC) e nos termos do disposto no art. 193.º, n.º 3 do CPC sobre o erro na forma do processo, o Juiz do Tribunal a quo ao ter recebido requerimento autónomo, que considerasse ter que ser interposto enquanto Recurso de Apelação, assim o devia tê-lo feito, no âmbito das suas funções. Sob pena de, não se procedendo desta forma, limitando-se brutalmente a instância e o direito de acesso à Justiça e aos Tribunais, cabalmente protegida pela Constituição da República Portuguesa.

VI – Com efeito, de igual modo, deve ser julgada procedente a Reclamação ora apresentada, devendo, em conformidade, ser admitido o Recurso interposto, o que aqui se requer, com as demais consequências legais.

VII – Pelo que, atento o supra exposto, subsidiariamente, deve o Douto Tribunal da Relação do ….. julgar procedente a presente reclamação e, em conformidade, admitir o Recurso interposto pela Apelante, ora Reclamante, o que aqui se requer, com as demais consequências legais ».

Termos em que requer a revogação do despacho reclamado e a sua substituição por outro que admita o recurso.

7. O cabeça de casal não respondeu.


8. Em 04.06.2021, foi proferido, pela ora relatora, o despacho de não admissão do recurso de revista, que aqui se transcreve:

« (…)

II.  A questão a dirimir na presente reclamação prende-se com a admissibilidade do recurso de revista interposto, nos termos gerais, e subsidiariamente, a título excecional, pela interessada BB do acórdão do Tribunal da Relação ….., de 28.01.2021, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão proferido pelo mesmo Tribunal em 03.12.2020  e que a Senhora Desembargadora Relatora  não admitiu  por entender que este acórdão  não é passível de recurso.


Vejamos.


Para cabal esclarecimento desta problemática importa recuar  ao regime processual anterior à Reforma do regime de recursos introduzido pelo DL  nº 303/2007, de 24.08, em que o art. 686º, nº 1 do CPC, estabelecia que: « Se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos do artigo 667º, nº 1 do artigo 669º, o prazo para o recurso só começa a correr depois  de notificada sobre a decisão proferida sobre o requerimento».

Todavia, este DL nº 303/2007, entrado em vigor em 01.01.2008, revogou expressamente o citado art. 686º (cfr. art. 9º do referido diploma legal), passando a estatuir, no art. 669º, que:

 «1. Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença:

a) O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos;

b) A sua reforma quanto a custas e multa.

2. Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documento ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

3. Cabendo recurso da decisão, o requerimento previsto no nº 1 é feito na alegação.».

Assim, com a introdução deste novo regime recursório, ditado por razões de celeridade processual,  não só  acabou-se a interrupção do prazo do recurso para efeitos de reclamação  por nulidades, esclarecimento ou reforma de decisões, como também deixou de haver requerimentos avulsos para estas  reclamações ou pedidos de reforma sempre que a decisão fosse passível de recurso, pois, neste caso, tais reclamações e pedidos passaram a ser obrigatoriamente feitos na própria alegação do recurso.   

Só quando tal decisão fosse insuscetível de recurso, era possível deduzir, em requerimento avulso, reclamação por nulidades da decisão, pedidos de esclarecimento e retificação ou pedidos de reforma substancial da decisão.

E a verdade é que com a entrada em vigor, em 01.09.2013, do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, o regime legal instituído pelo citado DL nº 303/2007, ganhou nova consagração legal  no art. 616, nº 2 e 3, que reproduziu ipsis verbis o nº 2 do dito art. 669º bem como a parte que, a respeito desta questão, já vinha do nº 3 deste mesmo artigo.

Daí ter-se por certo, ante o disposto nos arts. 615º, nº 4 e 616, nºs 2 e 3, aplicáveis aos acórdãos da Relação por força do disposto no art. 666º, nº 1, todos do CPC, que só nos casos em que a decisão não admite recurso é que as nulidades da decisão podem ser arguidas, em peça avulsa, perante o tribunal que proferiu a decisão e o pedido de reforma da decisão pode ser deduzido por via incidental e em requerimento autónomo.

Vale tudo isto por dizer que a  arguição das nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão bem como a dedução do incidente de reforma da decisão pressupõem, necessariamente a irrecorribilidade da decisão reclamada, estando absolutamente vedado à parte, numa primeira fase e mediante requerimento autónomo, arguir as nulidades previstas mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1 do citado art. 615º ou deduzir o pedido previsto  no nº 2 do citado art. 616º e, após rejeição dessas nulidades ou do pedido de reforma, optar por interpor recurso da decisão que os indeferiu.

Desde logo porque, tal como se afirma no despacho reclamado,  resulta claro  do disposto  nos nº 2 e 6, primeira parte, do art. 671º, aplicável à 2ª instância por força do art. 666º, nº 1, ambos do CPC, que nos casos em que não é admissível  recurso, a decisão que indefere a arguição das nulidades e o pedido de reforma é uma decisão definitiva.

E este regime de manifesta inadmissibilidade processual da sucessão entre a arguição das sobreditas nulidades e/ou entre o pedido de reforma de decisão e o recurso da decisão que julgou improcedentes as invocadas nulidades e/ou rejeitou o pedido de reforma, é inteiramente aplicável mesmo no caso em que, sendo admissível recurso, a parte vencida tenha optado por não interpor recurso e por arguir nulidades e/ou pedir a reforma perante o tribunal que proferiu a decisão, pois o erro da parte quanto ao mecanismo impugnatório a utilizar não pode aproveitar-lhe.

Com efeito, não é aceitável que a circunstância de a parte ter adotado um procedimento errado, deduzindo a reclamação por nulidades da decisão e/ou o pedido de reforma da decisão diretamente perante o tribunal que proferiu a decisão, quando deveria tê-lo feito em sede de recurso jurisdicional, como determinam os citados artigos 615º, nº 4 e  616º, nº 3, possa ter a virtualidade de facultar-lhe um direito que, no caso, não existe, isto é, o direito ao recurso da decisão que julgou improcedentes as invocadas nulidades e o pedido de reforma.

Feitas estas considerações e analisando à luz delas o caso dos autos, o que se verifica, desde logo, é que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 03.12.2020, confirmou  inteiramente, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença homologatória da partilha, o que significa  a ocorrência de dupla conforme prevista no nº 3 do art. 671º, do CPC, obstativa da admissibilidade da revista, nos termos gerais.

Ora, nestas circunstâncias e considerando que a recorrente não interpôs recurso de revista deste acórdão de 03.12.2020, com qualquer fundamento especial previsto no art. 629º, nº 2, nem a título excecional ao abrigo do art. 672º, nº 1, ambos do CPC, não podemos deixar de  concluir  que do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 28.01.2021 e que desatendeu à reclamação por nulidades e pedido de reforma do acórdão de 03.12.2020, apresentados em requerimento autónomo, não cabe recurso de revista, nem nos termos do disposto no art. 671º, nº 1, nem a título excecional, nos termos do art. 672º, nº 1, ambos do CPC, na medida em que estamos perante uma decisão definitiva, conforme o preceituado no nº 6 do citado art. 617º.

E nem se diga, como o faz a reclamante que, no caso em apreço sempre recaia sobre o juiz relator o poder/dever de, oficiosamente, fazer operar a convolação do requerimento de reclamação em requerimento de interposição de recurso.

É que para que essa convolação pudesse operar, necessário seria que a recorrente tivesse cumprido o ónus estabelecido no nº 2 do art. 672º, do CPC, cabendo-lhe especificar, de forma concludente, o fundamento ou fundamentos em que assenta a interposição do recurso a título de revista excecional, o que a mesma não fez.


Daí nenhuma censura merecer o despacho reclamado que, por isso, será de manter.


***


III. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, não se admite o recurso de revista interposto, indeferindo-se a presente reclamação e confirmando-se o despacho reclamado.

Custas do incidente pelo reclamante, fixando-se em 2 UCs a taxa de justiça.

Notifique.»

                                                 

9. Vem, agora, a recorrente, reclamar deste despacho para a conferência, ao abrigo do disposto no art. 652º, nº 3 do CPC, sustentando, em síntese, que no recurso de revista por si do Acórdão da Relação de 28.01.2021, suscitou a questão de que, tendo a apelante  requerido a reforma do Acórdão da mesma Relação de 03.12.2020 e entendendo o Tribunal que  não estavam verificados os pressupostos da reforma, deveria o  mesmo, com base  no princípio de gestão e adequação processual  resultante da conjugação  dos arts. 6º e 193º, nº 3, do CPC, convolar o requerimento de reclamação e pedido de reforma, «num recurso de Apelação».

E porque a decisão singular ora reclamada pouco ou nada escreveu sobre esta questão, padece a mesma das nulidades previstas no art. 615º, nº 1, als. b), d) e c), do CPC, por falta de fundamentação, por omissão de pronúncia e por ambiguidade/obscuridade.   


10. O recorrido não respondeu.


11. Cumpre, pois, apreciar e decidir.


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II - Do mérito da reclamação

Sustenta a reclamante que no recurso de revista por si do Acórdão da Relação de 28.01.2021, suscitou a questão de que, tendo a apelante requerido a reforma do Acórdão da mesma Relação de 03.12.2020 e entendendo o Tribunal que não estavam verificados os pressupostos da reforma, deveria o mesmo, com base no princípio de gestão e adequação processual resultante da conjugação dos arts. 6º e 193º, nº 3, do CPC, convolar o requerimento de reclamação e pedido de reforma, «num recurso de Apelação».

E porque a decisão singular ora reclamada pouco ou nada escreveu sobre esta questão, padece a mesmas das nulidades previstas no art. 615º, nº 1, als. b), d) e c), do CPC, por falta de fundamentação, por omissão de pronúncia e por ambiguidade/obscuridade.  


Mas, em nosso entender, não lhe assiste qualquer razão.

Desde logo, porque, tal como já se deixou dito na decisão singular,  a questão a dirimir na presente reclamação, apresentada nos termos do art. 643º, nº 2, do CPC, prende-se com a admissibilidade do recurso de revista interposto nos termos gerais e, subsidiariamente, a título excecional, pela interessada BB do Acórdão do Tribunal da Relação ….., de 28.01.2021, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão proferido pelo mesmo Tribunal em 03.12.2020 e que a Senhora Desembargadora Relatora não admitiu por entender que este acórdão não é passível de recurso.

Não cabe, assim, no âmbito da decisão da presente reclamação decidir da questão de saber se o Juiz Desembargador Relator ou o Coletivo de Juízes devia, oficiosamente, ter convolado o pedido de reforma do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 03.12.2020 formulado pela apelante BB, em 17.12.2020 e ao abrigo do disposto no art. 616º, nº 2, do CPC, em requerimento de interposição de recurso.

De resto sempre se dirá que, contrariamente ao referido pela ora reclamante, o recurso a interpor nunca seria de apelação, mas sim de revista, visto não ser possível apelar dum acórdão da Relação.

Mas, não obstante tudo isto, a verdade é que o despacho singular ora sob censura não deixou de referir a este respeito que, tendo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 03.12.2020, confirmado inteiramente, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença homologatória da partilha estamos, de harmonia com o disposto no art. 671º, nº 3, do CPC, perante uma situação de dupla conforme, obstativa da admissibilidade da revista nos termos gerais, pelo que, «para que essa convolação pudesse operar, necessário seria que a recorrente tivesse cumprido o ónus estabelecido no  nº 2 do art. 672º, do CPC, cabendo-lhe especificar, de forma concludente, o fundamento ou fundamentos em que assenta a  interposição do recurso a título de revista  excecional, o que a mesma não fez».

Daí ser manifesta a falta de fundamento das invocadas nulidades que se julga improcedentes.

Por tudo isto e uma vez analisada por este coletivo toda a fundamentação do despacho reclamado, conclui-se por manter integralmente essa fundamentação, nada mais havendo que acrescentar ao aí referido.

Constatando-se, porém, conter tal despacho um lapso de escrita, na medida em que os nºs 2 e 6 referem-se ao art. 617º e não ao art. 671º, como aí consta, ao abrigo do disposto no art. 614º, nº 1, aplicável ex vi art. 666º, nº 1, todos do CPC, retifica-se, agora, esse erro material.


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III - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a presente reclamação, confirmando-se a decisão da relatora de não admissão do recurso de revista interposto.

As custas da reclamação ficam a cargo do reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3UC.


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Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade da Exmª. Senhora Conselheira Catarina Serra e do Exmº Senhor Conselheiro João Cura Mariano que compõem este coletivo.

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Supremo Tribunal de Justiça, 14 de julho de 2021

Maria Rosa Oliveira Tching (relatora)

Catarina Serra

João Cura Mariano

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[1] Ac. da RL de 13.03.07, www.dgsi.pt.
[2] Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 58, nota 91.