RECLAMAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
AÇÃO EXECUTIVA
VALOR DA CAUSA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário

Texto Integral


Foi proferido despacho judicial de rejeição do requerimento executivo com fundamento em que, como nele se refere:

“A exequente, aquando da interposição da execução, estava munida, tão-somente, da sentença condenatória, que ainda não transitada em julgado, apesar de ter sido interposto recurso, sem que ainda tivesse sido proferido despacho de admissão do recurso, nem fixado o respetivo efeito, o qual só viria a ser fixado, com efeito meramente devolutivo, por despacho de 30-4-19.

Assim sendo, é manifesto que aquando da interposição da execução, a sentença não estava dotada de exequibilidade, o que implica a rejeição da execução, nos termos dos arts. 726º, nº 2, al. a), 734º e 855º, nº 2, al. b), do CPC”.

Interposto recurso de apelação pela exequente, o despacho foi revogado por acórdão da Relação.

A executada interpôs recurso de revista deste acórdão e, para justificar a sua admissibilidade, malgrado o valor processual atribuído ao processo de execução se conter dentro da alçada da Relação, alegou que:

“Por outro lado, e sobre a questão do valor, dir-se-á que o que está em causa no presente recurso é a definição do regime da exequibilidade do título executivo sentença, nos termos do art. 704º do CPC.

Logo, a análise do regime dos títulos executivos e da sua exequibilidade é matéria que, em termos do conceito de valor vai muito para além do próprio valor inicial da execução, correspondendo a utilidade económica imediata do pedido, estabelecida no art. 296º do CPC a um conceito de interesses imateriais ou difusos pelo que o valor do presente recurso deverá ser alterado para € 30.000,01, de acordo com o art. 303º do CPC.

Porque estão assim preenchidos os elementos do recurso de revista e da sua natureza excecional e porque a recorrente está em tempo e tem plena legitimidade, requer a V. Exa. que se digne admitir o recurso, seguindo-se os demais termos, de acordo com o artigo 638º, número 1, do CPC”.

O recurso de revista foi rejeitado na Relação: como revista normal, pelo facto de o valor da execução não superar a alçada da Relação; como revista excecional, adicionalmente, com fundamento em que se não verifica uma situação de dupla conformidade.

Para o efeito consignou-se no despacho de rejeição o seguinte:

“…

Além disso, uma outra circunstância seria impeditiva da admissibilidade da revista: o valor da execução é, apenas, de € 15.481,64, o que face ao disposto no art. 629º, nº 1, do CPC, não permitiria o recurso de revista, dado que a alçada do Tribunal da Relação é de e 30.000,00 (art. 44º, nº 1, da Lei 62/13, de 26/08).

Aliás, não será por acaso que a executada pretende, agora (?), alterar o “valor do recurso” para € 30.000,01, o que constituiria uma “questão nova” (ius novorum), sendo certo que, como é sabido, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados (Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., 1997, pág. 395).

Quanto ao primeiro grupo, em que é sempre admissível recurso de revista em processo executivo, é delimitado pelas situações previstas nos arts. 629º, nº 2, e 671º, nº 2, al. b), do CPC (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., p. 469).

Ora, o recurso em apreço não é subsumível a nenhuma das situações previstas no nº 2 do art. 629º, visto não ter por fundamento: (i) violação de regras sobre competência absoluta, ou ofensa de caso julgado (al. a); (ii) decisão respeitante ao valor da causa ou de incidente (al. b); (iii) decisão proferida contra acórdão uniformizador de jurisprudência (al. c); (iv) acórdão da Relação que esteja em contradição com outro acórdão da mesma ou de outra Relação.

Além disso, também não se subsume ao art. 671º, nº 2, al. b), visto que não vem invocado que o acórdão em discussão esteja em contradição com acórdão do STJ já transitado em julgado.

Portanto, conclui-se como se começou: não é admissível recurso de Revista no caso dos autos.

Quanto à revista excecional. Igualmente, não é admissível.

Desde logo, em primeiro lugar, porque não estamos perante uma situação de dupla conforme, nos termos em que é definida pelo art. 671º, nº 3, do CPC, visto que o acórdão em causa revogou a decisão da 1ª instância.

Em segundo lugar, porque o acesso à revista excecional, depende também da verificação dos pressupostos da revista “normal”, designadamente os que respeitam ao valor do processo ou da sucumbência (art. 629º, nº 1, do CPC). (cf. Abrantes Geraldes, Recursos … cit., pp. 352 e ss.)”.

A executada veio reclamar ao abrigo do art. 643º do CPC e, com diversa fundamentação, insistiu na admissibilidade do recurso de revista.

Tal reclamação foi indeferida por despacho do ora relator:

“…

Manifestamente não se verificam os requisitos processuais de que depende a admissibilidade do recurso de revista, nem como revista nos termos gerais, nem como revista excecional.

Em qualquer das modalidades de revista, é pressuposto da recorribilidade o facto de o valor processual ser superior à alçada da Relação que está fixada em € 30.000,00.

Tal regra apenas comporta as exceções previstas no art. 629º, nº 2, do CPC e, além de nenhuma delas ter sido alegada, também não se identifica qualquer das situações especiais em que a admissibilidade da revista prescinda daquele elemento formal.

Vem a recorrente alegar que “a análise do regime dos títulos executivos e da sua exequibilidade é matéria que, em termos de conceito de valor, e na abstração da sua natureza, vai muito para além do valor inicial da execução correspondente à mera liquidação de quantia certa, passando a corresponder a utilidade económica do pedido, de acordo com o conceito do art. 296º do CPC a um conceito de interesses imateriais ou difusos com um inerente valor de € 30.000,01, de acordo com o art. 303º do CPC, que é o valor que está em consonância com o interesse imaterial fundamental da nossa ordem jurídica como é todo o sistema de exequibilidade de todos os títulos executivos sentença”.

Para além da evidente extemporaneidade de uma tal alegação tendente a reavaliar o valor processual, não tem o mínimo suporte legal, contrariando de forma direta o que decorre dos arts. 296º, nº 2, e 297º, nº 1, do CPC. Além disso, desconhece-se qual a base (doutrinal ou jurisprudencial) para tal afirmação que vem ao arrepio de tudo quanto se escreve sobre a determinação do valor processual quando estão em causa pretensões que, como a de pagamento coercivo de quantia certa assente em sentença judicial, foi formulada na presente ação executiva.

Não encontra qualquer sustentação a alegação de que estejam em causa interesses imateriais ou interesses difusos, nos termos e para efeitos do art. 303º do CPC o que, de todo o modo, como já se disse, não seria suscetível de ser introduzido em sede de recurso de revista.


Por outro lado, também não faz qualquer sentido a pretendida admissibilidade do recurso de revista excecional que precisamente tem subjacente a existência de dupla conformidade que notoriamente se não verifica, já que a Relação revogou o despacho de 1ª instância.

Além disso, qualquer revista excecional apenas é admissível quando o único motivo para a rejeição do recurso de revista nos termos gerais resida na verificação da dupla conformidade.

Obviamente que a revista excecional jamais pode superar a falta de verificação do pressuposto geral da recorribilidade tendo em conta o valor do processo (ou, quando aplicável, o valor da sucumbência), nos termos do art. 629º, nº 1, do CPC.

Tão pouco colhe o argumento relacionado com a incompetência relativamente à rejeição da revista excecional, já que a exclusividade prevista no nº 3 do art. 672º do CPC apenas abarca a verificação em concreto de algum dos requisitos revistos no nº 1 do art. 672º, não colidindo com a possibilidade de ser rejeitado de imediato o recurso de revista, mesmo excecional, perante a falta de verificação dos pressupostos gerais dos recursos.

Nenhum argumento em sentido contrário se obtém a partir de qualquer consideração que possa ser feita sobre o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva que, além de terem sido respeitados no caso presente, como o revela a existência do duplo grau de jurisdição, não determinam de modo algum a admissibilidade ilimitada de graus de recurso, antes a sujeição dos recursos aos requisitos previstos na legislação ordinária.

…”.

Contudo, a executada não desarma e vem agora pedir a intervenção da conferência:

“…

Deduziu a aqui recorrente contra-alegações de recurso na apelação interposta pela exequente da douta sentença de primeira instância que rejeitou a execução pendente, com base em que, aquando da interposição da execução a sentença não estava dotada de exequibilidade porquanto, quando a execução foi interposta, a exequente estava munida tão somente de sentença condenatória que ainda não transitara em julgado apesar de ter sido interposto recurso, sem que ainda tivesse sido proferido despacho de admissão de recurso, nem fixado o respetivo efeito no momento da interposição da execução.

Porque o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de ….. julgou procedente a apelação da exequente com o mero fundamento de que o art. 704º nº 1 do CPC estabelecia um regime de exequibilidade imediata das sentenças que podem ser imediatamente executadas após a sua notificação ou conhecimento pelas partes, sem necessidade de aguardar o decurso de qualquer prazo de interposição de recurso ou de fixação do seu efeito, a aqui recorrente deduziu recurso de revista excecional para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça porquanto estava em causa:

a) O acórdão recorrido ter julgado improcedentes as nulidades constantes das contra-alegações de apelação relativas à citação da executada e recorrida na apelação;

b) O acórdão recorrido ter criado a nulidade decorrente de considerar a exequibilidade do título executivo à data do início da instância executiva.

As nulidades arguidas do acórdão decisório, e designadamente a nulidade referida na alínea b) supra, ainda não tinham sido colocadas em sede de recurso como vícios de 1ª instância, pelo que também a arguição da nulidade do ato por violação de lei, não só é inovatória dentro do recurso, como é sequente à prolação do acórdão, e é matéria a ser decidida pela primeira vez pelo Tribunal da Relação ….., que a julgou inovatoriamente.

Sucede que esta nulidade do ato, foi decidida pela primeira vez pelo acórdão recorrido, pelo que e quanto a ela foi proferida decisão inovatória, sendo certo que o acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva – art. 20º da CRP – impõe que a todos seja assegurado o recurso pelo menos num grau hierárquico de justiça.

Por outro lado, a questão da exequibilidade do título e dos correspondentes elementos para que tal título possa fundamentar a interposição de execução constitui uma questão que determina sempre uma melhor aplicação do direito e segurança do sistema jurídico.

Tendo sido estas as razões conjugadas para a interposição do recurso para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça da decisão sobre nulidades em primeira instância no Tribunal da Relação de …...

III – A REJEIÇÃO DO RECURSO COMO REVISTA EXCECIONAL

Entendeu o Conselheiro Relator, que confirmou a rejeição do recurso de revista, que a lei lhe permitia pronunciar-se desde logo sobre uma rejeição de recurso de revista excecional já antes proferida pelo Tribunal da Relação …. .

É, porém, claro o art. 672º, nº 3, do CPC, que a decisão quanto à verificação dos pressupostos sobre a revista excecional compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo nesse Tribunal ser objeto de apreciação preliminar sumária a cargo de uma formação especifica constituída por 3 Juízes Conselheiros.

Logo, não cabe, em termos formais que o Exmº Relator venha na sua douta decisão singular, confirmar uma rejeição de revista excecional deduzida pelo Tribunal da Relação de … .

E por outro lado, igualmente não foi a confirmação da rejeição decidida por uma formação especifica constituída por 3 juízes conselheiros, o que determina também a invalidade da decisão singular confirmativa da rejeição notificada.

Porém, ainda mais incompreensível são as razões substanciais, pelas quais o Relator veio negar a admissão do recurso como revista excecional, dizendo que, porque não havia dupla conforme, nunca seria possível deduzir revista excecional.

Daqui se retiraria que, segundo a posição do Relator, caso estivesse em causa uma questão de relevância jurídica cuja apreciação fosse claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, ou existiria dupla conforme e a revista excecional era admitida, ou não existiria dupla conforme e como tal os direitos da recorrente ficavam cerceados, sobre a apreciação de relevante questão jurídica.

É que, independentemente dos pressupostos de admissão da revista ordinária, que a reclamante designará como pressupostos formais, a natureza da revista excecional é questão substancial de apreciação de questão que pela sua relevância jurídica seja necessária uma melhor aplicação do direito.

Ou seja, preenchidos que sejam os pressupostos formais de admissão da revista, será sempre possível, salvo melhor opinião, ser analisada a matéria substancial da relevância jurídica.

Com efeito, desde que haja para apreciação uma questão de relevância jurídica como é a definição e fixação das condições de exequibilidade de sentença proferida, a tal natureza excecional do recurso de revista, o recurso de revista pode ter sempre a natureza de revista excecional, independentemente de existir ou não existir dupla conforme, sendo que a apreciação de tal natureza em relação à matéria controvertida é particularmente relevante quando nem sequer existe dupla conforme.

E essa análise substancial é precedida dos pressupostos fundamentadores da Revista ordinária onde se inclui o valor, como utilidade económica do pedido.

…”.

Em relação a este segmento da reclamação, é tal o desacordo entre os fundamentos invocados e o direito positivo aplicável que praticamente se mostraria despicienda qualquer apreciação que passasse da mera remissão para o texto legal.

Ainda assim, sempre se dirá o seguinte:

Obviamente que a revista excecional só é admissível em casos em que se inscrevam na norma do art. 671º, nº 1, do CPC, e em que o único obstáculo ao recurso de revista seja a existência de dupla conforme.

No caso, o acórdão da Relação não se insere nos estreitos limites daquele preceito, sendo manifestamente desajustada a invocação de qualquer dos fundamentos excecionais previstos no art. 672º, nº 1, do CPC.

Tanto ou mais desajustada é a alegação de que para a admissibilidade de um recurso de revista excecional bastaria que fosse suscitada alguma questão com relevo jurídico, nos termos definidos pelo art. 672º, nº 1, al. a), alegação completamente desfasada do direito positivo que regula os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, nos termos gerais, ou os requisitos da admissibilidade da revista excecional.

Por outro lado, ante a manifesta falta de sustentação legal da interposição de um recurso de revista ao abrigo do art. 671º, nº 1, ou mesmo ao abrigo do art. 672º, nº 1, do CPC, cabia ao Exmº Relator na Relação rejeitar de imediato o recurso, assim como competia ao ora relator confirmar essa rejeição no âmbito da apreciação da reclamação deduzida ao abrigo do art. 643º do CPC.

Mais uma vez, como é óbvio, a intervenção da Formação prevista no nº 3 do art. 672º está limitada aos casos em que tenha sido interposto recurso de revista excecional relativamente ao qual não existam impedimentos de ordem geral, como os que ocorrem no caso presente em que, além da natureza e conteúdo da decisão da Relação, existe ainda o impedimento geral decorrente da falta de superação do valor processual mínimo, de € 30.000,01, nos termos do art. 629º, nº 1, do CPC.


A recorrente avança ainda que:

IV – A QUESTÃO DO VALOR

Sobre esta matéria, o certo é que a decisão singular agora em reclamação detém um claro erro quando refere que as decisões em recurso se reportam a uma execução a que foi dado o valor de € 15.481,64.

É que, não só em segunda instância se colocaram questões inovatórias sobre a exequibilidade abstrata da sentença, como também o valor económico do pedido de que se recorre não tem a ver com o valor da execução inicial.

Situação que não é extemporânea dado que a matéria inovatória que levou ao presente recurso de revista só se colocou no despacho de rejeição do recurso pelo Tribunal da Relação de …...

Dispõe o art. 296º do CC que o valor da causa corresponde à utilidade económica do pedido.

Ora, se no início da presente execução para pagamento de quantia certa estaria em causa o valor da quantia exequenda dada pelo exequente, o certo é que a questão da exequibilidade do título está relacionada com a matéria exposta no presente recurso que é a definição do regime de exequibilidade do título executivo Sentença, abstrata e considerado na generalidade nos termos do art. 704º do CPC.

Logo, a análise do regime dos títulos executivos e da sua exequibilidade é matéria que, em termos de conceito de valor, e na abstração da sua natureza, vai muito para além do valor inicial da execução correspondente à mera liquidação de quantia certa, passando a corresponder a utilidade económica do pedido, de acordo com o conceito do art. 296º do CPC a um conceito de interesses imateriais ou difusos com um inerente valor de € 30.000,01, de acordo com o art. 303º do CPC, que é o valor que está em consonância com o interesse imaterial fundamental da nossa ordem jurídica como é todo o sistema de exequibilidade de todos os títulos executivos sentença.

E essa utilidade económica do pedido só surge pela necessidade de fixação pelos Tribunais Superiores de uma uniformização desse sistema de exequibilidade, e não antes.

O que também não se traduziria em facto impeditivo de admissão do recurso, com base no art. 629º, nº 2, al. b), do CPC, tanto mais que a questão do recurso só se coloca após a prolação do acórdão da Relação …… e não antes, dado que só agora é que a questão da exequibilidade do título sentença passou a ser matéria de resolução abstrata e não relativa à situação concreta de execução para pagamento de quantia certa.

E essa resolução abstrata resulta claramente do que foi decidido no acórdão do Tribunal da Relação de …. em que é dito que são títulos executivos e de execução imediata as sentenças condenatórias após a sua notificação ou conhecimento pelas partes.


Aqui, mais uma vez, o que se constata é a total irrelevância que para a recorrente têm as normas adjetivas que regulam a determinação do valor do processo, com efeitos diversos, entre os quais, o de condicionar a admissibilidade de qualquer recurso, nos termos do art. 629º, nº 1, do CPC, sem embargo dos casos previstos no nº 2.

Como já se deixou expresso na decisão singular, nos processos de execução para pagamento de quantia certa o critério aferidor do valor é apenas um: o do valor económico que está em causa e que corresponde ao valor da quantia exequenda. Tudo o mais são considerações à margem dos critérios legais que não cabe rebater ponto por ponto, bastando a afirmação daquele critério, por ser o legal e por ser aquele que este ou outro qualquer tribunal deve seguir em qualquer caso.

Obviamente que não faz o menor sentido afirmar, ainda assim a destempo, que o valor processual em causa deveria ser avaliado em função do critério definito pela lei quando estejam em causa interesses imateriais só porque é questionada a exequibilidade do título apresentado.


Remata ainda a exequente que:

V – O FUNDAMENTO SUBSTANCIAL DO RECURSO

Tem a presente execução como causa de pedir a sentença produzida no processo nº 12191/18...... do Juízo Central Cível ..... – Juiz .., a qual, na parte que interessa à presente execução para pagamento de quantia certa, condenou a aqui recorrente a pagar à recorrida a quantia de € 1.500,00 mensal correspondente ao valor locativo da loja com entrada pelo nº ….. do prédio sito no ........, desde a citação até à entrega efetiva do imóvel, o que já aconteceu por entrega coerciva.

Como matéria provada no acórdão recorrido é estabelecido que se a sentença pretensamente dada como título executivo foi proferida a 4-3-19, e notificada às partes no dia 6-3-19, citação essa que, de acordo com o art. 248º do CPC, considerou-se feita a 11-3-19, porquanto o dia 9-3-19 correspondeu a um sábado, sendo o primeiro dia útil seguinte, segunda-feira, dia 11, poderia ser considerada já titulo executivo a partir desse mesmo dia, à revelia do que dispõe o art. 704º do CPC .

Por outro lado, os autos também dão como provado que o requerimento executivo foi apresentado pela aqui recorrida a 14-3-19.

Nos termos do art. 10º, nº 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da ação executiva, e segundo o art. 703º do CPC, são títulos executivos as sentenças condenatórias, as quais, de acordo com os arts. 628º e 647º do CPC, só são títulos executivos quando não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação ou quando o recurso tinha efeito meramente devolutivo, declarado pelo tribunal no despacho de admissão de recurso.

E isto mesmo emerge do próprio art. 704º, nº 1, que determina que a sentença só é exequível ou quando transitada em julgado, ou, se interposto recurso quando ao mesmo for atribuído efeito meramente devolutivo.

Ora, a instância executiva inicia-se pela propositura da execução e é no requerimento executivo que a parte tem que definir, quer os fundamentos da execução, quer a exequibilidade do título, elementos que são oponíveis ao exequente desde o momento da propositura da execução e muito embora os efeitos da propositura da execução só a partir da citação sejam oponíveis ao executado – arts. 259º e 260º do CPC.

O que se passa na presente execução é que o requerimento executivo, em que a exequente exigia os seus pretensos direitos, deu entrada em juízo a 14-3-19, ou seja, meros 3 dias após a validade e eficácia da notificação da sentença de 1ª instância.

Tal significa que a execução foi interposta quando:

a) Estava no início o prazo de 10 dias para a recorrente requerer qualquer retificação de erro material, qualquer nulidade ou qualquer reforma de sentença – arts. 614º, 615º e 616 do CPC;

b) Por maioria de razão, ainda mais no início estava o prazo de 30 dias para a aqui recorrente recorrer, como recorreu, da sentença de 1ª instância, e para, no âmbito do recurso, requerer, quer a nulidade da sentença, quer a atribuição ao recurso de efeito suspensivo.

Sucede que, 3 dias após a notificação da sentença de 1ª instância, era impossível a mesma sentença ter transitado em julgado, ou até ter sido interposto recurso ao qual fosse atribuído efeito suspensivo ou devolutivo.

Quer isto dizer que a execução foi interposta sem a sentença ter transitado em julgado e 27 dias antes do fim do prazo de interposição do recurso e definição do efeito do mesmo, pelo que não preenchia sequer os requisitos do art. 704º, nº 1, do CPC.

Em consequência, não era a sentença dada à execução, nos termos da instância executiva, um título exequível, uma vez que não tinha sequer transitado em julgado ou sido suscetível de interposição de qualquer recurso.

E, com efeito, dispõe o art. 704º, nº 1, do CPC, que a sentença só constitui título executivo depois do transito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeitos meramente devolutivo.

Dispõe o art. 729º do CPC que a oposição a execução baseada em sentença só pode ter como fundamento a inexistência ou a inexequibilidade do título executivo.

Ora, foi precisamente a inexequibilidade do título no momento em que a execução foi interposta que fundamentou, e com base legal, a rejeição da execução.

Contudo, o acórdão recorrido, e quanto a esta nulidade em concreto, acabou por revogar a sentença de primeira instância com fundamento em regime de exequibilidade que não encontra sustentação normativa na lei uma vez que a execução foi interposta 3 dias após a notificação da sentença nem se podendo sanar a nulidade pelo decorrer da tramitação do recurso e lhe ter sido conferido efeito devolutivo, mês e meio após a dedução da execução.

A qual, reafirma-se, foi interposta sem título exequível e insuscetível de ser sanado durante a tramitação da execução sob pena de serem admitidas penhoras e até vendas judiciais à revelia do princípio da “nula executio sine titulo”.

E assim o julgou a douta sentença proferida sobre esta mesma matéria na presente execução para pagamento de quantia certa quando expressa que “no caso em apreço a exequente, aquando da interposição da execução, estava munida tão somente de sentença condenatória que ainda não transitara em julgado apesar de ter sido interposto recurso sem que ainda tivesse sido proferido despacho de admissão de recurso pelo que é manifesto que aquando da interposição da execução, a sentença não estava dotada de exequibilidade”.

E como tal, não podia a decisão singular confirmar o despacho de rejeição do recurso de revista com base em referir que a exequibilidade da sentença ocorreu no decurso da execução, quando essa exequibilidade tem de ser necessariamente aferida no momento do início da instância – art. 259º do CPC, quando nem sequer estava definido o efeito do recurso ou concluído o prazo para a sua dedução.

E todas estas nulidades constituem também uma efetiva violação do art. 20º da CRP, para além do seu carater inovatório ocorrido em segunda instância.


Aqui o que está em causa são os argumentos de ordem material que, colocados a jusante da fase em que se aprecia a admissibilidade do recurso, não têm que obter deste coletivo qualquer resposta, a não ser que nada do que a recorrente alega, quer a respeito das alegadas nulidades, quer a respeito da conformidade constitucional de algum preceito ou interpretação normativa, modifica o juízo que já foi formulado de inadmissibilidade do recurso de revista nos termos em que o mesmo foi interposto.


Por conseguinte, indefere-se a reclamação para a conferência e confirma-se o despacho do ora relator que rejeitou a reclamação que, contra a decisão singular do Exmº Desembargador, foi deduzida pela executada ao abrigo do art. 643º do CPC.

Custas da presente reclamação a cargo da recorrente, com taxa de justiça de 3 UC.

Notifique.

Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo.

Lisboa, 14-7-21


Abrantes Geraldes (relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo