TESTAMENTO
INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO
LEGADO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
DIREITO DE PROPRIEDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
BONS COSTUMES
RECURSO DE APELAÇÃO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
CASO JULGADO
CAUSA DE PEDIR
NULIDADE DE ACÓRDÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
DUPLA CONFORME PARCIAL
RECURSO SUBORDINADO
Sumário


I. As nulidades invocáveis nos termos do art. 674.º, n.º l, al. c), do CPC, são as do acórdão da Relação, não cabendo neste âmbito a invocação de nulidades da decisão da primeira instância.
II. As decisões interlocutórias que cabem no n.º 3 do art. 644.º do CPC, são aquelas que, sendo impugnáveis em abstrato, não cabem no nº 2 do mesmo preceito (respeitante a casos de recurso de apelação autónomo).
III. Assim, é imediata e autonomamente recorrível (cabendo na al. d) do nº 2 do citado normativo) o despacho proferido em audiência final admitindo a junção aos autos de documento, pelo que não tendo os Réus interposto recurso desse despacho, no prazo de 15 dias a contar da sua notificação (ut artº 638º, nº1 CPC), o mesmo transitou em julgado, não podendo ser atacado em sede de apelação interposta da sentença.
IV. Os fundamentos de facto não formam por si só caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente numa outra acção que corra entre as mesmas partes, quando desgarrados da decisão de que são pressuposto, não obstando o trânsito em julgado da decisão de mérito proferida na primeira acção que, na segunda, em que a causa de pedir é apenas parcialmente coincidente com a da primeira, esses factos sejam julgados diversamente.
V. A interpretação do testamento (em que a declaração é unilateral, não havendo destinatário directo e imediato cujo interesse deva ser protegido: a declaração deve valer de acordo com a vontade real e contemporânea do testador) assenta numa perspectiva subjetivista em que se procura reconstituir o pensamento do testador à data da outorga do testamento, devendo nessa função interpretativa partir-se do texto do testamento e do contexto em que o testador o outorgou, indagando do sentido que este, à data da outorga do testamento, atribuía às expressões que nele utilizou e da sua mentalidade (opiniões pessoais, cultura, hábitos e comportamentos sociais e religiosos).
VI. Porém, a intenção testatória (que deve ser procurada por todos os meios possíveis, ainda que exteriores ao testamento) só poderá ter-se por decisiva e relevante se de algum modo se reflecte, transparece ou transluz nos termos do testamento.
VII. Instituindo o testador um legado sobre determinados prédios em relação aos quais declara encontrar-se pendente ação judicial contra os locatários desses prédios, e consignando “Que pretende, caso a sentença reconheça o direito a seu favor e os prédios venham a ser efectivamente propriedade” das legatárias “(…), por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários (…) ou seus familiares”, está-se perante uma cláusula resolutiva do legado.
VIII. Esta cláusula, porque limitativa do poder de disposição dos legatários sobre os prédios legados, considera-se, em princípio não escrita, só o não sendo: a) se não houver da parte do testador o intuito de coarctar a liberdade dos legatários, mas prosseguir outros interesses legítimos; ou b) quando a restrição à liberdade dos legatários não for em si mesma escandalosa ao ponto de chocar com o sentimento ético-jurídico dominante.
IX. A referida cláusula não viola o direito à propriedade privada dos legatários sobre os direitos legados (ut art. 62º da CRP), na medida em que, para além de a tutela constitucional desse direito não ser absoluta, o testador não eliminou o poder de disposição dos legatários sobre esses direitos, nem, sequer, a livre circulação ou a concorrência, mas limitou-se a restringir esse poder dispositivo exclusivamente em relação aos Autores e familiares destes.
X. Ao sancionar os familiares dos Autores pelo comportamento desonesto, lesivo da boa fé e, inclusivamente, penalmente sancionável dos Autores para com o testador (traduzido na circunstância de, mediante a recurso a escritura de justificação notarial, em que alegaram factos falsos, os Autores terem conseguido registar a propriedade plena e exclusiva sobre os prédios em seu nome, forçando o testador a ter de impugnar judicialmente essa escritura, na defesa dos direitos que possuía sobre os prédios), o testador confundiu a pessoa e comportamento dos Autores com o dos familiares destes, com o que violou a dignidade dos familiares dos Autores (ut art. 1º da CRP) e colocou-os, injustificadamente, numa situação de desvantagem em relação aos demais cidadãos, em caso de futura transmissão pelos legatários desses direitos que lhes foram legados sobre os prédios, desta forma violando, também, o princípio da igualdade (ut art. 13º da CRP), o que determina a nulidade dessa cláusula na parte respeitante à proibição imposta pelo testador aos legatários em relação aos familiares dos Autores.
XI. Já a proibição imposta pelo testador aos legatários em relação à pessoa dos Autores, não é lesiva dos princípios da dignidade e da igualdade destes, nem, sequer, do sentimento ético-jurídico dominante ou dos bons costumes, porquanto assenta na lesão pelos Autores da dignidade do próprio testador, por via do aludido comportamento que tiveram para com aquele, e quando as razões da proibição resultam assacadas da interpretação do texto do testamento, quando inserido no contexto em que foi outorgado, e quando esse proibição se mostra adequada e proporcional à ofensa cometida pelos Autores à pessoa do testador, sendo, por isso, essa cláusula proibitiva válida em relação à pessoa dos Autores.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


AA (entretanto falecido) e mulher, BB, residentes na ....., ….., .., instauraram ação declarativa, com processo comum, contra Sociedade Martins Sarmento, com sede na Rua …, Guimarães, e Associação 25 de Abril, com sede na Rua …, …, Lisboa.

Pedem que:

a - se declare nulas ou anuladas e de nenhum efeito as disposições constantes do testamento outorgado em 16 de junho de 2005, no Notário CC, no que respeita ao legado instituído às Rés – Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril – da totalidade dos prédios identificados nesse testamento e na petição inicial desta ação, pois que constituem uma liberalidade à non domino;

E da disposição que limita e cerceia de forma ilegal a liberdade das legatárias, proibindo-as de transmitir eventualmente tais prédios aos Autores – AA e mulher e familiares, tudo com as consequências legais.

b- se declare os Autores – AA e mulher BB – como os únicos donos e proprietários de todos os prédios descritos no art. 1º desta petição.


Para tanto alegam, em síntese, serem os únicos proprietários dos seguintes prédios sitos na freguesia ..........., ……..: a- prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, destinado a habitação, sito na ............, n.º …, inscrito na matriz sob o art. …94º e descrito na Conservatória sob o n.º …95; b- prédio urbano composto por edifício de cave, rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, destinado a comércio e habitação, sito na ..............., n.ºs … a …, inscrito na matriz sob o art. ….08º e descrito na Conservatória sob o n.º …93; e c- prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, destinado a habitação, sito no .........., n.ºs .. e .., inscrito na matriz sob o art. …04º e descrito na Conservatória sob o n.º …94;

A propriedade de tais prédios encontra-se inscrita em nome dos Autores na Conservatória do Registo Predial;

Por escritura pública de 27/12/2010, DD vendeu aos Autores 3/8 daqueles prédios;

Por escritura pública de 27/12/2010, EE, por si e em representação da massa da herança de FF, GG e HH, bem como II, JJ, esta por si e em representação da massa da herança de FF, GG e HH e, bem assim, KK e DD venderam aos Autores 3/8 daqueles prédios;

Por escritura pública de 29/07/1993, HH, vendeu aos Autores 2/8 daqueles prédios;

Os Autores, por si e antepossuidores, há mais de vinte anos que estão na posse pública, pacífica, ininterrupta, de boa-fé e à vista de toda a gente dos identificados prédios, com animus de verdadeiros donos, tendo, durante todo esse lapso de tempo, usufruído de todos os seus frutos, dando-os de arrendamento, fazendo obras de restauro e de conservação, utilizando-os no seu comércio e habitação, pagando todos os impostos e taxas inerentes à condição de donos;

Há cerca de três anos os Autores tiveram conhecimento de um testamento outorgado por DD, viúvo, falecido em 29/06/2005, em que este declarou ser proprietário de três prédios, que são exatamente os mesmos de que os Autores são proprietários, e declarou doar ¾ partes indivisas dos mesmos à Ré “Sociedade Martins Sarmento e ¼ parte indivisa à Ré “Associação 25 de Abril”;

Esses legados foram feitos com o encargo da Ré Sociedade Luís Sarmento suportar as custas judiciais e demais encargos do processo e que “caso a sentença reconheça o direito a seu favor e os prédios venham a ser efetivamente propriedade da Sociedade Martins Sarmento e da Associação 25 de Abril por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários, AA, mulher ou seus familiares”;

Acontece que o falecido DD nunca foi dono da totalidade dos prédios legados e sempre soube que apenas era titular de uma pequena parte dos mesmos;

Acresce que ao impor que as legatárias nunca transmitissem os prédios aos Réus e familiares destes, o falecido DD instituiu uma condição contrária à lei, porque violadora da liberdade individual das pessoas, a qual é consequentemente nula;

Por sentença proferida no processo 302/2002, da ..ª Vara Mista deste Tribunal, em que foi Autor o falecido DD, e Réus os aqui Autores, transitada em julgado, foi julgado que os mencionados prédios pertenciam, na proporção de 3/8 e no regime de comunhão hereditária ao testador DD, DD, LL, MM, e em regime de comunhão hereditária por herança aberta por morte de NN, OO e PP; na proporção de 3/8 em regime de comunhão hereditária a GG, EE, KK e JJ, por heranças abertas por morte de QQ e FF; e os restantes 2/8 aos Autores, por compra a HH, por escritura pública de compra e venda de 29/07/1993;

Dessa sentença foi interposto recurso para a Relação e, posteriormente, para o STJ, que manteve o decidido quanto à titularidade da propriedade dos prédios, sendo que DD acompanhou tais processos e sabia que quando outorgou o testamento não era proprietário dos mesmos.


As Rés contestaram deduzindo incidente de intervenção principal provocada, na qualidade de comproprietários dos prédios, de: a) DD; b) EE, esta por si e em nome e representação da massa da herança de FF, GG, HH e II; c) JJ, por si e em nome e representação da massa da herança de FF, GG e de HH; d) KK, em nome e representação da massa da herança ab9erta por óbito do seu cônjuge FF; e) e de HH.

Mais requereram a intervenção principal provocada, na qualidade de herdeiros legitimários do testador DD: a) em representação do filho pré-falecido do testador, OO, dos seguintes netos: DD, RR e SS; b) em representação do filho pré-falecido do testador, PP, do seguinte neto: MM; c) e na qualidade de beneficiárias do Fundo constituído, a que a Ré “Sociedade Martins Sarmento tem o encargo de administrar, de TT, UU, LL e DD.

Impugnaram parte da factualidade alegada pelos Autores e invocaram a excepção da aquisição originária dos prédios por parte do testador DD, alegando que este recebeu 3/8 partes dos referidos prédios por força de partilha homologada por sentença de 02/07/1960, produzida nos autos de inventário por óbito de seus pais, VV e WW; Em ../11/1996, DD casou com XX, no regime da comunhão geral de bens, casamento esse que foi dissolvido por óbito da mulher em ../02/2004;

Em 07/11/1986, DD fez partilhas verbais com os filhos, pagando-lhes as tornas entre eles convencionadas e recebendo deles a competente quitação em relação à meação que à mãe caberia no património comum do casal;

Em 03/11/1986, por contrato-promessa de compra e venda, nunca reduzido a escritura pública, DD prometeu comprar a todos os demais interessados e comproprietários dos referidos prédios os restantes 5/8 que estes eram titulares, pagando a todos o preço convencionado e deles obtendo quitação;

A partir de 03/11/1986, o testador DD passou a agir e a comportar-se em relação a esses prédios como verdadeiro e único proprietário dos mesmos.

Excecionaram sustentando a nulidade, por simulação, dos negócios explanados nas escrituras públicas invocadas pelos Autores.

Os Autores não ignoram que em 03/11/1986, outorgaram com o testador DD um contrato-promessa de compra e venda dos prédios em causa e que nesse contrato o último se declarava dono exclusivo desses prédios e não ignoram que por conta desse contrato, que não cumpriram integralmente, porque não pagaram a totalidade do preço convencionado, chegaram a pagar ao testador DD, a título de sinal, uma avultada quantia, que perderam por culpa própria, já que incumpriram esse contrato-promessa;

Com vista a se furtarem ao pagamento a DD do preço devido por força daquele contrato-promessa (6.500.000,00 euros), os Autores engendraram uma estratégia fraudatória, outorgando em 16/12/1998, no .. Cartório Notarial ....., escritura de justificação, em que declararam que tinham comprado verbalmente, em meados de 1974, os prédios a HH e herdeiros de YY e que desde então vinham possuindo aqueles prédios, à vista de todos e sem interrupção e sem a menor oposição de quem quer que fosse, pelo que teriam adquirido aqueles prédios por usucapião, o que era puramente inventado por eles;

Em 19/03/1999, os Autores requereram junto da Conservatória do Registo Predial o registo a seu favor daqueles prédios, instruindo a requisição com essa escritura de justificação e insistindo que os prédios não estavam inscritos naquela Conservatória, o que bem sabiam ser falso e foi, por isso, que foi inscrita a aquisição a favor daqueles;


Mercê daqueles factos, na ação n.º 302/2002, das Varas de Competência Mista deste Tribunal, foi proferida sentença, parcialmente alterada pela Relação …, através da qual os aqui Autores, que haviam deduzido reconvenção, na qual pretendiam que fosse declarado que o tribunal produzisse decisão que implicasse a transmissão, por venda, dos prédios para eles, Autores, foram condenados a ver julgado o pedido reconvencional completamente improcedente e, na procedência parcial do recurso os aí Réus, aqui Autores, foram condenados: a) a reconhecer que foram falsas as suas declarações na escritura da justificação notarial; b) a ver cancelada a inscrição da propriedade em seu nome; c) a reconhecerem que do contrato-promessa em causa ainda deviam ao Prof. DD 6.500.000,00 euros; d) a reconhecerem que não são donos e possuidores dos referidos prédios e nunca estiveram na sua posse;


Invocaram a exceção da caducidade do direito dos Autores a requerem a anulabilidade ou a nulidade da cláusula testamentária, por estarem decorridos mais de dois anos a contar da data em que tiveram conhecimento do testamento e da causa da anulabilidade que invocam.

Concluíram pedindo que a ação seja julgada improcedente.


As Ré deduziram reconvenção pedindo que:

c - se condene os Autores a reconhecer que as Rés são donas e possuidoras nas proporções indicadas (3/4 indivisos para a Sociedade Martins Sarmento e ¼ indivisos para a Associação 25 de Abril) dos prédios supra referidos, que pertenceram em propriedade exclusiva ao Professor DD, que como tais os adquiriu por aquisição derivada e por usucapião;

d - se condene os Autores a reconhecerem que não adquiriram, nem podiam adquirir, os prédios reivindicados, nem pagaram qualquer preço por qualquer deles ou qualquer das suas frações;

e - se condene os Autores a reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos pretensos alienantes, na data das respetivas escrituras referidas na petição inicial;

f - se condene os Autores a reconhecerem que os negócios que invocam na petição inicial e que pretensamente lhes teriam transmitido a propriedade dos prédios, são absolutamente nulos, por simulados, em prejuízo das contestantes, ou, a não se entender assim, por não consubstanciarem verdadeiros contratos de compra e venda;

g - se condene os Autores a reconhecerem, em qualquer dos casos, a nulidade das vendas que lhes foram feitas, por desrespeitarem a cláusula testamentária imposta pelo autor da herança, segundo a qual os prédios em questão jamais poderiam ser transmitidos aos Autores.

Subsidiariamente, para o caso de a ação ser julgada total ou parcialmente procedente, pedem que se declare “a nulidade integral de todo o clausulado do referido testamento, designadamente das cláusulas referentes à constituição e funcionamento do Fundo citado”.


Os Autores-reconvindos, replicaram, impugnando a matéria de excepção invocada pelas Rés.

Invocaram a excepção do caso julgado, alegando que por decisão transitada em julgada, foi reconhecido que DD nunca foi proprietários dos direitos hereditários, quotas-partes ou outros interesses que os co-interessados SS, RR, DD, LL, MM, NN, OO, PP, GG, EE, KK, JJ, QQ e FF, tiveram e tinham nos identificados prédios, os quais lhes venderam esses seus direitos, sendo que os Autores já eram proprietários de 2/8 indivisos do direito de propriedade sobre os prédios;

Sustentaram que os chamados nenhum interesse ou direito têm a intervir na causa, seja como associado dos Autores, seja como associados dos Réus.

Pugnam no sentido de não ser admitido o incidente de intervenção dos terceiros, por falta de fundamento legal ou de facto e invocam a exceção da inadmissibilidade legal da reconvenção.

Concluem pedindo que se julgue o pedido reconvencional imediatamente improcedente por manifesta violação do caso julgado formal constituído na decisão proferida no âmbito da ação ordinária n.º 302/2002, da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial … .


Admitido o incidente da intervenção principal provocada, os intervenientes EE, II, JJ e KK, replicaram, impugnando parte dos factos alegados pelos Réus na contestação;

Invocaram a exceção da inadmissibilidade legal do pedido reconvencional e a exceção da caducidade do direito das Rés-reconvintes a pedirem a anulação do testamento ou das disposições testamentárias.

Impugnaram parte da matéria aduzida pelos Réus-reconvintes em sede de reconvenção. Concluem pedindo que se julgue procedentes as exceções dilatórias respeitantes, quer quanto

à contestação da ação principal, quer quanto ao pedido reconvencional e se absolva aqueles da instância ou se anule o processado ou, quando assim se não entenda, se julgue a ação improcedente e se absolva os mesmos do pedido.


As Rés-reconvintes responderam, concluindo pela improcedência das exceções invocadas e como na contestação-reconvenção.


Proferiu-se despacho admitindo a reconvenção, dispensou-se a realização de audiência preliminar e proferiu-se despacho saneador em que se conheceu da exceção da ineptidão da reconvenção invocada pelos intervenientes, julgando-a improcedente; conheceu-se da exceção dilatória do caso julgado relativamente aos pedidos formulados em sede reconvencional, julgando-a parcialmente procedente, constando a parte dispositiva dessa decisão do seguinte: “Termos em que se julga parcialmente procedente a invocada exceção do caso julgado e se absolvem os Autores da instância reconvencional no que tange aos pedidos formulados nas alíneas d), e) e f), na parte em que se referem a contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública de 29 de julho de 1993”; conheceu-se da exceção da caducidade do direito dos Autores a pedirem a anulação das disposições testamentárias suscitada pelos Réus, julgando-a procedente, constando a decisão proferida da seguinte parte dispositiva: “Termos em que se julga procedente a invocada caducidade e, em consequência, se absolvem as Rés do pedido de anulação das disposições constantes do testamento outorgado por DD, em 26 de Junho de 2005 (prosseguindo os autos para apreciação do pedido de declaração de nulidade das mesmas)”; e conheceu-se da exceção da caducidade dos Réus-reconvintes a invocarem a anulação do testamento ou de disposições testamentárias invocada pelos intervenientes, julgando-a improcedente.


Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram recurso de apelação quanto à decisão que não julgou totalmente procedente a exceção do caso julgado que suscitaram, admitiu a reconvenção e julgou procedente a exceção da caducidade do direito daqueles a pedirem a anulação das disposições constantes do testamento outorgado por DD.

O mencionado recurso subiu em separado, com efeito meramente devolutivo.


Entretanto os autos principais prosseguiram os seus termos, tendo-se realizado audiência final, após o que, em 21/06/2019, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente, sentença essa que consta da seguinte parte dispositiva:

“Por tudo o exposto, decido:

1- Julgar a ação procedente e, em consequência:

a) declarar parcialmente nulos os legados instituídos às Rés no testamento outorgado em 26 de junho de 2005 por DD, declarando-os válidos na parte respeitante à meação de 3/8 indivisos por heranças abertas por morte de NN, OO e PP;

b) declarar não escrita a seguinte disposição testamentária que condiciona tais legados: “que pretende (…) por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares”;

c) absolver, no mais, as Rés dos pedidos formulados.

2 - julgar a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolver os Autores dos pedidos reconvencionais.”.


**


Inconformadas com essa sentença, as Rés-reconvintes, Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril, interpuseram recurso de apelação, apresentando as respectivas alegações de recurso.

A Autora BB e filhos interpuseram recurso subordinado.


Tendo subido à Relação o recurso em separado supra identificado, interposto pelos Autores, por acórdão proferido em 28 de junho de 2018 a apelação foi julgada parcialmente procedente nos seguintes termos:

“Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação ….. acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida na parte em que nela não se julgou procedente a exceção dilatória do caso julgado em relação ao pedido reconvencional deduzido na alínea c) e apenas se julgou parcialmente procedente essa exceção quanto ao pedido reconvencional deduzido sob a alínea e) e, substituem essa decisão nos seguintes termos:

- julgam procedente a exceção do caso julgado quanto aos pedidos reconvencionais formulados sob as enunciadas alíneas c) e e) e, em consequência, absolvem os apelantes, AA e mulher, BB, dos pedidos reconvencionais deduzidos pelas apeladas-reconvintes, Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril sob:

a - a alínea c) da reconvenção, em que estas pedem a condenação daqueles a reconhecerem-nos “como donas e possuidores nas proporções de ¾ indivisos para a sociedade Martins Sarmento e ¼ indivisos para a Associação 25 de Abril dos prédios” identificados no art. 1º da petição inicial, por alegadamente terem pertencido em propriedade exclusiva ao Professor DD, por os ter adquirido por aquisição derivada e por usucapião; e sob

b - a alínea e) da reconvenção, em que estas pedem a condenação daqueles a reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos alienantes, na data das respetivas escrituras referidas na petição inicial;

- no mais, confirmam a decisão recorrida”.


Inconformadas com o decidido, as aí apeladas Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril interpuseram recurso de revista para o STJ, o qual, por acórdão proferido em 04/07/2019, negou revista, “confirmando o acórdão recorrido, com a ressalva da verificação, no caso em apreço da autoridade e não da exceção do caso julgado”.


Conclusos os autos para efeitos de admissão do recurso principal interposto pelas Rés-reconvintes e do recurso subordinado interposto pela Autora BB e filhos da sentença proferida em 21/06/2019, a 1ª Instância proferiu, em 20/11/2019, os seguintes despachos:

“Considerando que se encontra pendente ainda o recurso de apelação em separado a correr termos no apenso E (cfr. cópias dos doutos Acórdãos RG e STJ a fls. 1371), oficie ao Supremo Tribunal de Justiça solicitando informação sobre o estado desses autos de recurso.


*


Ao abrigo do disposto no artigo 6º do C.P. Civil e uma vez que o eventual trânsito em julgado de tais decisões tem implicações na decisão final de fls. 1222 e segs., ora recorrida, notifique as partes para, em dez dias, querendo se pronunciarem sobre a eventual suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado de tais decisões dos Tribunais Superiores”.


Por despacho proferido em 16/12/2019, entretanto transitado em julgado, a 1ª Instância decidiu suspender a instância “até ao trânsito em julgado do recurso de apelação em separado a correr termos no apenso E” (fls. 1449 dos autos).

Tendo o acórdão do STJ transitado em julgado, julgou-se cessada a suspensão da instância antes ordenada, tendo a 1ª Instância proferido os seguintes despachos:

“Atento o trânsito em julgado do douto Acórdão do Colendo STJ proferido no apenso E, julgo cessada a suspensão da instância ordenada a fls.1449.

Notifique.


*


Compulsados os autos de recurso em separado (apenso E), constata-se que foi neles proferido douto Acórdão do Venerando T. da Relação …….. que decidiu o seguinte: “Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação …….. acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida na parte em que nela não se julgou procedente a exceção dilatória do caso julgado em relação ao pedido reconvencional deduzido na alínea c) e apenas se julgou parcialmente procedente essa exceção quanto ao pedido reconvencional deduzido sob a alínea e) e, substituem essa decisão nos seguintes termos: - julgam procedente a exceção do caso julgado quanto aos pedidos reconvencionais formulados sob as enunciadas alíneas c) e e) e, em consequência, absolvem os apelantes, AA e mulher, BB, dos pedidos reconvencionais deduzidos pelas apeladas-reconvintes, Sociedade MS e Associação X sob: a- a alínea c) da reconvenção, em que estas pedem a condenação daqueles a reconhecerem-nos “como donas e possuidores nas proporções de ¾ indivisos para a Sociedade MS e ¼ indivisos para a Associação X dos prédios” identificados no art. 1º da petição inicial, por alegadamente terem pertencido em propriedade exclusiva ao Professor E. G., por os ter adquirido por aquisição derivada e por usucapião; e sob b- a alínea e) da reconvenção, em que estas pedem a condenação daqueles a reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos alienantes, na data das respetivas escrituras referidas na petição inicial; - no mais, confirmam a decisão recorrida.”.

Tal douto aresto foi também objeto de recurso para o Colendo STJ tendo este proferido douto Acórdão em 4 de julho de 2019, já transitado em julgado, no qual se decidiu negar a revista “confirmando-se o acórdão recorrido, com a ressalva da verificação, no caso em apreço, da autoridade e não da exceção de caso julgado.”.


O teor de tais doutas decisões implica a reformulação da sentença proferida nos autos a fls.1222 sem afetação verdadeiramente substancial do seu conteúdo e dispositivo, e sem que, também, se mostre necessário proceder à repetição de quaisquer atos probatórios ou diligências.

Com efeito, os atos processuais já praticados em primeira instância e atinentes aos pedidos reconvencionais formulados sob as alíneas c). e e) abarcam uma tal amplitude alargada que permite o seu aproveitamento, na medida em que se mostram suficientes para a decisão final a proferir, cujo círculo decisório, sendo mais apertado, está naqueles integralmente contido.

Em consequência, passa-se a proferir nova sentença, em conformidade com a prévia absolvição dos Autores dos pedidos reconvencionais formulados nas alíneas c). e e)., sendo os segmentos objeto de reformulação identificados em itálico, para melhor apreensão.

Notifique”.


Após, a 1ª Instância proferiu nova sentença, julgando a ação parcialmente procedente e a reconvenção, na parte ainda em apreciação, totalmente improcedente, e que consta do seguinte dispositivo:

“Por tudo o exposto, decido:

1 – julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:

a). declarar parcialmente nulos os legados instituídos às Rés no testamento outorgado em 26 de junho de 2005 por DD, declarando-os válidos na parte respeitante à meação de 3/8 indivisos por heranças abertas por morte de NN, OO e PP;

b). declarar não escrita a seguinte disposição testamentária que condiciona tais legados: “que pretende (…) por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares”;

c). absolver, no mais, as Rés dos pedidos formulados.

2 – julgar a reconvenção, na parte ainda em apreciação, totalmente improcedente e, em consequência, absolver os Autores dos pedidos reconvencionais.

…”.


A Autora BB e filhos e as Rés-reconvintes Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril interpuseram recurso de apelação desta nova sentença.


A Relação …., por Acórdão de 24.09.2020, proferiu a seguinte

“Decisão:

Nesta conformidade, os juízes desembargadores .... Secção Cível da Relação …….., acordam em julgar a apelação interposta pelas apelantes Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril parcialmente procedente e a apelação interposta pelos apelantes BB e sucessores habilitados do Autor-marido, AA, totalmente improcedente e, em consequência:

a - ordenam a eliminação do elenco dos factos provados da facticidade julgada provada nos pontos 18º a 25º na sentença sob sindicância, ordenando que esses factos transitem para os factos não provados;

b - revogam a sentença recorrida na parte em que “declara não escrita a seguinte disposição testamentária que condiciona tais legados: que pretende (…) por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares”, e procedem à sua substituição pela seguinte decisão:

“declaram nula a disposição testamentária em que o testador, DD, proíbe a transmissão dos direitos legados às Rés Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril aos familiares de AA e BB”.

c - no mais, confirmam a sentença recorrida.


Mais acordam em não admitir a junção aos autos dos documentos de fls. 1335 verso a 1355 e ordenam o seu desentranhamento dos autos e restituição às apresentantes, Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril…”.


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Inconformados com o assim decidido pela Relação, vieram as Rés/apelantes SOCIEDADE MARTINS SARMENTO e ASSOCIAÇÃO 25 DE ABRIL interpor recurso de revista, invocando a nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia quanto à excepção peremptória da caducidade do direito dos Autores a arguirem a nulidade da disposição testamentária em que o testador proibiu as recorrentes de transmitirem os prédios que lhes legou aos Autores e aos familiares destes.


A Relação pronunciou-se, em conferência, acerca da suscitada nulidade, decidindo pela sua não verificação.


Na interposição de recurso de revista, as Recorrentes começam por referir tratar-se de revista regra.

Porém, para o caso de se entender que a decisão, “não obstante as divergências em relação à da primeira instância, não contém ainda assim fundamentação essencialmente diferente daquela, deve o recurso ser admitido, ainda que como de revista excepcional, pois (art. 672º do Código do Processo Civil):

a) Está em causa uma questão cuja apreciação pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

b) Estão em causa interesses de particular relevância social;

c) O acórdão da Relação, julgando como julgou, a matéria do caso julgado e aplicando o acórdão do STJ adiante referido, proferido entre as mesmas partes, está em contradição com outro já transitado em julgado, produzido pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sem que tenha sido proferido acórdão de uniformização da jurisprudência com ele conforme.”.


As recorrentes SOCIEDADE MARTINS SARMENTO e ASSOCIAÇÃO 25 DE ABRIL rematam as suas alegações de recurso com as seguintes

CONCLUSÕES:

1.ª – O acórdão recorrido revogou a decisão da 1ª instância, julgando o recurso de apelação parcialmente procedente, por ter determinado a eliminação da matéria de facto dos pontos 18 a 25 (excluindo assim a prova de quaisquer actos de posse dos autores, e antecessores, sobre os prédios reivindicados) e por ter julgado nula parcialmente uma cláusula testamentária (que a 1ª instância julgara não escrita) através da qual o testador proibia a transmissão dos prédios legados às rés para os autores ou seus familiares, julgando-a válida quanto aos autores, mas nula quanto aos familiares.

2ª. – No entanto – e o próprio relatório do acórdão o reconhece – as recorrentes haviam oposto à alegação dos autores que contrariavam a validade da cláusula a excepção da caducidade do direito de requererem essa nulidade ou anulabilidade (arts. 29º e 75º da contestação) por estarem decorridos, conforme a própria alegação dos autores mais de dois anos contados da data em que estes tiveram conhecimento do testamento e das suas cláusulas (art. 1308º, n.º 2 do Código Civil).

3ª. – De facto, os autores ao proporem a acção declararam que tiveram conhecimento do testamento “há cerca de três anos” juntando cópia do testamento onde estava inscrita, aliás, a data de 09/11/2005, o que significa que, tendo a acção entrado em juízo em 18/05/2012, esse conhecimento era até muito anterior, pois datava de há pelo menos 7 anos.

4ª. – Daí que, tendo o acórdão recorrido julgado que a cláusula estava ferida de nulidade não podia deixar de – e não o fazendo cometeu nulidade por omissão de pronúncia nos termos do art. 615º, n.º 1 alínea d) do Código do Processo Civil, ou, a não se entender assim, erro de julgamento que sempre importará corrigir e reverter a decisão – julgar também caduca a respectiva invocação, nada impedindo, pois, que se julgasse a cláusula aplicável válida e subsistente na ordem jurídica.

Sem prescindir,

5ª. – O acórdão recorrido reconheceu aos autores o direito de propriedade sobre os três prédios constantes do processo, com a excepção da parte que neles tinha o testador DD, mantendo nessa parte o decidido na sentença e por isso reconheceu às rés apenas o direito transmitido pelo testamento quanto a meação em 3/8 partes desse prédio, apesar de ter excluído a prova de actos de posse dos autores sobre os prédios e ter por assentes actos de posse exclusiva do professor DD sobre os mesmos prédios e julgou, como se disse, a cláusula testamentária em causa válida quanto aos autores e nula quanto aos familiares destes, mas erradamente decidiu, ainda que não se considere a apontada nulidade.

6ª. – Para assim julgar, o acórdão recorrido entendeu ser de manter o indeferimento da junção aos autos de documentos, requerida pelas recorrentes em audiência de julgamento, na sequência de convite do próprio julgador, e por se mostrarem necessários para contrariarem declarações acabadas de prestar pelas contrapartes (art.º 423º, n.º 3 do Código de Processo Civil) com o argumento de que o despacho de indeferimento, não tendo sido objecto de recurso, em 15 dias, transitara em julgado, mas não parece que assim seja porque, tendo o despacho sido produzido em julgamento só faria sentido que dele se recorresse com o eventual recurso da sentença final porque, por um lado, o resultado da sentença podia significar que o meio de prova em causa era inútil, e, por outro lado, o juiz na sentença podia reapreciar a eventual necessidade desse meio de prova e eventualmente ordenar a reabertura de audiência para que ele fosse produzido ou até ordenar a junção oficiosamente, o que tudo indica que o recurso cabe na hipótese do artigo 644º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

Ainda sem prescindir,

7ª. - A decisão de julgar improcedente a reconvenção – na qual as rés pediram o reconhecimento de que, mercê do legado, são proprietárias exclusivas dos prédios em causa que pertenceram ao professor DD – porque este é dono deles quanto a 3/8 partes apenas, é duplamente errada:

a) porque o professor DD estava na posse da totalidade dos prédios há mais de 20 anos, intitulando-se e sendo reconhecido – até pelos autores – como seu proprietário exclusivo, e, continuou na sua posse mesmo após a decisão anterior que lhe reconheceu a propriedade de apenas 3/8 partes o que significa que se veio a completar posteriormente, por factos que ocorreram após a sentença anterior, o prazo de aquisição dos prédios por usucapião na sua totalidade;

b) porque não é aceitável a decisão que julgou ocorrer a existência de autoridade de caso julgado, numa hipótese em que a jurisprudência tem firmemente decidido que ela não pode verificar-se, razão que, aliás, levou as recorrentes a interpor recurso para o pleno do STJ, a fim de ser fixada jurisprudência sobre a matéria (cfr. o acórdão recorrido, que admite que a autoridade do caso julgado pode ser oposta ao autor, por um lado, e o acórdão do STJ de 5/12/2007, in Col. Jurisp. STJ XXV III, pág. 256, que só admite que essa autoridade possa ser oposta ao réu da acção).

8.ª – Para além disso, fossem quais fossem as razões da recusa, existisse ou não caso julgado, sempre deveria ser admitida a junção dos documentos em causa, mesmo em recurso, pois tinha pleno cabimento e justificação legal, já que, contra tudo o que era esperado, em audiência de julgamento, os herdeiros do Professor DD, e os demais interessados declararam falsamente que não tinham recebido deste qualquer importância relativa ao pagamento do valor do eventual quinhão hereditário que lhes coubesse nas heranças em que sucediam e negaram o pagamento pelo mesmo Professor dos valores relativos a 3/8 partes e 2/8 partes correspondentes à compropriedade de uma irmã e um sobrinho do mesmo Professor, factos que estavam assentes por documento e por confissão no anterior processo o que levou as rés a requereram a junção aos autos de 6 documentos, cujos dizeres ditaram também para a ata, comprovativos desses pagamentos, e extraídos de um processo anterior tramitado entre as mesmas partes, requerimento que foi sugerido pelo próprio julgador (gravação no CD n.º 1 a 00:32:38: “(…) se quer juntar junte já porque agora tem fundamento senão pode não ter depois”, mas que, por isso surpreendentemente, com fundamento na extemporaneidade da junção, foi indeferido.

9.ª – No entanto, como acertadamente dizia o Exmo. Julgador na sugestão que fez, a junção tinha, e tem, absoluto cabimento no n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil, uma vez que se tornou necessária em virtude das posições assumidas nos depoimentos de parte que acabavam e estavam a ser prestados (alguns ainda o foram em sessões posteriores do julgamento, e mantiveram a negação), pois era de esperar que essa matéria fosse honestamente confessada por esses depoentes, uma vez que se tratava de documentos que todos conheciam e de factos por eles reconhecidos como verdadeiros no anterior processo tramitado entre as mesmas partes.

10.ª – Acresce que, a admissibilidade da junção de documentos decorre ainda do facto de, estando então pendente no Supremo Tribunal de Justiça um recurso, de decisão do Tribunal da Relação que julgara procedente a exceção do caso julgado, impeditiva da procedência dos pedidos reconvencionais formulados sob as als. c) e e), tendo as rés, nas suas alegações nesse recurso, requerido a junção dos mesmos 6 documentos, junção essa que aí foi admitida, isso equivale a já não se poder questionar a incorporação dos documentos no processo e a necessidade de deles serem tiradas as devidas consequências, conforme o doutrinado pelo Acórdão do STJ de 26/04/1995 (Col. Jurisp. STJ, Ano III, Tomo II, página 57), que decidiu que “junto documento com as alegações, contra a junção do qual não houve oposição, forma-se caso julgado quanto à admissão, devendo levar-se em conta a prova produzida”.

11.ª – Daí que os factos que constam desse conjunto de documentos (contrato-promessa, outorgado em 07/11/1986, através do qual todos os interessados nos prédios em causa prometem vender ao Professor DD os seus quinhões de 2/8 e 3/8 pelo preço aí referido, recibos do pagamento das importâncias em causa, com expressa referência à quitação do valor correspondente ao direito dos signatários sobre os prédios, e procuração irrevogável para serem vendidos os prédios a quem o professor DD quisesse e pelo preço que entendesse) sempre teriam de passar a constar como provados para todos os efeitos.

12.ª – Sempre sem prescindir, o acórdão recorrido, declarou parcialmente nulos os legados instituídos às rés no testamento com que se finou o Professor DD, que as instituiu herdeiras da totalidade dos prédios, na proporção respetivamente de 3/4 e 1/4, mas declarando-os válidos “na parte respeitante à meação de 3/8 indivisos por heranças abertas por morte de NN, OO e PP”, decisão que resultou da prova constante de uma escritura junta aos autos pelos autores no decurso do julgamento e dias antes da sua última sessão, cuja admissão deu lugar aos factos provados nºs3, 14 e 15, mas esse documento não estava em condições de ser admitido, por ser manifestamente extemporâneo, nos termos do artigo 423.º do Código de Processo Civil, para além de se referir a factos que nem sequer haviam sido alegados.

13.ª- De resto, nunca podia ter sido reconhecido qualquer direito aos prédios por parte dos herdeiros de NN, (nem dos filhos desta por sucessão) porquanto considerando a regra estabelecida no artigo 1790.º do Código Civil, sendo os bens originários da estirpe familiar do Professor DD, tendo este sido casado no regime de comunhão geral e tendo-se divorciado da referida ex-mulher, nunca esta poderia na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado no regime de comunhão de adquiridos, o que significa que ou os bens em causa nunca serão atribuídos à herança da falecida ex-mulher do testador, ou, se o forem, terão de ser conferidos em valor à herança de DD.

14ª. – Para o julgamento das questões de facto suscitadas no recurso de apelação e a que o acórdão recorrido não deu provimento, o Supremo Tribunal de Justiça tem competência jurisdicente nos termos do art. 664º, n.º 3 do Código do Processo Civil, por ocorrer, pelo menos, vício de ofensa de disposição expressa que fixa a força de determinado meio de prova.

15.ª – Pior ainda, o documento irregularmente junto pelos autores respeita a factos não alegados na petição inicial, o que tudo significa que a decisão de admitir a sua junção veio legitimar uma alteração ilegal da causa de pedir, sendo por isso nula por desconformidade com os fundamentos da ação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil,  nulidade  essa    cujo conhecimento    devia   levar ao desentranhamento do documento e à eliminação do probatório dos factos 13, 14 e 15, mas cujo conhecimento foi recusado.

16.ª – Com efeito, as recorrentes criticaram a fixação da matéria de facto, nos termos em que as instâncias a fixaram, quer porque ela não é consentida por nenhum dos depoimentos prestados, quer pelas partes quer pelas testemunhas, mas também porque ela contraria frontalmente matéria de facto já fixada e adquirida em processo anteriormente tramitado entre as mesmas partes, que por isso aqui faz caso julgado, ou como exceção, ou como efeito impositivo, e daí que as rés, em cumprimento do artigo 640º do Código de Processo Civil, impugnaram parte dessa matéria de facto, especificaram os concretos pontos de facto que consideram mal julgados e os concretos meios probatórios constantes do processo e do registo de gravação quanto a 3 das partes, concluindo pela expressa enunciação dos factos que entendem dever ser dados por provados, o que tudo entendem impor as correcções factuais requeridas e a eliminação dos factos determinada já no acórdão recorrido (factos 18 a 25 que se referiam a actos de posse dos autores sobre os prédios que não podiam provar-se) e pelas mesmas razões porquanto:

a) Os factos 13, 14 e 15, resultam de uma escritura junta no decurso do julgamento, em 04-06-2019, sobre a qual não foi produzida qualquer prova, designadamente por depoimentos de parte ou por testemunhas, referente a factos que se tivessem sido alegados na petição, deviam ser então documentados, mas não foram, como logo então as rés salientaram, mas, para além disso pretendendo documentar extemporaneamente factos não alegados, pelo que o referido documento deve ser desentranhado e devolvido à parte, e os factos em causa serem eliminados do probatório.

b) As instâncias entenderam não se ter provado (factos 6, 7, 8 e 9) que o Professor DD fez partilhas verbais com os filhos pagando-lhes e recebendo deles a competente quitação em relação à meação que à mãe caberia do património comum relativamente aos prédios questionados na ação (factos não provados 6 e 7) e que também não se provou que o Professor DD, por contrato de 3 de Novembro de 1986 prometeu comprar a todos os demais proprietários dos referidos prédios os 5/8 restantes dos mesmos, pagando a todos o preço convencionado (factos não provados 8 e 9), mas essa matéria está indiscutivelmente provada, quer através dos 6 documentos em questão      e    que   foram    desconsiderados por  se   julgar que  foram extemporaneamente juntos, quer através de expressa confissão dos réus (folhas 58 dos autos) na precedente ação, do que resultou a prova dos competentes factos, por feita através de documento autêntico, pelo que esses factos não podem deixar de ser aditados à matéria provada.

c) As instâncias consideraram não se ter provado (factos 19 a 28) que os vendedores outorgantes das escrituras juntas com a petição inicial sabiam que de nada eram donos, limitando-se a subscreve-las sem convencionarem qualquer preço e sem nunca terem recebido quaisquer valores, mas essa matéria tinha de ser julgada, pelo menos em parte, parcialmente provada, pois as rés, aquando da apresentação do seu requerimento de prova, requereram expressamente “a notificação dos autores para juntarem aos autos documentos comprovativos designadamente cheques ou outros de semelhante natureza das aquisições por si alegadamente feitas e constantes dos factos assentes sobre as alíneas B), C), D) e E),” (folhas 272 a 276 e 934), ao que os autores responderam juntando 32 documentos (folhas 338 e seguintes), dos quais, porém, não resulta, a prova de qualquer pagamento, o que significa a falta de prova desse pagamento, como, aliás, já não ocorrera nenhum pagamento, conforme se provara, em relação à transmissão dos 2/8 de HH, pelo que os referidos factos devem, pelo contrário ser julgados provados e inseridos na matéria de facto assente.

17ª – Ficou provado que o professor DD conforme consta da sentença do anterior processo, e foi dado por provado neste, (sentença de folhas 56 a 112 dos autos):

a) que após o 25 de Abril passou a intitular-se o único dono dos prédios, oferecendo a sua venda aos autores, apesar de estes prédios, formalmente  continuarem  inscritos   em     nome   dele    e dos    demais comproprietários;

b) que os autores consideravam, como a generalidade das pessoas, o Professor DD como dono exclusivo desses prédios; e que como tal com ele negociaram a sua compra que se não concretizou apenas porque ficou por pagar uma parte do preço convencionado;

c) que o professor DD comprou e pagou aos restantes interessados nos prédios o valor dos seus quinhões;

d) que, como a sentença reconhece, e o acórdão aceita ele devia “estar genuinamente convencido de que era já o exclusivo dono daqueles prédios, tanto mais que os demais consortes tinham outorgado várias procurações (…)” (uma das quais com poderes irrevogáveis) “nas quais se conferiam poderes para vender as quotas indivisas nos imóveis em causa pelo preço condições e a quem ele entendesse”.

17ª. – Daí devia ter-se dado por provado que o professor DD era dono exclusivo dos prédios, que adquiriu parte por aquisição derivada e parte por usucapião, por se encontrar desde o dia 25 de Abril de 1974, e especialmente, após a celebração do contrato promessa em 07-11-1986, na sua posse exclusiva, pública, contínua, pacífica e de boa fé, bem como com ânimo de quem usa e frui coisas próprias, e no próprio nome do exercitante há mais de 20 anos à data da sua morte, ocorrida em 29-06-2005, pelo que a deixa testamentária desses prédios às recorrentes é inatacável, devendo, por isso, a reconvenção proceder.

18ª – Por último, a interpretação dada pelo acórdão recorrido no que respeita à decidida nulidade da cláusula testamentária que impõe aos legatários a obrigação de não vender os prédios legados aos familiares dos autores está muito longe de ser pacífica e correta.

19ª – Com efeito, o acórdão recorrido entendeu que a cláusula é nula nessa parte por violar o artigo 62º da Constituição da República e o artigo 2232º do Código Civil, embora a julgasse válida em relação aos autores, porque entendeu que apenas se não justificava em relação aos herdeiros destes por não terem feito nada de reprovável em relação aos direitos do professor DD – ao contrário dos autores – o que, porém, não parece também correcto.

20ª – Na verdade, Mota Pinto (Teoria Geral, III ed. página 562) sustenta, que o artigo 2232º do Código Civil justifica uma aplicação “maleável e não estrita”, uma vez que as condições a que o artigo se refere, sendo “em princípio contrárias à lei, poderão ter-se como válidas quando não tenha havido a intenção de cercear a liberdade do credor condicional e a restrição não seja escandalosa em si mesma” o que parece ser o caso dos autos, pois a intenção do testador ao estabelecer aquela proibição não foi a de cercear a liberdade das rés, nem é escandalosa em si mesmo, porque nutria profunda inimizade pelos autores da ação, já que estes haviam tentado apoderar-se, por métodos fraudulentos e falsas declarações em escritura, dos prédios que lhe pertenciam, ultrapassando todas as convenções impostas pela boa-fé, mas essas razões são extensivas pelo menos aos filhos dos autores – e assim se deve julgar-porque eles, falecido o autor seu pai, não hesitaram em habilitar-se como seus sucessores na acção, assumindo a posição que era dos seu pai e pugnando pela continuidade dos seus actos, por comungarem dos actos fraudatórios descritos, o que tudo bem explica que a proibição lhes seja também aplicável.


Termos em que, na integral procedência do recurso, deve revogar-se o acórdão recorrido para:

a) serem admitidos os documentos cuja junção foi tentada em 1ª e em 2ª instância;

b) ser julgada a matéria de facto nos termos propugnados, com a consequência de o processo baixar a instância recorrida para aí ser de novo julgado nas partes viciadas, e sempre;

c) a acção ser julgada improcedente e não provada, e a reconvenção procedente e provada, por se julgarem válidos os legados instituídos pelo Professor DD no testamento em causa, bem como a cláusula aposta e atrás referida, por os prédios serem de propriedade exclusiva daquele professor, por aquisição derivada e usucapião, condenando-se os autores, por isso, a reconhecerem que as rés   são donas e    possuidoras,     nas proporções indicadas no testamento dos prédios neste referidos, por estes terem pertencido em propriedade exclusiva ao Professor DD,

Assim se fazendo JUSTIÇA!


*



Por sua vez, BB por si, e sucessores habilitados de AA (ZZ e AAA) vieram interpor recurso subordinado para este S.T.J., formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

A. As recorrentes principais – Associação 25 de Abril e Sociedade Martins Sarmento – carecem de legitimidade para apresentarem recurso.

A decisão que pretendem impugnar com este recurso, o Acórdão do Tribunal da Relação …….., ou lhe é favorável nas suas pretensões, ou fez julgamento idêntico ao efectuado em 1ª instância.

O fundamento das duas decisões não tem fundamentação diferente e muito menos essencialmente diferente.

Nos termos do nº 3 do art. 671º do C.P.C., não pode esta decisão ser objecto de revista.


B. Não descortinamos ainda que haja algum dos requisitos exigidos pelo art. 672º do C.P.C., para que o recurso possa ser recebido como revista excepcional.


C. Os ora recorrentes subordinados, adquiriram através de negócios jurídicos translativos, titulados por escrituras públicas, o direito de propriedade sobre os prédios identificados nos autos, na proporção de 13/16 (treze dezasseis avos), correspondentes à compra de 2/8 efectuada a HH, 3/8 correspondentes à compra efectuada a DD e outros, e 3/16 (metade de 3/8), correspondente à compra efectuada a SS, por si e na qualidade de procuradora em representação de sua mãe LL e muitos outros, conforme escrituras descriminadas e alegadas nos autos;


D. Os  recorrentes  subordinados, através desses negócios  jurídicos compraram 13/16 desses prédios (81,25%),  tendo registado na competente Conservatória do Registo Predial em seu nome, a titularidade desse direito, pelo que se presumem donos – art.7º do C.R.P.


E. A posse sobre esses 81.25% do direito de propriedade dos prédios, transmitiu-se para os recorrentes, por sucessão na posse dos vendedores, que a detinham há muito mais de vinte anos;


F. Os recorrentes deviam ser declarados pelo Tribunal da Relação, os únicos e legítimos proprietários e possuidores de 81.25% dos prédios dos autos, por os haverem adquirido quer por via originária, quer por via derivada.


G. Deve o Acórdão em recurso ser revogado, quando elimina dos factos provados na sentença de 1ª instância, os constantes dos nºs 18 a 25.


H. Por força da sucessão na posse referida nas alíneas anteriores, esses factos devem manter-se como provados, no respeitante a 81,25% da propriedade dos imóveis dos autos;


I.    A fundamentação fáctica da acção 302/2002, nunca pode constituir excepção do caso julgado para fundamentar a eliminação pelo Acórdão recorrido dos factos dos nºs 18 a 25, remetendo-os para os factos não provados.


J.   Só a parte decisória e dispositiva da sentença poderia constituir caso julgado, para esse efeito; o que não acontece.


K. Deve ser revogado o Acórdão em recurso, quando revogou a decisão da 1ª instância, que declarou não escrita a cláusula testamentária que condicionava os legados: “que pretende (…) por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares” – que se deve manter na integra.


L. O douto Acórdão em recurso, violou e não atendeu ao estatuído nos arts.1305º, 1316º, 1259º, 1260º, 1261º, 2232º, todos do C. Civil; arts.13º e 62º da C.R.P., e art.7º do C.R.Predial.


II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


III. 1. QUESTÃO PRÉVIA

Porque se nos afigurou a possibilidade de não conhecer do objecto do recurso subordinado no que tange ao pedido formulado pelos Recorrentes (Autores) sob a al. b) – em que pedem que sejam julgados proprietários dos prédios melhor identificados na p.i., por erro na apreciação do direito por violação dos arts. 1305.º, 1316.º, 1259.º, 1260.º, 1261.º do CC, 62.º da CRP e 7.º do CRPredial - , por dupla conforme, determinou-se fosse comprido o disposto no nº1 do artº 655º, ex vi dos artºs 652º, nº 1, al. b) e 679º, ambos do CPC.


Vejamos.


A revista excepcional já foi admitida pela Formação, com base no pressuposto previsto na al. a) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, por considerar particular proeminência os temas que concernem à cláusula limitativa do poder de disposição das legatárias, contendo a proibição que lhes foi imposta pelo testador em relação às pessoas dos primitivos AA e seus familiares, e à questão do caso julgado, incluindo a da sua autoridade relativamente aos pedidos reconvencionais deduzidos pelas recorrentes, adquirida por anteriores decisões.


Relativamente ao recurso subordinado, uma vez que o recurso de revista excepcional foi admitido, também o presente recurso será admissível, cfr. art. 633.º, n.º 5, do CPC.

Porém, considerando que existem diferentes segmentos decisórios impõe-se apreciar da existência ou não de dupla conforme quanto a algum deles.

Neste conspecto, devemos salientar o AUJ n.º 1/2020, que fixou jurisprudência no seguinte sentido “O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art. 671.º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do art. 633.º do mesmo Código.”.

E, também, ABRANTES GERALDES[1] já antes havia acolhido este entendimento quanto ao n.º 5 do art. 633.º, no sentido em que o recurso subordinado apenas abarca as limitações respeitantes ao valor da sucumbência, nos termos do art. 629.º, n.º 1, do CPC, mas já não permite a possibilidade de recurso subordinado quando o recurso subordinado estiver condicionado pela existência de dupla conforme. E, citando o referido AUJ, avança “à enunciada questão, sopesada que foi toda a argumentação trazida à discussão, com vista a suportar as enunciadas interpretações do art. 633.º, n.º 5, do CPC, temos por nós, reiteramos, que este preceito adjetivo civil, enquanto norma excecional, apenas mitiga o efeito atinente ao pressuposto de recorribilidade em função da sucumbência, não admitindo múltiplos graus de jurisdição, ainda que por via subordinada, designadamente, quando está em causa acórdão da Relação que, relativamente ao recorrente, confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª Instância, impondo-se, por isso, em razão do regime jurídico estabelecido para a dupla conforme decorrente do art. 671.º, n.º 3, do CPC, o não conhecimento do objeto do recurso interposto subordinadamente.”.

Conclui ABRANTES GERALDES, de forma lapidar: “Enfim, retomando o exemplo da dupla conformidade que incide sobre o recorrente subordinado, em face do atual texto legal, a admissibilidade do recurso ficará condicionada às exigências e requisitos da revista excecional, de modo que, em tais circunstâncias, a parte que pretender recorrer subordinadamente do acórdão que, na parte em que lhe é prejudicial, confirmou a sentença da 1.ª Instância, deve submeter-se ao regime da revista excecional, nos termos do art. 672.º.”.

Entendemos que havendo diversos segmentos decisórios (uns favoráveis, outros não)[2], distintos e autónomos (as partes podem restringir o recurso a cada um deles), o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles.

Assim, só não há dupla conforme (havendo revista normal nessa parte) no segmento em que a Relação não confirme a decisão da 1ª inst. (ou confirme, mas com fundamentação essencialmente diferente), ou no segmento em que o adjunto votou vencido.

Com efeito, se é certo que, v.g., se num pedido indemnizatório por responsabilidade extracontratual, alguém vem formular um pedido indemnizatório global, mas consubstanciado em pretensões fatiadas (danos patrimoniais e danos não patrimoniais), não é sobre cada uma dessas parcelas que o juízo de conformidade deverá ser feito, mas, sim, sobre a pretensão global da parte (donde, então, não poder dizer-se que há dupla conforme quanto aos danos morais caso as instâncias fixem o mesmo valor e desconformidade quanto às perdas materiais, que foram avaliadas diferentemente[3]), já assim não deve ser entendido quando se trata de pedidos autónomos e cindíveis (mesmo que apenas principal e acessório – como ocorre, v.g., quanto a pedido de capital e juros). Se as instâncias convergiram quanto a um destes pedidos (autónomos e cindíveis), mas divergiram quanto a outro, há dupla conforme quanto ao pedido em que ocorreu a convergência mas já não quanto ao pedido em que tal convergência não ocorreu (só quanto a este se pode dizer que não há conformidade na decisão, inviabilizadora da dupla conformee, como tal, só há revista quanto a este último)[4].


Assim, e considerando os segmentos do pedido dos autores e os correspectivos segmentos decisórios[5], verificamos existir dupla conformidade nas instâncias no que diz respeito ao ponto B do pedido dos autores (recorrentes subordinados): se declare que os autores são os únicos donos e proprietários de todos os prédios descritos no art. 1.º da petição inicial, sendo que são exatamente os mesmos que são identificados no testamento em referência nesta ação e também da sentença proferida nos autos de ação ordinária n.º 302/2002, da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de …, com todas as consequências legais.

Quer na 1.ª quer na 2.ª instância, foram as réus absolvida deste pedido, sem voto de vencido na 2.ª instância, e com base em idêntica fundamentação jurídica.

Quer a sentença quer o acórdão concluem que os autores não lograram demonstrar os factos necessários conducentes à aquisição originária da totalidade dos prédios identificados no art. 1.º da p.i., sendo que a presunção registral apenas os beneficia em 5/8 indivisos e no direito à meação de NN nos 3/8 indivisos de que esta era titular juntamente com DD, cfr. art. 7.º do CRPredial, pelo que não beneficiam da presunção registral da nua e total propriedade dos imóveis em discussão.


Melhor explicando, enquanto que na sentença, em face dos factos provados, com inclusão dos factos 18 a 25 nos factos provados, se considerou que os autores “(…) lograram demonstrar que exercem poderes de facto sobre os imóveis em causa, com animus de verdadeiros donos, desde 16 de Dezembro de 1998, pelo que a sua pretensão de ver reconhecida a propriedade da totalidade dos prédios em causa nos autos se mostra improcedente, por falta de preenchimento do respeito requisito temporal a tanto indispensável.

Sendo certo que no passado dia 17 de Dezembro de 2018 se completaram 20 anos a data do início da posse exercida pelos Autores sobre os prédios em apreço, à data de entrada da presente acção em juízo (18 de Maio de 2012 – cfr. fls.119), tinham apenas decorrido 13 anos e 5 meses.”,

no acórdão recorrido, expurgando dos factos provados os pontos 18 a 25, entendeu-se que não tendo os autores “(…) logrado fazer prova, conforme era seu ónus fazer (art. 342º, n.º 1 do CC), da verificação dos atos possessórios que alegam na petição inicial tendentes a demonstrar a aquisição originária do direito de propriedade pleno e exclusivo de que se arrogam titulares sobre os prédios, por usucapião, improcede necessariamente a sua pretensão em ver-lhes reconhecida essa propriedade plena e exclusiva, com fundamento na aquisição originária.”.

Ou seja, quer a fundamentação da sentença, quer a do acórdão (independentemente dos factos provados), perspectivaram este pedido dos autores com base quer na aquisição originária da propriedade por usucapião, quer com base na aquisição derivada, prevista na presunção registral, concluindo ambas pela não aquisição da nua e total propriedade do imóvel identificado no art. 1.º da p.i..

Daí a dupla conforme neste pedido dos AA, Recorrentes subordinados.

Expressão do que se mostra escrito é a Revista n.º 4258/18.0T8SNT.L1.S1, de 10-11-2020, em que foi relator RICARDO COSTA, em cujo sumário se escreveu: “I - No âmbito da irrecorribilidade prevista no art. 671.º, n.º 3, do CPC, em sede de revista para o STJ, não se verifica o bloqueio da “dupla conformidade decisória” das instâncias sempre que a solução jurídica conferida pela Relação não se mova fora dos institutos e regimes jurídicos que fundamentaram a decisão de 1.ª instância, não sendo susceptível de integrar uma «fundamentação essencialmente diferente» a explanação das disciplinas e dos conceitos legais e o acréscimo argumentativo relevante da motivação em 2.ª instância, nomeadamente por força da necessidade de resposta aos argumentos recursivos da apelação no confronto com a matéria de facto (confirmada, modificada e aditada) para sustentar a solução confirmada, desde que o enquadramento normativo de apreciação se mantenha (no caso, averiguar a violação de deveres dos administradores de sociedades comerciais que, numa segunda operação exegética, pudesse conduzir ou não ao resultado da “justa causa” de destituição judicial de acordo com o art. 257.º, n.º 6, em articulação com o art. 64.º, n.º 1, do CSC, para um gerente de sociedade por quotas). II - A mesma solução resulta, no caso de modificação e/ou aditamento da matéria de facto pelo acórdão da Relação (art. 662.º do CPC), da circunstância de tal operação não ser relevante para a motivação jurídica crucial e confirmativa que funda a reiteração em 2.ª instância da sentença de 1.º grau de jurisdição, se e na medida em que tal não conduza a uma alteração estrutural ou essencial do regime jurídico aplicável e seguido na fundamentação da decisão apreciada pela Relação e, como tal, sem que daí se tenha extraído solução jurídica diversa da seguida pela 1.ª instância.”.


Ou o Ac. do STJ de 09-07-2015, Revista n.º 129/11.0TCGMR.G1.S1, em que foi relator JOÃO TRINDADE, que chegou à mesma conclusão em processo semelhante respeitante à usucapião, onde no sumário se descreve o seguinte: “I - Verifica-se dupla conformidade quando o acórdão da Relação e a sentença de 1.ª instância se moveram dentro do mesmo quadro jurídico – no caso a aquisição da propriedade por usucapião e os respectivos pressupostos – sem que tenham adoptado uma fundamentação que deva ser tida como essencialmente diferente. II - Tal sucede quando, para alcançar um resultado idêntico àquele que se obtivera na 1.ª instância, o tribunal a quo se limitou a rejeitar uma das vias ali seguidas – a inexistência de inversão do título da posse e a falta de comprovação do elemento subjectivo desta figura jurídica – mas perfilhou idêntico entendimento quanto à outra – a falta de decurso do prazo tido como exigível.”.


Concluindo, a alteração da matéria de facto operada pelo tribunal da Relação, com a eliminação dos factos provados dos pontos 18 a 25, não determinou um percurso de análise argumentativa distinto do percorrido na primeira instância, pois em ambos analisou-se a aquisição da propriedade originária, por via da usucapião, ainda que na primeira instância se concluísse que não se verificou a aquisição por falta do elemento temporal, ao passo que não Relação se entendeu não existir o animus sobre o imóvel, chegando ambos à mesma conclusão, através da análise do instituto da usucapião, pela improcedência do pedido dos autores. Também, relativamente à aquisição da propriedade derivada, através da análise da presunção do registo, prevista no art. 7.º do CRPredial, as instâncias percorreram o mesmo iter lógico e argumentativo, alcançando igual conclusão, novamente, a improcedência deste pedido dos autores.


A dupla conforme tem a natureza jurídica de pressuposto processual negativo do recurso de revista, pois tem um “efeito inibitório quanto a recorribilidade”[6].

Como tal, verificados os elementos que compõem a previsão de dupla conforme, o recurso de revista não pode ser admitido, sendo indeferido pelo juiz a quo (ut artigo 641.º, n.º 2, al. a), in fine, a título de disposição geral) ou pelo relator (cf. artigo 652.º, n.º 1, al. h), ex vi artigo 679.º).


Termos em que se rejeita a revista, por ocorrência de dupla conformidade nas instâncias, relativamente ao ponto B do pedido dos autores - se declare que os autores são os únicos donos e proprietários de todos os prédios descritos no art. 1.º da petição inicial, sendo que são exatamente os mesmos que são identificados no testamento em referência nesta ação e também da sentença proferida nos autos de ação ordinária n.º 302/2002, da .. Vara Mista do Tribunal Judicial …., com todas as consequências legaise decisão que sobre ele proferiram as instâncias.


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III. 2. AS QUESTÕES


Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são:


A. RECURSO (principal) DAS RÉS SOCIEDADE MARTINS SARMENTO e ASSOCIAÇÃO 25 DE ABRIL

1. Nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia relativamente à caducidade do direito dos AA de arguirem a nulidade da cláusula testamentária            .

2. Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.

3. Se devia ser deferida a junção aos autos dos documentos de fls 1335 verso a 1355 (contrato-promessa, outorgado em 07/11/1986, através do qual todos os interessados nos prédios em causa prometem vender ao Professor DD os seus quinhões de 2/8 e 3/8 pelo preço aí referido, recibos do pagamento das importâncias em causa, com expressa referência à quitação do valor correspondente ao direito dos signatários sobre os prédios, e procuração irrevogável para serem vendidos os prédios a quem o professor DD quisesse e pelo preço que entendesse), passando os factos deles constantes para o rol dos factos provados.

4. Da impugnação da matéria de facto: se os factos nºs 13, 14 e 15 da relação de factos provados constante do Acórdão recorrido, devem ser considerados não provados; se os factos constantes na relação de factos não provados elencada no acórdão, com os nºs 6, 7, 8 e 9 e com os nºs 19 a 28, devem ser considerados provados.

5. Do caso julgado, incluindo da sua autoridade relativamente aos pedidos reconvencionais deduzidos pelas recorrentes, adquirida por anteriores decisões.

6. Da caducidade (invocada pela Rés) do direito dos Autores de requererem a nulidade ou anulabilidade da cláusula testamentária, através da qual o testador proibia a transmissão dos prédios legados às rés para os autores ou seus familiares.

7. Se a cláusula testamentária que impõe às RR legatárias a obrigação de não vender os prédios legados aos familiares dos autores, é inteiramente válida (mesmo relativamente aos filhos dos AA).


B. RECURSO (subordinado) da Autora BB, por si, e sucessores habilitados de AA

1. Se devem manter-se como provados os factos nºs 18 a 25, que a Relação eliminou do elenco dos factos provados na sentença.

2. Se deve ser revogado o Acórdão sob recurso, quando revogou a decisão da 1ª instância que declarou não escrita a cláusula testamentária que condicionava os legados: “que pretende (…) por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares”.


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IV – FUNDAMENTAÇÃO


IV. 1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA

 

É a seguinte a matéria de facto provada (após a decisão pela Relação da impugnação da decisão da matéria de facto efectuada pelas apelantes Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril – que, nesta parte, procedeu, determinando o Acórdão (cf. fls. 88) que a facticidade julgada provada nos pontos 18º a 25º da sentença passasse a constar do elenco dos factos não provados):

1. Estão descritos na Conservatória do Registo Predial …, os seguintes prédios, sitos na freguesia .......:

a). sob o número …95, o prédio urbano composto por edifício de rés do chão, primeiro, segundo e terceiro andares, destinado a habitação sito na ....., nº …, inscrito na matriz sob o art.º …94;

b). sob o número …93, o prédio urbano composto por edifício de cave, rés do chão, primeiro, segundo e terceiro andares, destinado a comércio e habitação, sito na ......, números … a … de polícia, inscrito na matriz sob o artº …08;

c). sob o número …94, o prédio urbano composto por edifício de rés do chão, primeiro, segundo e terceiro andares, destinado a habitação, sito no ......, números .. e .. de polícia, inscrito na matriz sob o art.º ….04.

2. A aquisição desses prédios nas proporções de 2/8 (por compra), meação (de NN) de 3/8 (por cessão), e de 3/8 (por compra) está registada a favor dos Autores na respetiva Conservatória do Registo Predial – cfr. fls.14 e seg., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. Por escritura pública outorgada em 29 de julho de 1993, no segundo Cartório Notarial ....., HH declarou vender a AA e mulher BB, que declararam comprar, 2/8 (dois oitavos) indivisos dos prédios descritos na C. R. … sob os números 2.307, 2.308 e 9.140 e inscritos na matriz, respetivamente, sob os artigos 1.159, 304 e 294 – cfr. fls.42 e seg., cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.

4. Os prédios referidos na escritura de 29 de julho de 1993 a que se alude em 3. correspondem e são exatamente os mesmos que estão identificados em 1., tendo sofrido ao longo dos tempos alteração de toponímia das ruas e da descrição matricial, por virtude de alterações legais e dos serviços próprios das Finanças.

5. Por escritura pública outorgada em 27 de dezembro de 2010 no Cartório do Notário BBB em ….., CCC, outorgando em representação de EE (por si e em representação da massa da herança de FF, GG e HH), II, JJ, JJ (por si e em representação da massa da herança de FF, GG e HH), KK (por si e em representação da massa da herança aberta por óbito do seu cônjuge – FF e do seu filho DDD) declarou vender a DD, que declarou comprar, 3/8 (três oitavos) dos prédios identificados em A. – cfr. fls.31 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

6. Por escritura pública outorgada em 27 de dezembro de 2010, no Cartório do Notário BBB em ……, DD, declarou vender a AA e mulher, que declararam comprar, 3/8 (três oitavos) dos prédios identificados em A. – cfr. fls.24 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

7. No dia 26 de junho de 2005, no Hospital ........., perante o Exmo. Notário Sr. Dr. CC, DD, viúvo, natural de freguesia ......., deste concelho, residente no Centro ......, sito na ......, da freguesia …… declarou fazer o seu testamento da seguinte forma: “(…) Que é proprietário de três prédios urbanos sitos na freguesia de …….. (...........), concelho de ........, designadamente: a) Prédio de cave, rés-do-chão, três andares e sótão, com uma frente para a ............, números …, … e …, de polícia, e outra frente para a ......., números .. e .. de polícia, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …95; b) Prédio de rés-do-chão e três andares, com uma frente para a ..........., números … e … de polícia, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …24; c) Prédio de rés-do-chão e três andares, sito na ..........., números .. e .. de polícia, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….04 Que tais prédios são objeto de uma ação judicial com os atuais locatários AA e mulher, que atualmente corre termos em recurso no Tribunal da Relação  ……... Que lega em comum os três referidos prédios à Sociedade Martins Sarmento, com sede em Guimarães, e à Associação 25 de Abril, com sede em Lisboa, na proporção de ¾ (três quartos) indivisos para a primeira, e ¼ (um quarto) indiviso para a segunda. Que os legados são efetuados com o encargo de a Sociedade Martins Sarmento suportar as custas judiciais e demais encargos com o processo, recorrendo de qualquer sentença eventualmente desfavorável. Que pretende, caso a sentença reconheça o direito a seu favor e os prédios venham a ser efetivamente propriedade da Sociedade Martins Sarmento e da Associação 25 de Abril, por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares. Que à Sociedade Martins Sarmento será entregue após o seu falecimento a quantia de cento e cinquenta e nove mil euros, que se destinará ao pagamento de prestações mensais, nos seguintes termos: a) À sua bisneta TT, deverá ser paga uma pensão mensal de duzentos e cinquenta euros, durante 15 anos, de que resulta um fundo constituído de quarenta e cinco mil euros, com a condição de estudar e provar até setembro de cada ano que está matriculada e que obteve média positiva no termo do ano escolar. Dois anos consecutivos de média negativa darão lugar à suspensão da pensão mensal, que reverterá a favor da Sociedade Martins Sarmento. Concluído o curso que escolher, a referida TT receberá da Sociedade Martins Sarmento e de uma só vez o saldo do fundo constituído a seu favor. B) À sua bisneta UU, deverá ser paga uma pensão mensal de duzentos e cinquenta euros, durante nove anos, de que resulta um fundo constituído de vinte e sete mil euros., com a condição de estudar e provar até setembro de cada ano que está matriculada e que obteve média positiva no termo do ano escolar. Dois anos consecutivos de média negativa darão lugar à suspensão da pensão mensal, que reverterá a favor da Sociedade Martins Sarmento. Concluído o curso que escolher, a referida UU receberá da Sociedade Martins Sarmento e duma só vez o saldo do fundo constituído a seu favor. C) À sua neta SS, deverá ser paga uma pensão mensal de cento e cinquenta euros, durante quinze anos, de que resulta um fundo constituído de vinte e sete mil euros. D) Ao seu neto DD deverá ser paga uma pensão mensal de duzentos e cinquenta euros, durante vinte anos, de que resulta um fundo constituído de sessenta mil euros. Tais prestações deverão ser disponibilizadas aos beneficiários até ao dia dez do mês imediato ao vencido na sede da Sociedade Martins Sarmento, sendo da conta dos beneficiários as despesas emergentes de qualquer outro meio de pagamento que venham a estabelecer. Que a nenhum título poderá a Sociedade Martins Sarmento adiantar ou retardar o pagamento das pensões ou negociar com os beneficiários qualquer alteração. No caso de falecimento dos beneficiários, o saldo remanescente do respetivo fundo será entregue aos seus respetivos herdeiros”.

8. Os prédios referidos em 7. são exactamente os mesmos que estão identificados em 1.

9. O referido DD, viúvo e natural da freguesia  …….., faleceu em .. de junho de 2005.

10. As Rés não repudiaram os legados, antes os aceitaram.

11. DD, RR, SS e MM foram habilitados como únicos e universais herdeiros do falecido DD, através de escritura pública de 16/09/2005, outorgada no Cartório do Notário CC (cfr. fls.114 e seguintes cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

12. Os Autores e DD subscreveram o contrato promessa de compra e venda junto a fls.157 e 158 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), datado de 3 de novembro de 1986, pelo qual DD declarou ser “dono e legítimo proprietário de 3/8 partes” dos prédios supra referidos na alínea A. e ter celebrado um contrato promessa em que prometeu comprar as quotas de que são titulares os demais interessados e comproprietários desses prédios e, declarando-se “titular destes direitos”, prometeu vender “na totalidade e livre de encargos” aos aqui Autores os mesmos prédios pelo preço de Esc. 7.500.000$00.

13. Por escritura pública de cessão de quinhões hereditários outorgada aos 26 de junho de 2009, no Cartório do Notário CC (cfr. fls.1206 e seguintes cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) SS, por si e na qualidade de procuradora em representação de sua mãe LL, DD, por si e na qualidade de procurador em representação de RR e de MM (intervindo, ainda, na qualidade de gestor de negócios, por conta e no interesse dos referidos RR e MM) declararam vender a AA, que declarou comprar, pelo preço de € 4.687,50 (que declararam ter já recebido), a meação “que pertence à referida LL e o quinhão hereditário que pertence a esta última e ainda a cada um dos restantes cedentes SS, DD e RR na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de OO”, mais tendo declarado que os cedentes são os únicos herdeiros da herança aberta por óbito de PP.

14. Nesta mesma escritura DD, na qualidade de procurador em representação de MM, declarou vender a AA, que declarou comprar, pelo preço de € 4.687,50 (que declarou ter já recebido) “o quinhão hereditário que pertence ao seu representado na herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito de PP”, mais declarando que o cedente é o único herdeiro da herança aberta por óbito de PP e que “esta herança é constituída pelos direitos que o referido PP detinha na herança aberta por óbito de NN”.

15. Ainda nesta mesma escritura pública de cessão de quinhões hereditários outorgada aos 26 de junho de 2009, no Cartório do Notário CC (cfr. fls.1206 e seguintes cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), declararam aqueles outorgantes, naquelas qualidades, vender a AA, que declarou comprar, pelo preço de € 9.375,00 (que declararam ter já recebido) “o quinhão hereditário que pertence aos cedentes na herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD, falecido no dia …. de Junho de dois mil e cinco”.

16. No processo 302/2002 da extinta ..ª Vara Mista da Comarca de ….., em que era A. o falecido DD e eram Réus AA e mulher, aqui Autores, foram proferidos os doutos acórdão e sentença juntos a fls.159 e seg. e a fls.54 e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

17. Na referida decisão foram julgados como provados os seguintes factos:

“12.1.Em 16 de dezembro de 1998, os Réus outorgaram no Primeiro Cartório Notarial de ........ uma escritura de Justificação, na qual declaram que, com exclusão de outrem, eram donos e legítimos possuidores dos seguintes imoveis: a) Prédio urbano de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, destinado a habitação e comércio com a área coberta de cinquenta metros quadrados, a confrontar do norte com a antiga muralha, do sul com .........., do nascente e poente com eles justificantes, sito na ......, da freguesia ......., do concelho ........, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …94°. b) Prédio urbano de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, destinado a habitação e comércio, com a área coberta de vinte e seis metros quadrados, a confrontar do norte com ........., do poente com EEE e dos mais lados com eles justificantes, sito no ........., da freguesia  ......., do concelho ........, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …04°. c) Prédio urbano de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, destinado a atividades económicas e habitação, com a área coberta de cinquenta e quatro metros quadrados, sito na ........ com os números …/… de polícia, da freguesia  ......., do concelho ........, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ….59°, que proveio do inscrito na matriz sob o artigo …95° - Alínea A) dos factos assentes. 12.2. Mais declararam os Réus que estes prédios não estavam descritos na Conservatória do Registo Predial  ........ e que foram por eles comprados verbalmente a HH e a Herdeiros de YY, em meados de 1974, que nunca se chegou a realizar a necessária escritura de compra e venda, dado que estes vendedores faleceram, e apesar das inúmeras buscas não foi possível aos Réus identificar os seus herdeiros, pelo que estariam os Réus impossibilitados de proceder ao registo do seu direito na competente Conservatória – Alínea B) dos factos assentes. 12.3. Acrescentaram ainda os Réus que desde meados de 1974 possuem os identificados prédios, habitando-os, neles exercendo o comércio, dando-os de arrendamento, fruindo todas as suas utilidades, pagando os respetivos impostos e seguros, atos estes que viriam a efetuar em seu nome próprio, há mais de 20 anos, sem a menor oposição de quem quer que fosse desde o seu inicio, a vista de todos e sem interrupção, pelo que teriam adquirido os mesmos prédios por usucapião – Alínea C) dos factos assentes. 12.4. Em 13 de novembro de 1998 os Réus requereram na Conservatória do Registo Predial  ........ fosse certificado que os prédios mencionados na alínea A) não se encontravam ai descritos, declararam que o possuidor atual dos mesmos seria o Réu-marido, que o primeiro ante possuidor seria HH e que o segundo ante possuidor seria YY, morador na ........, da freguesia ......., do concelho ........, não identificando os números de polícia de qualquer prédio – Alínea D) dos factos assentes. 12. 5. Em 13 de novembro de 1998, foi certificado pela mencionada Conservatória de que, "com referência aos prédios identificados, não foram encontrados iguais em situação, composição e confrontações " – Alínea E) dos factos assentes. 12. 6. Os Réus instruíram a escritura de Justificação com esta certidão – Alínea F) dos factos assentes. 12. 7. Em 19 de marco de 1999, os Réus requereram junto da Conservatória do Registo Predial  ........ a aquisição a seu favor dos prédios referidos em A), instruindo tal requisição com a escritura de Justificação e declarando que os prédios não estavam descritos naquela Conservatória – Alínea G) dos factos assentes. 12. 8. Foi inscrita a aquisição a favor dos Réus dos referidos prédios, por usucapião sendo abertas em 15 de marco de 1999 na referida Conservatória três novas descrições, uma para cada prédio, cabendo o n° ….. ao inscrito na matriz sob o artigo …94°, o n° ….. ao inscrito na matriz sob o artigo …04°, e o n° ….. ao inscrito na matriz sob o artigo ….59° - Alínea H) dos factos assentes. 12. 9. Em novembro de 1986, Autor e Réus celebraram entre si um contrato promessa pelo qual aquele prometeu vender aos Réus os seguintes prédios: a) prédio de três andares e rés-do-chão, com frente para a ......., n° … e …, inscrito na matriz predial ...........sob o n° …94° e descrito na conservatória sob o n° ….40 a fls.97 do Livro b.30; b) prédio de três andares e rés-do-chão, sito na ................., n 5 e 7, inscrito na matriz da freguesia....... sob o artigo ….07 e descrito na Conservatória nos n° …. a fls 76 do Livro BA; e c) prédio de três andares, res-do-chão, sótão e cave, com 2 frentes, sendo uma para a ........., com os números …, … e …, e outra para a ............, n°s .. e .., inscrito na matriz predial da freguesia ....... sob o artigo …95°, e descrito na Conservatória sob o n° …. a fls. 76 do Livro B.12 – Alínea I) dos factos assentes. 12. 10. O Autor prometeu comprar aos demais consortes as respetivas quotas – Alínea J) dos factos assentes. 12. 11. No referido contrato foi convencionado de que o preço da venda seria de 7.500.000$00, dividido em duas prestações, sendo a primeira de 1.000.000$00, paga com a assinatura do contrato promessa, e a segunda de 6.500.000$00, a pagar no prazo de seis meses a contar da data desse contrato, e os ora Réus poderiam renovar o prazo de seis meses previsto para a liquidação da quantia de 6.500.000$00 por iguais períodos semestrais até ao máximo de oito períodos desde que pagassem ao Autor uma indemnização pelo alargamento destes prazos de vencimento da segunda prestação no montante de 682.500$00 no fim de cada período semestral renovado – Alínea L) dos factos assentes. 12. 12. Em 19 de outubro de 1990, Autor e Réus outorgaram um aditamento aquele contrato promessa, pelo qual alteraram a redação dos n°s 6 e 9 do mesmo, ficando acordado que a escritura de compra e venda prometida deveria ser outorgada quando os Réus tivessem pago a segunda prestação do preço ainda em divida, ficando os Réus com a obrigação de notificarem o Autor, por escrito, e com a antecedência mínima de 15 dias, do dia, hora e local onde a escritura se realizasse – Alínea M) dos factos assentes. 12. 13. Ficou por este aditamento acordado que os Réus poderiam renovar o prazo para pagamento da segunda prestação no montante de 6.500.000$00 por períodos semestrais até ao máximo de onze, desde que liquidasse a indemnização já referida – Alínea N) dos factos assentes. 12. 14. Desde janeiro de 1989 o Réu marido vem explorando no rés-do-chão do prédio referido em 1) da alínea A) um estabelecimento comercial de pastelaria denominado "Pastelaria S......." – Alínea O) dos factos assentes. 12. 15. A sociedade "C......, Lda.", em 1981, tomou por trespasse o estabelecimento comercial instalado no rés-do-chão do prédio identificado em 3 da alínea A), através de escritura outorgada em 16 de janeiro de 1981 na qual foi declarado que esse prédio pertencia a QQ e mulher e DD e mulher, tendo o Réu outorgado na qualidade de sócio e gerente da referida sociedade – Alínea P) dos factos assentes. 12.16. Por partilha efetuada nos autos de inventario orfanológico por morte de VV e marido WW, pais do Autor e de GG e avós de HH, e que correu termos sob o n° 411/59 pela Secção do ..º Juízo do Tribunal da Comarca  ......., foram adjudicados, e ficaram a pertencer, a estes herdeiros respetivamente, 3/8, 3/8 e 2/8, indivisos dos prédios identificados na alínea A) e I) – Alínea Q) dos factos assentes. 12. 17. Em setembro de 1986, o R marido recebeu uma carta enviada por HH na qual comunicava que, na qualidade de procurador da cabeça de casal, oferecia preferência na possível venda dos prédios – Alínea R) dos factos assentes. 12. 17. E redigida uma minuta que o Autor transporta consigo para ….. a fim de consultar o seu advogado e devolve, algum tempo depois, o contrato-promessa de compra e venda, datado de 3 de novembro de 1986 e o documento junto a fls. 124 a 125 – Alínea S) dos factos assentes. 12. 18. Do teor da escritura de compra e venda outorgada em 29.7.93, no Segundo Cartório Notarial de ........, consta que HH declarou vender, pelo preço já recebido de 2.400.000$00, a AA dois oitavos indivisos de três imóveis situados na ............ e descritos na Conservatória do Registo Predial  ........ sob os números ….07, ….08 e ….40 – Alínea T) dos factos assentes. 12. 19. HH não recebeu qualquer quantia a título de preço da venda referida em T) – Alínea U) dos factos assentes. 12. 20. Os RR pagaram ao A. em 4.11.91 a quantia de 682.500$00 – Alínea I) dos factos assentes. 12. 21. Em 6.5.91 a quantia de 682.500$00 – Alínea V) dos factos assentes.12. 22. Em 3.11.88 a quantia de 682.500$00 – Alínea Y) dos factos assentes. 12. 23. Em 3.5.90 a quantia de 682.500$00 – Alínea Z) dos factos assentes. 12. 24. Em 5.11.90 a quantia de 682.500$00 – Alínea AA) dos factos assentes. 12. 25. Em 3.5.88 a quantia de 682.500$00 – Alínea BB) dos factos assentes. 12. 26. Em 2.11.87 a quantia de 682.500$00 – Alínea CC) dos factos assentes. 12. 27. Em 11.5.89 a quantia de 682.500$00 – Alínea DD) dos factos assentes. 12. 28. Em 13.11.89 a quantia de 682.500$00 – Alínea EE) dos factos assentes. 12. 29. Em 2.11.93 a quantia de 682.500$00 – Alínea FF) dos factos assentes. 12. 30. Em 15.11.96 a quantia de 325.000$00 – Alínea GG) dos factos assentes. 12. 31. Em 6.5.99 a quantia de 325.000$00 – Alínea HH) dos factos assentes. 12. 32. Em 3.5.97 a quantia de 325.000$00 – Alínea II) dos factos assentes. 12. 33. Em 22.11.99 a quantia de 325.000$00 – Alínea JJ) dos factos assentes. 12. 34. Em 10.05.96 a quantia de 325.000$00 – Alínea LL) dos factos assentes. 12. 35. Em 4.5.98 a quantia de 325.000$00 – Alínea MM) dos factos assentes. 12. 36. Em 16-06-1992, o autor enviou ao réu a carta que constituí o documento de fls. 223 e cujo teor se dá por reproduzido – Alínea MO) dos factos assentes. 12.37. Do teor da escritura de habilitação outorgada em 03-08-2000, no … Cartório Notarial ........, consta que no dia ..-10-77, faleceu sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, NN, divorciada e deixou a suceder-lhe como únicos herdeiros seus dois filhos OO, casado na comunhão geral com LL e PP, viúvo de FFF. Mais ali consta que em ..-01-99, também sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, faleceu OO, no estado de casado da comunhão geral com LL, sem testamento, ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros, sua mulher LL, viúva e os filhos DD, divorciado, RR, solteiro, maior, e SS, solteira, maior, e que não há outras pessoas que segundo, a lei, prefiram aos indicados herdeiros ou que com eles possam concorrer na sucessão à herança do mencionado OO – Alínea MP dos factos assentes. 12. 38. Do teor da escritura de habilitação outorgada em 10.04.96, no Cartório Notarial de ....., consta que no dia ..-09-95, faleceu OO, no estado de casado na comunhão geral com LL, sem testamento, ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros sua mulher LL, viúva e os seus filhos DD, divorciado, RR, solteiro, maior e SS, solteira, maior, e que não há outras pessoas que, segundo a lei, prefiram aos indicados herdeiros ou que com eles possam concorrer na sucessão à herança do mencionado OO -Alínea MQ) dos factos assentes. 12. 39. Do teor da escritura de habilitação de 11-01-89 outorgada no ..º Cartório Notarial de …., consta que no dia ..-09-89 faleceu QQ, no estado de casado, sob o regime de comunhão geral com GG, que também usa os nomes de GG, GG, GG, GG e GG, sem testamento ou qualquer outra disposição de sua última vontade e com herdeiros sucederam do referido cônjuge GG e dois filhos: EE, casada sob o regime de comunhão geral de bens com II e FF, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com KK e que não há outras pessoas que, segundo a lei, possam concorrer na sucessão à herança do mencionado QQ – Alínea MR) dos factos assentes. 12. 40. Do teor da escritura de habilitação outorgada em 19-01-90 no .. Cartório Notarial de ....., consta que no dia ..-04-89 faleceu FF no estado de casada sob o regime da comunhão de adquiridos com KK, sem testamento ou outra qualquer disposição de última vontade e como herdeiros sucederam-lhe o seu referido cônjuge, atualmente viúvo, e dois filhos: JJ, solteira, maior e DDD, solteiro, maior e que não há outras pessoas que, segundo a lei, possam concorrer à herança da mencionada FF – Alínea MS) dos factos assentes. 12. 41. Do teor da escritura de habilitação outorgada em 30-09-1994, no ..º cartório Notarial ....., consta que no dia ..-9-94 faleceu DDD, solteiro, maior e que o falecido não deixou descendentes nem testamento ou outra qualquer disposição de sua última vontade e como único herdeiro sucedeu-lhe seu pai KK, viúvo e que não há outras pessoas que, segundo a lei, possam concorrer na sucessão à herança do mencionado DDD – Alínea MT) dos factos assentes. 12. a) Os Réus sabiam que o prédio descrito em 1) da alínea A) se localizava na ..............., e tinha os números … e … de polícia – Resposta ao ponto 1º da B.I.. 12. b) Que o prédio descrito em 2) da mesma alínea se localizava na ................. com os números .. e .. – Resposta ao ponto 2º da B.I.. 12. c) Que o identificado em 3) se localizava na ..............., com os números …, … e …, e na ................., números 1 e 3 – Resposta ao ponto 3º da B.I.. 12. d) O Autor e HH e GG por si e antepossuidores, há mais de 20, 30 e 40 anos, que fruem todas as utilidades dos prédios referidos em A) e I) – Resposta ao ponto 5º da B.I.. 12. e) Dia a dia, ano a ano – Resposta ao ponto 6º da B.I.. 12. f) Dando-os de arrendamento, incluindo ao Réu marido – Resposta ao ponto 7º da B.I.. 12. g) Pagando os impostos respetivos – Resposta ao ponto 8º da B.I.. 12. h) E os prémios de seguro que tinham por objeto esses prédios pelo menos desde 1971 até 1984 – Resposta ao ponto 9º da B.I.. 12. i) Liquidando taxas e encargos municipais, designadamente, os devidos com obras de ligação do saneamento daqueles prédios a rede pública – Resposta ao ponto 10º da B.I.. 12. j) Dando em 1986, o direito de preferência nos projetos de venda dos edifícios aos respetivos inquilinos – Resposta ao ponto 11º da B.I.. 12. k) Incluindo a uma sociedade representada pelo Réu marido – Resposta ao ponto 12º da B.I.. 12. l) Solicitando e obtendo em 1994, da Câmara Municipal  ........ o licenciamento para a realização de obras de beneficiação naqueles prédios – Resposta ao ponto 13º da B.I.. 12. m) Requerendo no ano de 1981 avaliações fiscais – Resposta ao ponto 14º da B.I.. 12. n) Na convicção de não lesarem direitos de outrem – Resposta ao ponto 15º da B.I.. 12. o) Sem violência – Resposta ao ponto 16º da B.I.. 12. p) À vista de toda a gente, incluindo os Réus – Resposta ao ponto 17º da B.I.. 12. r) Sem oposição de ninguém – Resposta ao ponto 18º da B.I.. 12. s) Com animo de quem usa e frui coisas próprias e no seu próprio nome – Resposta ao ponto 19º da B.I.. 12. t) À data em que outorgaram a escritura de Justificação os Réus tinham perfeito conhecimento de que os prédios nela identificados se encontravam já descritos na Conservatória do Registo Predial  ........ sob o n° …40., o n° ….08 e o n° ….07 – Resposta ao ponto 20º da B.I.. 12. u) Os Réus não pagaram até 30.06.99 a segunda prestação no montante de 6.500.000$00 – Resposta ao ponto 22º da B.I.. 12. v) Nem notificaram o Autor para a outorga da escritura de compra e venda – Resposta ao ponto 23º da B.I.. 12. x) Os Réus nunca habitaram os identificados prédios – Resposta ao ponto 24º da B.I.. 12. z) A loja com 30 metros quadrados, situada no rés-do-chão do prédio identificado em 1 da alínea A) foi arrendado ao Reu marido por HH e GG em 2 de janeiro de 1989 – Resposta ao ponto 27º da B.I.. 12. aa) O arrendamento teve inicio em 2 de fevereiro de 1989, com o prazo de um ano renovável – Resposta ao ponto 28º da B.I.. 12. bb) Pela renda anual de 24.000$00, paga em duodécimos mensais de 2.000$00 cada, a pagar no primeiro dia útil do mês a que respeitasse, no estabelecimento comercial - "Pastelaria S.............." – Resposta ao ponto 29º da B.I.. 12. cc) O Autor DD era pessoa do conhecimento do R marido – Resposta ao ponto 30º da B.I.. 12. dd) Desde 16-01-81 que os réus ocupam o rés-do-chão do prédio identificado em I) a) dos factos assentes, nele tendo instalado um estabelecimento comercial de Pastelaria – Café e serviços similares -, que desde então explora como sócio e gerente ou em nome próprio – Resposta ao ponto 42º da B.I.. 12. ee) O réu, no âmbito do programa RECRIA, requerido pelo Chamado HH, efetuou obras no exterior dos prédios de restauro da cobertura e das fachadas, em que designadamente foram colocadas janelas novas e pintadas, caixilharias e outros materiais e pintado todo o exterior dos prédios – Resposta aos pontos 43º, 44º e 45º da B.I.. 12, ff) Nas obras referidas na resposta aos nºs 43º, 44º e 45º, o réu gastou valor não concretamente apurado – Resposta ao ponto 47º da B.I.. 12, gg) O réu autorizou que a funerária « R............., Ld.ª» ocupasse parte do rés-do-chão de um dos prédios de junho de 1997 a agosto de 1998 – Resposta ao ponto 48º da B.I.. 12. hh) A partir da celebração da escritura pública referida em T), os réus passaram a pagar contribuições relativas aos prédios na proporção de 25% - Resposta ao ponto 49º da B.I.. 12. ii) A partir da celebração do contrato promessa referido em I), as rendas dos arrendatários que habitavam os prédios, GGG e HHH eram recebidas pelo Chamado HH e depois, a mando do autor, em nome de quem agia como seu procurador, eram por eles entregues aos réus – Resposta ao ponto 50º da B.I..12. jj) Os réus pagaram ao autor em 03-11-1986, um milhão de escudos – Resposta ao ponto 59º da B.I.. 12. kk) O réu no interior do rés-do-chão onde está instalada a pastelaria e na cave onde estão os sanitários e um anexo, procedeu a obras de construção civil, a nível dos tetos, paredes e pavimentos – Resposta ao ponto 61º da B.I.. 12. ll) Nas obras acima referidas, o réu gastou valor não concretamente apurado – Resposta ao ponto 62º da B.I.”.


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Factos considerados não provados:

-  Pela 1ª Instância:

1. No referido em I.18 a I.21, os Autores agem por si e seus antecessores.

2. Os Autores utilizam os prédios referidos em 1. para sua habitação.

3. O referido de I.18 a I.24 ocorre há mais de quinze e vinte anos.

4. Sem prejudicar ninguém.

5. O DD sabia que não era dono da totalidade dos prédios referidos em 1.

6. Em 7 de novembro de 1986, DD fez partilhas verbais com os filhos.

7. Pagando-lhes as tornas entre eles convencionadas e recebendo deles a competente quitação, em relação à meação que à mãe caberia no património comum.

8. Por acordo verbal de 3 de novembro de 1986, o DD declarou prometer comprar a todos os demais comproprietários dos referidos prédios os restantes 5/8, pagando a todos o preço convencionado.

9. A partir dessa data, DD passou a contactar diretamente os arrendatários dos imóveis, entre os quais os Autores.

10. A pagar as contribuições.

11. A usar e a fruir os imóveis na sua totalidade.

12. Sendo considerado seu exclusivo dono por toda a gente. 13. Incluindo os Autores.

14. E os serviços públicos.

15. Na convicção de não prejudicar ninguém. 16. De modo contínuo e ininterrupto.

17. À vista de toda a gente. 18. Como se dono fosse.

19. Os vendedores referidos em I.3, I.5 e I.6. sabiam que de nada eram donos. 20. O vendedor referido em I.3 limitou-se a subscrever a escritura.

21. Sem querer vender.

22. Os Autores nada quiseram comprar.

23. Nem convencionaram qualquer preço.

24. Os vendedores referidos em I.5 e I.6 limitaram-se a subscrever as escrituras. 25. Sem nunca terem recebido os valores nelas referidos.

26. Sem quererem vender.

27. Os Autores nada quiseram comprar.

28. Nem convencionaram qualquer preço.

- Pela Relação (cfr. fls. 88 - em consequência da impugnação da decisão da matéria de facto ocorrida na apelação, onde se determinou que os factos que seguem, considerados provados na sentença sob os nºs 18. a 25., transitassem para o elenco dos factos não provados):

29. Os AA. dão de arrendamento os prédios referidos em 1. (facto que vinha dado como provado na sentença sob o nº 18).

30. Fazem obras de restauro e conservação (facto que vinha dado como provado na sentença sob o nº 19).

31. Utilizando-os no seu comércio (facto que vinha dado como provado na sentença sob o nº 20).

32. Pagando todos os impostos (facto que vinha dado como provado na sentença sob o nº 21).

33. Ininterruptamente (facto que vinha dado como provado na sentença sob o nº 22).

34. À vista de toda a gente (facto que vinha dado como provado na sentença sob o nº 23).

35. Como se donos fossem (facto que vinha dado como provado na sentença sob o nº 24).

36. O referido de I.18 a I.24 ocorre desde 16 de dezembro de 1998 (facto que vinha dado como provado na sentença sob o nº 25).


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IV.2. APRECIANDO AS QUESTÕES SUSCITADAS


A. RECURSO (principal) DA SOCIEDADE MARTINS SARMENTO e ASSOCIAÇÃO 25 DE ABRIL


1. Nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia (relativamente à caducidade do direito dos AA de arguirem a nulidade da cláusula testamentária).


Invocam as recorrentes que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, porque, apesar de ter sido arguida a excepção peremptória de caducidade do direito dos autores a arguirem a nulidade da disposição testamentária em que o testador proibiu as recorrentes de transmitirem os prédios que lhes legou aos Autores e aos familiares destes, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre esta matéria.


As causas de invalidade das decisões judiciais (estando incluídos nessa expressão o despacho, a sentença e os acórdãos – art. 615º, n.º 3 e 666º, n.º 1 do CPC) encontram-se taxativamente enunciadas no art. 615º, n.º 1 do CPC, e reportam-se a vícios formais da sentença (acórdão ou sentença) em si mesmos considerados, decorrentes de na sua elaboração não terem sido respeitadas as normas legais que regulam essa sua elaboração ou estruturação ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes não foi respeitado, ficando a sentença aquém ou indo além do thema decidendum), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença em si mesma considerada, isto é, a vícios formais que afectam a própria sentença de per se ou os limites à sombra dos quais é proferida[7].

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[8].

A al. d), do n.º 1 do art. 615º, n.º 1, do CPC inquina de nulidade a sentença quando nela o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que deva apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, referindo-se a primeira parte à nulidade por omissão de pronúncia, e a segunda à nulidade por excesso de pronúncia.

Trata-se de nulidades que se relacionam com o preceituado no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Nota-se que, como já salientava ALBERTO DOS REIS[9], impõe-se distinguir, por um lado, entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “(…) Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.

Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões[10].


Regressando aos autos, verificamos que em sede de contestação as Réus, ora Recorrentes, invocaram a excepção peremptória da caducidade do direito dos Autores a requererem a anulabilidade ou a nulidade daquela cláusula testamentária.

Com efeito, alegaram, ali, as Rés/Recorrentes (fls. 146 dos autos): “Por fim, no que à contestação da acção respeita, dir-se-á, ainda, que, prescrevendo o artigo 2308.º n.º2 do Código Civil que sendo anulável o testamento ou qualquer das suas disposições, a acção caduca ao fim de dois anos a contar da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da sua causa de anulabilidade, ainda que a cláusula testamentária impugnada fosse nula, e os autores tivesse legitimidade para a impugnar, há muito caducara o direito de o fazerem”.


Ora, é verdade que o acórdão recorrido não se pronunciou acerca da invocada excepção de caducidade.

Mas é igualmente manifesto que também a sentença o não fez.

Na verdade, por despacho saneador de 24-10-2012 e despacho saneador de fls. 949 e ss. datado de 08-03-2016, foi apreciada a invocada excepção da caducidade do pedido de anulação das disposições testamentárias, a qual foi julgada procedente, o que foi confirmado em sede de apelação.

Com efeito, no aludido saneador-sentença de 24-10-2012, foi julgada “procedente a invocada caducidade e, em consequência, se absolvem as Rés do pedido de anulação das disposições constantes do testamento outorgado por DD, em 26 de Junho de 2005 (prosseguindo os autos para apreciação do pedido de declaração de nulidade das mesmas”).

E, posteriormente - fls. 949 e ss - , em 08-03-2016 (conclusão a 29-02-2016), após admissão e intervenção de chamados, foi novamente proferido despacho saneador, em que, novamente, se “julga procedente a invocada caducidade e, em consequência, se absolvem as Rés do pedido de anulação das disposições constantes do testamento outorgado por DD, em 26 de Junho de 2005 (prosseguindo os autos para apreciação do pedido de declaração de nulidade das mesmas).”.

Os autores recorreram deste despacho, o qual foi mantido pela Relação  ……...


Ora, na sentença de 24.01.2020 - a que deu origem ao Ac. da Relação, ora sob revista - , foi declarada “não escrita a seguinte disposição testamentária que condiciona tais legados: “que pretende (…) por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares”. E nela o tribunal a quo omitiu qualquer pronúncia quanto à referida excepção peremptória da caducidade do direito dos Autores a requererem a declaração da nulidade dessa disposição testamentária, incorrendo, assim, nessa sentença, a 1ª Instância em omissão de pronúncia, na medida em que tendo julgado procedente a nulidade dessa disposição testamentária, declarando-a não escrita, tinha necessariamente de conhecer da excepção da caducidade do direito dos mesmos Autores em peticionarem a nulidade da mencionada cláusula. O que não fez.


Sucede que tendo as ora recorrentes interposto recurso dessa sentença, conforme resulta das conclusões de recurso e das antecedentes motivações, não invocaram a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, decorrente de nela a 1ª Instância ter omitido totalmente pronúncia quanto à excepção da caducidade que tinham invocado como facto impeditivo do direito que os Autores vêm exercer nos presentes autos em ver essa disposição testamentária declarada nula com os fundamentos que invocam.

Não invocaram aí, nem tinham invocado ainda em qualquer momento deste extenso processo, a não ser nas alegações de revista (imputando a aludida nulidade ao Ac. da Relação sob revista[11]).

Assim, portanto, tendo a 1ª Instância considerado não escrita/declarado a nulidade da disposição testamentária que proíbe as Recorrentes de transmitir aos Autores e aos familiares destes os legados que o testador lhes transmitiu, e tendo a 1ª Instância, na sentença, omitido qualquer pronúncia quanto à excepção da caducidade do direito dos Autores em virem arguir essa nulidade que tinha sido invocada pelas Recorrentes na sua contestação, e, por fim, não tendo as mesmas Recorrentes, no recurso que interpuseram da sentença, arguido a nulidade desta com fundamento em omissão de pronúncia e, por isso, não tendo a Relação conhecido da mesma questão, é evidente que este Supremo Tribunal (de revista) não pode conhecer da suscitada “nulidade” do acórdão por “omissão de pronúncia[12].

Como visto, a nulidade que as Recorrentes imputam ao acórdão, por alegada omissão de pronúncia, já se verificava na sentença, em que a 1ª Instância incorreu, sem dúvida, em nulidade por omissão de pronúncia ao julgar a cláusula testamentária nula/não escrita sem que cuidasse em apreciar o fundamento impeditivo da declaração dessa nulidade invocada pelas recorrentes na contestação – a excepção peremptória da caducidade do direito dos Autores em virem pedir a declaração da nulidade daquela cláusula testamentária.


Em suma: não tendo as Recorrentes, nas conclusões do recurso da apelação (nem, sequer, no corpo das alegações), invocado a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, a Relação dela não tinha de conhecer.

Assim, portanto, cremos resultar claro que o acórdão recorrido não incorreu em qualquer omissão de pronúncia, pois que apesar de não se ter pronunciado sobre a questão de direito agora invocada pelas rés, também não tinha que se pronunciar, sob pena de incorrer (não em nulidade por omissão de pronúncia, mas, sim) em excesso de pronúncia, porque a questão nunca antes havia sido suscitada nos autos.


Assim improcede esta questão.


2. Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Vêm as Rés/Recorrentes (embora não expressamente nas conclusões, mas mais nas alegações) invocar a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão na parte em que foram julgados nulos os legados feitos as rés, por imperatividade do regime do art. 1790.º do CC.


Como é sabido, em sede de revista, devem os recorrentes invocar, sim, as nulidades do acórdão recorrido, sendo que só essas nulidades são sindicáveis pelo STJ e não as nulidades que o recorrente já invocou na apelação e que o acórdão recorrido já conheceu.

Neste mesmo sentido, pode ver-se, v.g., o Ac. do STJ de 29-01-2019, Revista n.º 168/06.2TBVGS.P1.S1 (OLINDA GARCIA): “Não é admissível a ampliação do âmbito da revista, pedida pelo recorrido, com base no art. 636.º, n.º 2, do CPC, quando este pretende, por essa via, invocar nulidades da decisão da primeira instância. O tipo de decisão impugnada não cabe no âmbito desse recurso, pois como estatui o art. 671.º, n.º l, do CPC a revista tem como objeto um acórdão da Relação e como fundamentos os previstos no art. 674.º. As nulidades invocáveis nos termos do art. 674.º, n.º  l, al. c), são as do acórdão da Relação, como estabelece o art. 666.º, com as causas previstas no art. 615.º do CPC. Não cabe neste âmbito a invocação de nulidades da decisão da primeira instância.[13].


Assim, e sem mais delongas, improcede esta questão.

3. Se devia ser deferida a junção aos autos de documentos de fls 1335 verso a 1355 (contrato-promessa, outorgado em 07/11/1986, através do qual todos os interessados nos prédios em causa prometem vender ao Professor DD os seus quinhões de 2/8 e 3/8 pelo preço aí referido, recibos do pagamento das importâncias em causa, com expressa referência à quitação do valor correspondente ao direito dos signatários sobre os prédios, e procuração irrevogável para serem vendidos os prédios a quem o professor DD quisesse e pelo preço que entendesse)


Em causa está (no recurso principal):

a) (conclusão 6ª e ss) despacho interlocutório da primeira instância que indeferiu a junção de documentos em sede de audiência de julgamento[14].

b) (conclusão 12.º e ss) recurso sobre despacho interlocutório da primeira instância, datado de 21-05-2019, que admitiu a junção de documentos a requerimento dos autores[15].

Que dizer?

Por força do disposto no art. 671.º, n.º 2, do CPC, “os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”.

Desta forma, tratando-se de um recurso, ainda que incluído em revista mais abrangente, não pode ser conhecido o seu objecto, por se tratar de um recurso de uma decisão interlocutória – o indeferimento de junção de documentos – , pois que não foi alegado qualquer fundamento previsto no art. 629.º, n.º 2 do CPC ex vi da al. a) do n.º 2 do art. 671.º do CPC e bem assim da al. b) deste normativo.

Exemplos para este conspecto, temos, v.g., os Acs. do STJ de 06-12-2018, Revista n.º 300/13.0TJPRT.P1.S1 (ROSA RIBEIRO COELHO)[16]; de 27-11-2018, Revista n.º 4206/16.2T8VCT-A.G1-A.S1 (MARIA JOÃO VAZ TOMÉ)[17]; de 01-03-2018, Revista n.º 3580/14.0T8VIS-A.C1.S1 (ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA)[18]; e de 11-07-2017, Revista n.º 1572/12.2TBABT.E1.S2 (GARCIA CALEJO)[19].


Se se entender que as recorrentes alegam que houve violação de caso julgado – conclusões 6.º e ss. – porquanto o STJ, no apenso E, admitiu a junção dos referidos documentos, juntos em sede de alegações de revista, sem oposição da parte contrária, sempre se dirá que houve efectiva oposição dos autores, inexistindo qualquer despacho de admissão dos documentos, sendo que o acórdão do STJ proferido no apenso E, em momento algum aprecia matéria de facto ou faz qualquer menção aos indicados documentos. Mais acresce que o momento em que o despacho de não admissão de documentos ocorreu, inexistia, tal como continua a inexistir, qualquer pronúncia de admissão, pelo que não se vislumbra em que termos poderá ter ocorrido violação de caso julgado. Acresce que, tal como bem decidiu o acórdão da Relação, o despacho transitou em julgado, por ser passível de recurso em separado, e, como tal, o recurso não é admissível.


Requerem, como visto, as recorrentes a admissibilidade de junção de documentos, junção que foi indeferida em audiência de julgamento, tendo o acórdão da Relação entendido (assim confirmando o decidido na 1ª instância) não ser admissível a sua junção.

E, como vimos, tratando-se de recurso de uma decisão interlocutória, não há lugar a revista, nos sobreditos termos.


Sem embargo, ainda que se pudesse ponderar a sua junção, neste actual momento processual, à luz do art. 680.º do CPC, também agora a junção é inadmissível, devido à circunstância de tais documentos não serem supervenientes, pois são muito anteriores à data do início do processo e o que fundamentou a sua junção não foi o seu conhecimento superveniente.


Relativamente aos documentos referidos nas conclusões 12.º e ss., as recorrentes na apelação invocaram a nulidade deste despacho, o que foi apreciado e decidido no acórdão recorrido, nos seguintes termos: “(…) não tendo as ora apelantes interposto recurso do despacho que admitiu a junção aos autos dos documentos de fls. 1206 a 1208, este transitou em julgado, não podendo já ser colocado em crise na presente apelação, independentemente dessa junção ser ou não extemporânea e/ou de pretensamente implicar uma alteração da causa de pedir (vícios esses que caso se verificassem, inquinam-no, na nossa perspetiva, de erro de julgamento e não de invalidade, designadamente, da nulidade prevista na al. c), do n.º 1 do art. 615º do CPC, conforme pretendem as apelantes acontecer), sob pena de se postergar o caso julgado formal que o cobre.

Decorre do exposto que às apelantes já não assiste o direito de no âmbito da presente apelação arguir os pretensos vícios da nulidade (que são antes, conforme referido, erros de julgamento que inquinarão esse despacho) que imputam à decisão de admissão, sequer requerer o desentranhamento dos autos da certidão de fls. 1206 a 1209 e a eliminação dos factos provados nos pontos 13º, 14º e 15º da sentença sob sindicância, com esses concretos fundamentos.

Nesta conformidade, atentos os fundamentos que se acabam de enunciar, decide-se não conhecer da pretensa nulidade a que alude o art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC (erros de julgamento) que as apelantes imputam ao despacho proferido em 04/06/2019, que admitiu a junção aos autos do documento apresentado pela Autora BB e outros, junto a fls. 1206 a 1208 dos autos, sequer da pretensão destas em verem esse documento desentranhado dos autos e eliminados (com esses fundamentos que invocam) os pontos 13º a 15º da facticidade julgada provada na sentença sob sindicância, atento o trânsito em julgado desse despacho que admitiu a junção do documento aos autos.”.

Do teor desta passagem do acórdão resulta que o acórdão recorrido não conheceu (e bem) da nulidade invocada relativamente ao referido despacho, porque o despacho transitou em julgado, pelo que não merecerá qualquer censura.


Não tem, a nosso ver, qualquer fundamento o invocado pelas recorrentes que “tendo o despacho sido produzido em julgamento só faria sentido que dele se recorresse com o eventual recurso da sentença final porque, por um lado, o resultado da sentença podia significar que o meio de prova em causa era inútil, e, por outro lado, o juiz na sentença podia reapreciar a eventual necessidade desse meio de prova e eventualmente ordenar a reabertura de audiência para que ele fosse produzido ou até ordenar a junção oficiosamente, o que tudo indica que o recurso cabe na hipótese do artigo 644º, n.º3 do Código de Processo Civil.”

Conforme bem explica ABRANTES GERALDES[20], “O art. 644.º admite dois regimes diversos:

a) São suscetíveis de recurso imediato as decisões que ponham termo ao processo, procedimento cautelar ou incidente autónomo (n.º1 al. a)) e os despachos saneadores referidos na al. b).

b) Também assim as decisões tipificadas no n.º 2.[21]

(…)

O art. 691.º, n.º 2, al. i), do CPC de 1961, já possibilitava a apelação autónoma de despacho de admissão ou de rejeição de meios de prova. Previsão que se reportava e continua a reportar-se, por exemplo aos casos em que o juiz admite ou rejeita um rol de testemunhas, autoriza o seu aditamento ou substituição, defere ou indefere a realização de uma perícia ou inspeção judicial, admite ou manda desentranhar determinados documentos ou defere ou indefere a requisição de documentos ou a obtenção de informações em poder de outra parte ou de terceiros.[22].

Com bem se salienta na obra acabada de citar[23], as decisões interlocutórias que cabem no n.º 3 do art. 644.º do CPC, são aquelas que são impugnáveis em abstrato e que não cabem no recurso de apelação autónomo, isto é, no n.º 2 deste normativo. E no caso cabe na respectiva alínea d), por se tratar de um despacho de admissão/não admissão de meio de prova, no caso documentos, ainda que em sede de audiência de julgamento, o que não descaracteriza a natureza do despacho.


Invocam, ainda as recorrentes a nulidade dos referidos despachos que indeferiram e admitiram a junção de documentos, na primeira instância.

Como é de bom de ver, com o trânsito em julgado dos referidos despachos, mostram-se as nulidades sanadas - cfr. arts. 195.º e ss. - , não podendo ser enquadradas nas nulidades previstas no art. 615.º do CPC, por não serem nulidades reportadas à sentença ou ao acórdão.


E o acórdão recorrido também não padece de qualquer nulidade, por ter apreciado a questão suscitada.

E, diga-se em verdade, o Acórdão apreciou esta questão dos documentos de forma completa, quase exaustiva e que se aceita, apreciando detalhadamente todos os fundamentos invocados pelas Recorrentes no que tange à pretendida junção dos documentos - cfr. fls. 49 a 63.

Pelo que, não fora a inadmissibilidade do conhecimento do objecto da revista, neste segmento, por se tratar de um recurso de uma decisão interlocutória (o indeferimento de junção de documentos) - dado não ter sido invocado qualquer fundamento previsto no art. 629.º, n.º 2 do CPC ex vi da al. a) do n.º 2 do art. 671.º do CPC e bem assim da al. b) deste normativo - , sempre a decisão da relação, quanto a esta questão da admissibilidade ou rejeição dos documentos, seria de manter, atenta a extensa e cabal fundamentação ali vertida (cits. pp 49-63).


Assim improcede esta questão.


4. Da impugnação da decisão da matéria de facto: se os factos nºs 13, 14 e 15, da relação de factos provados constante do Acórdão recorrido, devem ser considerados não provados; e se os factos constantes na relação de factos não provados elencada no acórdão, com os nºs 6, 7, 8 e 9 e com os nºs 19 a 28, devem ser considerados provados.

a. Em primeira mão, impugnam as recorrentes os factos provados sob os n.os 13, 14 e 15, cuja prova resultou da admissão de documento juntos pelos autores em sede audiência de julgamento, entendendo que tal não deveria ter ocorrido e, como tal, consideram tal despacho nulo, o que deveria levar à sua eliminação do elenco do factos provados.


Vale aqui o que supra ficou dito/decidido relativamente à questão dos despachos de admissão/indeferimento de admissão de documentos: não pode ser conhecido o objecto do recurso nesta parte por se tratar de um recurso de uma decisão interlocutória - de admissão de junção de documento - , pois que não foi alegado qualquer fundamento previsto no art. 629.º, n.º 2 do CPC ex vi da al. a) do n.º 2 do art. 671.º do CPC e bem assim da al. b) deste normativo.


O que torna prejudicada a apreciação desta questão.

Sempre se acrescente, porém, que são factos que resultam de um documento autêntico (escritura pública de cessão de quinhões hereditários), não tendo sido invocada a sua falsidade, nem tendo as rés invocado ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, a qual, desta forma, se mostra subtraída ao conhecimento do STJ, cfr. art. 674.º, n.º 3, do CPC.

Por força do disposto no artigo 682.º, n.º 2, do CPC, no recurso de revista, o STJ não pode alterar a decisão quanto à matéria de facto proferida pelo Tribunal recorrido, salvo nas situações previstas no n.º 3 do artigo 674.º do CPC[24].

É entendimento pacífico que o STJ é um tribunal de revista e, como tal, compete-lhe aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, nos termos do art. 674.º, n.º 1, do CPC, sendo função das instâncias, designadamente da Relação, apurar os factos relevantes para a decisão da causa, não podendo o STJ, por regra, alterar a matéria de facto por elas fixada, salvo nos casos previstos no art. 674.º n.º 3 do CPC, conforme já referido.

Exemplificativos deste entendimento são os Acs. do STJ de 08-01-2019, Revista n.º 3696/16.8T8VIS.C1.S1 (ANA PAULA BOULAROT)[25]; de 22-03-2018, Revista n.º 2183/14.3TBPTM.E2.S1 (ROSA TCHING)[26]; de 24-11-2015, Revista n.º 661/13.0TBPFR-F.P1.S1 (ANA PAULA BOULAROT)[27].

b. Mais sustentam as Recorrentes que os factos 6, 7, 8 e 9 deveriam ter sido considerados provados, porque essa matéria estará provada, quer através dos 6 documentos solicitados juntar pelas rés, em sede de audiência de julgamento, e cuja junção foi indeferida, quer através da expressa confissão (folhas 58 dos autos, na precedente acção), pelo que devem ser aditados à matéria provada – cópia da sentença proferida no proc. n.º 302/2002.

Considerando o modo como as recorrentes expõem o presente erro na apreciação das provas, mostra-se o mesmo, de facto, sujeito ao crivo do STJ, pois reportar-se-á a ofensa de disposição expressa da lei que fixe a força de determinado meio de prova – confissão judicial.

Porém, percute-se aqui o que ficou dito supra quanto à questão dos documentos não admitidos.

Acrescente-se, porém, o seguinte:

O acórdão recorrido apreciou esta questão nos seguintes termos: “analisada a sentença e os acórdãos proferidos no âmbito do Proc. n.º 302/2002, da extinta .. Vara Mista …….., incluindo o teor de fls. 58 dos presentes autos, para a qual as apelantes remetem (e que mais não é do que o relatório da sentença proferido no Proc. n.º 302/2002), não descortinamos que nesse relatório conste qualquer elemento que permita concluir que os aqui Autores, aí Réus, tivessem confessado a facticidade constante dos pontos 6º a 9º dos factos não provados na sentença sob sindicância, tanto mais que caso essa facticidade tivesse sido por eles aí confessada, naturalmente que a mesma constaria do elenco dos factos provados nas decisões de mérito proferidas no âmbito desse processo, o que não é o caso.[28].

Ora, procedendo novamente a esta análise, efectivamente, não vislumbramos qualquer confissão por banda dos aqui autores e ali réus, não constando dos factos provados tal circunstancialismo.

Como se o exposto não fosse mais que bastante para não dar razão às Recorrentes, acresce, ainda, que (conforme também é referido no acórdão recorrido):

- a confissão tem que ser clara e inequívoca, bem como aceite pela contra-parte, o que no caso não se verificou (cfr. arts. 46.º e 465.º, n.º 2 do CPC, 357.º, n.º 1, e 361.º, do CC);

- a confissão efectuada num processo apenas vale como judicial nesse mesmo processo (cfr. art. 355.º, n.º 3, do CC e Ac. do STJ de 21-06-2011, Revista n.º 1884/06.4TBFIG.C1.S1 - SOUSA LEITE[29]);

- não foi junta aos autos certidão da sentença do proc. n.º 302/2002 - pelo que, mesmo que (o que não aconteceu) tivesse ocorrido confissão, a mesma nunca poderia ter valor confessório nos presentes autos.

Assim improcede, também, esta parte da impugnação da decisão da matéria de facto.

c. Mais invocam as Recorrentes que embora as instâncias tenham considerado não se ter provado (factos 19 a 28) que os vendedores outorgantes das escrituras juntas com a petição inicial sabiam que de nada eram donos, limitando-se a subscrevê-las sem convencionarem qualquer preço e sem nunca terem recebido quaisquer valores, essa matéria deveria, pelo menos em parte, ter sido julgada parcialmente provada. Consideram, ainda, que os documentos juntos pelos autores a fls. 338 e ss. não demonstram a prova de qualquer pagamento.

O acórdão recorrido fundou-se na prova documental e testemunhal constante dos autos e, de forma bem fundamentada, considerou (após a sua cuidada análise) que os factos indicados não podiam ser dados como provados.


Ora, a Relação, na modificação da decisão da matéria de facto, actuou ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova. E não ofendeu qualquer disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 674.º, n.º 3, do CPC. Donde estarmos estamos perante meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal recorrido, o que não é sindicável por este Supremo Tribunal.

Efectivamente, percute-se que o STJ é um tribunal de revista, sendo sua competência aplicar o regime jurídico adequado aos factos fixados pelas instâncias, ut art. 674.º, n.º 1, do CPC, competindo às instâncias, designadamente à Relação, apurar os factos relevantes para a decisão da causa, apenas podendo o STJ alterar a matéria de facto por elas fixada dentro das balizas ínsitas no art. 674.º n.º 3 do CPC, conforme já referido (cfr. artigo 682.º, n.º 2, do CPC)[30] - o que, in casu, não ocorreu.


Assim, não tendo sido invocada (muito menos demonstrada) qualquer violação de direito probatório enquadrável nos arts. 682.º, n.º 2, e 674.º, n.º 3, do CPC, fica vedada a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça.


Como tal, também improcede este segmento de impugnação da decisão da matéria de facto.

5. Do caso julgado, incluindo da sua autoridade relativamente aos pedidos reconvencionais deduzidos pelas recorrentes, adquirida por anteriores decisões.


Na contestação, as recorrentes/rés deduziram pedido reconvencional pedindo a condenação dos autores a:

c) reconhecer que as Rés são donas e possuidoras nas proporções indicadas (3/4 indivisos para a Sociedade Martins Sarmento e ¼ indiviso para a Associação 25 de Abril) dos prédios supra referidos, que pertenceram em propriedade exclusiva ao Professor DD, que como tais os adquiriu por aquisição derivada e por usucapião;

 d) reconhecerem que não adquiriram, nem podiam adquirir os prédios reivindicados, nem pagaram qualquer preço por qualquer deles ou por qualquer das suas fracções;

 e) reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos pretensos alienantes, na data das respectivas escrituras referidas na inicial;

f) reconhecerem que os negócios que invocam na inicial que pretensamente lhes teriam transmitido a propriedade dos prédios, são absolutamente nulos, por simulados, em prejuízo das contestantes, ou, a não se entender assim, por não consubstanciarem verdadeiros contratos de compra e venda;

g) reconhecerem, em qualquer dos casos, a nulidade das vendas que lhes foram feitas, por desrespeitarem a cláusula testamentária imposta pelo autor da herança, segundo a qual os prédios em questão jamais poderiam ser transmitidos aos Autores.

Em sede de despacho saneador datado de 08-03-2016, com data de conclusão de 29-02-2016, foi decidido, ao abrigo do disposto no art. 266.º, n.º 2, al. a) do CPC, admitir os pedidos reconvencionais deduzidos pelas recorrentes/rés e conhecer da excepção de caso julgado quanto às als. d), e) e f) na parte em que se referem ao contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública de 29-07-1993.

Os recorrentes/autores recorreram, além do mais, deste despacho, o qual foi admitido por despacho datado 08-11-2017 como recurso de apelação, com efeito devolutivo, a subir de imediato e em separado.

O recurso subiu em separado, constituindo o apenso E dos autos.

Neste apenso, o Tribunal da Relação de …….. julgou a apelação parcialmente procedente e, nessa medida, revogou parcialmente aquela decisão e julgou procedente a excepção do caso julgado relativamente aos pedidos reconvencionais formulados sob as alíneas c) e e) e, em consequência:

a) absolveu os autores do pedido reconvencional em que as rés pedem a condenação daqueles a reconhecerem-nas “como donas e possuidores nas proporções de ¾ indivisos para a Sociedade Martins Sarmeto e ¼ indivisos para a Associação 25 de Abril dos prédios” identificados no art. 1.º da p.i., por alegadamente terem pertencido em propriedade exclusiva ao Professor DD, por os ter adquirido por aquisição derivada e usucapião;

b) absolveu os autores do pedido reconvencional em que as rés pedem a condenação daqueles a reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos alienantes, na data das respectivas escrituras referidas na petição inicial.


As recorrentes/rés apresentaram recurso de revista, o qual foi negado, por acórdão datado de 04-07-2019 que confirmou o acórdão recorrido, com a ressalva da verificação da autoridade do caso julgado e não da excepção do caso julgado.

Este acórdão transitou em julgado.


As recorrentes/rés intentaram recurso para uniformização de jurisprudência, o qual foi tramitado no n.º 2010/12.6TBGMR-E.G1.S1-A, tendo sido rejeitado, por despacho singular, datado de 28-10-2020, já transitado.

Assim, em sede de primeira instância, depois de já se mostrar transitado[31] em julgado o acórdão do STJ proferido no proc. n.º 2010/12.6TBGMR-E.G1.S1, foi proferida sentença final nos presentes autos, na qual se decidiu absolver aos autores dos demais pedidos reconvencionais deduzidos pelas rés.


Invocam, agora e novamente, as Ré, porquanto já o fizeram em sede de apelação, que o acórdão recorrido, ao manter, nesta parte, a sentença, actuou em erro de direito ao julgar improcedente os pedidos reconvencionais deduzidos pelas rés. Mais invocam que têm pendente recurso para uniformização de jurisprudência no apenso E.

Ora, o que pretendem as Recorrentes/rés, com esta parte do seu recurso, mais não é do que colocar em causa o decidido pelo referido acórdão do STJ de 04-07-2019, já devidamente transitado, acórdão esse que constitui caso julgado nos autos e que não pode ser desrespeitado.

Assim se vê que a reapreciação que as Recorrentes aqui e agora pretendem não se prende com o que o acórdão recorrido decidiu quanto aos pedidos reconvencionais que foram considerados abrangidos pela autoridade do caso julgado. E pela simples razão de que  o acórdão recorrido nada decidiu quanto a esse conspecto, porque já se mostrava decidido pelo acórdão do STJ proferido no apenso E.

Ou seja, a reapreciação que as recorrentes pedem é, afinal, ao próprio acórdão do STJ proferido no apenso E, o qual, como dito, já se mostra transitado e constitui caso julgado formal vinculativo para as partes nos presentes autos.


Conforme bem se explica no acórdão recorrido, referindo-se à sentença, “(…) não conheceu desses pedidos reconvencionais corretamente, porquanto deles não podia conhecer, dado que por acórdão transitado em julgado, proferido pelo STJ, no apenso E, no âmbito do recurso de revista interposto pelas apelantes Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril, que negou revista e confirmou o aresto desta Relação, absolveu os Autores-reconvindos da instância quanto àqueles pedidos reconvencionais (sendo que quanto ao da alínea d), essa absolvição da instância, reafirma-se, foi determinada exclusivamente quanto à escritura pública de 29/07/1993), com fundamento na procedência da exceção dilatória da autoridade do caso julgado.

Por conseguinte, esses pedidos e as causas de pedir que os suportam, à data da prolação da sentença, já não faziam parte do thema decidendum dos presentes autos, sequer a 1ª Instância ou quem quer que seja, podia (ou pode) deles conhecer, sob pena de violar o caso julgado formal que cobre o aresto do STJ proferido no apenso E.

Deste modo é que aqui se reafirma que os erros de julgamento que as apelantes assacam à sentença sob sindicância, não se dirigem à última, mas sim ao acórdão transitado em julgado proferido pelo STJ, que aquelas insistem em ignorar ao sistematicamente criticarem, ao longo das suas alegações de recurso, o aí decidido e ao suscitarem novamente essas questões.

Sucede que tendo esse acórdão transitado em julgado, nunca este tribunal pode reapreciar o que aí ficou decidido em definitivo e, consequentemente, concluir pela procedência do pedido reconvencional em que os apelantes-reconvintes pedem que se condene os Autores-reconvindos a reconhecer que as apelantes-reconvintes são donas e legitimas possuidores dos prédios objeto dos presentes autos, nas proporções de ¾ indivisos para a Sociedade Martins Sarmento e ¼ indivisos para a Associação 25 de Abril, com a alegação de que estes pertenceram em propriedade exclusiva ao testador Professor DD, que adquiriu esse pretenso direito de propriedade, por aquisição derivada e por usucapião, sob pena de postergar o caso julgado formal operado pelo acórdão proferido pelo STJ, que absolveu os Autores-reconvindos da instância, entre outros, desse concreto pedido.[32].


Em suma: conhecer desta matéria, conforme pretendem as Rés/Recorrentes, é afrontar directamente o caso julgado formal gerado nos autos através do acórdão do STJ, proferido no apenso E, em 04-07-2019[33].

6. Da caducidade (invocada pelas Rés) do direito dos Autores de requererem a nulidade ou anulabilidade da cláusula testamentária, através da qual o testador proibia a transmissão dos prédios legados às rés para os autores ou seus familiares.

No que à caducidade da acção respeita, dir-se-á que a mesma foi considerada procedente, nos termos do art. 2308.º, n.º 2, do CC, em sede de saneador-sentença, o que, desde logo, é favorável às recorrentes.

A decisão foi alvo de recurso e foi mantida.

Assim, transitou em julgado e tem autoridade de caso julgado formal nos autos.

E a questão não mais foi abordada em sede de sentença nem de acórdão, nas instâncias por essa circunstância, porque foi considerada procedente. Ou seja, caducou o direito de acção dos autores relativamente à anulabilidade da disposição testamentária em discussão, estando este segmento transitado em julgado, formando caso julgado formal.

Sempre se diga que, mesmo reconhecendo que as rés alegaram que os autores já teriam conhecimento do testamento há cerca de sete anos, o certo é que o arº 2308º, nº 1 do CC prevê a caducidade da acção de nulidade…de disposição testamentária…ao fim de dez anos.

Assim, nunca se mostraria decorrido o prazo de caducidade ali previsto.

Sem embargo de não tendo sido abordada esta questão, em sede de sentença ou de acórdão, nas instâncias, tratando-se de uma questão nova e não enformando qualquer questão de conhecimento oficioso, também não podia este Supremo Tribunal emitir um qualquer juízo de reavaliação ou reexame[34].

7. Se a cláusula testamentária que impõe às RR legatárias a obrigação de não vender os prédios legados aos familiares dos autores, é válida


Esta questão (de direito) da validade e abrangência ou extensão da dita condição imposta no testamento aos legatários, limitativa do poder de disposição das Rés legatárias, é comum a ambos os recursos: as Recorrentes/rés insurgem-se contra o entendimento restritivo da “nulidade” adoptado pelo acórdão recorrido[35]; já os recorrentes/autores pugnam pela repristinação do raciocínio e decisão vertido na sentença, mais abrangente[36].


Quis juris?

Antes de mais, cremos que o acórdão recorrido, apelando, como fez, ao disposto nos arts. 2230º e 2232º do Código Civil, não extraiu de tais normativos a consequência que se impunha relativamente à vaidade ou não da dita cláusula.

É que, estando, como estamos, no domínio das disposições condicionais apostas no testamento, a cominação para uma cláusula contrária à lei é considera-la como não escrita (como reza expressamente o cit. artº 2230º, nº2, do CC).

É certo que o artº 2186º comina de nula a disposição testamentária determinada por um fim contrário à lei. E o artº 2230º, nº2 faz, expressamente, a ressalva do artº 2186º.

O que pode gerar alguma confusão.

Porém, cremos que o artº 2186º (nulidade…) não cobre inteiramente a hipótese do nº 2 do atrº 2230º do CC.

Isso mesmo é também sustentado por MOTA PINTO, referindo que aquele artº 1186º apenas abrangerá casos de condição potestativa ilícita traduzida num lícito do herdeiro ou legatário e não todos. E assim, conclui este civilista ser manifesto que não estão abrangidos no artº 2186º, mas, sim, no artº 2230º, nº2 (disposição… contrária à lei), os casos previstos nos artsº 2232º e 2233º do CC.


Como tal, é neste domínio - e não no da nulidade da dita cláusula - que nos situaremos.


No testamento deixado pelo Prof. DD, em que deixou às Rés os prédios ali aludidos, inseriu o testador a seguinte cláusula: Que pretende, caso a sentença reconheça o direito a seu favor e os prédios venham a ser efectivamente propriedade da Sociedade Martins Sarmento e da Associação 25 de Abril, por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares [37].


Deve aceitar-se como válida a cláusula? Se sim, ou não, é no seu todo ou apenas em parte?


*


Antes de aferir da validade ou invalidade (total ou parcial) da disposição testamentária sob apreciação, impõe-se traçar as linhas mestras atinentes à interpretação dos testamentos.


Ora, na ausência de prova complementar, a determinação da vontade real do testador passa pela interpretação do testamento e constitui uma questão de direito, susceptível de ser apreciada em recurso de revista pelo STJ.


Em matéria de interpretação das disposições testamentárias, vale o disposto no artº 2187º, nº1, do CC, onde se consagra a posição subjectivista, mantendo a linha de orientação que já vinha do artigo 1761º do Código de Seabra[38].

Com efeito, dispõe aquele artigo 2178.º, n.º 1, do Código Civil, que «na interpretação das disposições testamentárias, observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento», logo acrescentando o seu n.º 2 que, para estes efeitos, «é admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa».


A interpretação do testamento decorre da vontade subjectiva do testador, devendo-se, para tal, naturalmente (como decorre injuntivamente do disposto no artº 2187º, nº2 do CC), recorrer aos elementos textuais e contextuais decorrentes da formalização expressa por aquele no negócio efectuado (testamento), pois que não existe vontade, por mais categórica que aparente ser, que se possa impor do exterior do negócio testamentário[39].

A referida interpretação, conforme se diz no Ac. do STJ de 13.9.2012 (in www.dgsi.pt), encontra-se efectuada de acordo com os cânones apontados por aquele artº 1287º CC, “tendo tido em atenção a vontade do testador através da sua contextualização expressa no documento, já que a directriz subjectivista da busca da vontade real do testador surge-nos claramente mitigada não sendo atendida se não encontrar naquele o sentido juridicamente relevante, sendo de atribuir ao próprio testamento o significado conforme com essa intenção ou vontade tendo em atenção o carácter formal do negócio testamentário. «A reconstituição da mens testantis deve, pois, fazer-se, antes de mais, recorrendo aos elementos enquanto documento (“o contexto”) a que se refere o artº 2187º, nº 1)»”[40].


Ainda no que tange à interpretação da vontade do testador, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.5.2013 (FERNANDO BENTO), 13706/09:

«A interpretação do testamento assenta, portanto, numa perspectiva subjectivista, ao invés da objectivista que preside à dos negócios inter vivos (art. 236º nº 1 CC).

Compreende-se:

Nestes últimos estamos perante, pelo menos, duas partes e as respectivas declarações negociais, sendo bilaterais, são também receptícias; logo, há que atender aos interesses dos destinatários e à interpretação que estes fazem daquelas; assim, vale a vontade manifestada tal como é justificadamente compreendida e interpretada pelo destinatário (teoria da impressão do destinatário).

Tal não acontece no testamento em que a declaração é unilateral; aqui não há destinatário directo e imediato cujo interesse deva ser protegido; a declaração deve valer de acordo com a vontade do testador.

Dito de outro modo: enquanto ali estamos perante, pelo menos, duas partes em conflito de interesses, propugnando cada uma delas interpretações contraditórias ou divergentes das declarações negociais de que são reciprocamente declarantes e destinatários, no caso do testamento, sendo a declaração sempre unilateral, importa averiguar o entendimento e, por via deste, a vontade do respectivo autor.

Significa isto que não há conflito entre os sujeitos da relação sucessória, a saber, entre o de cujus, por um lado, e o herdeiro ou legatário, por outro (sem prejuízo, porém, de tal conflito vir a deflagrar entre os herdeiros ou entre os herdeiros e os legatários).

Nas palavras de E. Betti, a propósito de testamentos, "a meta principal da interpretação é, aqui, o pensamento do disponente, ainda que não se encontre exprimido de maneira adequada na declaração, desde que coincida, univocamente, com ela, e resulte de circunstâncias exteriormente reconhecíveis, no círculo social do disponente, mercê de ilações tiradas da experiência comum" (cfr. Teoria Geral do Negócio Jurídico, tomo II, 1969, p. 304).

Todavia, tratando-se o testamento de um acto formal, solene, objectivado num texto, não pode a interpretação prescindir deste elemento objectivo que funciona como seu ponto de partida.

Relevam, para apurar e reconstituir a vontade do autor do testamento, não só o respectivo texto, mas também quando se entenda que ele não manifesta correcta ou integralmente a sua vontade (e para que estes vícios sejam eliminados) o respectivo contexto à data da sua outorga e no qual se inspirou a vontade do testador, ou seja, começando pelo significado que ele atribuía às designações e expressões utilizadas e continuando pela sua maneira pessoal de ver e de encarar os problemas (as deixas testamentárias procuravam sempre solucionar problemas...), as suas opiniões pessoais, a sua cultura, os seus hábitos e comportamentos (sociais e religiosos), em suma, a sua mentalidade ao tempo do testamento, para concluir por "descobrir" a vontade expressa do testador».


Isto mesmo é, outrossim, referido por Galvão Telles, quando refere que «a interpretação dos testamentos deve fazer-se, em primeira linha, pelo apuramento da vontade real e contemporânea do testador, usando para essa averiguação simultaneamente o contexto do testamento e a prova complementar ou extrínseca que sobre isso puder reunir-se. (...) Fixado, por esse modo ou com esses materiais, aquilo que efectivamente estava no pensamento do testador, não significa, porém, isto o termo do processo interpretativo, dado que sendo o testamento um acto formal ou solene, para que a vontade real ou verdadeira, assim apurada, seja atendível, necessário se torna que tenha, no contexto testamentário, um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa (...) Assim, a limitação contida no nº 2 do artigo 2187º do Código Civil não restringe o recurso a prova complementar, proibindo apenas que, com o uso de tais meios, se ultrapasse o processo de interpretação para apurar o que seria verdadeira alteração ou modificação informal do próprio testamento» (anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1986 (BMJ nº 362/pág. 550), publicada in "O Direito", Ano 121º, 1989, IV, pags. 771 e ss).


Como entendeu o STJ, em acórdão de 26-03-1965[41], sendo manifesta a vontade expressa no testamento relativamente a certas condições e omissa relativamente a outras, o silêncio destas não pode ser suprido por via de interpretação integrativa; assim entendeu quando doutrinou que "não pode suprir-se uma declaração de vontade omissa, com fundamento em interpretação do testamento".


Não pode, assim, olvidar-se que a interpretação da vontade do testador tem um limite formal intransponível: a correspondência mínima com o contexto. Como também entendeu este STJ em acórdão de 17-04-2012[42]: "Na interpretação do testamento vale a vontade querida pelo testador, apenas com a limitação da exigência da repercussão literal mínima, ainda que imperfeitamente expressa no contexto do testamento, exigida pela sua natureza formal".


Também escreveu MANUEL DE ANDRADE, a propósito da interpretação do testamento (à luz do Código de Seabra), que ele deve ser “interpretado de acordo com a vontade do testador, mas não deduzida essa vontade apenas do contexto do testamento, isto é, dos seus termos. A intenção do testador deve ser procurada não só através do contexto do testamento, como através de quaisquer outros elementos que permitam reconstituí-la. Ela deve ser indagada por todos os meios idóneos. Mas só relevará como sentido decisivo do testamento quando se puder considerar melhor ou pior expressa, ou menos reflectida, nos termos do respectivo documento. Não se exige uma exacta correspondência entre a vontade testatória e os termos do testamento; basta uma qualquer correspondência, vaga e imperfeita que seja”[43].  Acrescentando o mesmo Autor[44] que a intenção testatória deve ser procurada por todos os meios possíveis, ainda que exteriores ao testamento, mas tal intenção só poderá ter-se por decisiva e relevante se “de algum modo se reflecte, transparece ou transluz nos termos do testamento[45].


Também MOTA PINTO[46] se pronunciou sobre esta matéria (à luz do actual Cód. Civil), referindo que quanto à interpretação das disposições testamentárias consagra a nossa lei o sentido subjectivo, com o limite do “contexto do testamento”, pois segue quase textualmente os dizeres do artigo 1716º do Código de Seabra, com a única diferença de enunciar agora o critério interpretativo dos testamentos não apenas para as hipóteses em que o contexto do testamento dê margem a hesitações, por obscuro ou equívoco, mas para todos os casos em que se ponha o problema da interpretação duma cláusula testamentária. “Decisivo é o que o testador quis dizer, desde que se possa averiguar. Na pesquisa da vontade do testador é admitido o recurso à chamada prova suplementar ou extrínseca, isto é, a elementos ou circunstâncias estranhas aos termos do testamento, fundadas em qualquer dos meios de prova geralmente admitidos. Recorre-se a todas as circunstâncias aptas a permitir concluir qual o sentido da vontade real do testador”, podendo atender-se a “projectos anteriores se não se conclui que a formalização significa uma modificação objectiva”, “às finalidades visadas, aos motivos, a anotações pessoais do testador nos seus papéis, etc.”.


Exige-se, porém, que a vontade do testador, “assim reconstruída, tenha um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita, no contexto” do testamento.


No sentido de que a interpretação tem com limite uma repercussão literal mínima, pode ver-se, ainda, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.6.2002 (NEVES RIBEIRO), 02B4448, de 13.1.2005 (ARAÚJO BARROS), 04B3607. Na expressão do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4.3.2004 (SALAZAR CASANOVA), 10092/2003, «Quer isto dizer que o artigo 2187º do Código Civil (tal como o preceito correspondente do Código de 1867) não admitem que, por via interpretativa, se “corrija” o que poderá ter sido uma má decisão do testador. A vontade conjectural é ainda determinação da vontade real.».


Em suma - como bem se refere na sentença - , a hermenêutica dos testamentos é fundamentalmente subjectivista, mas com um certo ingrediente objectivista, consequência da natureza formal do negócio a interpretar. Vale a vontade real do testador, desde que tenha no documento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (uma qualquer correspondência, ainda que vaga e imperfeita).


***


Feito este bosquejo doutrinal e jurisprudencial atinente à interpretação do testamento, e voltando aos factos, o que consta da letra do testamento sub judice - no que tange à cláusula nele inserta e que é objecto de controvérsia nos autos - é que o testador deixou ali expresso que (caso os prédios venham a ser efectivamente propriedade das Rés/Recorrentes), “..pretende, por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares”.

Trata-se de cláusula perfeitamente inteligível: os referidos AA e mulher estão bem identificados e o conceito de familiares, pelo menos em abstracto, não suscita dúvidas a ninguém.

Porém, a vontade do testador, que do testamento e do seu contexto se pode extrair, tem, necessariamente, de ser vista em conformidade com o conflito existente entre ele e os Autores (AA e mulher).

Que conflito era esse? É o que estava patente na acção judicial instaurada pelo testador contra os ora AA e que tinha tais prédios por objecto, acção essa que (diz-se no testamento) “atualmente corre termos em recurso no Tribunal da Relação …....” (cfr. Proc. 302/2002, da .. Vara Mista ……..), mais declarando ali o testador legar “em comum os três referidos prédios à Sociedade Martins Sarmento (…) e à Associação 25 de Abril, (…), na proporção de ¾ indivisos para a primeira e ¼ indiviso para a segunda” e que esses legados “são efetuados com o encargo de a Sociedade Martins Sarmento suportar as custas judiciais e demais encargos do processo, recorrendo de qualquer sentença eventualmente desfavorável”, declarando seguidamente que “caso a sentença reconheça a seu favor os prédios venham a ser efetivamente propriedade da Sociedade Martins Sarmento e da Associação 25 de Abril, por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares”.

Assim, recorrendo aos critérios interpretativos do testamento aludidos supra, de cariz subjetivista (cfr. cit. art. 2187º do CC)[47], onde se estabelece que “na interpretação das disposições testamentárias observa-se o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento”, em que, como visto,  se impõe atender ao texto e ao contexto em que foi outorgado o testamento para apurar da real vontade do testador, não parece que possamos deixar de concluir  que na referida cláusula em que o testador proíbe as legatárias de transmitirem os prédios legados aos aqui Autores e respetivos familiares, o testador estabeleceu um nítido nexo causal entre essa proibição e o conflito existente entre ele e os Autores, plasmado na ação judicial que teve o cuidado de referir no texto desse testamento.


Assim, entende-se que a Relação tem razão quando remata: “Perante esse nexo causal entendemos que o único sentido e alcance dessa proibição é de que, por via desse conflito existente o testador e os aqui Autores, quanto à propriedade dos prédios objeto do legado, conflito esse que inclusivamente o forçaram a intentar a ação n.º 302/2002, contra os Autores, impugnando a escritura de justificação notarial em que os últimos se arrogavam proprietários plenos e exclusivos desses prédios, por alegadamente os terem adquirido por usucapião, e com base nela inscreveram, no registo, o direito de propriedade pleno e exclusivo sobre esses prédios em seu nome, afrontando o testador, ao lesar aquele que o mesmo considerava ser o seu legitimo direito de propriedade sobre esses mesmos prédios, com tudo o que essa afronta implicou em desgaste pessoal e custos, incluindo patrimoniais, com a instauração da ação para o testador, este proibiu as legatárias de, caso futuramente pretendessem desfazer-se dos prédios, os transmitirem aos Autores e/ou familiares destes, de modo que caso o fizessem, ficava sem efeito o legado que institui a favor destas.

Ou seja, mediante a estipulação da mencionada cláusula, foi claro intuito do testador, por via do mencionado conflito, já explanado em ação judicial, com as consequências patrimoniais e não patrimoniais negativas que daí necessariamente lhe advieram e continuariam a advir, condicionar o legado dos prédios que instituiu a favor das legatárias, a uma condição futura e incerta, qual fosse o de que caso estas viessem futuramente a decidir transmitir os prédios legados a terceiros, ficassem proibidas de os transmitirem aos Autores e/ou familiares destes, de molde que caso as legatárias o fizessem, ficava sem efeito o legado, isto é, este resolvia-se juridicamente, deixando de produzir os seus efeitos na ordem jurídica.”[48].


Assim, portanto, foi inserida no testamento uma cláusula resolutiva, limitadora da liberdade das Rés/legatárias.

Estas cláusulas vêm previstas no artº 2232º do CC[49], considerando-as contrárias
à lei


*


Mas deverá a cláusula sob apreciação ser considerada no seu todo contrária à lei?

Não o cremos.


MANUEL DE ANDRADE, embora referindo-se que “embora essas condições sejam, em princípio nulas”, já as considera válidas quando não houve “o ânimo de restringir a liberdade do instituído, mas apenas de prover à situação em que ele se encontraria se viesse a determinar-se de certo modo”, melhor esclarecendo que “não será qualquer restrição da liberdade que deve considerar-se ilícita, mas só aquela que vá mais além de certos limites – além dos limites do razoável, conforme o senso ético-jurídico dominante[50].

E na mesma linha vai MOTA PINTO[51], ao (após considerações acerca do artº 2233º CC) concluir que (referindo-se a esse preceito legal) “as condições aí enumeradas, exemplificativamente, são, em princípio, contrárias à lei, mas poderão ter-se válidas, quando não tenha havido a intenção de cercear a liberdade do credor condicional e a restrição não seja escandalosa em si mesma. Também as «cláusulas semelhantes» referidas no mesmo artigo, in fine, só devem considerar-se ilícitas, quando a situação tenha substancial analogia com as hipóteses enunciadas expressamente, isto é, quando a restrição da liberdade choque com o senso ético-juridicamente dominante”.


Em suma: a cláusula aposta no testamento aludido nos autos, em que DD limitou o poder de disposição das Rés/donatárias sobre os prédios legados é uma condição resolutiva do legado, sendo em princípio contrária à lei por ser restritiva da liberdade das legatárias, só não estando ferida daquele vício caso o testador não tenha querido coarctar essa mesma liberdade, mas, sim, satisfazer outros especiais interesses, como prover às necessidades das legatárias, ou quando essa restrição não seja escandalosa em si mesma por chocar com o senso ético-jurídico dominante.


**


Pergunta-se, então: será que se verifica alguma destas excepções, a validar a dita cláusula (total ou parcialmente)?

No que se refere à extensão da cláusula limitativa do poder de disposição das legatárias e da sua invalidade, em sede de primeira instância entendeu-se que a disposição testamentária em que o testador DD impôs às legatárias recorrentes/rés a obrigação dos prédios legados “nunca venham a ser transmitidos aos locatários AA e mulher ou seus familiares”, se tem de considerar como não escrita, por ser violadora do regime jurídico previsto nos arts. 13º, n.º 2, 62º da CRP e 2230º, n.º 2 do CC, dado que cerceia a liberdade das legatárias, impedindo-as de exercer livremente o direito de transmitirem os bens legados a determinado círculo de pessoas, ser atentatória da dignidade da pessoa humana das pessoas visadas por essa proibição, violar a livre circulação de bens e por ser contrária aos bons costumes, uma vez repugnar “ao sistema jurídico a imposição de uma proibição de venda a determinada pessoa (sem que se adiante qualquer justificação, no próprio testamento, para o efeito)”.

Por seu lado, no acórdão recorrido entendeu-se que a referida decisão padecia de erro de direito na parte em que julgou a totalidade da referida cláusula como não escrita, “impondo-se a respetiva revogação, cingindo a declaração da nulidade à parte em que DD condiciona os legados à proibição de transmissão dos direitos legados a AA e mulher, por considerar que testador não violou a dignidade destes, sequer o princípio da igualdade, uma vez que agiu na defesa da sua própria dignidade, lesada pelos primeiros, fundando-se a desigualdade em que se encontram estes no confronto dos demais interessados numa eventual compra futura do direito legado, no caso de venda desse direito por parte das legatárias, em razões objetivas, perfeitamente identificadas no testamento, qual seja, o descrito comportamento dos identificados BB e AA”.


As recorrentes/rés insurgem-se contra o entendimento restritivo da “nulidade” adoptado pelo acórdão recorrido, ao passo que os recorrentes/autores pugnam pela repristinação do raciocínio acolhido na sentença, mais abrangente.


Compulsando a jurisprudência deste STJ, encontrámos o Ac. do STJ de 31-01-2017, Revista n.º 258/10.7TCGMR.G1.S1 (JÚLIO GOMES) , no qual, em revista excepcional, foi apreciada a validade de uma disposição testamentária com uma condição limitativa do princípio da livre disposição de bens. Aqui, entendeu-se que o interesse do testador – que no caso seria a manutenção de determinado bem na família não podendo os seus herdeiros aliená-lo –,  apesar de ser um interesse merecedor de tutela, poderia sofrer limitações, uma vez que “o que o de cujus pretendeu foi introduzir um mecanismo que representaria um obstáculo prático de duração indefinida à livre circulação dos bens com que compôs as quotas dos herdeiros – aliás em violação da própria legítima – comprometendo ou esvaziando também o direito de partilha dos herdeiros, direito irrenunciável e indisponível. O resultado prático prosseguido foi, pois, muito próximo de uma proibição de partilha ou divisão dos bens expressamente prevista no artigo 2232.º. Tal resultado teria sido atingido impondo a criação de uma sociedade com determinados estatutos caracterizados por uma certa desigualdade dos sócios, e forçando uma situação de indivisão, mas não através de uma cláusula testamentária que previsse expressamente e de forma transparente uma proibição de alienação (…). O encargo e a condição contidos na deixa testamentária são, pois, contrários à lei e à ordem pública, pelo que devem reputar-se como não escritos, de acordo com o já mencionado n.º 2 do artigo 2230.º do Código Civil”.


Cremos que razão tem a Relação quando refere que – ao contrário do referido na sentença – constam do testamento razões justificativas para limitar a liberdade das legatárias em disporem dos direitos sobre os prédios legados a favor dos Autores e respetivos familiares. Tais razões, como ficou já referido, resultam claramente do texto do testamento e do contexto em que este foi outorgado.

Como ali se refere, pendia acção instaurada pelo testador contra os aqui AA, tendo por objecto, precisamente, a propriedade dos imóveis legados, acção essa que o testador foi forçado a instaurar para impugnar a escritura de justificação notarial de tais bens levada a cabo pelos AA, os quais haviam invocado a usucapião sobre tais bens e, de vencida, registaram a seu favor a propriedade dos mesmos, dessa forma fazendo frente ao testador que (como os AA bem sabiam) se arrogava único proprietário desses mesmos bens, instauração dessa acção que foi resultado ou consequência da afronta feita pelos AA ao testador por via da referida escritura de justificação.

Assim, o testador, com a inserção no testamento da cláusula aqui em causa, procurou apenas e só que o legado feito às RR estivesse sempre de acordo com o que à data entendia serem os seus interesses, independentemente do rumo futuro que as coisas seguiram.


Antes de mais, deve dizer-se que, ainda que com recurso a prova complementar (autorizado pelo disposto no artigo 2187º do C. Civil quanto à vontade do testador, mas aqui também aplicável) e estando os imóveis referidos no testamento em litígio no recurso então pendente no Tribunal da Relação …….., é de linear clareza a impossibilidade de concluir no sentido de que do testamento resulta que o Prof. DD sabia que tais prédios não lhe pertenciam na totalidade.

Pelo contrário: o que resulta da letra do testamento é que o testador se julgava convictamente proprietário da totalidade dos imóveis, pois que aí se afirmou, inequivocamente, como tal.


Em face dos dizeres do testamento, só é, de facto, possível concluir que o testador se julgava dono da totalidade dos prédios e que não sabia que os mesmos não lhe pertenciam por inteiro, nada no texto do testamento autorizando a conclusão antípoda, qual seja, a de que o testador sabia que a coisa legada não lhe pertencia por inteiro.

Sendo, porém, verdade, o referido - que da letra do testamento resulta que o testador se julgava convictamente proprietário da totalidade dos imóveis, já que ali se afirmou como tal - , a questão objecto do recurso e ora sob apreciação tem, portanto, a ver, apenas e só, com a validade da limitação que o testador impôs às legatárias, proibindo-as de transmitir os bens recebidos, ou a receber, por força do testamento, “aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares”.

Ou seja, em causa está, apenas, saber se deve considerar-se não escrita,  por  contrária à lei,  essa condição imposta no testamento aos legatários “de que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares”.


Como dissemos já, cremos que a razão está do lado do acórdão da Relação.

Não olvidamos o entendimento de MOTA PINTO, que a sentença cita.

Deve, porém, atentar-se bem nas palavras deste Civilista[52], ao referir que “as condições contrárias à lei, referidas no artigo 2232º, não serão nulas quando não houver efectivo intuito de cercear a liberdade, nem a restrição se torne em si mesma escandalosa  - justificando “...uma aplicação maleável e não estrita do artº 2232º”. E acrescenta, como já referimos, que as cláusulas só devem considerar-se ilícitas, “...quando a restrição da liberdade choque com o sentido ético-jurídico dominante”.


Insiste a sentença que foi intenção do testador cercear a liberdade das legatárias/beneficiárias, impedindo-as de exercer livremente o direito de transmitirem os bens legados a determinado círculo de pessoas, acrescentando que, ademais, tal “intenção é “escandalosa em si mesma” porque atentatória da dignidade humana daquelas pessoas visadas na proibição, constritora da livre disposição, pelas beneficiárias, dos bens legados e porque violadora da livre circulação de bens.”. E que ao estender aos familiares de AA (nomeadamente, filhos, netos, bisnetos e outros), tal proibição de transmissão, “o testador prejudicou-os, objectivamente e apenas, em razão da sua ascendência e laços filiais”. Daí ter considerado tal condição contrária não só à lei, mas também contrária à ordem pública e, ainda, ofensiva dos bons costumes.

Não concordamos.

Como já na apelação referiram as Recorrentes, a sentença lavrava em erro de direito, sustentando que ao impor a mencionada disposição, “a intenção do testador não foi ditada pelo propósito de cercear a liberdade das legatárias, mas, sim, e nessa medida é legítima, evitar que pessoas que tanto o prejudicaram, o violentaram e escandalizaram, fazendo-lhe passar noites de insónia e múltiplos incómodos, ainda viessem a poder conquistar o prémio de tirar algum proveito de uma futura aquisição dos imóveis, que lhes permitirá, ao fim e ao resto, atingir os seus verdadeiros propósitos e desrespeitar a sua memória”[53].

Assim, embora seja certo que, objectivamente, a dita cláusula cerceia a liberdade das legatárias, não é menos certo que não foi intenção do testador cercear essa liberdade, mas evitar que os bens viessem parar às mãos dos AA, pelas razões explicitadas na acção judicial pendente entre ambos.


Ou seja, tinha o testador razões mais que justificativas para cercear a liberdade das legatárias em disporem dos direitos sobre os imóveis legados, pelo menos a favor dos AA, razões essas que se extraem com clareza do próprio testamento (texto e contexto).


**


Sustenta a sentença que a cláusula era contrária aos “bons costumes” e, outrossim, violadora dos arts 13º, nº 2 e 62º, da CRP, por cercear a liberdade das legatárias, para além de atentar contra a dignidade da pessoa humana (leia-se das pessoas visadas por essa proibição) e violar a livre circulação de bens. Por isso a declarou não escrita.

Vejamos.


Desde logo, ponderando as apontadas razões que levaram o testador a inserir essa cláusula no texto do testamento, é claro que não vislumbramos que seja contrária à ordem pública ou violadora dos bons costumes.


Quanto à ordem pública, temos que a mesma exprime o conjunto de princí­pios injuntivos que não podem ser postergados pela autonomia privada.

A “ordem públicavaria com os tempos. Daí a óbvia dificuldade da sua definição. Assim, apela-se, na sua definição, aos interesses fundamentais que o nosso sistema jurídico procura tutelar e aos princípios correspondentes que constituem como que um substrato desse sistema[54], ao complexo de princípios gerais, fundamentais e inderrogáveis, do nosso ordenamento jurídico ou dos vários ramos desse direito[55], ou aos princípios que traduzem os interesses fundamentais da sociedade relativos à sua ordem económica e política[56].

No Dictionnaire du droit privé fançais, de SERGE BRAUDO e ALEXIS BAUMANN, é dada a seguinte “définition de Ordre public” (em conformidade com o artº 6ª do Code civil) :

«Il y a peu de notions juridiques qui soient aussi difficiles à définir que celle d'"ordre public".

Il s'agit de l'ensemble des règles obligatoires qui touchent à l'organisation de la Nation, à l'économie, à la morale, à la santé, à la sécurité, à la paix publique, aux droits et aux libertés essentielles de chaque individu».

O nosso CC não nos dá uma noção de ordem pública. Apenas refere a expressão em vários normativos (271º-1, 280º-2, 281º, 2186º e 2230º, todos do CC).


Ora, não vemos (pelo menos relativamente aos AA) onde a inserção da cláusula testamentária ponha em causa aquela «organisation de la Nation», o bom funcionamento da economia, atente contra a moral, a segurança ou a paz pública. Ou, sequer, atente contra quaisquer direitos ou liberdades fundamentais.  É que, como, de forma impressiva, escreve MOTA PINTO[57], as cláusulas só devem considerar-se ilícitas, “...quando a restrição da liberdade choque com o sentido ético-jurídico dominante”.

E não choca, de forma alguma: a intenção do testador é perfeitamente compreensível e não censurável, não tendo o fito de cercear a liberdade das legatárias. Apenas e só visou evitar que os seus bens viessem a parar às mãos de quem tanto o prejudicou (recorrendo a justificação notarial de bens do testador, declarando uma posse sobre os mesmos que se veio a provar inexistir, obrigando o testador a instaurar acção de impugnação dessa mesma justificação com os naturais incómodos, despesas e, obviamente, sofrimento físico e psíquico (não esqueçamos que réu nessa demanda era mais o próprio filho do testador) - como referem as Ré, “fazendo-lhe passar noites de insónia e múltiplos incómodos”).

Assim, com tal disposição ou salvaguarda testamentária, o testador procurou, simplesmente, evitar que, depois daquela “intentona” dos AA contra si, estes ainda viessem a ser premiados com uma eventual futura aquisição dos imóveis, assim logrando atingir os propósitos que não conseguiram na escritura de justificação notarial, por impugnada com sucesso pelo testador, assim desrespeitando a memória deste.


**


Da mesma forma - e pelas mesma razões, aliás - não se vislumbra que a conduta do testador, ao plasmar no testamento tal cláusula, atente contra os bons costumes.

Os bons costumes constituem um princípio jurídico que compreende todas as regras que, não estando explicitadas em normas, são, no entanto, observadas como jurídicas em determinada sociedade [58]. São entendidos como «um conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente, contrários a laivos ou conotações, imoralidade ou indecoro social»[59].

Ou, como diz MOTA PINTO, o "conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento"[60].

Ora, não vemos que a aposição daquela cláusula testamentária, no ambiente então vivenciado entre o testador e os AA, seja imoral ou socialmente indecorosa (pelo menos em relação aos AA).

Nada correcto foi, sim, o referido comportamento dos AA, bem retratado na demanda judicial que o testador se viu obrigado a instaurar contra eles, referida supra, e pelas razões já explicitadas.

Veja-se que, ao contrário do que é referido na sentença (que no testamento não consta qualquer justificação para a dita cláusula), o testador refere expressamente no testamento a razão dessa mesma cláusula: a pendência da acção judicial que instaurara contra os AA (de impugnação da escritura de justificação notarial que estes levaram a cabo, sem e consabidamente contra a vontade do testador - estando em causa, precisamente, os prédios aludidos no legado a favor das Rés).


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E, da mesma forma - reitera-se, pelo menos relativamente aos AA -  a cláusula não viola o estuído nos arts 13º, nº 2 (princípio da igualdade) e 62º, da CRP (direito de propriedade privada),  da CRP, nem atenta contra a dignidade da pessoa humana (artº 1º CRP) ou viola a livre circulação de bens.


Relativamente ao princípio da igualdade, dir-se-á, antes de mais, que, como refere o Tribunal Constitucional, a propósito do controlo da atividade legislativa, a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica (Ac. n.º 231/94). “O princípio da igualdade não tolhe, pois, a liberdade de conformação do legislador ou a margem de livre decisão administrativa no sentido do tratamento desigual de situações materialmente desiguais, permitindo tão somente, enquanto norma de controlo, a consideração como ilegítima de uma medida consagradora de soluções desiguais se e apenas na medida em que não se descortinar qualquer fundamento material para a distinção”[61].

Como afirma o Parecer da Comissão Constitucional n.° 32/82, "o princípio da igualdade não funciona por forma geral e abstracta, mas perante situações ou termos de comparação que devam reputar-se concretamente iguais - e, antes de tudo, à luz de padrões valorativos ou da ordem axiológica constitucional". No mesmo sentido vai o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 231/94: "enquanto conceito relacional, a medida do que é igual e deva ser tratado como igual, depende da matéria a tratar e do ponto de vista de quem estabelece a comparação, em termos de determinar quais são os elementos essenciais e os não essenciais num juízo acerca da admissibilidade ou inadmissibilidade de soluções jurídicas dissemelhantes e eventualmente mesmo discriminatórias"[62].


Ora, razões tinha o testador, como visto, para não tratar os AA (atenta a conduta que estes tiveram para com aquele, bem evidenciada na acção pendente entre ambos, aludida no testamento) da mesma forma que as demais pessoas. E, como visto, o princípio da igualdade não funciona por forma geral e abstracta, mas apenas perante situações ou termos de comparação que devam reputar-se concretamente iguais.  O que, portanto, não ocorria relativamente aos AA.


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No que tange ao direito de propriedade privada (artº 62º da CRP):

Como referem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS[63], “da circunstância do art. 62º não estabelecer limitações ou restrições explícitas à propriedade não pode extrair-se que elas sejam vedadas. Só assim seria numa visão fechada e absolutizante da propriedade, à margem do sistema constitucional (…), não sendo incompatível com a tutela constitucional a compressão desse direito, desde que seja identificável um princípio e valores também eles com dignidade constitucional, que tais limitações ou restrições se afigurem necessárias à prossecução dos outros valores prosseguidos e na medida em que essas limitações se mostrem proporcionais em relação aos valores salvaguardados”.

Assim, relativamente aos AA, a compressão do direito de propriedade sobre os bens, imposta às rés na dita cláusula, está perfeitamente justificada, pelas razões já referenciadas, sendo que tal limitação a tal direito de propriedade é proporcional em atenção aos valores que o testador visou salvaguardar (maxime a sua memória e a sua honra).


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E quanto à livre circulação dos bens, deve ter-se presente que, no caso, mediante a cláusula resolutiva a que condicionou os legados feitos, o testador DD não restringiu totalmente os direitos das legatárias a disporem dos direitos legados, mas fê-lo unicamente em relação aos Autores e seus familiares.

Assim, razão tem o acórdão, pois que não se coloca aqui a questão da eliminação por parte do testador das características essenciais do regime da propriedade, ou sequer da violação da livre circulação de bens e/ou do princípio da concorrência, na medida em que não existe por parte do testador qualquer eliminação de tais características e princípios, mas antes uma restrição direcionada unicamente aos Autores e seus familiares, e que, por isso, causa uma restrição mínima ao poder de disposição das legatárias sobre esses direitos legados, à livre circulação destes e à livre concorrência.


Assim é, sem embargo do entendimento a seguir acerca da validade da cláusula relativamente aos “familiares” dos AA - que não deverá ser igual ao adoptado relativamente aos próprios AA.


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Finalmente, no que tange ao eventual atentado à dignidade da pessoa humana (princípio constitucional basilar, ínsito no artº 1º CRP), dir-se-á o seguinte:

O princípio da dignidade da pessoa humana refere-se à garantia das necessidades vitais de cada indivíduo, ou seja, um valor intrínseco como um todo. É um dos fundamentos do Estado de Direito Democrático.

A dignidade humana pode ser descrita como um fenómeno cuja existência é anterior e externa à ordem jurídica, havendo sido por ela incorporado. Trata-se da ideia que reconhece aos seres humanos um status diferenciado na natureza, um valor intrínseco e a titularidade de direitos independentemente de atribuição por qualquer ordem jurídica.

Parafraseando Werner Maihofer, diremos que “A dignidade humana consiste não apenas na garantia negativa de que a pessoa não será alvo de ofensas ou humilhações, mas também agrega a afirmação positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo.”.

E, como referem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS[64], “Todas as pessoas merecem ser tratadas com igual dignidade (…); a dignidade é a dignidade de todos e de cada um enquanto ser em relação com os demais”.


Ora, ainda pelas razões já acima referidas (com reporte no próprio texto do testamento - contenda existente entre os AA e o testador, objectivada e retratada na acção então pendente entre ambos), é claro que se não vê que o princípio da dignidade da pessoa humana tenha sido lesado pelo testador, pelo menos no que tange à restrição aposta na cláusula resolutiva para com os AA. É que o testador, como visto, visou, sim, defender a sua própria dignidade, ofendida pelos AA com a escritura de justificação notarial e que se viu forçado a impugnar por via daquela demanda judicial.


Nesta senda, concorda-se com o acórdão da Relação: “…da interpretação do testamento de DD resulta que este quis sancionar o comportamento dos Autores, que mediante a alegação de factos falsos e recurso à escritura de justificação notarial, pretenderam apropriar-se do direito de propriedade pleno e exclusivo sobre os prédios, quando sobre os mesmos, à data da outorga dessa escritura, apenas detinham um direito a 2/8 indivisos, que logo registaram na Conservatória do Registo Predial, forçando DD a ter de instaurar a ação n.º 302/2002, impugnando essa escritura na defesa dos direitos que detinha e dos restantes consortes sobre os prédios, o que consubstancia um comportamento afrontoso dos Autores para com o testador e demais consortes dos prédios, atentatório da dignidade destes, contrário à boa fé e, inclusivamente, sancionável penalmente – e veja-se que os Autores vieram a ser sancionados penalmente por via desse comportamento (cfr. fls. 514 a 528).

Tal comportamento dos Autores provocou necessariamente angústias e sofrimento psíquico e psicológico ao testador, além dos custos monetários advenientes da instauração da ação de impugnação da escritura de justificação notarial.

Por conseguinte, prefigura-se a este tribunal ser inequívoco que ao restringir a liberdade do direito que legou às apelantes (legatárias), proibindo-as de transmiti-lo a BB e AA, o testador não violou a dignidade destes, sequer o princípio da igualdade, uma vez que agiu na defesa da sua própria dignidade, lesada pelos primeiros, fundando-se a desigualdade em que se encontram estes no confronto dos demais interessados numa eventual compra futura do direito legado, no caso de venda desse direito por parte das legatárias, em razões objetivas, perfeitamente identificadas no testamento, qual seja, o descrito comportamento dos identificados BB e AA.

Finalmente, além da mencionada cláusula resolutiva limitativa da liberdade das legatárias de disporem do direito que lhes foi legado pelo testador DD a BB e AA não violar os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade tutelados pelos arts. 1º e 12º da CRP, aquela não é em si escandalosa por chocar com o sentido ético-jurídico dominante, sequer viola os bons costumes, antes pelo contrário, essa proibição de transmissão do direito legado às Rés aos Autores, perante os usos e costumes vigentes na sociedade portuguesa no presente momento histórico, mostra-se perfeitamente adequado e proporcional perante o comportamento desonroso, desonesto, lesivo da boa fé e dos direitos do testador e demais consortes em relação aos prédios” - sublinhado e destaques nossos.


***


Se relativamente aos AA nada há a censurar à cláusula sob apreciação, já o mesmo se não pode dizer na parte em que (também) proíbe as Ré/legatárias de “vender os prédios …aos familiares” dos Autores.

Efectivamente, neste segmento não cremos que a cláusula esteja em sintonia com todos os referidos preceitos constitucionais.

Com efeito - e concordando-se com a Relação - , relativamente aos familiares dos Autores, temos como seguro que essa cláusula restritiva aposta no testamento, cláusula resolutiva do legado que DD institui a favor das Rés, proibindo-as de transmitir os direitos sobre os prédios legados aos familiares dos Autores BB e AA (este entretanto falecido), é violadora dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do princípio da igualdade, ao impedir que estes familiares dos Autores possam vir a adquirir tais prédios, mais concretamente, perante a redução do legado efectuada no dispositivo da sentença, da meação de 3/8 indivisos detidos pelo testador por heranças abertas por morte de NN, OO e PP, ao penalizá-los por um comportamento que não foi dos próprios, mas sim dos Autores para com o testador, que não teve presente que os familiares dos Autores, incluindo os filhos destes, são seres humanos individuais, com dignidade, personalidade e capacidade jurídica próprias, não confundíveis com as de BB, nem sequer com a do entretanto falecido-marido desta, AA.


Razão tem, assim, a Relação: “O testador, confundindo a individualidade desses familiares com a dos Autores, além de violar a dignidade dos familiares destes, introduziu uma desigualdades dos mesmos na aquisição do direito legado em relação aos demais cidadãos, potenciais interessados adquirentes caso as legatárias pretendam transmitir esses direitos que lhes foram legados sobre os prédios, sem qualquer razão justificativa, que lhes possa ser imputada.

Diversamente do decidido pela 1ª Instância, a ilegalidade da identificada cláusula resolutiva, na parte relativa aos familiares dos Autores, determina se considere a mesma não escrita na parte em que proíbe as legatárias de transmitirem a meação de 3/8 indivisos de DD, por heranças abertas por óbito de NN, OO e PP, que aquele lhes legou, nos termos do disposto nos arts. 2233º e 2230º, do CC.


Já quanto aos Autores BB e AA (tendo este, entretanto falecido, quanto aos familiares deste que sejam seus sucessores, na qualidade de sucessores, mas não a título individual), impõe-se referir que à dignidade dos Autores enquanto pessoas humanas, contrapõem-se a dignidade do testador DD, que merece a mesma tutela jurídica que a dos primeiros e não cessa com a morte do testador, cuja vontade e memória se impõe preservar.”[65].


Em suma: a cláusula testamentária sob análise é válida no que tange “aos Autores”, mas considera-se não escrita no segmento em que proíbe as legatárias de vender os prédios legados “aos familiares destes”.


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Igualmente assiste razão ao Acórdão da Relação ao concluir que a aludida sanção parcial da cláusula (relativamente aos familiares dos AA) não acarreta que se considere não escrita  toda ela. É que tal não corresponderia à vontade do testador, conforme o texto do testamento (arº 2187, nº1 CC), até porque, como vem sendo referido, o conflito existente (bem evidenciado na acção 303/2002, instaurada pelo testador contra os AA) era, apenas e só, entre o testador e os Autores, nada tendo a ver com “familiares” dos Autores.

O testamento é um negócio jurídico unilateral.

A redução do negócio jurídico vem prevista no art. 292.º do Código Civil [66].

Como refere Mota Pinto [67], trata‑se de saber se, verificada uma causa de nulidade ou anulabilidade só relativa a uma parte do conteúdo negocial, o negócio deve valer na parte restante ou deverá ser todo ele nulo ou anulável.

A redução do negócio, por expurgação de nulidade parcial, exprime uma alteração quantitativa e não qualitativa, já que o art. 292.º do Código Civil tem na sua base uma presunção favorável à redução, que só não deve adoptar‑se, se a vontade conjectural das partes lhe for contrária.

A lei estabelece, como regra, que a invalidade se mantém confinada à parte afectada pelo vício.

Essa parte é amputada e o negócio jurídico salva‑se, embora reduzido à outra parte que se apresenta como sã[68].

Tal só não acontecerá se o contraente interessado na invalidade total alegar e provar que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada — art. 292.º.

O ónus de alegação e prova recai, pois, sobre quem pretende dar o acto como totalmente inválido e não sobre quem pretende o seu aproveitamento parcial, porque a lei parte do princípio desse aproveitamento parcial (utile per inutile non vitiatur).

Tal alegação da redução da cláusula testamentária não vem, sequer, peticionada por quem quer que seja nos autos - muito menos, obviamente, tal vem provado (sem alegação…não há prova a fazer).

Obviamente que, pelo que dissemos supra (o conflito era entre o testador e os Autores, nada tendo a ver com familiares dos Autores), a intenção clara do testador era vedar aos Autores um futuro possível acesso destes à propriedade dos bens legados. Se soubesse que a cláusula era nula relativamente aos familiares dos AA, seguramente que, dado o conflito existente e inultrapassável que tinha para com estes (bem vincado na pendente acção instaurada), não deixaria o DD de manter o testamento com a cláusula restritiva relativamente a esses mesmos AA.


Assim se concorda com o acórdão da Relação ao restringir aos AA AA e mulher o sancionamento da cláusula testamentária, já se não concordando que tal sanção seja a sua nulidade, pois, como dito supra, considera-se, antes, como não escrita  tal cláusula testamentária na parte em que DD condiciona os legados à proibição de transmissão desses bens, pelas legatárias, a AA e mulher.


Improcede, desta feita, esta questão.


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B. RECURSO (subordinado) de BB por si, e sucessores habilitados de AA

1. Impugnação da decisão da matéria de facto: se devem manter-se como provados os factos nºs 18 a 25, que a Relação eliminou do elenco dos factos provados na sentença.

Esta questão já foi supra abordada e decidida (cfr. ponto 4.c.  - a propósito da impugnação da decisão da matéria de facto por banda das Recorrentes/Rés).

Aqui se reiterando o que ali ficou dito, nada mais se afigura, de útil e/ou pertinente, acrescentar.

2. Se deve ser revogado o Acórdão em recurso, quando revogou a decisão da 1ª instância, que declarou não escrita a cláusula testamentária que condicionava os legados: “que pretende (…) por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares” – devendo tal cláusula manter-se na íntegra[69].

A questão já foi amplamente tratada no recurso principal, para onde se remete, nada se nos afigurando acrescentar ou altera ao que a li ficou dito.

Assim, sem mais, improcedem as questões suscitadas neste recurso.


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V. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedentes os recursos (principal e subordinado) e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação - sendo, porém, que na al. b) da “Decisão”, onde consta “declaram nula a disposição testamentária…”, passa a constardeclaram não escrita a disposição testamentária…”.


As custas dos recursos ficam a cargo dos respectivos Recorrentes.


Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/20, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros adjuntos.


Lisboa, 14-07-2021


Fernando Baptista (Juiz Conselheiro Relator)

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º Adjunto)

Abrantes Geraldes (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

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[1] In Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Julho 2020, Almedina, p. 120 a 123.
[2] Exemplos: cumulação de pedidos (v. g., condenação no capital e condenação nos juros de mora) ou de o réu ter deduzido um pedido reconvencional.
[3] Cfr. AUJ nº 13/96, de 15.10 – DR I-A de 26.11.96.
[4] Cfr., neste sentido, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., pp303-304.
[5] Cfr. neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 21-05-2020, Revista n.º 289/12.2TVPRT.P1.S1, em que foi relator ILÍDIO SACARRÃO MARTINS, “A aferição sobre a existência de dupla conforme e, portanto, sobre a admissibilidade ou não do recurso normal de revista, deve fazer-se mediante o confronto de cada um dos segmentos decisórios.”, disponível na íntegra em PDF.
[6] Nas palavras de LOPES DO REGO (ac. STJ 19-2-2015/ Proc. 302913/11.6YIPRT.E1.S1).
[7] LEBRE DE FREITAS, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 669.
[8] ABÍLIO NETO, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
[9] Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 55 E 143.
[10] Cfr., designadamente, FRENCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, onde saliente que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”.
[11] Acórdão de 24.09.2020, que deu parcial provimento à apelação por elas interposta, revogando a decisão da 1ª Instância em que se declara como não escrita aquela disposição testamentária quanto aos próprios Autores, declarando-a nula apenas na parte em que o testador DD proíbe as apelantes Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril aos familiares dos Autores.
[12] Pode, aliás, dizer-se que a questão “morrera” na Relação.
Disso mesmo deu conta o acórdão recorrido:
« Apesar do art. 615º, n.º 1 do CPC qualificar as invalidades da sentença que estatui, de modo taxativo, como determinativas de “nulidade” da sentença, com exceção da falta de assinatura do juiz e da ininteligibilidade da parte decisória da sentença, trata-se realmente de causas determinativas de anulabilidade da sentença (LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., pág. 735, em que ponderam que “Os casos das alíneas b) a e) do n.º 1 (excetuadas a ininteligibilidade da parte decisória) constituem, rigorosamente, situações de verdadeira anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade”), tanto assim que nos termos do n.º 4 desse art. 615º, as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades, o que significa que, em sede de arguição das nulidades da sentença, impõe-se distinguir os casos que a mesma admite ou não recurso ordinário.

Admitindo-o, as nulidades apenas podem ser suscitadas em sede de recurso, como fundamento autónomo de impugnação da sentença ou do acórdão, pelo que a parte afetada pela nulidade e que tem interesse em argui-la terá de interpor recurso, dentro do prazo legal para o efeito, que em regra, é de 30 dias (n.º 1 do art. 638º), onde a nulidade tem de ser arguida em sede de conclusões do recurso.

Caso a sentença (ou o acórdão, em sede de recurso de revista) não admita recurso ordinário, as nulidades têm de ser suscitadas junto do próprio tribunal que a proferiu, através de reclamação, a ser apresentada no prazo de dez dias a contar da notificação da sentença ou do acórdão ao reclamante (arts. 615º, n.º 4 e 149º, n.º 1 do CPC) - ABRANTES GERALDES, PAUO PIMENTA e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 763; LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, ob. cit., pág. 737.

Logo, com as ressalvas decorrentes da falta da assinatura do juiz ou da ininteligibilidade da parte decisória da sentença, caso a sentença ou o acórdão padeçam de uma das nulidades previstas nas als. b) a e), do n.º 1 do art. 615º, e a parte não interponha recurso dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito (no caso deste ser admissível) ou no caso de não reclamar dentro do prazo de dez dias (no caso do processo não admitir recurso ordinário) ou no caso do processo admitir recurso e a parte ter interposto tempestivamente recurso, mas nele não invocar essa nulidade, esta fica sanada mal decorra o prazo de recurso (no caso deste ser admissível) ou de reclamação (caso o processo não admita recurso), não podendo o tribunal ad quem conhecer oficiosamente da mesma, o que significa que as nulidades das als. b) a e) são, na realidade, efetivas causas de anulabilidade da sentença.
[13] Destaque nosso.
[14] Tendo sido decidido no acórdão recorrido, para além do mais, que tal despacho transitou em julgado, por não ter sido objecto de recurso em 15 dias.
[15] Tendo, também aqui, sido decidido, para além do mais, no acórdão recorrido que tal despacho transitou em julgado, por não ter sido objecto de recurso em 15 dias.
[16] Cujo sumário (parcial) dispõe: “I - Pedida em audiência de julgamento por uma das partes a junção de documentos, a sua rejeição é impugnável em recurso autónomo, nos termos da al. d) do n.º 2 do art. 644.º do CPC. II - A não interposição deste recurso gera caso julgado formal quanto a essa rejeição, que não pode ser impugnada na apelação interposta da sentença. (…)”.
[17] Cujo sumário refere: “O acórdão da Relação sobre despacho que não admite a junção aos autos de documentos, não é passível de recurso de revista excecional, nos termos conjugados do disposto nos arts. 671.º, n.os 2 e 3 e 672.º, n.º 1, ambos do CPC.”.
[18] Cujo sumário reza: “I - A instituição da dupla conforme teve em vista racionalizar o acesso ao STJ e acentuar as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência. II - O despacho que indefere a realização de prova por inspecção e a junção documental constitui uma decisão intercalar, pelo que a revista apenas é admissível nos termos do n.º 2 do art. 629.º ou nos termos do n.º 2 do art. 671.º, ambos do CPC.(…)”.
[19] Cujo sumário é “O acórdão da Relação que indefere a junção, com a apelação, de um documento “superveniente”, configura uma decisão interlocutória passível de recurso de revista apenas nos casos especialmente previstos nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 671.º do CPC, cuja previsão, não demonstrada pelo recorrente, conduz à rejeição do recurso.”.
[20] In Recursos em Processo Civil, Almedina, 2020, 6.ª Edição Atualizada, p. 236 e 245.
[21] Para que se impeça a formação de caso julgado, a parte vencida tem ónus de interposição de recurso – continuação de citação.
[22] Destaque nosso.
[23] Recursos em Processo Civil, Almedina, 2020, 6.ª Edição Atualizada, p. 252. [24] Cfr. neste sentido ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Almedina, 2020, págs. 452 e segs.
[25] I - O STJ é um tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, n.º 1 do art. 674.º do CPC, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.
II - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no n.º 3 do art. 674.º do CPC, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova.
III - A revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos, situações excepcionais, ou seja quando o tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no art. 682.º, n.º 3, do CPC.
[26] III - Na vertente adjetiva, cabe ao STJ o controlo dos parâmetros formais ou balizadores a seguir pela Relação na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância, nos termos do arts. 640.º, e 662.º do CPC, i.e., averiguar se, ao manter ou alterar a decisão da matéria transitada da 1.ª instância, a Relação violou, ou não, a lei processual que estabelece os pressupostos e os fundamentos em que se deve mover a reapreciação da prova; já na vertente substantiva, cabe ao STJ, no domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais relevantes, sindicar se a Relação violou alguma regra de direito probatório material ou se aquela apreciação ostenta juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade nos termos dos arts. 682.º, n.º 2, e 674.º, n.º 3, ambos do CPC.
[27] I - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no n.º 3 do art. 674.º do NCPC (2013): (i) quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou (ii) haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova.
II - Enquanto segundo o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, o julgador tem plena liberdade de apreciação das provas, de acordo com o princípio de prova legal ou vinculada, aquele tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela lei que lhes designam o valor e a força probatória, designadamente, no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos ou autenticados e particulares devidamente reconhecidos (arts. 358.º, 364.º e 393.º do CC).
III - Os poderes correctivos do STJ, quanto à decisão da matéria de facto, circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram, ou não, no caso concreto, violados, não lhe competindo averiguar se a convicção firmada pelos julgadores nas instâncias em relação a determinado facto, em prova de livre apreciação, se fez no sentido mais adequado.
[28] Sublinhado nosso.
[29] III - A força probatória especial de que goza a confissão judicial limita-se ao processo em que foi efectuada, dessa forma se circunscrevendo a relevância da confissão da parte que a proferiu, apenas aos interesses que, na referida acção, se encontram em jogo (arts. 355.º, n.ºs 2 e 3, e 358.º do CC).
[30] Cfr., v.g., Acs. do STJ de 8.1.2019, 22.3.2018 e 24.11.2015, acima referidos.
[31] Aderimos à fundamentação expendida no acórdão recorrido quanto ao trânsito em julgado do acórdão proferido no apenso E, conforme também se pode constatar através da consulta dos autos no Citius.
[32] Desataques nossos.
[33] Cfr. Ac. do STJ de 08-02-2018, Revista n.º 2366/11.8TVLSB.L1.S1 (MARIA DA GRAÇA TRIGO).

[34] Cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 14-07-2020, Revista n.º 989/19.6T8BCL.G1.S1 (JORGE DIAS - disponível na íntegra em https://blook.eu/caselaw/PT/STJ/591976/): “I - O recurso é o instrumento, ou o meio para requerer a alteração de uma decisão. O recurso é interposto para que uma instância superior decida o direito e, também, a matéria de facto. II - Constitui entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que a finalidade ou função dos recursos é a revisão ou reexame das decisões da instância recorrida e não criar decisões sobre matéria nova, não sendo lícito às partes invocar, nessa sede, questões que não tenham suscitado perante o tribunal recorrido, nem sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer delas. III - A única exceção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso. (…)” -destaque nosso. 

[35] O Acórdão, revogando a sentença na parte em que “declara não escrita a seguinte disposição testamentária que condiciona tais legados: que pretende (…) por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares”, procedeu à sua substituição pela seguinte decisão:

“declaram nula a disposição testamentária em que o testador, DD, proíbe a transmissão dos direitos legados às Rés Sociedade Martins Sarmento e Associação 25 de Abril aos familiares de AA e BB”. - sublinhados e destaques nossos.

[36] Sentença essa que declarou não escrita a seguinte disposição testamentária que condiciona os legados: “que pretende (…) por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários AA e mulher ou seus familiares - sublinhado nosso.
[37] É a parte destacada - por nós - que suscita divergências de interpretação.
[38] Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VAVRELA, Código Civil Anotado, Vol. VI, pag. 486 e 487, p.302 e Ac. STJ 13.02.96, CJ STJ Ano IV, Tomo I, p.82 e seguintes.
[39] Cfr. OLIVEIRA ASCENÇÃO, Teoria Geral do negócio jurídico e o negócio testamentário, in Comemorações dos 35 anos Do Código Civil E dos 25 Anos da Reforma de 1977, Volume I Direito da Família E Das Sucessões, Coimbra Editora e ANTÓNIO CICU, El Testamento, Editorial Revista de Direito Privado, Madrid, 1959, 169.
[40] Apud MENEZES LEITÃO, A Interpretação Do Testamento, 1993, 96. Cfr neste sentido GALVÃO TELLES, Interpretação de Negócio Jurídico Formal: Correspondência entre Vontade e Documento, in O Direito, 121º, 844 e PAMPLONA CORTE-REAL, Curso de Direito das Sucessões, Centro de Estudos Fiscais, 1985, 169-170.
[41] BMJ 145, p. 388 e segs.
[42] Processo n.º 259/10.5TBESP.P1.S1 (ALVES VELHO).
[43] Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 167.
[44] Cit, p. 316.
[45] Destaques e itálicos nossos.
[46] In Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., actualizada, pp 451-452.
[47] “Na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento”.
[48] Sublinhado e destaque nossos.
[49] que reza: “Consideram-se contrárias à lei a condição de residir ou não residir em certo prédio ou local, de conviver ou não conviver com certa pessoa, de não fazer testamento, de não transmitir a determinada pessoa os bens deixados ou de os partilhar ou dividir, de não requerer inventário, de tomar ou deixar de tomar o estado eclesiástico ou determinada profissão e as cláusulas semelhantes” – destaque nosso.
[50] In Teoria Geral da Relação Jurídica, vol.II, Coimbra Editora, 1983, pp 371-372 – destaques nossos.
[51] Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., Coimbra Editora, pp 561-563.
[52] Teria Geral do Direito Civil, 3ª ed., Actualizada, pp 562 e segs.
[53] O negrito é nosso.
[54] MANUEL DE ANDRADE, T.G.R.J., pp 334-335.
[55] CARLOTA FERRARA, Il negocio giurídico nel diritto privato italiano, pág. 568.
[56] ORLANDO GOMES, Contratos, pág. 156.
[57] Teria Geral do Direito Civil, cit., 3ª ed., pp 562 e segs.
[58] Menezes Cordeiro, Dir. Obrigações, 1980, 1.º‑369.
[59] Ac. do STJ, de 10.12.1991, BMJ n° 412, p. 460.
[60] Teoria Geral, 1976, p. 435, e Teoria Geral Dir. Civil, 4.ª reimpressão, 1980, p. 435.
[61] JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada,  tomo I, 2ª ed., Wolters Kluber e Coimbra Editora, pp 723 - destaque nosso.

[62] Em igual sentido a doutrina: "A igualdade representa um conceito comparativo, pressupõe uma comparação, e não uma identificação. A igualdade é sempre relativa." (cf. Martim de Albuquerque, Da Igualdade, Introdução à Jurisprudência, Almedina, 1993, p. 75). "O conceito de igualdade implica necessariamente uma comparação entre dois ou mais objectos" (cf. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Almedina, 1997, p.397).
[63] Ob cit., pp 1254-1256.
[64] Ob cit., pp 80-86.
[65] Destaques nossos.
[66] “A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada". 
[67] Teor.  Ger.  Dir. Civil, 4.ª reimpressão, 1980, p. 480.
[68] Sobre esta problemática, ver Mário de Brito, in Código Civil Anotado, 1.º, p. 367.
[69] Sublinhado nosso.