PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO NO SANEADOR
TRÂNSITO EM JULGADO
RECURSO DE APELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
EXTEMPORANEIDADE
CASO JULGADO
Sumário


I. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível o recurso das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre (cfr. artigo 629.º. n.º 2, al. b), do CPC).
II. Quando a acção tem por objecto a apreciação da existência, da validade, do cumprimento, da modificação ou da resolução de um acto jurídico, o valor da causa é fixado por referência ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes (cfr. artigo 301.º, n.º 1, do CPC).

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO


1. Prediletoásis, S.A., instaurou acção declarativa com processo comum para reconhecimento e exercício do direito de preferência contra AA, BB, CC e DD.

 Pede que os réus sejam condenados a:

a) A reconhecer que a A. gozava do direito de preferir na venda que entre si efetuaram do prédio rústico denominado “…….”, sito nos limites do lugar de ........., freguesia ........., descrito na .. Conservatória do Registo Predial ..... sob o número ………e cinquenta e nove (……59) da referia freguesia, inscrita na matriz predial rústica sob o artigo .. secção .. da União de Freguesias ......... .

b) Mais deverão os R.R. ser solidariamente condenados nas custas e condigna procuradoria nesta acção a que deram causa.

c) Mais deverá a sentença a proferir reconhecer o direito da A. em preferir na venda do prédio atrás identificado e, simultaneamente, operar a transmissão da propriedade do referido prédio para A., ordenando-se, ainda, o cancelamento do registo efetuado a favor do TERCEIRO E QUARTA Réus pela apresentação 34 de 2018/09/29.”.


A autora deu à acção o valor de € 100,00 (cem euros), que foi o valor pelo qual se declarou na escritura que o prédio foi vendido.


2. Regularmente citados, os réus apresentaram contestação, na qual invocaram, por excepção, a caducidade do exercício do direito de preferência e a ainda a simulação do negócio por eles celebrado. Concluíram pela improcedência da acção.

Após a indicação da prova, colocaram a seguinte referência “VALOR: € 100,00 (cem euros)”.


3. A autora replicou.


4. Em despacho imediatamente anterior à prolação da sentença, a Meritíssima Juíza fixou à acção o valor de € 100,00 (cem euros).


5. Inconformados, apelaram os réus para o Tribunal da Relação …...


6. Em 15.04.2021 é proferido um Acórdão naquele Tribunal em que pode ler-se:

Assim, face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e, consequentemente, confirma-se o douto despacho recorrido que fixou à causa o valor de € 100,00 (cem euros)”.

O Acórdão teve o voto de vencido do Exmo. Desembargador 2.º Adjunto, tendo sido lavrada a seguinte declaração de voto:

Teria dado provimento ao recurso, sumariamente, porque atento o que é aduzido nos art.°s 14.°, 15.° e 23.° da contestação, sendo invocada a nulidade do contrato de compra e venda titulado por escritura pública de 27/9/2018, cujo pedido de declaração se nos afigura implícito, a norma processual que melhor se adequa para a fixação do valor da causa, considerando os valores em presença, a saber, o interesse colectivo da administração da justiça, em especial, no que respeita à taxa de justiça devida e o interesse de cada uma das partes, com relevância especial para os meios de reação contra decisões judiciais de que discordem, é o n.° 3, do art.° 301.° do C. P. Civil, o qual dispõe que "Se a ação tiver por objeto a anulação do contrato fundada na simulação do preço, o valor da causa é o maior dos dois valores em discussão entre as partes”.


7. É na sequência disto que os réus vêm recorrer para este Supremo Tribunal, invocando os artigos 671.º, n.º 2, al. a), e n.º 3 e 629.º, n.º 2, al. b), do CPC.

Concluem a sua alegação em termos que são – diga-se – notavelmente semelhantes aos da apelação[1], quais sejam os seguintes:

“1. O presente recurso versa sobre a decisão que fixou à causa o valor de € 100,00, proferida em sede de despacho saneador.

2. Tal valor foi fixado pela Recorrida, nos termos previstos no art.º 302º/1 do C.P.C., tendo em conta o preço atribuído ao imóvel identificado no artigo Io da petição inicial.

3. Na sua contestação, os Recorrentes alegaram expressamente, em duas ocasiões distintas, que o valor real do imóvel objecto dos autos é de € 180.000,00, e não de€ 100,00.

4. Os Recorrentes requereram a produção de prova por forma a demonstrar este valor que indicaram.

5. A indicação de valor alternativo para o (único) objecto dos autos pelos Recorrentes constituiu impugnação do valor da acção indicado pela Recorrida, nos termos e para os efeitos do previsto no art.º 305º/1 do C.P.C.

6. O incidente de verificação do valor da causa não carece de ser deduzido separadamente.

7. O Tribunal de primeira instância, como o Tribunal da Relação ….. quando sobre os autos se debruçou, não podiam decidir, quanto à fixação do valor da causa, contra alegação expressa dos Recorrentes em sentido contrário, indicando elementos de que decorre valor alternativo para a acção - alegação que constitui, aliás, o fulcro da sua defesa.

8. O valor da presente causa deveria ter sido fixado, tendo em conta os critérios legais - nomeadamente o constante do artigo 301º/3 do C.P.C. - no montante de€ 180.000,00.

9. Ainda que assim não se considere, sempre a legítima expectativa dos Recorrentes, face à prova que oportunamente requereram, entre outros fins, para demonstração do valor da causa, seria de que o Tribunal de primeira instância agendasse audiência prévia, para os fins previstos no art.º 591º/1 do C.P.C. - ainda para mais quando considerava, como se veio a verificar, estar na posse dos elementos necessários para se pronunciar sobre o mérito da causa.

10. Caso pretendesse apenas proferir despacho saneador, o Tribunal de primeira instância poderia ter dispensado a aludida audiência prévia, ao abrigo do previsto no art.º 593º/1, do C.P.C., mas comunicando às partes, em cumprimento do consagrado nos artigos 3º/3º, 6º/1 e 8º, todos do C.P.C., considerar estar na posse dos elementos necessários para conhecer do mérito da causa, e fundamentando a adequação formal a que, dessa forma, procederia, nos termos dos artigos 547º e 593º/2, b), ambos do C.P.C.

11 .Os Recorrentes teriam, assim, a possibilidade de lançar mão da faculdade prevista no art.º 593º/3 no C.P.C., requerendo a marcação de audiência prévia para discussão de questões de direito, faculdade de que foram privados.

12. O disposto no art.º 597º do C.P.C, não altera as Conclusões que antecedem, já que a aplicação das regras aí mencionadas deveria ter antecedido o recurso a tal previsão normativa, que não elimina, antes faz prevalecer, o contraditório perante a adequação formal do processo.

13. A decisão objecto do recurso violou, portanto, o disposto nos artigos 301º/3, 591º/1, 593º/1, 3º/3º, 6º/1, 8º, 593º/2, b), 593º/3 e 4º, todos do C.P.C.

14. Deverá, sendo concedido provimento ao recurso, a decisão recorrida ser revogada e ser substituída por outra que fixe à presente causa o valor de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros) ou, em alternativa, que agende audiência prévia, para os fins previstos no art.º 591º/1 do C.P.C., entre eles a fixação do valor da causa, se necessário com recurso aos métodos previstos nos artigos 299º/4 ou 308º, ambos do C.P.C.

15. Tendo as violações apontadas na Conclusão 13a dado origem a uma nulidade inominada, nos termos do art.º 195º/1 do C.P.C., deverão os actos subsequentes do processo ser anulados, por imposição do art.º 195º/2 do C.P.C., nomeadamente a decisão proferida quanto ao mérito da causa”.


8. Vêm, por seu turno, os autores responder à alegação, pugnando pela manutenção do Acórdão recorrido e formulando as seguintes conclusões:

1 - Os recorrentes visam, nas suas próprias palavras e como fim último do presente recurso de Revista, conseguir não a alteração do valor da ação, mas sim conseguirem reverter o estado do processo, por forma a que o tribunal de Primeira Instância procedesse á marcação de audiência prévia, esquecendo os recorrentes que o Tribunal já decidiu dispensar essa audiência prévia, não em consequência do valor da ação, mas sim em consequência da decisão de Primeira Instância ter dado como provados todos os factos relevantes e necessários á decisão em despacho saneador/sentença. e do Acórdão recorrido ter confirmado essa decisão.

2 - Por outro lado, a hipotética alteração do valor da ação não impunha ao tribunal de Primeira Instância a obrigação de realização de audiência prévia verificando-se, tal como se verificava, que o processo, a essa data, continha provados todos os factos relevantes e necessários á boa decisão da causa.

3 - Em qualquer caso, deverá julgar-se que invocando os recorrentes um elemento dum contrato, nas suas palavras simulado, tal arguição, da simulação de preço perante terceiros está-lhe vedada pelo artº 243º nº1 do C.C.”.


9. Em 15.06.2021 proferiu o Exmo. Desembargador Relator o seguinte despacho:

Por legal (artigo 629º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil) e tempestivo, admito o recurso interposto pelos Réus/Apelantes, o qual é de revista, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo”.


*


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir, in casu, é a de saber se a confirmação pelo Tribunal recorrido da decisão de fixação do valor da causa em € 100,00 (cem euros) viola a lei.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos que interessam para a decisão da causa constam do Relatório.


O DIREITO

Breve nota sobre a admissibilidade do recurso

Como se viu atrás, o recurso é interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. b), do CPC, em que está prevista uma hipótese em que o recurso é sempre admissível.

Dispõe-se neste preceito:

Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

(…) b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre”.

A propósito do alcance da expressão “com o fundamento de que o valor excede a alçada”, constante também do § único do artigo 678.º do Código de Processo Civil de  1939 – preceito antecessor da al. b) do n.º 2 do actual artigo 629.º ––, observava José Alberto dos Reis que “[d]esde que se alegue que o valor excede a alçada do tribunal de comarca, o recurso pode ir até ao Supremo, embora o recorrente atribua à causa valor compreendido na alçada da Relação[2].

Sucede que, aqui, o recorrente alega que o valor excede a alçada da Relação, pelo que, por maioria de razão, o recurso deve ser (excepcionalmente) admitido com o fundamento específico da al. b) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC.


Do objecto do recurso – da fixação do valor da causa

Para concluir pela confirmação da sentença, o Tribunal a quo descreveu um percurso que está bem documentado na fundamentação do Acórdão recorrido.

Afirmou-se aí:

Estamos perante uma ação em que a Apelada pretende exercer o seu direito de preferência face à venda e compra efetuada pelos Apelantes do imóvel, pelo valor declarado de € 100,00 (cem euros).

A toda a causa tem de ser atribuído um valor certo, o qual não só determina a utilidade económica do pedido, como também determina a competência do Tribunal (artigo 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Dispõe o artigo 301º, nº 1 do Código de Processo Civil, que quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.

A Apelada pretendia o reconhecimento do seu direito de preferência sobre o imóvel que foi vendido pelo preço declarado de € 100,00 e substituir-se aos 3º e 4º Apelantes como compradora do imóvel.

Tanto bastará para não se ter dúvidas de que o valor da ação não poderia ter sido outro que não o de € 100,00.

Todavia os Apelantes vêm arguir que suscitaram na contestação o incidente do valor da causa ao referirem que o terreno valeria € 180.000,00.

Nos termos do artigo 305º, nº 1, do Código de Processo Civil, o réu pode impugnar no articulado em que deduza a sua defesa o valor da causa atribuído na petição inicial, desde que ofereça outro em substituição e no seu nº 4, preceitua-se que a falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído à causa pelo autor.

Em lado algum da sua contestação os Apelantes referem sequer que pretendem deduzir o incidente do valor da causa, nem a isso se referem.

Apelam sob a epígrafe “III – Negação motivada”, onde expendem a sua defesa de negócio relativamente simulado, referem que se tratou de ume doação e dizem nos artigos 14º e 15º, o seguinte:

“14º – Com efeito, o imóvel em questão, cujo valor de mercado rondaria, como hoje rondará, os € 180.000,00, foi “vendido” pelo valor de € 100,00, como a aludida escritura documenta.

15º – Ora uma venda por um preço insignificante de um prédio com valor de mercado significativo não pode senão denotar uma simulação do negócio declarado e formalizado pelas partes outorgantes, como adiante se verá quanto ao negócio de 27.0.2018, em causa nestes autos.”

Mais à frente na contestação e na sequência da defesa do negócio simulado e depois de reafirmarem que a intenção não era venderem mas operar uma doação, referem os Apelantes no artigo 23º, o seguinte:

“23º – A circunstância de as partes terem , no ato de 9.6.2016, mas, para o que releva nestas autos, também no de 27.9.2018, declarado comprar e vender um prédio cujo valor de mercado é de € 180.000,00, pelo valor de € 100,00 – ou seja, na ordem de 1800 vezes inferior ao que o mercado ditaria – implica que a designação do negócio formulado pelas partes, e pela Notária, não correspondeu ao respectivo conteúdo.”

Concluiu a sua contestação pedindo:

“Nestes termos, e declarada que for a nulidade do contrato de compra e venda titulado por escritura pública de 27.9.2018, deverá a presente ação ser julgada integralmente improcedente, por ausência de fundamento legal das pretensões formuladas pela A.”

Em lugar algum da sua contestação os Apelantes pediram a alteração do valor da causa.

Mas o mais evidente é quando, após o pedido, a indicação da prova, a declaração de que junta procurações (3) e documentos (2), os Apelantes colocam: “VALOR: € 100,00 (cem euros)”.

Parece-nos pois indubitável que os Apelantes nunca se lembraram do valor da causa senão após a sentença para puderem dela recorrer.

Como já se referiu em causa está o incidente do valor da causa, pelo que extravasa o âmbito deste recurso a conclusão 10ª e até o teor da 6ª até à 12ª, pois que o valor da causa nada tem a ver com qualquer audiência prévia, nem com a dispensa da mesma, pois que os factos estavam lá todos, pelo que a Meritíssima Juíza poderia proferir como proferiu saneador sentença e nem sequer á a sentença que está aqui como objecto do recurso, mas repete-se tão só o valor da causa, pelo que não se pode conhecer das matérias das citadas conclusões.

Neste circunstancialismo, improcedem as conclusões das alegações”.

Cumpre apreciar.

Diz-se no artigo 296.º do CPC que:

1 - A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.

2 - Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.

3 - Para efeito de custas judiciais, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma e no Regulamento das Custas Processuais”.

Estabelece-se no artigo 301.º do CPC que:

1 - Quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.

2 - Se não houver preço nem valor estipulado, o valor do ato determina-se em harmonia com as regras gerais.

3 - Se a ação tiver por objeto a anulação do contrato fundada na simulação do preço, o valor da causa é o maior dos dois valores em discussão entre as partes”.

Dispõe-se no artigo 305.º do CPC que:

1 - No articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição; nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor.

2 - Se o processo admitir unicamente dois articulados, tem o autor a faculdade de vir declarar que aceita o valor oferecido pelo réu.

3 - Quando a petição inicial não contenha a indicação do valor e, apesar disso, haja sido recebida, deve o autor ser convidado, logo que a falta seja notada e sob cominação de a instância se extinguir, a declarar o valor; neste caso, dá-se conhecimento ao réu da declaração feita pelo autor e, se já tiverem findado os articulados, pode o réu impugnar o valor declarado pelo autor.

4 - A falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído à causa pelo autor”.

Por fim, determina-se no artigo 306.º do CPC que:

1 - Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.

2 - O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.º 4 do artigo 299.º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença (…)”.

Olhando para o presente caso à luz destas normas, pouco se pode acrescentar ao que fica explanado no Acórdão recorrido.

Como decorre do que se disse atrás, está em causa uma acção para o exercício do direito de preferência.

Não há dúvida de que o seu valor é determinado com base no critério do valor do acto jurídico, nos termos do artigo 301.º, n.º 1, do CPC, acima referido.

Em consonância com isto, a autora atribuiu à acção, na petição inicial, o valor de cem euros.

Os réus, por seu lado, não puseram em causa / não impugnaram este valor na contestação que apresentaram, como podia, ao abrigo do artigo 305.º, n.º 1, do CPC.

Como se este facto não bastasse para se poder concluir que os réus / recorrentes aceitaram este valor, ao abrigo do artigo 305.º, n.º 4, do CPC, é decisiva a referência final que os réus / recorrentes fazem ao valor da causa no requerimento de indicação da prova. Significa ela não só que os réus / recorrentes tiveram consciência de que o valor da causa era de cem euros mas também que os réus / recorrentes se conformaram com ele ou, mais do que isso, fizeram sua a decisão de atribuir à causa o valor de cem euros. Tem de reconhecer-se que é, no mínimo, é contraditório que agora venham contestá-lo.

Opõem-se os recorrentes sustentando que a decisão recorrida constitui violação do disposto nos artigos 301.º, n.º 3, 591,º, n.º 1, 593.º, n.º 1, 3.º, n.º 3.º, 6.º, n.º 1, 8.º, 593.º, n.º 2, al. b), e 593.º, n.º 3, e 4.º do CPC.

Ora, diga-se, desde já, que não se vê como podem os artigos 591,º, n.º 1, 593.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), e 593.º, n.º 3, do CPC, que dizem respeito à audiência prévia e à dispensa da audiência prévia ser relevantes.

Quanto aos artigos 3.º, n.º 3, 6.º, n.º 1, e 8.º do CPC, atinentes à necessidade do pedido e da contradição, ao dever de gestão processual e ao dever de boa fé processual, respectivamente, não se vê tão-pouco como poderiam ter sido violados.

Finalmente, no que toca ao artigo 301.º do CPC, como se viu, não é o critério disposto no n.º 3 mas sim o do n.º 1 que é aplicável à acção aqui em causa, que se configura, não como uma acção para declaração de nulidade (“anulação”) de contrato com base em simulação, mas como uma acção para reconhecimento e exercício do direito de preferência, nos termos atrás expostos.



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III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas pelos recorrentes.

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Catarina Serra (relatora)

Cura Mariano

Fernando Baptista

Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1.05, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Exmos. Senhores Juízes Conselheiros que compõem este Colectivo.

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[1] Em rigor, só foram acrescentadas as conclusões 6, 7 e 8.
[2] Cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 243-244.