ANATOCISMO
JUROS
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS
NEGÓCIO USURÁRIO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
NOTIFICAÇÃO
CASO JULGADO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário


I. A lei admite o anatocismo desde que estejam preenchidos certos requisitos de admissibilidade (a convenção das partes ser posterior ao vencimento da obrigação de juros que constitui a base do novo cálculo de juros ou uma notificação judicial do devedor exigindo o pagamento dos juros ou a sua capitalização) e seja observado um limite (o período mínimo de um ano para a capitalização dos juros) (cfr. artigo 560.º do CC).
II. Estando verificados estes requisitos e observado este limite – que funcionam como uma espécie de “causas de exclusão da ilicitude” – , o anatocismo é admissível, devendo reconhecer-se ao credor um direito às capitalizações.
III. A lei não distingue a admissibilidade do anatocismo consoante o tipo de juros em causa, não podendo excluir-se a admissibilidade da capitalização de juros moratórios uma vez verificados aqueles requisitos e observado aquele limite.
IV. Contra isto não procede o argumento de que o anatocismo não é admissível por estar em curso uma acção judicial em que o devedor contesta a obrigação de capital e de juros objecto da capitalização, o que determinaria a impossibilidade de o devedor pagar quando é interpelado para pagar sob pena de capitalização.
V. Não procede, tão-pouco, o argumento de que o anatocismo não é admissível por ser sucessivo e assim ofender alguma “regra da proibição do anatocismo sucessivo ou da unicidade do anatocismo”.
VI. Não procede, por fim, o argumento de que a capitalização sucessiva de juros conduz, sem mais, a um desequilíbrio injustificado das partes e produz um resultado usurário.
VII. A obrigação constituída pelos juros capitalizados é autónoma da obrigação de juros moratórios de base (cfr. artigo 561.º do CC), pelo que a prescrição da obrigação de juros moratórios de base não determina a prescrição da obrigação constituída pelos juros capitalizados.
VIII. Se não pode aceitar-se que o prazo de prescrição da obrigação constituída pelos juros capitalizados fique indefinidamente interrompido por força de uma sucessão de notificações (e, no fundo, dependente da vontade do credor), tão-pouco pode aceitar-se que aquele efeito interruptivo se consuma ou se esgote no momento da primeira notificação que venha a ser efectuada durante o período prescricional originário.

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO


1. NOS - Telecomunicações, S.A., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra MEO - Serviços de comunicações e multimédia, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento à autora da quantia de € 4.856.983,93, acrescido de juros vencidos e vincendos, às taxas legais máximas relativas a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, sucessivamente em vigor desde 3.07.2018 até integral pagamento, liquidando-se os juros já vencidos à presente data em € 142.515,88.

Alega, para tanto e em síntese que:

- Em 5.03.2010, intentou contra a ré acção declarativa de condenação em que pediu a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 24.355.040,21, referente a um conjunto de créditos relativo a prestação de serviços de interligação de redes públicas acrescida de juros;

- Nessa acção, a pedido da autora, foi a ré notificada em 7.04.2010 para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento, sob pena de capitalização;

- Por sentença de 15.07.2015, a acção foi julgada procedente e a MEO foi condenada a pagar à NOS a quantia de € 25.355.040,21, acrescida de juros sobre o montante de € 13.561.485,00, às taxas legais máximas de juros sucessivamente em vigor entre 5.03.2010 e a data da notificação para capitalização de juros (7.04.2010) sobre o montante de € 13.561.485,21, adicionado do montante de juros capitalizados, às taxas máximas sucessivamente em vigor entre a data da referida notificação para capitalização e a do efectivo pagamento;

- A sentença transitou em julgado a 23.05.2018;

- No período que mediou entre a notificação para pagamento ou capitalização efectuada em 7.04.2010 e a presente data, a NOS interpelou a MEO por mais seis vezes através de notificações judiciais avulsas, para pagamento ou capitalização de juros;

- Por carta datada de 8.05.2018, a MEO, invocando o trânsito em julgado daquela sentença, comunicou à NOS que, no seu entender, nos termos daquela decisão, era devedora de € 40.817.753,02, não aceitando ser devedora dos valores decorrentes dos seis pedidos de capitalização que não se encontravam abrangidos pela sentença;

- A NOS respondeu por carta datada de 11.05.2018, na qual se dispôs a receber a quantia indicada pela MEO e a emitir declaração de quitação, ressalvando que tal quantia só correspondia ao pagamento integral dos créditos exigidos na acção que correu termos sob o n.º 524/10......, no pressuposto de que a decisão proferida não cobre os juros sobre juros capitalizados por força de seis notificações judiciais avulsas;

- A 18.05.2018, a MEO suscitou incidente de consignação em depósito naqueles autos, pedindo que a Ré fosse notificada para receber a quantia de € 40.879.084,61 que alegava ser a quantia devida até tal data nos termos da sentença;

- A NOS recusou-se a receber a quantia e que tenha incorrido em mora do credor, ressalvando entender ser credora de maior quantia fruto das capitalizações posteriormente feitas;

- A 4.07.2018, foi lavrado naqueles autos termo de recebimento pelo qual a NOS declarou ter recebido a quantia acima referida com as reservas constantes da “declaração ao abrigo do disposto no art.º 924º, n.º 1 do Código de Processo Civil), inexistindo mora do credor por não ter que dar quitação se não considera completamente cumprida a obrigação”;

- Verifica-se uma situação de caso julgado já que a decisão condenatória contida na sentença abrange os juros capitalizados em resultado das seis notificações judiciais avulsas realizadas após 7.04.2010;

- Admitindo, sem conceder, que o direito à capitalização dos juros não ficou definido na anterior acção, requer tal reconhecimento nesta acção, nos termos do artigo 560.º do Código Civil.


2. A ré apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação e deduziu as excepções do caso julgado e da prescrição do eventual direito aos juros capitalizados desde 7.02.2012.

Sem prescindir, invocou:

- A ausência de caso julgado sobre o alegado direito aos juros capitalizados;

- A inadmissibilidade de capitalização sucessiva de juros;

- A inadmissibilidade de capitalização de juros sobre um crédito incerto;

- A proibição de juros usurários;

- A extinção do crédito da NOS na data da apresentação do requerimento de consignação em depósito.


3. Notificada para o efeito, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, e 547.º do CPC, a autora respondeu às excepções, nos termos vertidos a fls. 830 a 855.


4. A fls. 868 a 908, a autora juntou aos autos parecer jurídico sobre a capitalização de juros moratórios e a prescrição.


5. Procedeu-se à realização de audiência prévia, na qual se admitiu o parecer referido e se concedeu à ré um prazo de pronúncia, tendo as partes acordado que inexistem nos autos factos controvertidos e que as questões a decidir são unicamente de direito.


6. A ré pronunciou-se sobre o parecer junto pela autora, nos termos constantes do requerimento de fls. 912 a 919.


7. Na continuação da audiência prévia, as partes alegaram de facto e de direito.


8. Por requerimento de fls. 921 a 959, a ré juntou aos autos parecer sobre “A impossibilidade da capitalização sucessiva de juros moratórios na pendência da ação judicial”.


9. A autora pronunciou-se sobre tal parecer por requerimento de fls. 961 a 983.


10. O Tribunal recorrido proferiu saneador-sentença, no qual se pronunciou sobre a excepção do caso julgado e, conhecendo do mérito da causa, julgou improcedente a acção e absolveu a ré do pedido.


11. Inconformada com o assim decidido, a autora NOS interpôs recurso de apelação, tendo, na sequência disto, a ré MEO requerido a ampliação do recurso e a autora respondido a este requerimento.


12. Em 14.01.2021, o Tribunal da Relação ….. proferiu um Acórdão em cujo dispositivo pode ler-se:

Nestes termos, decide-se:

a) Julgar o recurso interposto pela Autora NOS - Telecomunicações, S.A. procedente e, em consequência,

i. revogar o saneador-sentença proferido;

ii. substitui-lo por outra decisão que condena a Ré MEO - Serviços de comunicações e multimédia, S.A. a pagar à Autora as seguintes quantias: - 4 856 983,93 € (quatro milhões, oitocentos e cinquenta e seis mil, novecentos e oitenta e três euros e noventa e três cêntimos), a título de capital;

- 142 515,88 € (cento e quarenta e dois mil, quinhentos e quinze euros e oitenta e oito cêntimos), a título de juros vencidos desde 3.7.2018 até à data da propositura da ação, às taxas legais sucessivas, relativas a crédito de que é titular empresa comercial;

- os juros vencidos desde a propositura da ação e os juros vincendos, às referidas taxas em vigor, até integral pagamento.

b) Julgar a ampliação do recurso requerida pela Ré MEO improcedente e, em consequência, confirmar o saneador-sentença no que concerne à declarada improcedência da exceção do caso julgado;

c) Condenar a Ré/Apelada no pagamento das custas do recurso e da ação”.


13. Notificada deste Acórdão e com ele não se conformando, vem a ré MEO interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

A terminar as suas alegações de revista, formula as seguintes (excessivamente extensas) conclusões:

I. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO FACE ÀS ESPECIFICIDADES DO CASO DOS AUTOS

A. A presente ação foi intentada pela NOS contra a MEO no seguimento de uma outra, proposta também pela NOS contra a MEO em 2010 (a Ação de 2010). Tendo sido proferida decisão nessa Ação de 2010, a qual transitou em julgado em 2018, condenando a MEO, esta pagou à NOS, logo nesse ano, um montante global de cerca de 40,8 milhões, dos quais cerca de € 13,5 milhões são capital, sendo os demais € 27 milhões correspondentes a juros de mora sobre o capital, capitalizados uma vez in judicio em 2010, e juros de mora sobre o montante agregado do capital e dos juros capitalizados.

B. Depois de ter dado integral cumprimento à decisão transitada em julgado, mediante o pagamento a que foi condenada, a MEO foi confrontada com um pedido judicial adicional de cerca de € 5 milhões. Este montante corresponde a “juros de juros” que a NOS vinha também capitalizando, na pendência e à margem da Ação de 2010, através de notificações judiciais avulsas sucessivas requeridas a cada ano que passava, por seis vezes. É este montante adicional aquele que está em causa na presente ação.

C. O caso concreto reveste, assim, importantes especificidades, que o tornam inédito (tanto quanto se conhece): está em causa um pedido de “juros de juros” sobre juros, que por sua vez geraram mais juros e assim sucessivamente (in casu 6 vezes); “juros de juros” esses que foram produzidos por vontade unilateral do credor, através de notificações judiciais avulsas requeridas na pendência e fora do processo judicial onde discutia com o devedor o capital de base e respetivos juros; processo judicial esse no qual o credor já havia pedido (e conseguido) a capitalização de juros por uma vez, tendo acabado por receber o que ali peticionava (o pagamento do capital, acrescido dos respetivos juros de mora já capitalizados uma vez e dos juros de mora sobre o montante assim gerado).

D. É destas especificidades do caso concreto – dadas como provadas nas instâncias – que emergem as questões centrais em discussão nos presentes autos e que constituem primeiramente o objeto do presente recurso: 1) saber se o anatocismo potestativo (quando permitido), promovido por notificação judicial avulsa, onde se interpela ao pagamento dos juros sob pena de capitalização, é possível e eficaz na pendência de uma ação judicial onde o devedor contesta a obrigação de capital e dos juros que se pretendem capitalizar; 2) saber se o anatocismo potestativo pode ser sucessivo, sem qualquer limite de número de capitalizações por vontade do credor, ou se, pelo contrário, podemos falar de uma regra de unicidade nesta modalidade de anatocismo; 3) saber se as capitalizações operadas respeitam os limites legais do anatocismo ou se levam a um resultado usurário; 4) saber se, mesmo que as capitalizações fossem permitidas, o direito da NOS se encontra prescrito;5) saber se a exceção dilatória de caso julgado invocada pela MEO é procedente.

1. Não verificação dos requisitos constitutivos da capitalização potestativa de juros em virtude da ação judicial pendente onde se discute a exigibilidade da obrigação pecuniária principal

E. As capitalizações aqui em discussão foram promovidas através de notificações judiciais avulsas. Está em causa o anatocismo potestativo (não convencional), que constitui uma das hipóteses previstas no n.º 1 do artigo 560.º do Código Civil.

F. A eficácia do anatocismo potestativo depende da possibilidade efetiva do devedor de impedir a capitalização, oferecendo o pagamento exigido. Todavia, in casu, falta esse requisito constitutivo da possibilidade de anatocismo por vontade unilateral do credor, porquanto não podia o devedor evitar a capitalização, em virtude da pendência da ação judicial onde se discutia a existência e exigibilidade da dívida de capital e consequentes juros que a NOS pretende capitalizar.

G. No exercício legítimo dos seus direitos, maxime de defesa, a MEO expressamente contestava a obrigação principal e respetivos juros na Ação de 2010. Não podia, portanto, cumprir voluntariamente a obrigação de juros sob pena de ablação ou renúncia aos meios de defesa anteriormente exercidos.

H. Tal renúncia ao seu direito de defesa e ao contraditório (artigos 2.º de 3.º do CPC), enfim, à proteção jurídica dos seus interesses através dos tribunais, não é juridicamente exigível. O sistema não admite que o devedor, para se proteger do exercício de um direito potestativo do credor, tenha de renunciar aos meios de defesa contra o mesmo credor; ainda para mais tendo presente que as notificações judiciais avulsas não admitem oposição e que na Ação de 2010 pendente já havia sido pedida uma 1.ª capitalização e os juros sobre ela produzidos.

I. Nem o direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP) admite que ao exercício in judicio do direito de defesa sejam associadas cominações substantivas desta natureza, estando, em face da dimensão constitucional do direito de defesa, vedada ao legislador a criação, na lei (substantiva ou adjetiva), de condições que inviabilizem ou dificultem excessivamente o acesso aos tribunais ou que redundem em situações de indefesa.

J. Não têm fundamento as comparações avançadas no Acórdão recorrido. A situação jurídica sub judice distingue-se diametralmente do vencimento de juros simples pelo mero decurso do tempo – o anatocismo potestativo em causa opera no campo dos poderes do credor de, por sua vontade unilateral, produzir inelutavelmente efeitos jurídicos na esfera jurídica do devedor – assim como é bem diferente o devedor relapso que opta por não cumprir da situação do réu que contesta a obrigação, exercendo legitimamente o seu direito de defesa in judicio.

K. Não assiste, assim, à NOS o direito ao montante que resulta das capitalizações requeridas na pendência e à margem da Ação de 2010, devendo, por esta razão, ser revogado o Acórdão recorrido e julgada improcedente a ação.

2. Unicidade do anatocismo – inadmissibilidade da capitalização sucessiva

L. O segundo traço distintivo dos presentes autos prende-se com a circunstância de os créditos aqui reclamados pela NOS resultarem, não de uma, mas de seis notificações judiciais avulsas sucessivas. Já havia ocorrido uma primeira capitalização pedida in judicio no contexto da Ação de 2010, estando, portanto, em causa nesta ação apenas as subsequentes e sucessivas capitalizações de “juros de juros”.

M. Também esta circunstância determina, por si só, a improcedência da presente ação, porquanto o artigo 560.º do Código Civil não admite a capitalização sucessiva, sem limites (inclusive, potencialmente ad eternum), como aquela que a NOS pretende e que foi sufragada pelo Tribunal a quo. O n.º 1 do artigo 560.º do Código Civil admite “juros de juros” e a MEO não o contesta. Não admite, contudo, que se produzam “juros de juros” sobre juros, que por sua vez geram mais juros, sobre os quais recaem mais juros e assim sucessivamente, ou mesmo ad infinitum.

N. A proibição do anatocismo sucessivo é corolário (i) da excecionalidade do anatocismo civil previsto no artigo 560.º do Código Civil, (ii) do efeito compulsório que a utilização sucessiva da capitalização potestativa produziria e que a aproxima dos meios de autotutela, e, por outro lado, (iii) da natureza indemnizatória dos juros moratórios, sendo que (iv) também o regime especial previsto no Decreto-Lei n.º 58/2013 para a capitalização de juros em operações de crédito aponta para a unicidade do anatocismo no regime geral. A unicidade do anatocismo admitido impõe-se pelos elementos literal, histórico e teleológico de interpretação da lei, bem como da consideração da unidade do sistema.

O. Em primeiro lugar, importa ter presente que nos movemos no campo apertado da exceção à regra. O princípio geral do nosso ordenamento jurídico é o da proibição da capitalização de juros. A posição básica do Direito privado, perante o anatocismo, é de desfavor, estando-lhe subjacentes razões que se prendem com a proibição da usura, bem como ponderações de equilíbrio de prestações e de proteção do devedor (tudo conforme doutrina e jurisprudência largamente dominantes; preocupações essas cuja justificação surge, ademais, bem ilustrada pelos valores e circunstâncias verdadeiramente peculiares dos presentes autos.

P. Só é permitida a capitalização de juros se e na estrita medida em que o artigo 560.º do Código Civil o admita. Surgindo o anatocismo previsto no artigo 560.º do Código Civil como um jus singulare que o afasta do que resultaria dos princípios gerais, a sua admissibilidade para lá do âmbito literalmente expresso no 560.º do Código Civil exige um redobrado esforço de demonstração hermenêutica.

Q. Ora, não resultando do texto daquela norma a possibilidade de sucessivos juros sobre “juros de juros”, vale a regra geral do nosso ordenamento jurídico de rejeição do anatocismo. Ainda para mais quando a permissão (excecional) de anatocismo que resulta apertis verbis daquela norma aponta para uma só “capitalização” e uma só “notificação judicial”.

R. Em segundo lugar, a capitalização sucessiva de juros caracteriza-se por um efeito compulsório que a aproxima de mecanismos de autotutela, na medida em que o devedor é colocado, em face do incremento exponencial da dívida, sob acrescida pressão para cumprir a obrigação, como reconhece o Tribunal a quo.

S. Perante o incumprimento do devedor, a regra do ordenamento jurídico é a da realização coativa da prestação (artigos 781.º e ss. do Código Civil), sendo que a fixação de meios compulsórios encontra-se reservada aos tribunais e exige a infungibilidade da prestação (cf. o artigo 829.º-A do Código Civil); requisitos que não se encontram aqui verificados.

T. Acresce que, enquanto mecanismo que acarreta um efeito eminentemente compulsório – independentemente da discussão sobre a natureza indemnizatória que o anatocismo possa ter – de natureza estritamente privada, a capitalização sucessiva de juros configura um mecanismo de autotutela não admitido ao abrigo da exceção prevista no artigo 1.º do CPC, porquanto não encontra previsão legislativa.

U. Em terceiro lugar, a natureza indemnizatória da obrigação de juros moratórios obsta à sua capitalização sucessiva, considerando que o mecanismo de proteção do credor que permite a sua indemnização no caso de incumprimento de obrigações pecuniárias é, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 806.º do Código Civil, o vencimento de juros de mora simples contados do dia da constituição em mora.

V. Ora, a capitalização sucessiva de juros implica uma majoração do quantum indemnizatório legalmente quantificado e inilidível. Dela resulta, na prática, uma presunção inilidível de dano superior à legalmente prevista no n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil, desacompanhada das exigências, previstas no n.º 3 desse artigo 806.º, de alegação e prova do concreto dano adicional, ou, pura e simplesmente, proibida por lei (se se considerar, como alguma doutrina e jurisprudência, que o n.º 3 não é aplicável a situações de responsabilidade contratual);podendo inclusive colocar o credor a beneficiar do incumprimento; interesse que a lei não protege.

W. Em quarto lugar, a unicidade do anatocismo civil é ainda reforçada pelo seu confronto com o regime especial previsto para o anatocismo bancário, que resulta do Decreto-Lei n.º 58/2013, em particular o seu artigo 7.º, n.º 3, do qual resulta que a aplicação de juros de mora sobre juros remuneratórios por instituições bancárias, nos contratos de crédito, é limitada a um único anatocismo.

X. Todas estas circunstâncias, individual e conjuntamente ponderadas, justificam e evidenciam a proibição do exercício sucessivo do anatocismo potestativo e, consequentemente, determinam a inadmissibilidade das seis capitalizações sucessivas requeridas pela NOS, desde logo porque os juros sobre o capital inicial já haviam sido capitalizados uma vez, in judicio, no âmbito da Ação de 2010.

3. O desequilíbrio dos interesses

Y. O caráter sucessivo do anatocismo potestativo exercido pela NOS, por um lado, e a pendência da ação judicial, por outro, determinam, por si só, a procedência deste recurso e a consequente improcedência da ação. Mas, conjuntamente considerados, ainda mais justificam essa improcedência, tal é o desequilíbrio entre:

(i) a posição do credor – que, na sequência da Ação de 2010, recebeu o pagamento da dívida de capital de cerca de € 13,5 milhões, acrescido de compensação pela mora e do valor económico da disponibilização dessas somas de dinheiro (os juros moratórios, os juros capitalizados e juros sobre o montante agregado), no valor global de mais de € 27 milhões; e, por outro lado,

(ii) a posição do devedor – que, enquanto contestava judicialmente aquelas dívidas, foi confrontado com sucessivas (seis) iniciativas do credor extra processo para mais capitalizações de “juros de juros”, das quais não se pôde defender, sendo que, para as evitar, teria de renunciar aos seus direitos de defesa, pagando todo o montante que diligentemente contesta em tribunal, e que, depois de ter pago o montante a que foi condenado (€ 40,8 milhões), é novamente confrontado com uma ação para pagar € 5 milhões adicionais de juros de juros capitalizados.

Z. Nestas circunstâncias, o exponencial aumento (por ato unilateral do credor) do valor da dívida do devedor, emergente de uma obrigação de capital de € 13,5 milhões, é manifestamente desproporcionado face aos interesses do credor, que já se encontram acautelados pelo recebimento dos € 40,8 milhões; ainda para mais quando, como se verá de seguida, esse aumento exponencial da dívida importa objetiva e materialmente um resultado equivalente à aplicação de uma taxa usurária.

4. O resultado usurário da capitalização pretendida pela NOS

AA. O resultado a que se chega com as seis capitalizações em causa resulta, de todo modo, contrário à lei, porquanto viola o artigo 1146.º do Código Civil (aplicável ex vi artigos 559.º-A e 282.º do mesmo diploma), que qualifica como usurários quaisquer juros anuais que excedam os juros legais acima de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real.

BB. Caso fossem admitidas as seis capitalizações sucessivas que constituem a causa de pedir da NOS nesta ação, chegar-se-ia, em termos práticos (estando em causa a mesma disponibilização de capitais ao devedor e idênticas obrigações de juros), a um resultado equivalente ao de o capital inicialmente em dívida ter sido sujeito a uma taxa de juro de 18%, portanto, exponencialmente superior à taxa legal aplicável ao período em causa, de 8,25%.

5. A prescrição do direito invocado pela NOS

CC. Na hipótese de se reconhecer à NOS o direito que esta invoca nos autos, é inevitável concluir pela sua prescrição e pela consequente ausência de qualquer montante em dívida.

DD. Na presente ação a NOS peticiona o pagamento de uma quantia para lá da obrigação pecuniária principal que se discutia na Ação de 2010 - € 13.561.485 - que resulta do vencimento de juros e do alegado vencimento de juros sobre juros a partir da capitalização de juros efetuada em 07.02.2012 – assim, a NOS pretende ver reconhecido um direito a um crédito de juros.

EE. Os créditos de juros prescrevem no prazo de cinco anos, começando este a correr quando o direito puder ser exercido (cf. os artigos 310.º, alínea d) e 306.º do Código Civil), o que implica que à data da propositura da presente ação, em 03.12.2018, já tivessem decorrido mais de cinco anos desde 07.02.2012, data em que a NOS, através de notificação judicial avulsa, pretendeu capitalizar os juros vencidos até então e que constituem pressuposto das capitalizações posteriores.

FF. Assim, o direito da NOS aos juros capitalizados em 07.02.2012 (a existir) já se encontrava prescrito à data em que a presente ação foi proposta, o que determina a inexistência do direito a juros de juros emergente das capitalizações de juros efetuadas após 07.02.2012, porquanto as capitalizações subsequentes partem do pressuposto que os juros capitalizados nessa data seriam devidos.

GG. A referida conclusão resulta de três linhas argumentativas; (i) em primeiro lugar, a interrupção da prescrição através de notificação judicial avulsa é admitida uma só vez, o que resulta inequívoco da ratio do instituto da prescrição, que se reconduz à atribuição de relevância à negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo que o legislador considerou razoável e à necessidade de certeza e a segurança nas relações jurídicas, permitindo-se que o devedor se oponha a um pedido tardio de cumprimento por parte do credor menos diligente.

HH. Solução distinta colocaria em causa as referidas certeza e segurança jurídicas, permitindo um eternizar da dívida – com particular impacto no caso das obrigações de juros moratórios – criando para o credor um mecanismo apto a inviabilizar, unilateralmente, a prescrição do seu direito através da interrupção do respetivo prazo.

II. Em segundo lugar, (ii) a notificação judicial avulsa que seria apta a interromper o prazo de prescrição é a primeira requerida pela NOS e não a última; valem as mesmas razões atinentes à relevância da negligência do titular do direito e à certeza e segurança nas relações jurídicas, sendo que o credor diligente, cujo único interesse juridicamente atendível é o cumprimento, é aquele que intenta a ação correspondente e não o que interrompe sucessivamente o prazo prescricional.

JJ. Adicionalmente, e em face das considerações a este propósito do Tribunal a quo, importa realçar que a prescrição e os meios aptos à sua interrupção, previstos pelo ordenamento jurídico, não devem receber interpretação ou tratamento distinto daquele que recebem em geral perante o anatocismo.

KK. Em terceiro lugar, capitalizar juros significa, tão-só, que os juros passam a comportar-se como capital no sentido em que se tornam aptos a vencer, também eles, juros – aspeto que não implica, contudo, a reconfiguração da dívida consequente em dívida de capital; estamos perante “juros de juros” que não deixam, portanto, de ser juros – pelo que se discute, nos autos, uma obrigação de juros.

LL. As chamadas prescrições de curto prazo pretendem evitar que o credor acumule os seus créditos tornando excessivamente oneroso ao devedor pagar mais tarde. Constituindo a obrigação em disputa nos autos uma obrigação de juros, encontra-se sujeita ao prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea d) do Código Civil e não ao prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do mesmo diploma.

MM. A prescrição do direito invocado pela NOS constitui exceção perentória, devendo, assim, a MEO ser absolvida do pedido (cf. os artigos 576.º, n.º 3 e 571.º, n.º 2, in fine, do CPC).

6. A exceção de caso julgado

NN. A Ação de 2010 decidiu, definitivamente, sobre (i) os termos do incumprimento da MEO da sua obrigação pecuniária principal no âmbito da relação de prestação de serviço estabelecida com a NOS, condenando a MEO ao cumprimento; e (ii) o montante indemnizatório devido pelo incumprimento, correspondente aos juros de mora vencidos sobre o capital em dívida ao que acresceu uma capitalização única que teve lugar em 07.04.2010.

OO. Assim, o montante devido a título de incumprimento na relação jurídica em causa nos autos, a indemnização devida pela circunstância de esse cumprimento não ter sido tempestivo e ainda uma compensação pelo valor económico da disponibilização dessas somas de dinheiro na forma da referida capitalização, constituem aspetos definidos em definitivo pela Ação de 2010.

PP. Encontra-se, assim, verificada a tríplice identidade (subjetiva e objetiva) que permite relevar efeito negativo do caso julgado formado naquela ação (cf. os artigos 619.º, 580.º e 581.º do CPC).

QQ. Quanto à identidade subjetiva, não se dúvida serem as partes as mesmas em ambas as ações.

RR. Quanto à identidade de pedidos, o efeito jurídico pretendido pela NOS na Ação de 2010 era o cumprimento, pela MEO, da obrigação pecuniária principal e a condenação daquela ao pagamento de juros enquanto indemnização devida pelo atraso no cumprimento das obrigações pecuniárias (ao que acresceu uma capitalização, acolhida pelo Tribunal da ação); na presente ação a NOS vem peticionar um incremento do crédito (indemnizatório) de juros devido pelo referido incumprimento, pelo que o efeito jurídico pretendido é parcialmente o mesmo: a sua compensação pela atuação da MEO, tendo esse quantum indemnizatório já sido oportunamente fixado na Ação de 2010.

SS. Não obsta à identidade de pedidos a circunstância de esta ser parcial.

TT. Quanto à identidade de causa de pedir, o facto jurídico em causa na presente ação é o mesmo que fundou a pretensão da NOS na Ação de 2010: o incumprimento da obrigação pecuniária principal que para a MEO resultava da relação jurídica de prestação de serviços estabelecida com a NOS, que deu origem à condenação no cumprimento e ao crédito indemnizatório de juros, enquanto compensação pelo atraso no cumprimento atendendo à natureza da obrigação em causa, e bem assim à capitalização única de 07.04.2010.

UU. Pelo que não se dúvida que ambas as ações procedem do mesmo facto jurídico, quer se considere, como é entendimento da MEO, que a NOS peticiona nesta ação um adicional do crédito de juros devido a título indemnizatório, ou quer se considere que está a ser discutido um remanescente de capital em dívida a título de cumprimento da obrigação pecuniária principal, como sustenta a NOS.

VV. Acresce que a NOS podia ter suscitado na Ação de 2010 a questão de saber se tinha direito aos montantes resultantes das capitalizações efetuadas após a de 07.04.2010 e se as mesmas implicavam uma evolução do montante indemnizatório devido pelo incumprimento que se discutia naquela ação – não o tendo feito, fica precludido o seu direito de, em nova ação, alterar os montantes que entende serem devidos por força do incumprimento da obrigação pecuniária principal.

WW. Sendo assim procedente a exceção de caso julgado, nos termos da al. i) do artigo 577.º do CPC.

7. Inadmissibilidade da capitalização de juros moratórios

XX. Sem prejuízo do que ficou dito, e quanto à questão – mais geral e abstrata, controvertida na jurisprudência e na doutrina – de saber se são admitidas capitalizações sobre juros de mora tout court, na qual a NOS centrou os seus esforços e na qual tentou firmar o objeto dos presentes autos, as instâncias responderam de forma diferente. Ora, a decisão do tribunal de primeira instância, no sentido de que não é admitida a capitalização de juros de mora, mas apenas de juros remuneratório, é a que se afigura mais acertada.

YY. Tal conclusão (mais severa) impõe-se não só pelo princípio geral de proibição genérica do anatocismo, que se encontra diretamente associada à proibição da usura e pela natureza indemnizatória dos juros moratórios – amplamente evidenciados na sentença de primeira instância – mas também, adicionalmente, porque, à data das capitalizações sub judice e na pendência da ação em que se discute a obrigação pecuniária principal, era inexigível e ilíquida a obrigação de juros moratórios; entendimento que vem sendo sufragado pela doutrina e jurisprudência.

ZZ. A MEO não se encontrava, na pendência da Ação de 2010, em atraso no próprio pagamento dos juros moratórios – é distinta, pois, a mora no cumprimento da obrigação pecuniária principal e a mora no cumprimento dos juros que visam compensar o incumprimento dessa obrigação.

AAA. Sendo ainda a proibição de anatocismo sobre juros moratórios reforçada pelo Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio, que prevê regras especiais vigentes em matéria de anatocismo bancário, em particular dos artigo 7.º, n.º5, e 8.º, n.º 1, desse diploma.

BBB. Requer-se, finalmente, nos termos e para os efeitos do artigo 616.º, aplicável ex vi artigo 666.º, n.º 1 do CPC, a reforma do Acórdão Recorrido no que diz respeito a custas, por forma a ser incluída decisão quanto ao remanescente da taxa de justiça, sendo a Recorrente dispensada do pagamento do mesmo, devido pelos seus impulsos processuais até à prolação do mesmo. Adicionalmente, requer-se que a Recorrente seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida por este seu impulso processual”.

No mesmo requerimento vem ainda a ré “requerer, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (“RCP”), a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela presente revista”.


14. Por sua vez, a autora NOS veio apresentar (também indevidamente longa) resposta.

Finaliza as suas considerações nos seguintes termos:

1.ª — Em acórdão absolutamente notável na qualidade da sua fundamentação e no rigor e no cuidado com que todas as questões são nele tratadas e decididas, a Relação de ….. decidiu correctamente ao julgar admissível a capitalização de juros moratórios nos termos efectuados pela NOS, negando também que o crédito objecto da acção estivesse prescrito e que a MEO pudesse opor à pretensão da NOS qualquer excepção de caso julgado.

2.ª — Do ponto de vista económico, a capitalização dos juros visa, apenas e só, compensar o credor da privação das quantias correspondentes aos juros que eram devidos mas que não foram tempestivamente pagos, que constitui um dano autónomo e distinto do dano do atraso no pagamento da dívida de capital.

3.ª — Verifica-se, portanto, que a capitalização de juros moratórios tem uma racionalidade económica inequívoca, ligada ao ressarcimento do prejuízo que o incumprimento causa ao credor tal como a própria lei o concebe, ou seja, através da liquidação de juros calculados sobre a quantia pecuniária em dívida, e que a prossecução dessa finalidade supõe que tanto possa vencer juros a obrigação pecuniária inicial como aquela que resulte do vencimento de juros pelo período mínimo de 1 ano que a lei impõe. Isto sob pena de um injustificado locupletamento do devedor a expensas do credor.

4.ª — Na verdade, não se admitindo o anatocismo de juros moratórios, o devedor, à luz do próprio critério da lei, lucra sempre que a mora se prolongue por mais de um ano, e tanto mais quanto mais ela perdurar.

5.ª — O nosso ordenamento jurídico não proíbe o anatocismo, nem sequer o admite só excepcionalmente, mas antes o autoriza desde que se preencham as condições postas no art. 560.º do Código Civil com vista à protecção do devedor, que são somente as seguintes: por um lado, exige-se ao credor um acto posterior ao vencimento — nova convenção ou intimação judicial para o efeito —, pelo qual o devedor possa tomar consciência das consequências de persistir no não pagamento dos montantes vencidos; por outro lado, reclama-se um período de carência de pelo menos 1 ano antes de começarem a correr juros sobre o montante de juros vencido e não pago.

6.ª — Ora, não cabem dúvidas de que, na situação em apreço, os requisitos estabelecidos no art. 560.º do Código Civil estão preenchidos, tendo as interpelações para capitalização ou pagamento sob pena de capitalização respeitado a períodos de vencimento de juros de pelo menos 1 ano e sido feitas através de notificação judicial avulsa.

7.ª — Não constitui requisito constitutivo do direito à capitalização de juros que a dívida não esteja a ser objecto de impugnação judicial pelo devedor.

8.ª — O direito de defesa do devedor não sofre qualquer limitação pelo facto de, na pendência da acção, ser promovida pelo credor uma ou mais notificações para capitalização de juros.

9.ª — Como bem se afirma no acórdão recorrido, não vigora no ordenamento jurídico português um regime de inadmissibilidade geral do anatocismo, e a norma do art. 560.º do Código Civil não constitui norma excepcional contrária a tal suposto princípio.

10.ª — Independentemente de se poder ou não falar de um princípio geral contrário ao anatocismo, não há qualquer fundamento para daí retirar uma pretensa necessidade de interpretação restritiva das normas contidas no art. 560.º do Código Civil.

11.ª — Ao que acresce que, contrariamente ao que alega a MEO, a letra do art. 560.º do Código Civil em parte alguma aponta para uma só capitalização e uma só notificação judicial.

12.ª — O art. 560.º do Código Civil não acolheu a proposta de VAZ SERRA desfavorável à capitalização de juros moratórios.

13.ª — Nada na letra do preceito autoriza, por isso, a restringir dessa forma o âmbito de aplicação da norma do art. 560.º do Código Civil — sendo certo que, como demonstra PAULO MOTA PINTO, os demais elementos interpretativos militam claramente pela aplicação da norma aos juros moratórios — pelo que também não existe qualquer objecção de carácter sistemático, por parte da nossa ordem jurídica, à capitalização dos juros moratórios.

14.ª — Nem na jurisprudência nem na doutrina é dominante o entendimento contrário à admissão da capitalização de juros moratórios.

15.ª — Nenhuma similitude existe entre o anatocismo e um sistema de justiça privada. Quando interpela o devedor para capitalizar os juros vencidos há mais de um ano ou para pagar sob pena de capitalização, o credor está apenas a acautelar o seu direito ao ressarcimento dos danos que o não pagamento tempestivo da

 dívida lhe causa, direito esse que terá depois de exercer pelas vias que a ordem jurídica lhe faculta, recorrendo à competente acção judicial para procurar obter a sua satisfação — como acontece com a NOS, na presente acção.

16.ª — A restrição estabelecida no n.º 3 do art. 806.º do Código Civil não prejudica a capitalização de juros moratórios nem a possibilidade de esta ser feita por mais do que uma vez, porque, quando se lança mão da mesma, está-se ainda no domínio de aplicação dos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo — ou seja, do que se trata, quando se procede à capitalização de juros moratórios, é de calcular, em abstracto conforme previsto naqueles preceitos, através da aplicação da taxa de juro, o dano decorrente da falta de pagamento de uma obrigação pecuniária correspondente aos juros vencidos.

17.ª — O regime do Dec.-Lei n.º 58/2013, de 8 de Maio, não só não contém qualquer argumento contrário à capitalização sucessiva de juros moratórios como constitui um forte indício de que o regime geral da lei — fora, portanto, do específico domínio do cálculo dos juros nas operações de crédito bancárias — deve ser de permissão da capitalização de juros moratórios pelas vezes necessárias para acautelar a indemnização causada pelo atraso no pagamento.

18.ª — A capitalização de juros devidos e não pagos, por um lado, e a aplicação de uma taxa de juros moratórios agravada face à taxa geral (ou face à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação), por outro lado, são remédios alternativos.

19.ª —No quadro do Dec.-Lei n.º 58/2013, concede-se aos bancos a possibilidade de calcular os juros de mora nos termos de uma taxa especialmente gravosa, calculada por aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3% sobre a taxa de juros remuneratórios aplicável à operação em causa.

20.ª — Fora desse âmbito, porém, isso não sucede, pelo que o credor está limitado ao sucedâneo que é a capitalização de juros devidos e não pagos, e a ela terá de lançar mão tantas vezes quantas as necessárias para assegurar o ressarcimento dos danos causados pela mora do devedor.

21.ª — Não dispondo o credor de obrigações pecuniárias em geral daquela possibilidade de que os bancos gozam de aplicar uma taxa mais gravosa, seria absolutamente irrazoável que ele ficasse também privado do remédio alternativo que está na capitalização dos juros moratórios, em nome de uma pretensa protecção do interesse do devedor inadimplente.

22.ª — O crédito invocado no proc. n.º 524/10...... tinha o seu quantitativo inteiramente apurado, pelo que não dependia de qualquer acto de liquidação para fixar esse seu quantum — sendo certo que a liquidez de uma dívida não é posta em causa pelo facto de a sua exigibilidade ser contestada pelo credor.

23.ª — Sendo líquida a obrigação principal, líquidos serão também, em consequência, os juros de mora, já que o montante destes se apura por mera aplicação das taxas legais.

24.ª — Contrariamente ao que a MEO alega, nem a liquidez nem a exigibilidade de uma dívida são postas em causa pelo mero facto de a dívida ser contestada pelo devedor.

25.ª — Respeitados os requisitos estabelecidos no art. 560.º do Código Civil — e, na situação dos autos, foram-no relativamente a todas as capitalizações efectuadas —, nenhuma razão existe para entender que a capitalização sucessiva de juros gera uma situação de desequilíbrio entre as partes em prejuízo do devedor.

26.ª — Como se viu, a capitalização de juros moratórios não representa um agravamento da indemnização devida ao credor pelo atraso no pagamento, mas antes constitui a compensação de um dano autónomo e distinto, que é o dano da privação das importâncias correspondentes aos juros já vencidos e não pagos, que de outra forma ficará por compensar.

27.ª — Aliás, mesmo considerando o montante peticionado na presente acção, o total que a MEO irá pagar à NOS terá um valor global inferior aos das diversas parcelas da dívida da MEO, reportados às datas de vencimento das respectivas facturas, pelo que o prejuízo da NOS não será inteiramente ressarcido, e haverá sempre, portanto, ainda assim, um locupletamento por parte da MEO.

28.ª — A capitalização sucessiva de juros moratórios efectuada pela NOS não conduz à aplicação de uma taxa de juro usurária.

29.ª — Por força da capitalização passam a ser devidos juros moratórios não apenas sobre a obrigação principal como sobre a própria obrigação de pagar os juros moratórios entretanto capitalizados, pelo que é uma impossibilidade lógica que, em consequência da capitalização, os juros excedam a taxa legal aplicável — pois que eles são precisamente calculados a essa taxa.

30.ª — Na situação dos autos, mesmo que, num exercício aritmético incorrecto, se ficcionasse que os juros apurados por aplicação da taxa legal ao crédito decorrente das capitalizações teriam incidido sobre uma base fixa de 25.453.128,76 € (desconsiderando assim, para estes efeitos, o facto de o juro composto ter passado a ser calculado sobre uma base diferente, que considera os juros entretanto vencidos), verificar-se-ia que a taxa de juros efectiva seria sempre inferior a 10% — o que significava que estávamos ainda dentro da margem prevista no art. 1146.º do Código Civil, não se colocando qualquer problema de usura.

31.ª — De todo o modo, e ainda que assim não fosse, a verdade é que não estaríamos nunca perante um problema de usura ilícita, porque a capitalização dos juros é permitida pela norma do art. 560.º do Código Civil — o que, evidentemente, sempre excluiria a ilicitude e constituiria fundamento bastante para a sua cobrança.

32.ª — Os juros que foram objecto de capitalização não estavam prescritos.

33.ª — Tal como bem se afirma no acórdão recorrido, se, por efeito da capitalização dos juros, estes passam a ser tratados como dívida de capital, então não há razões para que continuem sujeitos ao prazo curto de prescrição, devendo o crédito respectivo, também para efeitos prescricionais, cair antes no âmbito de aplicação do regime aplicável ao crédito de capital correspondente — no caso, passando a sujeitar-se ao prazo regra de 20 anos do art. 309.º do Código Civil — , o que por si só determina a improcedência da referida excepção da prescrição.

34.ª — Não parece de acolher a interpretação restritiva da norma do art. 323.º do Código Civil, de que a notificação judicial, enquanto meio de interromper a prescrição, só opera uma única vez, não podendo por esse meio operar-se sucessivas interrupções do prazo prescricional.

35.ª — Como quer que seja, a verdade é que a doutrina contida em tal interpretação restritiva da norma do art. 323.º não tem aplicação na situação dos autos, porque os pressupostos de facto não são coincidentes.

36.ª — Na situação em apreço, não está em causa um qualquer efeito multiplicador do prazo prescricional através de sucessivas notificações, mas apenas e só o efeito interruptivo da prescrição que decorre de uma notificação judicial avulsa realizada na pendência do (primeiro) prazo prescricional.

37.ª — A única solução razoável, numa situação como esta, é de considerar que, tendo o credor interpelado o devedor por várias vezes no decurso do prazo, deve poder beneficiar do maior prazo para o exercício do seu direito por efeito da interrupção da prescrição, para o que se deverá associar esse efeito interruptivo da prescrição à última notificação efectuada.

38.ª — Caso se entendesse que, sendo efectuadas várias notificações judiciais avulsas dentro do mesmo prazo prescricional, só a primeira relevaria para efeitos de interrupção da prescrição, estar-se-ia a aplicar a norma do art. 323.º do Código Civil com um sentido inconstitucional por violação do princípio constitucional da confiança e da garantia do acesso à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20.º da Constituição.

39.ª — Ainda que se pudesse entender que o direito aos juros capitalizados mais antigos — isto é, aqueles que se tivessem vencido há mais de 5 anos à data da propositura da presente acção — tivesse já prescrito (no que obviamente não se concede), daí não decorreria a preclusão do direito a todos os juros capitalizados, já que o efeito de uma putativa prescrição do direito aos juros capitalizados mais antigos seria unicamente deixar de se poder exigir em juízo o pagamento de tais juros —, sem que daí resultasse que a NOS perdesse também a possibilidade de cobrar à MEO os demais juros capitalizados vencidos há menos de 5 anos.

40.ª — Não se verifica a excepção do caso julgado invocada pela MEO — ainda que por razões que, no entender da NOS, não são inteiramente coincidentes com as da decisão recorrida.

41.ª — Conforme a NOS sustenta na acção, deve entender-se que o caso julgado formado no proc. n.º 524/10...... abrange as capitalizações de juros promovidas após a citação da MEO para essa acção, uma vez que a sentença afirma o direito da NOS de proceder à capitalização dos juros vencidos por todo o período entre a data da sentença e a do efectivo pagamento.

42.ª — E mesmo que não se interprete desse modo o teor decisório da sentença proferida no proc. n.º 524/10......, a autoridade do caso julgado material sobre ela formado estende-se também às capitalizações de juros subsequentes à realizada na sequência da notificação de 7.4.2010.

43.ª — Por uma ou por outra via, é manifesto que a excepção oposta pela MEO tem de improceder, porque o que resulta do caso julgado formado na anterior acção é, bem ao contrário do pretendido pela MEO, o reconhecimento do crédito da NOS peticionado nestes autos.

44.ª — Ainda que se entenda que da decisão proferida no primeiro processo decorre apenas que a NOS tem direito à capitalização de juros até 7.4.2010 e não aos juros decorrentes das capitalizações subsequentes, isso não leva, em hipótese alguma, à procedência da excepção do caso julgado.

45.ª — Contrariamente ao que a MEO alega, as capitalizações de juros efectuadas na sequência das notificações judiciais avulsas de 18.9.2015, 15.12.2016 e 12.1.2018, porque realizadas depois de encerrada a discussão em Primeira Instância no proc. n.º 524/10......, nunca poderiam ter sido nele consideradas.

46.ª — Quanto a essas capitalizações e ao efeito delas resultante, portanto, nunca seria oponível a excepção do caso julgado mesmo que tivesse fundamento o alegado pela MEO.

47.ª — Também contrariamente ao que alega a MEO, o facto de o pedido formulado na acção n.º 524/10...... não esgotar o direito da NOS, por alegadamente não abranger os juros capitalizados vencidos antes do encerramento da discussão em Primeira Instância nessa acção, não impede a NOS de vir, pela presente acção, pedir a parcela remanescente, que resulta da capitalização desses juros.

48.ª — Não existe, da parte do autor na acção declarativa, nenhum dever de concentração ou de esgotamento das suas pretensões numa mesma acção, podendo ele deduzir um pedido meramente parcial, que não esgota o seu direito ou pretensão, sem com isso ficar precludida a possibilidade de, querendo, demandar subsequentemente o mesmo réu relativamente à parte restante do seu direito ou pretensão — assim acontece, pelo menos, em caso de procedência da primeira acção, como acontece na situação em apreço.

49.ª — Caso não se entenda que a condenação proferida na primeira acção abrange todas as capitalizações, o que dela resultou foi uma decisão que julgou válida e eficaz a primeira dessas capitalizações, que não obsta a que se peça agora a condenação da MEO no pagamento do remanescente da dívida de capital qu ficou por pagar por a quantia entregue pela MEO ser insuficiente para satisfazer o crédito de capital e juros da NOS, atentas as demais capitalizações entretanto efectuadas.

Ampliação do objecto do recurso

50.ª — No entender da NOS, as Instâncias erraram ao considerar não abrangida pelo caso julgado formado na anterior acção, e pela autoridade que ele impõe, a questão do efeito das capitalizações de juros moratórios efectuadas depois de 7.4.2010, fazendo uma interpretação injustificadamente restritiva do teor decisório daquela sentença e desconsiderando aquilo que por ela efectivamente ficou decidido.

51.ª — Por essa razão, vem a NOS, ao abrigo do disposto no art. 636.º, n.º 1, do C. P. C., requerer, a título subsidiário, a ampliação do objecto do recurso para que se conheça desta questão na eventualidade, que por mera cautela se encara, de o recurso da MEO vir a ser julgado procedente.

52.ª — A decisão condenatória contida proferida no proc. n.º 524/10......, transitada em julgado, afirmando o direito da NOS de proceder à capitalização dos juros vencidos por todo o período que mediasse entre 7.4.2010 e a data do efectivo pagamento, abrange os juros capitalizados em resultado de todas as 6 notificações judiciais avulsas realizadas após 7.4.2010.

53.ª — Ainda que não se interprete com esta abrangência o teor decisório da sentença em causa, a autoridade do caso julgado material sobre ela formado estende-se também às capitalizações de juros subsequentes à realizada na sequência da notificação de 7.4.2010.

54.ª — A questão do direito da NOS à capitalização dos juros moratórios devidos pela MEO pelo atraso no pagamento da dívida já foi discutida, apreciada e decidida no proc. n.º 524/10...... — sem oposição da MEO, aliás —, pelo que essa questão não pode ser objecto, em nova acção entre as mesmas partes, de decisão contraditória com a anteriormente proferida.

55.ª — Mesmo que se tome o pedido deduzido na acção n.º 524/10TVLSB relativamente aos juros capitalizados como meramente parcial (ou seja, circunscrito à primeira capitalização), o caso julgado nela formado sempre vincularia o Tribunal a respeitar o ali decidido e a retirar idêntico efeito jurídico das restantes capitalizações efectuadas pela NOS.

56.ª — Por conseguinte, impõe-se que as questões, que são as mesmas, não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão desta acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.

57.ª — Ao considerar não abrangida pelo caso julgado formado na anterior acção, e pela autoridade que ele impõe, a questão do efeito das capitalizações de juros moratórios efectuadas depois de 7.4.2010, o douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as normas dos arts. 581.ºe619.º, n.º 1,do Código de Processo Civil.

58.ª — Também prevenindo a eventualidade de se julgar procedente o recurso interposto pela MEO, a NOS requer seja conhecida a questão por si suscitada no recurso de apelação relativamente a um dos fundamentos em que assenta o pedido, deduzido na acção, de que a MEO seja condenada a pagar o remanescente do crédito que foi reconhecido à NOS pela sentença proferida no proc. n.º 524/10...... — que é aquele em que a NOS sustenta que o pagamento que foi efectuado pela MEO é insuficiente para solver integralmente a dívida em que foi condenada na acção n.º 524/10...... porque a quantia paga pela MEO foi calculada contando juros somente até 18 de Maio de 2018, com base em alegada mora do credor, quando a verdade é que não há razão para suspender a contagem dos juros moratórios nessa data ou em qualquer outra data anterior ao pagamento integral da quantia em dívida.

59.ª — Assim, caso se considere, como sustenta a NOS, que ocorreu omissão de pronúncia em Primeira Instância por esta ser ter deixado de pronunciar sobre a referida matéria, que constitui causa de pedir da acção, assim incorrendo na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do C. P. C., deverá ordenar-se a baixa do processo para que as Instâncias conheçam do fundamento da acção relativamente ao qual a Primeira Instância omitiu pronúncia.

60.ª — Caso se entenda, como decidido pelas Instâncias, que estamos apenas perante um outro fundamento da acção, requer a NOS, sempre prevenindo a eventualidade de procedência do recurso da MEO, que se conheça desse fundamento e, a final, se julgue a acção procedente nesta parte.

61.ª — A alegada mora do credor, segundo a MEO, resultaria de a NOS se ter recusado a receber a quantia que a MEO se propunha pagar, por considerar ter direito a quantia superior e não se dispor a dar quitação nos termos pretendidos pela MEO — recusa essa que, segundo a MEO, resultaria da carta da NOS de 11 de Maio de 2018 (Doc. junto com a petição inicial sob o n.º 22, referido no ponto 22 dos factos provados).

62.ª — Sucede que, desde logo, não há recusa ilícita de recebimento pelo credor quando este chama a atenção do devedor para o facto de o montante devido ser superior ao que este se dispõe a pagar e não recebe do devedor qualquer resposta — como aconteceu na situação dos autos.

63.ª — Depois, a NOS nunca se recusou a receber a quantia que a MEO se propôs pagar, nem se recusou a dar quitação, pelo que não incorreu em mora do credor alguma.

64.ª — Contrariamente ao que a MEO pretende, esta não podia exigir que a NOS reconhecesse que o montante pago correspondia à totalidade do que era devido por força da condenação judicial de que a MEO foi objecto, nem que correspondia aos montantes de capital e de juros especificados pela MEO, e também não podia exigir que a NOS, enquanto credora, se abstivesse de inserir na declaração de quitação as reservas que entendesse dever fazer quanto ao seu direito a maior quantia, nomeadamente por força das capitalizações de juros entretanto efectuadas.

65.ª — Em suma, ao enviar à MEO a carta de 11 de Maio de 2018, corrigindo o montante que a MEO se propunha pagar e mostrando-se disponível para emitir a declaração dequitação com o teor dela constante, a NOS não recusou receber nem formulou qualquer reserva que a lei não admita.

66.ª — À data em que a MEO entregou à NOS a quantia de € 40.879.084,61, como à data de hoje, nada obsta a que a dívida da MEO vencesse e continue a vencer juros moratórios, pelo que o pagamento feito pela MEO a 3.7.2018, totalidade da dívida, já que nenhuma razão existia para fazer cessar a contagem dos juros moratórios à data de 18.5.2018.

67.ª — Requer-se seja reformada a decisão recorrida na parte respeitante a custas, determinando-se que não é devido pela NOS remanescente da taxa de justiça pela sua intervenção processual até à prolação daquela decisão, e seja também determinado que a NOS é dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça relativamente ao presente recurso”.

Termina dizendo que “deverá negar-se provimento ao recurso interposto pela MEO e, consequentemente, confirmar-se o douto acórdão recorrido” e que “[n]a eventualidade de procedência do recurso, deverá então conhecer-se das questões suscitadas pela NOS em ampliação do objecto do recurso e, julgando-as procedentes, condenar-se a MEO no pedido”.


15. Em 15.04.2021, foi proferido, no Tribunal da Relação de ….., um Acórdão em Conferência de cujo dispositivo consta o seguinte:

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a reforma do acórdão quanto a custas requerida por ambas as partes, nos seguintes termos:

- quanto à NOS, determina-se a dispensa do pagamento de 70% do remanescente da taxa de justiça na ação e no recurso de apelação;

- relativamente à MEO, determina-se a dispensa do pagamento de 40% do remanescente da taxa de justiça na ação e no recurso de apelação.

A presente decisão faz parte integrante do acórdão proferido.

Notifique e abra conclusão nos autos a fim de nos pronunciarmos sobre o recurso de revista”.


16. Em 16.04.2021, a Exma. Senhora Desembargadora Relatora proferiu o seguinte despacho:

Atendendo ao seu objeto, à sua tempestividade e à legitimidade das partes, admito o recurso de revista interposto pela «Meo – Serviços de Comunicação e Multimédia, S.A.», o qual sobe imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629.º, 631.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, 675.º, n.º 1 e 676.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

Notifique”.


17. Notificada das contra-alegações da NOS, nas quais esta requer, a título subsidiário, a ampliação do objecto do recurso, veio a MEO, invocando o artigo 638.º, n.º 8, do CPC, pronunciar-se sobre a matéria da ampliação.

Sintetiza as suas considerações assim:

Em suma, ponderado o exposto, existe dupla conforme relativamente à questão de saber se o caso julgado formado na Ação de 2010 abrange a pretensão formulada pela NOS nos presentes autos e, bem assim, quanto à questão de saber se existe omissão de pronúncia quanto à circunstância de a NOS ter incorrido em mora do credor em 18.05.2018.

Caso assim não se entenda, deve ser confirmada a decisão tomada pelas instâncias relativamente a ambas, porquanto, quanto à primeira, a autoridade do caso julgado formado na Ação de 2010 não abrange a pretensão formulada pela NOS nos autos; quanto à segunda, (i) não existe omissão de pronúncia nas decisões proferidas pelas instâncias e (ii) encontra-se vedado ao Tribunal ad quem o conhecimento de um argumento relativamente ao qual não foi formulado um pedido, ainda que subsidiário ou alternativo”.


18. Notificada do Acórdão de 15.04.2021, veio a ré MEO “ao abrigo do disposto no artigo 617.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), alargar o âmbito do recurso por si interposto de forma a abranger a decisão quanto a custas tomada no Acórdão de 15.04.2021”.


19. Notificada do mesmo Acórdão, veio, por sua vez, a autora NOS “ao abrigo do disposto no art. 617.º, n.º 3, do C.P.C., aplicável com as devidas adaptações, requerer que a questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça por si requerida integre o recurso de revista de modo a ser conhecida pelo S. T. J., para o que junta a respectiva alegação”.


20. Em 28.05.2021 foi proferido no Tribunal da Relação ….. o seguinte despacho:

Admito o alargamento do âmbito do recurso de revista interposto pela Recorrente MEO à questão suscitada por ambas as partes da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tendo em consideração a alteração sofrida pelo acórdão desta Relação de 14.1.2021 nesse particular, ao abrigo do disposto no artigo 617.º, n.ºs 2 e 3, ex vi do artigo 666.º, n.º 1, do CPC.

Tenha-se em consideração a alegação de resposta da MEO à ampliação do recurso da NOS de 20.4.2021, junta após a admissão do recurso.

Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça”.


*

Cumpre apreciar.

*



I. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir no presente recurso são as de saber se:

1.ª) é admissível o anatocismo nos termos pretendidos pela autora NOS;

2.ª) admitindo que sim, o direito à capitalização dos juros já não prescreveu; e

3.ª) não ocorre a excepção de caso julgado.


II. Como se viu atrás, a autora / recorrida NOS apresentou um pedido (subsidiário) de ampliação do âmbito do recurso (cfr. conclusões 50 a 66 das contra-alegações).

Este tipo de pedido está previsto no artigo 636.º do CPC, entendendo-se que ele se qualifica também como contra-alegações e não como um genuíno recurso[1].

Assim, há que dizer que, caso a pretensão do autor obtenha acolhimento, deverá conhecer-se da necessidade / oportunidade da ampliação do âmbito do recurso, conforme requerido pela ré no seu requerimento de resposta.

Nesta hipótese que – insiste-se – poderá não se concretizar a final, as questões a apreciar seriam as de saber se:

1.ª) a autoridade do caso julgado formado no Processo n.º 524/10TVLSB impede que se ponha em causa a capitalização de juros moratórios efectuada depois de 7.04.2010; e

2.ª) existe mora da autora / credora da qual decorre a suspensão da contagem dos juros moratórios.


III. Por fim, na sequência do Acórdão de de 15.04.2021, ambas as partes apresentaram requerimentos de alargamento do âmbito do recurso de forma a que este compreenda a questão respeitante ao remanescente da taxa de justiça.

Logo, ainda haverá que apreciar, por vontade conjunta das partes, esta questão.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido[2]:

1. Correu termos na .. secção da .. Vara Cível ….. (posteriormente J.. da Instância Central cível …..), sob o n.º 524/10......, entrado em juízo em 6.03.2010, acção declarativa na qual a Autora (à data designada SONAECOM – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES, S.A. e depois também designada OPTIMUS COMUNICAÇÕES, S.A.) demandou a Ré (à data designada PT COMUNICAÇÕES, S.A.) peticionando, entre o mais, a condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de 25 355 040,21 €, acrescida de juros sobre o montante de 13 561 485 €, às taxas máximas sucessivamente em vigor entre 5.03.2010 e a data da notificação para capitalização de juros também requerida na petição inicial, e juros sobre o montante de 13 561 485 €, adicionado o montante dos juros capitalizados, às taxas legais máximas sucessivamente em vigor, entre a data de tal notificação e a do efectivo pagamento (conforme doc. 1 junto com a p.i.).

2. Na petição inicial dessa acção, a Autora requereu a notificação da Ré nos termos do artigo 560.º do Código Civil, para capitalizar os juros vencidos ou proceder a tal pagamento, notificação que ocorreu a 7.04.2010.

3. Com data de 15.07.2015, foi proferida sentença naqueles autos tendo-se decidido condenar a Ré «a pagar à A. a quantia de €25.355.040,21 acrescida de juros sobre o montante de €13.561.485,00 às taxas legais máximas de juros sucessivamente em vigor entre 5 de março de 2010 e a data da notificação para capitalização de juros (07/04/2010) sobre o montante de €13.561.485,00, adicionado do montante de juros capitalizados, às taxas legais máximas sucessivamente em vigor, entre a data da referida notificação (07/04/2010) e a do efectivo pagamento» – cf. doc. 3 junto com a p.i. que aqui se dá por reproduzido.

Consta da fundamentação da sentença, a respeito da matéria da capitalização de juros, que:

«Por outro lado, dispõe o art.º 560 do C.C. que "pode haver também juros de juros a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização."

A R. foi notificada para este efeito (por nova carta de citação) em 07/04/2010.

Não tendo na sequência desta notificação a R. capitalizado os juros vencidos ou procedido ao seu pagamento, tem a A. direito à sua capitalização».

4. Interposto recurso desta sentença, foi proferido acórdão do Tribunal da Relação ….. em 20.09.2016, a que se referem as cópias de fls. 190 a 208, que julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.

Consta da fundamentação do acórdão, a respeito da matéria da capitalização de juros, que:

«Quanto ao vencimento de juros sobre juros, dispõe o n.º 1 do art. 560º do C. Civil que para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.

Conforme resulta dos autos, logo na petição inicial, a autora requereu que a ré fosse notificada nos termos do art. 560º, n.º 1 do Código Civil, para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.

Sucede que a Ré foi notificada para tal em 7-4-2010.

Nada tendo feito a ré em conformidade terá a autora direito à requerida capitalização».

5. A Ré interpôs recurso de revista excecional para o STJ que, em 9.03.2017 proferiu acórdão, cuja cópia consta de fls. 210 a 218, que não admitiu a revista.

6. A Ré interpôs recurso para o Tribunal Constitucional que decidiu não tomar conhecimento do objeto do mesmo, cf. decisão junta a fls. 220 a 239.

7. A decisão transitou em julgado em 19.04.2018 – cf. certidão de fls. 537.

8. A 2.02.2012, a NOS requereu a notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos sobre a quantia de 25 453 128,76 € desde 8.04.2010 até à data em que ocorresse tal notificação, ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a Ré sido notificada em 7.02.2012 - cf. doc. de fls. 241 a 257.

9. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 8.04.2010 até 7.02.2012, no valor total de 3 775 431,21 €.

10. A 19.04.2013, a NOS requereu nova notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos desde 8.02.2012 até à data em que ocorresse tal notificação, ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a notificação ocorrido a 24.04.2013 – cf. doc. de fls. 258 a 279.

11. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 8.02.2012 até 24.04.2013, no valor total de 2 808 744,50 €.

12. A 11.07.2014, a NOS requereu novamente a notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos desde 25.04.2013 até à data em que ocorresse essa notificação ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a notificação ocorrido a 1.08.2014 – cf. doc. de fls. 280 a 313.

13. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 25.04.2013 até 1.08.2014, no valor total de 3 019 669,55 €.

14. A 4.09.2015, a NOS requereu novamente a notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos desde 2.08.2014 até à data em que ocorresse essa notificação ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a notificação ocorrido a 18.09.2015 – cf. doc. de fls. 314 a 394.

15. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 2.08.2014 até 18.09.2015, no valor total de 2 811 137,11 €.

16. A 30.09.2016, a NOS requereu novamente a notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos desde 19.09.2015 até à data em que ocorresse essa notificação ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a notificação ocorrido a 15.12.2016 – cf. doc. de fls. 398 a 441.

17. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 19.09.2015 até 15.12.2016, no valor total de 3 311 955,37 €.

18. A 2.01.2018, a NOS requereu novamente a notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos desde 16.12.2016 até à data em que ocorresse essa notificação ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a notificação ocorrido a 12.01.2018 – cf. doc. de fls. 442 a 482.

19. No requerimento de notificação judicial avulsa constava do artigo 23.º que «A requerente adverte a requerida de que é seu firme propósito exercer contra a requerida o direito ao recebimento da quantia devida por força das sucessivas capitalizações de juros efectuadas desde a entrada em juízo da petição inicial no proc. n.º 524/10......» – cfr. fls. 447.

20. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 16.12.2016 até 12.01.2018, no valor total de 3 103 735,97 €.

21. Por carta datada de 8.05.2018, cuja cópia se encontra junta a fls. 484 e ss, a MEO comunicou à NOS que «Tendo a MEO presente que transitou em julgado a decisão proferida nos autos supra referenciados, e na sequência dos contactos mantidos entre os mandatários da NOS COMUNICAÇÕES, S.A. e da MEO- SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MUTIMÉDIA, S.A., sobre o processo em epígrafe, vimos pela presente expor perante V.exas o infra. (...) Entende a MEO que, nos termos da sentença, a quantia global devida à NOS ascenderá a 15 de Maio de 2018, ao valor de €40.817.753,02, equivalente à somadas seguintes rubricas:

i. €25.355.040,21 correspondente ao montante do capital em dívida (I.e. €13.561.485,00) acrescido do montante de juros vencidos até 5 de Março de 2010 (i.e. €11.793.555,21);

ii. €98.088,55 correspondente ao montante de juros vencidos entre 5 de março de 2010 e a data da notificação para capitalização de juros, ou seja, 7 de Abril de 2010;

iii. €8.186.306,81 correspondente ao montante de juros vencidos entre 7 de Abril de 2010 e 15 de Maio de 2018; e

iv. €7.178.317,45 correspondente aos juros vencidos até à data da notificação para capitalização de juros, ou seja, 7 de Abril de 2010 (€11.891.643,76) capitalizados desde essa data até ao dia 15 de Maio de 2018.

Tem a Meo presente que, para além do peticionado na acção referida, a NOS veio a requerer através de 6 notificações judiciais avulsas realizadas em 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2018, que a MEO capitalize sucessivamente os juros vencidos sobre o montante em dívida na acção, englobando nestes últimos, tanto juros moratórios como juros capitalizados. Contudo, estes sucessivos pedidos de capitalização não foram conhecidos no processo em epígrafe, pelo que a sentença proferida não conheceu dos mesmos, nem condenou a MEO no seu pagamento.

(...) Assim a MEO vem pela presente reiterar a sua intenção de proceder ao pagamento da quantia de €40.817.753,02, (...) solicitamos que no prazo de 72 horas a contar da recepção da presente carta a NOS:

i) Manifeste a sua concordância quanto ao montante que, segundo os cálculos feitos pela MEO, decorre dos termos da decisão proferida nos autos em epígrafe, bem como quanto ao texto do recibo de quitação constante da minuta em anexo; (...)» - negrito e sublinhado nossos.

22. A NOS [lapso de escrita corrigido – artigo 613.º, n.º 2, do CPC] respondeu por carta datada de 11.05.2018, cuja cópia consta de fls. 486 e ss e aqui se dá por reproduzida, comunicando que:

«(...) a NOS está disponível para emitir uma declaração de quitação nos seguintes termos, assumindo 15 de Maio de 2018 como data do pagamento:

«NOS COMUNICAÇÕES, S.A. confirma ter recebido da MEO - SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA S.A., a quantia de €40.859.558,92.

No pressuposto de que:

a) A decisão proferida no âmbito do processo n.º 524/10...... que correu os seus termos perante o Tribunal judicial da comarca de ….., juízo central cível de ..... – Juiz .., transitada em julgado, não cobre juros sobre os juros capitalizados por força de seis notificações judiciais avulsas realizadas em 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2018, e de que

b) Tais juros não são devidos, A NOS COMUNICAÇÕES, S.A., declara estarem integralmente pagos os créditos referidos no art.º 36º da petição inicial apresentada no âmbito do referido processo, bem como os juros respectivos. A NOS, porém, não aceita a correcção de pressuposto referido em a) e rejeita expressamente não só a correcção do pressuposto referido em (b) como que o pagamento efectuado pela MEO seja imputado no capital, em toda a medida do necessário para assegurar a liquidação integral dos juros vencidos». - negrito e subl. nossos.

A A quantia referida pela NOS na sua carta referida no ponto 22., de 40 859 558,92 €, excedia em 41 805,90 € aquela indicada na carta da MEO mencionada no ponto 21., tendo os advogados das partes admitido a retificação da divergência de valores. [acrescentado]

23. A 18.05.2018, a MEO apresentou em juízo, na acção n.º 524/10...... um requerimento pelo qual suscitou um incidente de consignação em depósito, pedindo que a NOS fosse notificada para receber a quantia de 40 879 084,61 €, que alegava ser a que resulta da sentença ali proferida com juros calculados até à referida data de 18.05.2018 (cf. doc. de fls. 488 a 500).

24. A NOS foi notificada desse articulado e de despacho para «receber, por termo, no dia 4 de Julho de 2018, pelas 11h, a quantia que resulta da sentença proferida nos autos de que estes constituem apenso, em conformidade com o requerido».

25. A NOS pronunciou-se, por requerimento de 13.06.2018 (cf. fls. 520 a 525).

26. A MEO entregou à NOS, por transferência bancária datada de 3.07.2018, a quantia de 40 879 084,61 €.

27. A 4.07.2018, foi lavrado nos autos do proc. n.º 524/10...... termo de recebimento do qual ficou a constar «... A requerente declara pagar a quantia de €40.879.084,61 (quarenta milhões oitocentos e setenta e nove mil e oitenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos) por transferência bancária da qual junta comprovativo.

A requerida declara ter recebido a quantia supra referida, com as reservas constantes de documento, denominado Declaração ao Abrigo do Disposto no art.º 924º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que se anexa, junta ainda comprovativo bancário de recebimento da referida quantia» (cf. doc. de fls. 525 v.º).

28. Nessa declaração, cuja cópia consta a fls. 526, a NOS afirma que «... a quantia em causa, de €40.879.084,61, que a MEO se dispôs a pagar à NOS, é insuficiente para solver a totalidade da dívida da MEO porque esta não está a considerar os juros sobre os juros capitalizados por força das 6 notificações judiciais avulsas promovidas pela NOS após a citação da MEO para a acção, realizadas em 07.02.2012, 24.04.2013, 1.08.2014, 18.09.2015, 15.12.2016 e 12.01.2018 (independentemente de os juros sobre juros capitalizados estarem ou não abrangidos pelo caso julgado formado na presente acção), devendo o pagamento efectuado ser imputado, nos termos da lei, primeiro a juros e só depois a capital;

A referida quantia é também insuficiente pelo facto de o pagamento dever incluir os juros moratórios vencidos até à data em que for integralmente realizado, e não somente até 18 de Maio de 2018, uma vez que não existe mora da NOS como credora». [omissão de escrita corrigida – artigo 613.º, n.º 2, do CPC].


O DIREITO

I. Do objecto do recurso da ré / recorrente MEO

A recorrente identifica e autonomiza, nas conclusões da revista, cinco questões (cfr., por todas, a conclusão D).

Vendo bem, as três primeiras são reconduzíveis a ou sintetizáveis numa só, postulando a averiguação da admissibilidade do anatocismo nos termos pretendidos pela autora. E as duas questões restantes prendem-se, respectivamente, com a excepção peremptória da prescrição e com a excepção dilatória de caso julgado.

Observando a ordem de precedência lógica prescrita no artigo 608.º, n.º 1, do CPC, comece-se pelas duas últimas e, em particular, pela segunda, posto que ela é susceptível de obstar a que o tribunal conheça do mérito da causa e dar lugar à absolvição da instância (cfr. artigo 576.º, n.º 2, do CPC).


Da excepção de caso julgado

Insurge-se a ré / recorrente contra a capitalização dos juros vencidos desde 7.04.2010 até 18.05.2018 (cfr. conclusões NN a WW) alegando que a decisão se depara com a excepção de caso julgado, formado no Processo 524/10.......

Não lhe assiste, porém, razão, como se demonstra claramente no Acórdão recorrido.

É ilustrativa a passagem seguinte:

Concordamos com o decidido, quando conclui pela verificação apenas de uma identidade de sujeitos.

Com efeito, na ação n.º 524/10......, a Autora peticiona a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 25 355 040,21 €, acrescida de juros sobre o montante de 13 561 485 €, às taxas máximas sucessivamente em vigor entre 5.3.2010 e a data da notificação para capitalização de juros também requerida na petição inicial e juros sobre o montante de 13 561 485 €, adicionado o montante dos juros capitalizados, às taxas legais máximas sucessivamente em vigor, entre a data de tal notificação e a do efetivo pagamento.

A causa de pedir na ação n.º 524/10...... reporta-se à prestação de serviços pela Autora à Ré que deu origem às faturas ali descritas.

Nesta ação, peticiona a Autora a condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de 4 856 983,93 €, acrescida de juros vencidos e vincendos, às taxas legais máximas relativas a créditos de que sejam titulares empresas comerciais sucessivamente em vigor desde 3.7.2018 até integral pagamento, liquidando-se os juros já vencidos em 142 515,88 €, sendo a causa de pedir formada pelo não pagamento dos juros vencidos e as capitalizações de juros operadas por notificações judicias sucessivas.

As seis capitalizações de juros a que se reporta a presente ação não foram objeto da ação n.º 524/10...... e reportam-se a períodos temporais diversos dos que foram equacionados quanto à 1.ª capitalização de juros.

Pedidos e causas de pedir são claramente diversos.

(…)

Assim, dúvidas não restam de que a decisão recorrida não merece qualquer reparo no segmento em que julgou improcedente a exceção do caso julgado deduzida pela MEO.

Termos em que se julga improcedente a argumentação expendida pela Ré/Recorrida em sede de ampliação do recurso, ao abrigo do artigo 636.º do CPC”.

Não há como não subscrever o raciocínio do Acórdão recorrido.

Como ensina Manuel de Andrade, o caso julgado (fórmula abreviada de “caso que foi julgado”) encontra a sua razão de ser na necessidade de salvaguarda do prestígio dos tribunais e da certeza e da segurança jurídicas[3].

Na expressão “caso julgado” cabem, em rigor, a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, muitas vezes designadas, respectivamente, como a “vertente negativa” e a “vertente positiva” do caso julgado[4].

A excepção de caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior. Nesta vertente, o caso julgado compreende limites (subjectivos e objectivos): pressupondo o caso julgado uma repetição de causas, a repetição pressupõe, por sua vez, identidade dos sujeitos, identidade do pedido e identidade da causa de pedir (cfr. artigo 581.º do CPC).

Ora, é visível que, perante os factos dados como provados (cfr. factos 1 a 7), se verifica a identidade de sujeitos (autora e ré nos presentes autos são as mesmas autora e ré no processo anterior), mas não a identidade de pedidos (não se pretende obter nos presentes autos o mesmo efeito jurídico que se pretendia obter no processo anterior).

Na presente acção, a autora NOS entende ter direito ao montante resultante das capitalizações de juros solicitadas por via das notificações judiciais da ré MEO efectuadas em 7.02.2012, 24.04.2013, 1.08.2014, 18.09.2015, 15.12.2016 e 12.01.2018.

Em contrapartida, antes, no Processo 524/10...... a autora NOS peticionava a condenação da ré MEO a pagar à autora (1) a quantia de € 25.355.040, (2) acrescida de juros sobre o montante de € 13.561.485, às taxas máximas sucessivamente em vigor entre 5.03.2010 e a data da notificação para capitalização de juros também requerida na petição inicial (7.04.2010), e (3) juros sobre o montante de € 13.561.485, adicionado o montante dos juros capitalizados, às taxas legais máximas sucessivamente em vigor, entre a data de tal notificação (7.04.2010) e a do efectivo pagamento, tendo sido proferida sentença, transitada em julgado, que julgou a acção procedente e condenou a ré a pagar à autora (1) o montante global de € 25.355.040, (2) o montante dos juros de mora sobre € 13.561.485, às taxas legais máximas em vigor, entre 5.03.2010 e 7.04.2010 (data da notificação para capitalização de juros), e (3) o montante de juros capitalizados, às taxas legais máximas sucessivamente em vigor, entre 7.04.2010 (data da referida notificação) e a do efectivo pagamento.

Salta aos olhos que não foi pedida nem equacionada no Processo 524/10...... a capitalização (sucessiva) de juros moratórios vencidos posteriormente a 7.04.2010, que é a hipótese que, como se sabe, está em causa no presente processo.

Invertendo os termos: as seis capitalizações de juros a que se reporta a presente acção não foram objecto do Processo 524/10......, reportando-se a períodos temporais distintos dos que foram equacionados quanto à primeira capitalização de juros (posteriores a 7.04.2010).

Não havendo identidade de pedidos, nem – diga-se, já agora –, em coerência, identidade de causas de pedir (a pretensão formulada nos presentes autos não procede do mesmo facto jurídico de que procedia a pretensão no processo anterior), não se verifica a tríplice identidade que é indispensável à configuração da excepção de caso julgado.

Não há, em suma, possibilidade de fazer valer o efeito negativo que caracteriza a excepção de caso julgado.


Da excepção da prescrição

Alega, depois, a ré / recorrente que, mesmo que se admitisse o direito à capitalização dos juros por parte da autora / recorrida NOS, este estaria extinto por prescrição (cfr. conclusões CC a MM).

A propósito desta questão pronunciou-se o Tribunal recorrido chamando a atenção para a autonomia da obrigação de juros relativamente à obrigação de capital, por um lado, e os efeitos da capitalização dos juros, por outro. Diz ele:

A dívida de base e a dívida de juros servem interesses diferentes do credor, permanecendo as dívidas de juros ainda que a dívida de base se encontre prescrita, e a prescrição tenha sido invocada.

(…)

Tendo em consideração esta autonomia da obrigação dos juros por um lado, e os efeitos da capitalização dos juros, por outro, não vislumbramos que os juros transformados em capital possam continuar sujeitos ao prazo curto de prescrição, devendo o crédito resultante da capitalização, também para efeitos prescricionais, cair antes no âmbito de aplicação do regime-regra, passando a sujeitar-se ao prazo de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil”.

A fundamentação do Acórdão recorrido é muito (mais) desenvolvida do que isto e procede à refutação, um por um, dos argumentos que a ré / recorrente foi sucessivamente aduzindo para fazer proceder o seu entendimento quanto à questão.

Aderindo-se, de um modo geral, àquela fundamentação, insiste-se na conclusão de que o poder da autora / recorrida de exigir a capitalização dos juros moratórios vencidos não prescreveu.

A tese da ré / recorrente não colhe, por um lado, porque, ao contrário do ela parece entender, o crédito de juros é autónomo do crédito principal.

Esta autonomia é categoricamente afirmada no artigo 561.º do CC: “[d]esde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”.

Equivale isto a dizer que a obrigação de juros subsiste ainda que esteja extinta (por cumprimento, prescrição ou outra causa de extinção das obrigações) a obrigação de capital e, consequentemente, que a obrigação constituída pelos juros capitalizados subsiste ainda que esteja extinta a obrigação de juros de base.

Por outro lado, é impossível conciliar a tese defendida pela ré / recorrente com o regime do anatocismo, em especial o argumento (principal) em que ela se apoia, de que a notificação só produziria efeito interruptivo da prescrição uma única vez e esta seria a primeira vez (cfr. conclusão GG e HH).

Veja-se por que razão.

Pela sua natureza, o anatocismo implica a realização de actos sucessivos de notificação do devedor, que são necessários para que os juros sucessivamente vencidos e não pagos se adicionem à base de cálculo de novos juros.

Por outras palavras e, aproveitando a terminologia do parecer junto aos autos pela ré / recorrente, entende-se que se deve qualificar o direito à capitalização como um direito de exercício sucessivo e não consumptivo[5].

Ora, se não pode aceitar-se que o prazo prescricional relativo a um mesmo direito (direito aos juros capitalizados) fique indefinidamente interrompido por força de uma sucessão de notificações (e, no fundo, dependente da vontade do credor), tão-pouco pode aceitar-se que aquele efeito interruptivo se consuma ou se esgote no momento da primeira notificação que seja efectuada dentro do prazo prescricional originário.

Como assinala o Tribunal recorrido, a valer esta hipótese, como propugna a ré / recorrente, estar-se-ia, injustificadamente, a castigar os credores mais presurosos ou mais diligentes, que interpelassem mais cedo o respectivo devedor, e a premiar os restantes.

Sabendo que “a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo” (cfr. artigo 326.º do CC), esgotar-se-ia mais rapidamente o tempo para exercer direito de crédito no primeiro caso do que nos casos em que o credor interpela o devedor mais tarde, não obstante ainda dentro do período prescricional originário (i.e., mais perto do fim do prazo prescricional originário).

As especificidades da prescrição no âmbito do anatocismo são explicitadas de forma particularmente clara e digna de menção no parecer junto aos autos pela autora / recorrida[6]. Reproduza-se a passagem relevante:

A cada um dos créditos de juros sucessivamente nascidos aplica-se o respetivo prazo independente de prescrição. Como referido acima, este prazo é de 5 anos (artigo 310.º, alínea d)), começando a correr no momento em que cada dívida de juros se torna exigível. No caso de juros de mora legais, que nascem diariamente, visto o processo a partir do momento em que a prescrição é invocada, encontrar-se-ão então prescritos os juros que se tiverem vencido há mais de cinco anos.

Estes juros sucessivamente vencidos, corridos por um período de pelo menos um ano, poderão então ser capitalizados através de notificação judicial avulsa. Começarão neste caso a vencer-se juros de mora sobre esta nova base, e, não havendo qualquer pagamento entretanto, continuarão simultaneamente a correr juros de mora sobre o montante inicialmente em dívida. Estes juros acumulados durante pelo menos um novo ano, poderão, ao fim deste segundo ano, ser por sua vez capitalizados através de nova notificação judicial avulsa; e assim sucessivamente.

Ora, como se viu acima, estas várias notificações, que poderão seguir-se com intervalos de pelo menos um ano, têm a potencialidade de produzir a interrupção do prazo prescricional de todos os juros entretanto vencidos – ou seja, não só daqueles juros que se venceram no período (de pelo menos um ano) imediatamente anterior, e que naquele específico ato se adicionam à base de capitalização, mas também dos juros que foram a base de cálculo desses. A notificação a que haverá de conferir-se eficácia interruptiva não deve, porém, pelos motivos expostos (supra, n.º 8), ser a primeiramente efetuada, mas sim a última efetuada dentro do prazo prescricional originário. Sendo este de cinco anos face à dívida em causa, isto implica que aquela que deverá valer será a notificação intervinda, o mais tardar, no decurso do quinto ano após o início da contagem dos juros em causa, produzindo então o reinício do prazo prescricional (que não mais será interrompível através de notificação judicial)”.

Ponderados todos os argumentos, conclui-se, em suma, que a excepção de prescrição é improcedente.


Da admissibilidade do anatocismo nos termos peticionados na presente acção

O Tribunal a quo decidiu, a final, julgar admissível o direito às capitalizações efectuado pela autora / recorrida.

A ré / recorrente aduz três grandes argumentos para insurgir contra a decisão.

Diz ela que se trata de um anatocismo:

a) que é feito na pendência de uma acção judicial onde o devedor contesta a obrigação de capital e dos juros que se pretendem capitalizar, pelo que faltaria um dos requisitos do anatocismo, qual seja a possibilidade efectiva de o devedor impedir a capitalização, oferecendo o pagamento exigido (cfr. conclusões E a K).

b) que é sucessivo e não tem limite de número de capitalizações, pelo que é contrário à regra da proibição do anatocismo sucessivo ou da unicidade do anatocismo (cfr. conclusões L a X); e

c) que conduz um desequilíbrio injustificado dos interesses das partes (cfr. conclusões Y a Z), designadamente produzindo um resultado usurário (cfr. conclusões AA e BB).

Mais uma vez o grau de desenvolvimento da fundamentação / contra-argumentação do Tribunal a quo é extraordinário, avaliando todas as posições em confronto, concitando e analisando vários elementos doutrinais e jurisprudenciais. Deve, portanto, ser suficiente para estarem já esclarecidas todas as dúvidas da ré / recorrente quanto à questão em causa. Mais uma vez subscrevendo aquela fundamentação e remetendo para ela, deixam-se aqui, de todo o modo, umas breves considerações da nossa lavra.

Designa-se “anatocismo” o fenómeno de capitalização dos juros, também conhecido como de vencimento de juros pelos juros ou de cobrança de juros sobre juros.

No Direito português, a disciplina do anatocismo está contida no artigo 560.º do CC, que tem o seguinte teor:

1. Para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.

2. Só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.

3. Não são aplicáveis as restrições dos números anteriores, se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio”.

Da leitura desta norma resultam quatro grandes ideias / regras: primeira, é admissível o anatocismo sempre que exista convenção posterior ao vencimento dos juros a que se reportam (cfr. n.º 1, 1.ª parte); segunda, é admissível o anatocismo sempre que seja feita notificação judicial ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização (cfr. n.º 1, 2.ª parte); terceira, só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano (cfr. n.º 2); e, quarta, os limites dos anatocismo decorrentes dos n.ºs 1 e 2 não se aplicam quando se deparem com “regras ou usos particulares do comércio” em contrário (cfr. n.º 3)[7].

Comentando a norma, dizem Pires de Lima e Antunes Varela:

A proibição do anatocismo não é absoluta. Só o é em relação aos juros devidos por prazo inferior a um ano, pois quando aos outros pode o credor notificar judicialmente o devedor para os pagar ou capitalizar, passando, neste caso, os juros capitalizados a vencer juros (n.os 1 e 2).

A proibição do anatocismo admite, além disso, duas excepções: uma é a do acordo posterior ao vencimento dos juros.

 (…)

A segunda excepção é a formulada no n.º 3, que prevê a existência de regras ou usos particulares do comércio[8].

Explica, por sua vez, Almeida Costa:

Como regra, o anatocismo é proibido. Somente se admite: a) através de convenção, posterior ao vencimento dos juros em causa, que determine que estes passem a vencer juros; b) a partir da notificação judicial ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou pagá-los sob pena de capitalização (art. 560.º, n.º 1). Todavia, nos dois referidos casos, apenas podem ser capitalizados os juros correspondentes a um ano ou mais art. 560.º, n.º 2). Logo, a proibição do anatocismo mostra-se absoluta a respeito dos juros devidos por períodos inferiores a um ano.

(…)

O mesmo art. 560.º, no seu n.º 3, estabelece que as restrições analisadas deixam de aplicar-se quando 'forem contrárias a regras ou usos particulares de comércio'” [9].

Perante isto, pode com segurança afirmar-se que a lei admite o anatocismo desde que estejam preenchidos certos requisitosrequisitos de admissibilidade – e observado um limite.

Os requisitos de admissibilidade correspondem, em rigor, a dois grupos de requisitos e são alternativos[10]: ou a convenção das partes posterior ao vencimento da obrigação de juros que constituiria a base do novo cálculo de juros ou uma notificação judicial do devedor exigindo o pagamento dos juros ou a sua capitalização.

O limite é o período mínimo de um ano para a capitalização dos juros.

Ora, não há forma de contestar que, no caso dos autos, aqueles requisitos estão preenchidos e aquele limite é respeitado.

Compulsando a factualidade provada, verifica-se que a ré / recorrente MEO foi judicialmente notificada para capitalizar os juros vencidos ou para proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização; perante a atitude passiva desta, a autora / recorrida NOS capitalizou, subsequentemente a cada uma das referidas notificações judiciais, juros superiores a um ano (cfr. os factos provados 8 a 20).

Estando, in casu, os requisitos de admissibilidade do anatocismo preenchidos e o limite do anatocismo respeitado, não há senão que aceitar o resultado da aplicação da lei: o anatocismo é, in casu, admissível, devendo reconhecer-se à autora / recorrida o direito às capitalizações.

Improcede, desde logo, o argumento da ré / recorrente de que o anatocismo não seria admissível dado que estava em curso uma acção judicial em que o devedor contestava a obrigação de capital e de juros objecto da capitalização, o que determinava a impossibilidade de ele pagar quando foi interpelado para pagar sob pena de capitalização.

Como decorre do que se fica dito atrás, a impossibilidade de o devedor pagar não é um requisito do anatocismo. E não é um requisito do anatocismo porque dificilmente será possível encontrar algum caso em que ocorra tal impossibilidade – seguramente, ela não ocorre pelo mero facto de o devedor contestar a obrigação de capital e de juros em acção judicial.

E nem se diga que esta interpretação ofende algum direito da ré / recorrente (cfr. conclusões H e I), maxime o direito à tutela jurisdicional efectiva (cfr. artigo 20.º da CRP). Aquilo que se passou foi que a ré / recorrida ficou, por força da notificação judicial, sujeita a uma opção: pagar ou aceitar a capitalização. Além de previsto na lei, isto de forma alguma contende com o livre exercício do direito de acesso ao Direito e aos tribunais nem do direito de defesa e ao contraditório, que se manteve na disponibilidade da recorrente, nos termos consagrados na lei fundamental e previstos na lei ordinária.

Improcede também o argumento de que o anatocismo de que tratam os autos não seria admissível por ser sucessivo e não ter limite de capitalizações, atendendo à regra da proibição do anatocismo sucessivo ou da unicidade do anatocismo.

Por outras palavras e, aproveitando, de novo, a terminologia do parecer junto aos autos pela ré / recorrente, entende-se que o direito à capitalização não é um jus singulare e pode muito bem ser sucessivo.

Não há vislumbre do acolhimento da aludida regra da unicidade no ordenamento jurídico português – ou sequer do seu afloramento. De onde se retira que a regra a que a ré / recorrente alude, pura e simplesmente, não existe e, portanto, não constitui um impedimento ou um constrangimento ao direito da autora / recorrida.

Por fim, quanto ao argumento de que a capitalização sucessiva de juros conduz, sem mais ou automaticamente, a um desequilíbrio injustificado das partes e, inclusivamente, produz um resultado usurário, ele tão-pouco procede.

É verdade que o princípio da proibição da usura está subjacente ao / presente no regime estabelecido no artigo 560.º do CC – quanto mais não seja porque a norma do artigo 559.º-A, com a epigrafe “negócios usurários” e remetendo para o artigo 1146.º do CC, é a que imediatamente a antecede.

O certo é que a lei, ao fixar as condições de admissibilidade do anatocismo, não discrimina em função do valor que os juros assumem. Isto só pode significar que o legislador considerou que a subordinação do anatocismo àquelas condições permitia assegurar a realização dos desígnios da lei, ou seja, não constituindo as situações que respeitem as condições legalmente impostas risco de ofensa para a proibição da usura[11].

Como (bem) explica Almeida Costa, “os mencionados dispositivos da lei pretendem obstar a que se chegue indirectamente ao aumento da taxa de juro, inclusive, podendo envolver usura (art. 282.º). A exigência de que o acordo sobre o anatocismo seja posterior evitará, também, que o mutuante imponha essa cláusula como pressuposto da concessão do empréstimo[12] [13].

Se se quiser, as condições de admissibilidade do anatocismo funcionam, em última análise, como uma espécie de “causas de exclusão da ilicitude”, o que impede que o anatocismo que preencha tais condições seja contestado com fundamento na usura.

Para fechar a discussão sobre este grupo de questões, deixa-se uma nota adicional quanto a um argumento que, a certa altura, é enunciado e dado como certo pela ré / recorrente, mas sem nenhuma razão – de que o ordenamento jurídico português não admitiria a capitalização de juros moratórios (cfr. conclusões XX a AAA).

Sobre isto pode dizer-se, brevemente, seguinte: a lei não distingue entre a capitalização de juros remuneratórios e a capitalização de juros moratórios, pelo que não se poderá excluir a priori nenhuma das situações[14] [15].

Reconhece-se que o argumento da letra (do silêncio) da lei raramente é decisivo, mas, desta vez, tem o elemento histórico da interpretação a reforçá-lo. É que houve uma proposta de Vaz Serra para introduzir, na norma, a regra da exclusão da capitalização de juros moratórios[16] que logo foi abandonada. O facto de esta regra / de uma regra deste tipo não ter sido jamais alguma vez acolhida é susceptível de ser interpretado como uma “falta de vontade diversa” por parte do legislador[17] [18].

No plano da teleologia e da unidade do sistema jurídico, deve ainda salientar-se que o vencimento de juros pelos juros não representa de todo um agravamento da indemnização pelo atraso no pagamento, antes corresponde à compensação de um dano distinto, independente e autónomo – o dano da privação das importâncias correspondentes aos juros já vencidos e não pagos, dano este que de outra maneira ficaria por compensar.


II. Da ampliação do âmbito do recurso requerida pela autora / recorrida NOS

Como se sabe, a autora NOS veio requerer a ampliação do âmbito do recurso, através do que levanta, mais precisamente, as seguintes questões:

1.ª) saber se a autoridade do caso julgado formado no Processo n.º 524/10….. impede a problematização das alegadamente indevidas capitalizações de juros moratórios efectuadas depois de 7.04.2010; e

2.ª) saber se há mora da autora / credora da qual decorra a suspensão da contagem dos juros moratórios.

A possibilidade de requerimento da ampliação do objecto do recurso está prevista no artigo 636.º do CPC, dispondo-se, em especial, no seu n.º 1:

No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.

O certo é que este é um pedido subsidiário, para a eventualidade de procedência da questão suscitada pela ré / recorrente[19].

Sendo este um pedido subsidiário, para a eventualidade de procedência das questões suscitadas pela ré / recorrente, e não se confirmando esta eventualidade, fica o conhecimento das questões em causa prejudicado.


III. Do remanescente da taxa de justiça

Está em causa, relativamente à NOS, o remanescente da taxa de justiça na acção e no recurso correspondente à quantia de € 86.751,00 em cada uma das instâncias e, relativamente à MEO, o remanescente da taxa de justiça na acção e no recurso correspondente a € 28.917,00 em cada uma das instâncias.

 A redução do remanescente da taxa de justiça é permitida pelo artigo 6.º, n.º 7, do RCP mas deve tomar em consideração critérios de razoabilidade e de proporcionalidade[20].

 Verifica-se, desde logo, que a utilidade ou valor económico dos interesses envolvidos no presente caso é muito elevado e resulta do valor total do pedido.

Reconhece-se, depois, que a actuação processual das partes foi marcada pela lisura, não se tendo suscitado qualquer incidente digno de qualquer censura na forma como litigaram, tendo cumprido os deveres gerais de boa-fé e de cooperação processuais.

Em contrapartida, a complexidade da causa é elevada, o que é resultado de múltiplos factores, quais sejam, só para alguns exemplos: a extensão dos articulados e das peças de recurso das partes; o número de questões a apreciar; o escasso tratamento doutrinário e jurisprudencial das questões relacionadas com o instituto (insuficientemente estudado) do anatocismo; a necessidade, na sequência disto, de as partes juntarem pareceres jurídicos que corroborem os seus pontos de vista; a ampliação do objecto do recurso; a extensão, em particular, do Acórdão recorrido, reveladora da avaliação pormenorizada das alegações e denso estudo das matérias convocadas.

Ainda assim, admite-se que as quantias a pagar pelas partes a título de remanescente da taxa de justiça se apresentem desproporcionadas sob determinada perspectiva – tendo em conta, sobretudo, o serviço público de justiça prestado e destacando-se que na 1.ª instância o processo findou na fase do saneador.

 Entretanto, também não pode deixar de se reparar que, como é referido no Acórdão recorrido, “[a] desproporção é muito mais acentuada no caso da taxa de justiça atribuída à NOS, que se deve ao facto de estar incluída na tabela I-C pelos motivos supra expostos, ainda que o seu objeto social seja similar ao da MEO”.

 Tudo ponderado, atendendo à utilidade económica das pretensões das partes e à conduta dos litigantes bem como ao grau de complexidade do processado, afigura-se proporcional e adequada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido de dispensa do pagamento de 70% do remanescente da taxa de justiça na acção e no recurso quanto à NOS e de dispensa do pagamento de 40% do remanescente da taxa de justiça na acção e no recurso relativamente à MEO[21].

Será, assim, também de confirmar esta parte do Acórdão recorrido, tal como reformado pelo Acórdão de 15.04.2021.



*


III. DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:

1) negar provimento ao recurso da ré MEO, confirmando o Acórdão recorrido; e

2) julgar prejudicada a ampliação do objecto do recurso requerida pela autora NOS.


*



Custas da revista pela ré MEO, dispensando-se o remanescente da taxa de justiça em 40%.


*



Catarina Serra (relatora)

Cura Mariano

Fernando Baptista

Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1.05, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Exmos. Senhores Juízes Conselheiros que compõem este Colectivo.

________

[1] Cfr., neste sentido também, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020 (6.ª edição), p. 149.

[2] Como expressamente referido no Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de ….. corrigiu certos lapsos de escrita, acrescentou o ponto 22.A e adiou a fundamentação da sentença e do acórdão nos pontos 3. e 4., ao abrigo dos artigos 574.º, n.º 2, 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC.

[3] Cfr. Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1979, pp. 306-307.

[4] Além de ser utilizada na doutrina, a distinção é habitual na jurisprudência. Cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.03.2017, Proc. 1375/06.3TBSTR.E1.S1, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 22.06.2017, Proc. 2226/14.0TBSTB.E1.S1.
[5] Este parecer terá estado na base do artigo com a (mesma) autoria de Diogo Costa Gonçalves e Diogo Tapada dos Santos, intitulado “Juros moratórios, indemnização e anatocismo potestativo”, publicado na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2020, volume 61, n.º 2, pp. 205 e s.
[6] O parecer está na base do artigo com a (mesma) autoria de Paulo Mota Pinto e Maria Inês de Oliveira Martins, intitulado “, publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, 2019, 148, Maio-Junho, pp. 272 e s. Veja-se ainda, com interesse óbvio, Paulo Mota Pinto, “Capitalização de juros moratórios”, in: AA VV, II Encontros de Direito Civil – A tutela dos credores, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2020, pp. 415 e s.
[7] Destacam-se aqui os usos bancários, designadamente os relacionados com os depósitos bancários, em que a capitalização dos juros é feita em datas determinadas e pode, portanto, não se observar o limite mínimo de um ano do n.º 2 do artigo 560.º do CC. Sobre esta ressalva em especial cfr. Diogo Leite de Campos, “Anatocismo – Regras e usos particulares do comércio”, in: Revista da Ordem dos Advogados, volume I, 1988, pp. 37 e s.
[8] Cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pp. 574-575 (sublinhados dos autores).
[9] Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 2006, p. 756 (sublinhados do autor).
[10] O mesmo decorre do exposto por Margarida Lima Rego [in: Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, volume I, Coimbra, Almedina, p. 720].
[11] Poderá inferir-se ideia próxima do comentário de Margarida Lima Rego (ob. cit., loc. cit.) quando observa, não obstante a outro propósito, que “a ratio da proibição está na condenação da usura e é a essa luz que o preceito deve ser interpretado (…)” (sublinhado da autora).
[12] Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, ob. cit., loc. cit.
[13] Cfr., em sentido próximo, Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, cit., p. 574. Dizem os autores, em particular, que as convenções do anatocismo anteriores ao vencimento dos juros corresponderiam, de facto, a um aumento da taxa de juros “ou seja, presumivelmente, a um acto usurário (art. 282.º)”.
[14] Veja-se que também é neste sentido que vem militando a jurisprudência deste Supremo Tribunal. Cfr., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.09.2002, Proc. 2389/02, onde se diz: “O disposto no art.º 560 do CC aplica-se, indistintamente, tanto aos juros contratuais, como aos juros moratórios, pelo que estes, não pagos oportunamente, não dão lugar, por si sós, a novos juros (proibição do anatocismo), mas nada impede uma convenção posterior nesse sentido ou a notificação para a capitalização, nos termos gerais desse artigo”. Cfr., ainda, com interesse, os Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2012, Proc. 176/1998.L1.S1, e de 21.11.2012, Proc 3365/04.1TTLSB.L1.S1, dos quais parece poder inferir-se também a aplicabilidade do artigo 560.º do CC aos juros moratórios.
[15] Parece até ir mais longe Margarida Lima Rego (ob. cit., loc. cit.). Diz a autora que as restrições do artigo 560.º do CC não se aplicam quando estejam em causa diferentes modalidades de juros, que a razão de ser da imposição daquelas condições de admissibilidade, estando relacionada com a proibição da usura nos termos atrás explicados, “não deve servir de apoio à conclusão de que não seriam indemnizáveis os danos decorrentes de um atraso no cumprimento de uma obrigação de juros remuneratórios”. Quer dizer, se bem se compreende o raciocínio da autora: a norma seria exclusivamente aplicável quando esteja em causa a mesma modalidade de juros (juros moratórios sobre juros moratórios), sendo que, na outra situação (juros moratórios sobre juros remuneratórios), o anatocismo seria incondicional. Cfr., em sentido contrário ao sustentado no presente Acórdão, Victor Hugo Ventura, in: AAVV, Comentário ao Código Civil - Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2018, p. 546.
[16] Constava do n.º 4 do artigo 13.º do anteprojeto a regra de que “[o] atraso no pagamento dos juros moratórios não pode dar lugar a novos juros”. Cfr. Adriano Vaz Serra, “Mora do devedor”, in: Boletim do Ministério da Justiça, 1955, 48, pp. 212 e 303.
[17] A disposição não foi reproduzida ou acolhida no anteprojecto posterior (artigo 86.º, n.º 3). Cfr. Adriano Vaz Serra, “Direito das obrigações”, in: Boletim do Ministério da Justiça, 1960, 98, pp. 13-128.
[18] Fazendo referência a este elemento (histórico) e esgrimindo-o, justamente, no sentido oposto – embora, quanto a nós, com o devido respeito, sem razão –, afirma Victor Hugo Ventura (ob, cit., loc. cit.) que “são perfeitamente possíveis juros moratórios sobre juros remuneratórios, mas não juros moratórios sobre juros remuneratórios”.
[19] Comentando a norma do artigo 636.º do CPC, onde se prevê a possibilidade, diz Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, cit., p. 148): “apesar de a parte ter conseguido vencimento na ação, pode ter interesse em acautelar-se contra a eventual procedência das questões suscitadas pelo recorrente, mediante a modificação da decisão da matéria de facto no sentido que lhe seja mais favorável, a fim de continuar a beneficiar do mesmo resultado que foi declarado na primeira decisão, na eventualidade de serem acolhidos os argumentos arrolados pelo recorrente”.
[20] Veja-se, a propósito, em particular, o Acórdão desta 2.ª Secção de 31.01.2019, Proc. 478/08.4TBASL.E1.S1 em que se diz: “Em face da especificidade da situação, impõe-se moderar o eventual excesso do remanescente da taxa de justiça legalmente devido, à luz do princípio da proporcionalidade ínsito na ideia do Estado de direito proclamada no art. 2.º da Constituição, sopesando o custo do serviço de justiça efetivamente prestado e o valor da taxa de justiça a cobrar”.
[21] Veja-se para uma referência o caso decidido no Acórdão igualmente desta 2.ª Secção de 7.11.2019, Proc. 1817/16.0T8PNF.P1.S2, em que a presente Relatora foi 2.ª Adjunta e em que se concluiu: “Justifica-se a dispensa das partes do pagamento de 50% do valor das taxas de justiça remanescentes devidas pela ação e pelos recursos, para além do valor de € 275 000, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7, do RCP, numa situação em que: (i) a utilidade ou valor económico dos interesses se movem no âmbito de uma ação de médio valor económico (€ 708 225); (ii) nada há a censurar à atuação processual da recorrente que se limitou a lançar mão dos normais meios impugnatórios; (iii) a tramitação processual não se revestiu de grande complexidade, apesar de número de autores; (iv) e em que a questão a decidir apresentou um significativo grau de complexidade substancial que obrigou as diversas instâncias a uma análise profunda da vasta doutrina existente sobre o tema (natureza do contrato de aluguer de cofre forte e conteúdo dos deveres dele decorrentes para a entidade bancária) e a fazer uma leitura crítica do parecer jurídico junto aos autos, o que implicou um nível acrescido de rigor e esforço na análise e na descoberta da solução juridicamente adequada, dada a escassa jurisprudência sobre a problemática em causa”.