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CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
REMISSÃO ABDICATIVA
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário
I – Não se verifica remissão abdicativa do autor em relação a créditos decorrentes do contrato de trabalho que manteve com a ré, no circunstancialismo em que se apura que este emitiu e assinou uma declaração idêntica à que a ré deu a assinar a outros trabalhadores, em que declarava, como condição para receber a compensação e os créditos legal e objetivamente devidos pela cessação do contrato, que se «extinguem por remissão abdicativa todos e quaisquer eventuais créditos de que (…) seja ou possa ser, ainda credor». II – Em tal situação, o autor não tinha consciência que estava a remitir quaisquer créditos que lhe fossem devidos pela ré, para além daqueles que lhe estavam a ser pagos com tal declaração; III – Estando em causa a caducidade de contratos de trabalho temporário ou de contratos de trabalho a termo não é aplicável o disposto no artigo 366.º do CT, na redação introduzida pela Lei n.º 69/2013, de 30-08, quanto à presunção de aceitação do despedimento por parte do trabalhador por virtude do recebimento da compensação legal; IV – Não se verifica prescrição de créditos do trabalhador em relação a contratos de trabalho temporários anteriores ao contrato de trabalho a termo se a ação foi intentada decorridos cerca de 7 meses após a comunicação de caducidade deste e entre todos os contratos que vigoraram no âmbito das relações laborais entre o autor e a ré não se verificou qualquer hiato temporal, estando em causa, por isso, uma sucessão de contratos; V – O contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações previstas no n.º 1 do artigo 175.º do CT, designadamente para uma atividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respetivo mercado; VI – Mas para que tal atividade possa justificar a contratação nos termos referidos é necessário, sempre, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 140.º, que esteja em causa uma necessidade temporária da empresa e o contrato seja celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade; VI – Tal não se verifica se dois contratos de trabalho temporário se mostram justificados com o facto da empresa utilizadora/recorrente ter apenas um cliente, cujo ciclo de produção de veículos por parte deste apresenta irregularidades, o que se reflete diretamente na atividade da recorrente e a impossibilita de ter a manutenção e planeamento dos postos de trabalho do seu quadro de efetivos estável, e outro contrato o motivo invocado não tem correspondência com a realidade, constatando-se ainda que na vigência do último contrato de trabalho temporário entre a empregadora e a recorrente/utilizadora foi celebrado e iniciou-se um contrato de trabalho a termo, com fundamento de que se tratava de um trabalhador à procura do primeiro emprego, tendo o trabalhador prestado a atividade à empregadora ao abrigo dos referidos contratos durante quase 5 anos, sempre no mesmo posto de trabalho e a exercer as mesmas funções. (sumário do relator)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório J… (autor/recorrido)intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contraVanpro – Assentos, Lda. (ré/recorrente), pedindo:
a) que sejam considerados nulos os contratos de utilização de trabalho temporário e de trabalho temporário e, em consequência, considerar-se que o trabalho que prestou ao utilizador o foi em regime de contrato de trabalho sem termo;
b) ser considerado, por essa via, ilícito o despedimento promovido pela ré, utilizadora do trabalho temporário, e, em consequência, ser este reintegrado no posto de trabalho ou, em alternativa, receber uma indemnização no valor de € 6.327,0.
c) ser condenada a ré a pagar-lhe as retribuições vencidas, incluindo subsídio de férias e de natal, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude daquele, quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal.
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que em 30-08-2010, 26-12-2010 e 03-01-2011 celebrou contratos de trabalho temporário com a Adecco – Recursos Humanos E.T.T., Lda., no âmbito dos quais desempenhou funções para a ré, enquanto empresa utilizadora, que na vigência desses contratos sempre desempenhou as mesmas funções, não se verificando qualquer situação legal que permitisse o recurso à celebração de contratos de trabalho temporário, e que em Julho de 2011 lhe foi comunicada a caducidade do contrato.
Em 25-07-2011, enquanto ainda estava em vigor o contrato de trabalho temporário celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo com início a 16-08-011 e termo a 15-02-2012, que foi objeto de renovações, com a invocação de se tratar de trabalhador à procura do 1.º emprego, quando já era trabalhador efetivo desta; por isso, tendo por carta datada de 29-07-2015 a ré lhe comunicado a caducidade do contrato em 15-08-2015, tal correspondente a um despedimento ilícito, com as consequências legais que peticionou.
Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, por exceção e por impugnação: (i) por exceção, sustentando, por um lado, que aquando da cessação do último contrato o autor emitiu e assinou um documento no qual declarou nada mais ter a receber da ré por virtude dos contratos em causa, o que corresponde a uma remissão abdicativa, por outro, tendo o Autor recebido a compensação pela caducidade do contrato a termo e, anteriormente, pelos contratos de trabalho temporários, não tendo restituído tais quantias isso significa aceitação do despedimento e, por outro ainda, a prescrição de créditos, por o último contrato de trabalho temporário ter cessado em 31-07-2011 e apenas em 03 de março de 2016 o autor ter proposto a acção; (ii) por impugnação, afirmando, em síntese, a validade dos contratos de trabalho celebrados.
Pugnou, por consequência, pela procedência das exceções invocadas ou, caso assim se não entenda, pela improcedência da ação.
Respondeu o autor, a negar a verificação das exceções deduzidas.
Em sede de despacho saneador foi, além do mais, julgada improcedente a exceção de presunção de aceitação da cessação do contrato, bem como da exceção de prescrição de créditos e relegado para final o conhecimento da exceção de remissão abdicativa.
A ré recorreu do despacho saneador, na parte em que julgou improcedentes as referidas exceções, mas a 1.ª instância não admitiu o recurso, com fundamento de que de tal despacho só era admissível recurso a final.
Os autos prosseguiram os trâmites legais, tendo-se procedido a audiência de julgamento, e em 27-10-2017 foi proferida sentença, na qual se respondeu à matéria de facto e se motivou a mesma, sendo a parte decisória do seguinte teor: «Pelo exposto julgo a presente acção totalmente procedente e, em consequência e, em consequência: 1. declaro improcedente a excepção de remissão abdicativa; 2. declaro nulos os contratos de utilização de trabalho temporário e de trabalho temporário celebrados em 30/08/2010, 26/12/2010 e 03/01/2011 entre a VANPRO – ASSENTOS, LDA., a ADECCO – RECURSOS HUMANOS, EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO, LDA. e JOSÉ FRANSCISCO LOPES OLIVEIRA; 3. declaro J… trabalhador por tempo indeterminado da VANPRO – ASSENTOS, LDA. com a antiguidade reportada a 30/08/2010. 4. declaro ilícito o despedimento de J… e, consequentemente, condeno a VANPRO – ASSENTOS, LDA.: a) a reintegra-lo no posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; b) a pagar-lhe a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente às retribuições que este deixou de auferir desde 25/01/2016 até ao trânsito em julgado da decisão, que se liquida provisoriamente em €19.938,82 (dezanove mil, novecentos e trinta e oito euros e oitenta e dois cêntimos), até ao dia 25/10/2016, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde o respectivo vencimento até integral e efectivo pagamento, e a que deverão ser deduzidas serão deduzidas as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, bem como a compensação por caducidade e o subsídio de desemprego (art. 390.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código do Trabalho), bem como os descontos para a Segurança Social e o Imposto sobre o Rendimento. Custas pela R.. Fixo à acção o valor de €19.938,82 (dezanove mil, novecentos e trinta e oito euros e oitenta e dois cêntimos)».
Inconformada com a sentença, a ré dela veio interpor recurso para este tribunal, tendo a terminar as alegações formulado as seguintes conclusões: «a) Os créditos e/ou direitos que o Apelado reclamou no âmbito da presente ação já se encontravam todos remitidos e extintos por força da declaração de quitação e remissão abdicativa que o Apelado livre e validamente emitiu quando da cessação do contrato de trabalho, a 15 de agosto de 2015 (conforme consta dos autos) – sendo assim que deveria ter sido interpretado e aplicado o artigo 863.º do Código Civil. b) Em rigor, tendo o Apelado tomado conhecimento da decisão de caducidade do contrato de trabalho, 15 dias antes do respetivo termo, por força do cumprimento do prazo de aviso prévio legalmente estabelecido, no último dia de contrato e aquando do acerto de contas finais, dúvidas não restam de que o Apelado já não se encontrava perante uma relação de subordinação jurídica, não existindo já nenhum temor reverencial, constrangimento ou receio pela perda do posto de trabalho, nem tão pouco qualquer vício de vontade, pelo que tal declaração é válida e plena nos seus efeitos. c) Assim, tal declaração, emitida pelo Apelado, opera validamente a remissão e extinção de quaisquer créditos ou direitos inerentes à respetiva relação laboral, e que agora o mesmo vem reclamar, o que constitui uma exceção peremptória que desde já se invoca para todos os devidos e efeitos legais, e que implica a absolvição da Apelante de todos os pedidos – sendo certo que nenhum vício da vontade foi alegado ou demonstrado d) Sem conceder, e no que diz respeito aos contratos de utilização de trabalho temporário, entende a Apelante que os eventuais direitos que pudessem advir de tal relação, à data em que foi intentada a presente ação, já se encontravam prescritos há muito tempo. e) O último contrato de utilização de trabalho temporário cessou a 31 de julho de 2011, tendo a presente ação sido intentada a 3 de março de 2016, ou seja, já há muito havida decorrido o prazo de prescrição de 1 ano previsto no artigo 337º do CT, o qual é aqui aplicável nos termos já expostos e sendo no sentido destas conclusões que esta norma deveria ter sido interpretada e aplicada. f) E não colhe o argumento de que posteriormente foi celebrado um contrato de trabalho a termo certo entre a Apelante e o Apelado e que, nessa medida, o prazo de prescrição apenas começa a contar após o termo deste último contrato de trabalho a termo certo, porquanto não se tratou de contratações contínuas, tendo ao invés, sido interrompidas por um hiato temporal de 15 dias. g) Assim, é após o termo do último contrato de utilização de trabalho temporário que se inicia o prazo de prescrição relativamente a eventuais créditos e/ou direitos que pudessem existir decorrentes desses contratos e respetiva cessação, prazo esse que já havia terminado há muito quando o Apelado intentou a presente ação judicial. h) A prescrição constitui também uma exceção peremptória que implica a absolvição da Apelante do pedido, e que desde já se requer para todos os devidos e legais efeitos. i) Sem prescindir, entende também a Apelante que o Apelado (ainda que pudesse considerar-se ter sido despedido, o que não se admite e que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite) sempre terá aceite e se conformado com tal despedimento, na medida em que não ilidiu a respetiva presunção legal de aceitação do despedimento. j) Conforme consta da matéria de facto provada, o Apelado recebeu a compensação pelas cessações dos contratos de trabalho temporário, e bem assim a compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo posteriormente celebrado entre a Apelante e o Apelado, e quando intentou a presente ação não devolveu tais montantes nem os colocou à disposição da Apelante, conforme legalmente exigido. k) Nos termos legais, mais precisamente, nos termos do artigo 366º do CT, presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação, podendo esta presunção ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha à disposição do empregador a totalidade da compensação paga. l) Ora, o Apelado não só recebeu as referidas compensações, preenchendo os requisitos legais para aplicação da referida presunção, como aquando do início da presente ação não ilidiu tal presunção, quando o poderia (e deveria) ter feito. m) Termos em que se deve considerar que o Apelado se conformou e aceitou a decisão de despedimento, devendo tal exceção ser julgada procedente, absolvendo-se a Apelante de todos os pedidos. n) Sem prejuízo das 3 (três) exceções acima referidas, as quais devem ser julgadas procedentes, por provadas, e ser a Apelante absolvida do pedido, entende ainda a Apelante que o Tribunal a quo não procedeu à correta aplicação do direito face aos factos dados como provados. Senão vejamos, o) No que respeita aos contratos de utilização de trabalho temporário, entende a Apelante que os mesmos cumprem os requisitos formais e substanciais exigidos por lei para a sua validade, quer no que respeita à justificação invocada, quer no que respeita à correspondência entre o período temporal indicado e a necessidade temporária invocada, quer ainda no que refere aos limites de duração previstos na lei. p) Nos termos legais, constitui uma necessidade temporária a atividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresenta irregularidades decorrentes da natureza estrutura do respetivo mercado, sendo que tal foi precisamente um dos motivos invocados nos contratos de trabalho temporário, com descrição pormenorizada e concretizada da situação de facto que existia na altura na empresa e sendo que, conforme resulta dos factos provados n.º 29 e 30, a produção da R. (Apelante) estava e está dependente das encomendas da Autoeuropa, sua única cliente, e que têm de ser feitas no método de produção just in time; apresentando irregularidades que decorrem do próprio mercado, como do período em causa (sublinhado nosso). q) Sendo tais circunstâncias dadas como provadas, nomeadamente, a irregularidade da sua atividade, e sendo esse um dos motivos justificativos previstos na lei para a contratação de trabalho temporário, porquanto se considera tratar-se de necessidades temporárias, e não tendo sido ultrapassados os limites legais, devem tais contratos ser considerados válidos (e não nulos como entendeu, erradamente, o Tribunal a quo). r) Nestes termos, deve a decisão do Tribunal a quo ser alterada e revogada, no sentido em que tais contratos de trabalho temporário devem ser considerados válidos, não constituindo a cessação dos mesmos qualquer forma de despedimento ilícito. s) O contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a Apelante e o Apelado justificou-se no facto de o Apelado ser trabalhador à procura de primeiro emprego, na medida em que nunca havia sido contratado por tempo indeterminado (conforme o próprio expressamente declarou, e conforme consta dos autos). t) Tal motivo, previsto no n.º 4 do artigo 140º do CT, ao contrário dos motivos elencados no n.º 2 do mesmo preceito legal, constitui um motivo objetivo que se integra nas políticas de fomento ao emprego, não exigindo a verificação de uma efetiva necessidade temporária por parte do empregador, sendo assim que esta norma deveria ter sido interpretada e aplicada u) Acresce que, no decurso da vigência do contrato de trabalho a termo certo, e atendendo a conjuntura de crise económica em que o país se encontrava, foram publicadas duas leis que previam um regime excecional de renovações extraordinárias dos contratos a termo, i.e., para além dos limites de duração previstos no CT; a Lei n.º 3/2012, de 10 de janeiro, e a Lei n.º 76/2013, de 7 de novembro. v) E foi precisamente ao abrigo desse regime excecional, que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre as partes foi sendo renovado até aos limites de duração legalmente previstos, vindo a caducar em 15 de agosto de 2015. w) Sendo o Apelado efetivamente trabalhador à procura de primeiro emprego, conforme maioritariamente aceite pela nossa doutrina e jurisprudência, e não tendo sido excedidos os limites de duração legalmente previstos (ainda que ao abrigo de um regime excecional e transitório), não pode a comunicação de caducidade ser considerada um despedimento ilícito com as inerentes consequências legais. x) Em face do exposto, conclui-se pela total improcedência dos pedidos formulados pelo ora Apelado, devendo, em consequência, ser revogada a respetiva decisão do Tribunal a quo, sendo a Apelante absolvida do pedido. y) A decisão em crise violou, por equivocadamente interpretação e aplicação, o disposto no artigo 863.º do Código Civil e os artigos 140.º, n.ºs 2 e 4, 177.º, 366.º, 377.º, todos do Código do Trabalho. Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência: a) Ser a remissão abdicativa emitida pelo Apelado considerada válida e plenamente eficaz, a qual constitui exceção peremptória e que implica a absolvição da Apelante de todos os pedidos; Sem conceder; b) Considerar-se procedente, por provada, a prescrição dos créditos e direitos inerentes e decorrentes da cessação dos contratos de utilização de trabalho temporário, a qual também constitui uma exceção peremptória e que implica a absolvição da Apelante do pedido; Ainda sem prescindir, c) Ser dada como provada a presunção de aceitação do despedimento que o Apelado não ilidiu de forma alguma, considerando que o mesmo aceitou e se conformou com o despedimento, absolvendo-se a Apelante de todos os pedidos; Caso assim não se entenda (o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite), deve ser revogada a douta sentença recorrida, proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que considera nulos os contratos de utilização de trabalho temporário e que o Apelado já era trabalhador efetivo da Apelante desde 30.08.2010; bem como na parte em que considera que a comunicação de caducidade do contrato de trabalho a termo certo constitui uma forma de despedimento ilícito, com as inerentes consequências legais, devendo ao invés, dar-se por provada a validade de tais contratos, e que nenhum ato ilícito foi praticado pela Apelante, absolvendo-se assim a Apelante de todos os pedidos contra ela apresentados».
Contra-alegou o recorrido, a pugnar pela improcedência do recurso, assim concluindo: «1. Não se verifica a alegada validade e eficácia da declaração de quitação com remissão abdicativa, e sequentemente que a mesma constitui uma excepção peremptória, a qual implicaria a absolvição da Recorrente de todos os pedidos. 2. Não tendo ocorrido uma extinção dos créditos laborais que o Recorrido pretendeu fazer valer na presente ação por via de uma declaração, subscrita pelo punho do A., intitulada “Recibo de Quitação e Remissão Abdicativa” datada de 15.08.2015, último dia do contrato de trabalho. 3. Isto é, no dia 15/08/2015 o ora Recorrido ainda era trabalhador da Recorrente, pelo que se encontrava numa relação de subordinação hierárquica e não de independência como a Recorrente pretende fazer crer. 4. Não havia desaparecido o particular estado de sujeição, encontrando-se ainda o Recorrido privado do poder de livre determinação da sua vontade. 5. Destarte, ao assinar o indicado recibo, não abdicou por renúncia, aos eventuais direitos de que pudesse ser titular a essa data. 6. Aliás, quanto ao alegado “recibo de quitação e remissão abdicativa”, ele é em tudo igual a outros recibos que a Recorrente deu a assinar a outros seus ex-trabalhadores, fazendo depender o pagamento dos créditos da assinatura do mesmo, facto dado por provado na douta sentença recorrida. 7. Em nenhum momento percecionou o Recorrido que estivesse a renunciar a quaisquer direitos, o que efetivamente não pretendeu fazer, nem fez, designadamente o de demandar a Recorrente como o fez ao propor a presente acção, por entender que os contratos de utilização de trabalho temporário (CUTT) e os de trabalho temporário (CTT) deviam ser considerados nulos e, em consequência ser decidido que prestou trabalho para a Recorrente, em regime de contrato de trabalho sem termo enquanto utilizadora. 8. E de que por essa via ser considerado ilícito o seu despedimento e, consequentemente poder reclamar, como o fez, de ser reintegrado no seu posto de trabalho. 9. Pelo que o aproveitamento do dito “recibo de quitação e remissão abdicativa” e da declaração nele previamente inserida pela ora Recorrente que foi exigido ao Recorrido que assinasse, assumiu no contexto, uma grosseira tentativa de iludir /restringir o direito do trabalhador de peticionar, como o fez nesta ação, os créditos emergentes da relação laboral, designadamente o de peticionar a sua reintegração. 10. Como é sabido, as declarações do trabalhador de renúncia a créditos a que tenha direito, feitas durante a relação laboral, não devem ser consideradas como válidas, uma vez que estamos no âmbito do princípio da indisponibilidade dos créditos laborais. 11. Pelo exposto, não é válida aquela declaração, mantendo o Recorrido o ónus de reclamar, como o fez, não só todos os créditos laborais a que tem direito, como ainda, e principalmente, o direito a que lhe fosse reconhecida a qualidade de trabalhador efectivo da Recorrente por força do despedimento ilícito, o que, reitera-se, não consta da citada declaração. 12. Pelo que a excepção de remissão abdicativa e extinção de créditos deve improceder ( supra pontos 1 a 17). 13. No momento da cessação dos contratos de trabalho temporários de 2010 e 2011 não estava ainda em vigor a Lei nº 69/2013, de 30/04, pelo que o respetivo regime nunca lhes poderia ser aplicado. 14. Mesmo no que concerne à cessação do contrato de trabalho a termo, ocorrida em março de 2015 (portanto, encontrando-se já em vigor aquele regime), não é de aplicar à situação dos autos o disposto no art. 366º, nº 6, uma vez que aí apenas estão contidos os casos de contratos de trabalho temporários e a termo inseridos num processo de despedimento coletivo. 15. Para além do elemento sistemático, a conclusão resulta do facto de a remissão do art. 344º para o art. 366º do CT ser restrita à forma de cálculo da compensação, não influindo nos respetivos efeitos, ao contrário do que sucede em sede de despedimento por extinção do posto de trabalho, em que, no art. 372º do CT, é feita uma remissão genérica para o regime do art. 366º. 16. É pertinente a convocação do art. 5º, nº 2, da Lei nº 69/2013 para efeito de determinar se a compensação paga ao Recorrido satisfaz o valor mínimo aí previsto, uma vez que a modalidade contratual a que se reporta a norma é a do contrato de trabalho sem termo, ou seja, aquela em que se converte um contrato de trabalho temporário ou a termo considerado ilegal. 17. Para a análise do prazo prescricional releva o momento da cessação do contrato de trabalho a termo do Recorrido, pois que foi a partir desse momento que este teve condições efetivas para recorrer aos meios legais disponíveis. 18. Ou seja, entre os vários contratos celebrados com o Recorrido houve uma tal sucessão temporal que impediu uma real desvinculação quanto à relação de subordinação, não havendo assim, até àquela data, o pressuposto que subjaz à previsão do artigo 337º, nº 1, do CT (prazo para a propositura da ação). 19. Não devem assim proceder as exceções aduzidas pela Recorrente, de presunção de aceitação do despedimento e de prescrição, pois que, pelos motivos descritos, não merece, sob ambos os ângulos, qualquer censura o douto despacho proferido pelo M.mo Juiz a quo. ( pontos 18 a 35). 20. Contrariamente ao alegado pela Recrrente, a sentença proferida não padece de qualquer erro de julgamento. 21. Efectivamente, o facto de a Recorrente estar sujeita ao modelo de produção da Autoeuropa reflecte uma mera opção de planeamento da sua actividade em torno deste seu único cliente, pelo que esse facto não a desonera de suportar os riscos próprios da mesma. 22. Isto porque a previsão do art. 140º, nº 2, al. e) do CT (aplicável in casu por força dos art.s 175º, nº 1, e 180º, nº 1)não visa legitimar o recurso ao contrato de trabalho a termo ( e temporário) em quaisquer situações e que se verifiquem irregularidades independentemente do carácter permanente das necessidades. Pelo contrário, para se enquadrarem na norma as necessidades têm de ser temporárias. 23. Entendimento diverso, que privilegiasse a iniciativa privada nos termos pretendidos pela Recorrente, contrariaria o necessário equilíbrio que o legislador pretendeu obter de forma a preservar o direito à segurança no emprego, não obstante admitir situações de excepção ( como é o caso dos vínculos laborais precários). 24. A exigência de fundamentação e de ligação entre esta e o termo aposto ao contrato é, antes de mais, formal. Isto é, tem que decorrer do próprio contrato, por forma a possibilitar o controlo externo. Este primeiro patamar de avaliação consubstancia uma das cautelas com que o legislador rodeou os regimes da contratação a termo e temporária. 25. O mercado automóvel não apresenta ciclos anuais regulares ou irregulares de funcionamento, pelo que não se integra na noção de actividade sazonal ou de outra equiparável ou na noção de execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro, para efeito do disposto no art. 140, nº 2, al. s e) e g) do C.T. 26. Bem se compreende que assim seja, na medida em que o que subjaz à equiparação é uma proximidade material entre situações tradicionais de sazonalidade e actividades cuja produção está dependente de equivalente variação cíclica, regular e previsível. Ora, não é este o caso da Recorrente. 27. Contrariamente ao que afirma a Recorrente da matéria de facto resulta evidente que não foram cumpridos os requisitos legais exigidos para o recurso à contratação temporária. 28. Com efeito, houve uma sucessão de contratos de trabalho temporários a termo incerto, com fundamento na al. e) do nº 2 do artº 140º do CT (em que a descrições são idênticas ou muito semelhantes entre si), intercalados com outros, a termo cero, já baseados na al. g) daquele preceito, sendo evidente o cariz não excepcional que lhes preside. 29. A exigência legal de estabelecimento e menção expressa da ligação existente entre o motivo da aposição do termo e o respectivo período não se basta com uma mera previsão aleatória da sua duração. É notório que no caso essa previsão não teve qualquer correspondência com a realidade, j+a que foi constante na base da contratação inicial do Recorrido. 30. Na douta sentença recorrida não se põe em causa a legitimidade da opção estratégica da Recorrente relativamente ao seu método de produção, mas sim o facto de tal escolha ser irrelevante para o caso, já que por si só não justifica o recurso ao trabalho temporário. 31. Ao admitir que assim fosse, no limite, considerando que a irregularidade faz parte do método produtivo da Recorrente, todos os trabalhadores desta poderiam ser temporários ( supra factos 37 a 46). 32. Nesse sentido se pronunciou esse Venerando Tribunal no Acórdão de 7 de Setembro de 2016, Proc. 3775/17, publicado em JusNet 5325/2016. Nestes termos e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso ser julgado improcedente e, em consequência ser confirmada a douta sentença proferida».
Admitido o recurso na 1.ª instância – como de apelação, com subida imediata e efeito suspensivo, atenta a caução prestada –, recebidos os autos neste tribunal, tendo sido presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta neles emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso. Elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.II. Objeto do recurso
Consabido que é que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações [cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho], no caso colocam-se à apreciação do tribunal as seguintes questões:
1. se ocorre a remissão abdicativa;
2. se ocorre a prescrição de créditos;
3. se ocorre cessação dos contratos de trabalho celebrados;
4. se os contratos de trabalho temporário se mostram devidamente justificados e se a justificação tem correspondência com a realidade, com as consequências legais daí decorrentes e tendo em conta o peticionado na ação.
III. Factos
A 1.ª instância deu como provados os seguintes factos, que se aceitam, por não virem impugnados e não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração:
1. No dia 30/08/2010, o A. celebrou com a Adecco – Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, Lda., um escrito pelo qual se comprometeu, mediante retribuição base mensal de €619,15, a exercer as funções de estofador de 3.ª, sob as ordens e direção da Ré, enquanto empresa utilizadora, com início nessa data e termo logo que extinto o fundamento que lhe deu origem.
2. De acordo com o referido escrito, incumbia ao A. «executar actividades na linha de montagem, autocontrole dos produtos/componentes, conforme orientações do chefe de equipa, as normas e procedimentos internos, no sentido de contribuir p/ satisfação das encomendas, sistema JIT (Just in Time)».
3. Em texto anexo ao mencionado escrito, a contratação do A. inseria-se na «Alínea e) do n.º 2, do artigo 140.º do Código do Trabalho, por remissão do n.º 1 do artigo 175.º do mesmo Código: “Actividade de natureza sazonal ou outras actividades económicas cujo ciclo anual de produção apresente irregularidade decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado ou de outra causa relevante” devido aos seguintes pontos: 1. A 2.ª Outorgante tem como cliente exclusivo a Volkswagen/Autoeuropa a quem fornece assentos completos para os modelos VW Scirocco, VW Eos, VW Sharan e Seat Alhambra. 2. A planificação da produção da 2.ª Outorgante é, em regra, feita a partir de encomendas/contratos globais por modelo de viatura a um ritmo pré-definido, designado JIT – “just in time”. 3. A produção dos diversos modelos continua a contar com períodos sem trabalho “Down days”, tornando muito difícil a manutenção e planeamento dos postos de trabalho do quadro de efectivos da 2.ª Outorgante. Os dias de paragem obrigatórios que traduzem por outro lado na manutenção de uma cadência de produção mais elevada nos dias de trabalho, tornam necessário o reforço temporário da capacidade nominal instalada. 4. Resta complementar que a capacidade nominal da Vanpro para 2010 é de 160 viaturas por dia útil de trabalho para o Scirocco e 98 Eos. 5. Em paralelo, a 2.ª outorgante iniciou dois novos projectos. Em Maio de 2010 arrancou o modelo Sharan NF e em Junho o modelo Seat Alhambra, prevendo-se que atinjam o volume norma até final de 2010. 6. Os factos descritos nos pontos anteriores demonstram a irregularidade da produção do 2.ª Outorgante decorrente de natureza estrutural do mercado da indústria automóvel e das causas que acima se apontaram. 7. A irregularidade da produção implica um acréscimo temporário de actividade que se estima deverá ocorrer no período compreendido entre o início de Agosto de 2010 e Dezembro de 2010.».
4. No dia 26/12/2010, o A. celebrou com a Adecco – Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, Lda., um escrito pelo qual se comprometeu, mediante retribuição base mensal de €619,15, a exercer as funções de estofador de 3.ª, sob as ordens e direção da Ré, enquanto empresa utilizadora, com início nessa data e termo a 02/01/2011.
5. Em texto anexo ao mencionado escrito, a contratação do A. inseria-se na «Alínea g) do n.º 2, do artigo 140.º, por remissão do artigo 175.º, n.º 1, ambos do Código do Trabalho: “Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado definido e não duradouro” decorrente de: 1) Necessidade de se recuperarem assentos, em falta, para cerca de 800 viaturas do modelo VW Eos, por dificuldade de se conseguir componentes, em qualidade e prazo, para que os mesmos fossem feitos dentro da produção e sequencia diária normal. 2) O modelo VW Eos sofreu um facelift, que originou uma alteração dos componentes anteriormente pré-definidos. 3) A execução dos trabalhos de recuperação da produção dos assentos VW EOS em falta terá, previsivelmente início a 26/12/2010, prevendo-se a sua conclusão para o dia 02/01/2011».
6. No dia 03/01/2011, o A. celebrou com a Adecco – Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, Lda., um escrito pelo qual se comprometeu, mediante retribuição base mensal de €619,15, a exercer as funções de estofador de 3.ª, sob as ordens e direção da Ré, enquanto empresa utilizadora, com início nessa data e termo logo que extinto o fundamento que lhe deu origem.
7. De acordo com o mencionado escrito, a contratação do A. inseria-se na «Alínea e) do n.º 2, do artigo 140.º do Código do Trabalho, por remissão do n.º 1 do artigo 175.º do mesmo Código: “Actividade de natureza sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo abastecimento de matéria prima;».
8. O A. trabalhou sempre para a R. na linha de produção (nos BF5), não tendo havido qualquer alteração nas funções que desempenhava.
9. O A. trabalhava em regime de turnos, das 07:00 às 15:30 horas e das 15:30 às 24:00 horas, com rotação semanal à segunda-feira, chefiado pelo chefe de turno Hélder Oliveira, pela supervisora de linha Joana Sousa e pelo chefe de linha António de Sousa.
10. No mesmo turno estavam a desempenhar funções trabalhadores efetivos da R. trabalhadores contratados a termo e trabalhadores contratados mediante contrato de trabalho temporário.
11. Durante a execução do escrito de 03/01/2011, A. e R. celebraram um escrito pelo qual se comprometeu, mediante retribuição base mensal de €639,15, a exercer as funções de estofador de 3.ª, sob as ordens e direção da R., com início em 16/08/2011 e termo a 15/02/2012.
12. De acordo com a Cláusula 2.ª do mencionado escrito, o contrato foi celebrado ao abrigo da «alínea b) do n.º 4, do artigo 140.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009m de 12 de Fevereiro, tendo por fundamento, o facto do SEGUNDO OUTORGANTE se tratar de trabalhador à procura do primeiro emprego».
13. De acordo com a Cláusula 10.ª o contrato celebrado a 25/07/2011 renovar-se-ia automaticamente, por mais dois períodos de 6 meses, o primeiro com início a 16/02/2012 e termo a 15/08/2012 e o segundo com início a 16/08/2012 e termo 15/02/2013.
14. De acordo com a Cláusula 1.ª, incumbia ao A. «executar todas as actividades na linha de montagem, proceder ao autocontrole dos produtos e componentes, de acordo com as orientações do chefe de equipa e as normas e procedimentos internos, no sentido de contribuir para a satisfação atempada de todas as encomendas».
15. Por aditamento de 31/01/2013, o contrato de 25/07/2011, foi objeto de renovação extraordinária, com a duração de 12 meses, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art. 148.º do Código do Trabalho e nos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 3/2012 de 10 de Janeiro, com início a 16/02/2013 e termo a 15/02/2014, com fundamento no facto de o Segundo Outorgante se encontrar ainda a procura do primeiro emprego.
16. Por aditamento de 17/01/2014, o contrato de 25/07/2011, foi objeto de renovação extraordinária, com a duração de 6 meses, ao abrigo dos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 3/2012 de 10 de Janeiro, com início a 16/02/2014 e termo a 15/08/2014, com fundamento no facto de o Segundo Outorgante se encontrar ainda a procura do primeiro emprego, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 3/2012 de 10 de Janeiro
17. Por aditamento de 23/07/2014, o contrato de 25/07/2011, foi objecto de renovação extraordinária, com a duração de 6 meses, ao abrigo dos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 3/2012 de 10 de Janeiro, com início a 16/08/2014 e termo a 15/02/2015, com fundamento no facto de o Segundo Outorgante se encontrar ainda a procura do primeiro emprego.
18. De acordo com a Cláusula 2.ª do aditamento de 23/07/2014, o contrato de 25/07/2011, era objeto de renovação extraordinária por um período de 6 meses, com início a 16/02/2015 e termo a 15/08/2015, salvo se alguma das partes comunicasse a vontade de o fazer cessar no termo do período inicial.
19. Por carta datada de 29/07/2015, a R. comunicou ao A. a vontade de não renovar o contrato a termo e que o mesmo teria o seu termo em 15/08/2015.
20. O A continuou a executar exatamente as mesmas funções que desempenhava na linha de produção por força dos contratos celebrados com a Adecco – Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, Lda..
21. À data da cessação do contrato, a A. auferia um vencimento mensal de € 843,36, acrescido de um subsídio de turno de 15%, no valor de € 141,33.
22. Em 15/08/2015 o A. subscreveu pelo seu punho, um documento com o seguinte teor: «RECIBO DE QUITAÇÃO E REMISSÃO ABDICATIVA Em 15 de Agosto de 2015, cessou o contrato a termo celebrado entre a Vanpro, Assentos, Ld.ª, como Primeira Outorgante e J…, contribuinte fiscal n.º …, portador do Cartão de Cidadão nº …, residente na rua …. com a categoria profissional de Estofador de 2ª, como Segundo Outorgante, sendo para ao Segundo Outorgante uma compensação de 2.575,14 € pela cessação do referido contrato de trabalho a termo, a retribuição do mês de Agosto e os demais créditos devidos pela cessação do contrato, designadamente, proporcional de retribuição de natal, férias não gozadas, formação, tudo no total ilíquido de € 3.624,74 (três mil seiscentos e vinte e quatro euros e setenta e quatro cêntimos) a que corresponde o líquido de 3.429,28 € (três mil quatrocentos e vinte e nove euros e cinte e oito cêntimos). Pelo presente título, o Segundo Outorgante declara ter já recebido as verbas acima mencionadas, dando, por isso, agora, quitação total à Primeira Outorgante, declarando, expressamente, que nada mais lhe é devido pela Primeira Outorgante. Também pelo presente título, a Primeira Outorgante e o Segundo Outorgante, extinguem por remissão abdicativa todos e quaisquer eventuais créditos de que o Segundo Outorgante seja ou possa ser, ainda credor da Primeira Outorgante, emergentes do contrato de trabalho a que estiveram ligados e da extinção do mesmo contrato, que eventualmente subsistam à presente data. O Segundo Outorgante considera que, com a quitação e a remissão concretizadas no presente título, nada mais lhe fica a ser devido pela Primeira Outorgante seja a que título for, pelo que lhe dá quitação total e plena, nada mais dela tendo a haver ou a reclamar. Palmela 15 de Agosto de 2015».
23. O A. assinou o recibo de vencimento a 15/08/2015, tendo-lhe sido paga a compensação pecuniária no montante de 2.575,14 € (dois mil, quinhentos e setenta e cinco euros e catorze cêntimos), a retribuição do mês de Agosto e os demais créditos devidos pela cessação do contrato de trabalho, designadamente, proporcional de retribuição de Natal, férias não gozadas e formação, tudo no total ilíquido de 3.624,74 € (três mil, seiscentos e vinte e quatro euros e setenta e quatro cêntimos) a que corresponde o valor líquido de 3.429,28 € (três mil, quatrocentos e vinte e nove euros e vinte e oito cêntimos).
24. Em Dezembro de 2010, o A. recebeu da Adecco – Recursos Humanos Empresa de Trabalho Temporário, Lda. a compensação pela cessação do contrato de trabalho temporário que vigorou até 23/12/2010, no montante de 257,26 €.
25. Em Janeiro de 2011, o A. recebeu da Adecco – Recursos Humanos Empresa de Trabalho Temporário, Lda. a compensação pela cessação do contrato de trabalho temporário que vigorou até 02/01/2011, no montante de 65,17 €.
26. Em Agosto de 2011, o A. recebeu da Adecco – Recursos Humanos Empresa de Trabalho Temporário, Lda. a compensação pela cessação do contrato de trabalho temporário que vigorou até 31/07/2011, no montante de 413,40 €.
27. O A. não restituiu à R. à Adecco – Recursos Humanos Empresa de Trabalho Temporário, Lda., as compensações que recebeu de ambas.
28. Em 30/08/2010, 26/12/2010 e 03/01/2011, a R. celebrou com a Adecco – Recursos Humanos Empresa de Trabalho Temporário, Lda. os contratos de utilização de trabalho temporário correspondentes aos contratos de trabalho temporário celebrados pelo A., reproduzindo as mesmas justificações de recurso àquele modelo de contratação.
29. A produção da R. estava e está dependente das encomendas da Autoeuropa, sua cliente única, e que têm de ser feitas no método de produção just in time.
30. Apresentando irregularidades que decorrem do próprio mercado, como do período em causa.
31. No ano de 2010, por imposição da AutoEuropa, a produção da R. foi sujeita a paragens nas férias de 15 a 27 de Agosto e de 24 a 31 de Dezembro, a dois down days em 15 e 16 de Março, tendo trabalhado em 8 sábados (6 e 13 de Janeiro, 5, 20 e 27 de Março, 4, 11 e 18 de Dezembro).
32. No ano de 2011, por imposição da AutoEuropa, a produção da R. foi sujeita a paragens nas férias de 1 a 12 de Agosto e de 19 a 31 de Dezembro, a dois down days em 5 de Janeiro e 31 de Outubro, tendo trabalhado em 6 sábados (22 e 29 de Janeiro, 18 de Junho, 2, 16 e 23 de Julho).
33. Na data da celebração do contrato de trabalho a termo o Autor declarou expressamente “que nunca exerceu qualquer actividade por contrato de trabalho em termo”.
34. Foi exigido ao A. que assinasse o “recibo de quitação e remissão abdicativa”, idêntico aos recibos que a R. deu a assinar a outros ex-trabalhadores, como condição para receber a compensação e os créditos.
IV. Fundamentação Já se deixaram supra referidas (em II.) as questões essenciais objeto do recurso: tais questões, com exceção da referente à existência ou não de remissão abdicativa, são em tudo idênticas às que foram analisadas e decididas no acórdão deste tribunal de 13-10-2016, proferido no Proc. n.º 4137/14.0T8STB.E1 (disponível em www.dgsi.pt), também relatado pelo ora relator, e em que foi ré a também aqui ré, sendo autor outro trabalhador da mesma.
Por isso, na análise das questões, com exceção da referente à remissão abdicativa, vamos acompanhar, a par e passo, o que se escreveu no aludido acórdão.
1. Da remissão abdicativa
A sentença recorrida concluiu que pela não verificação da remissão abdicativa.
Escreveu-se para tanto na referida sentença: «Não pondo o A. em causa que subscreveu o documento intitulado “recibo de quitação e remissão abdicativa”, a sua interpretação não poderá deixar de assentar no critério definido no art. 236.º, n.º 1 do Código Civil, ou seja, atender ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pudesse deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele. Importa, pois, ter em conta o contexto em que surge tal declaração que, embora efectuada em nome do A. e por ele subscrita, foi redigida pela R. para colher a sua assinatura no momento do encerramento das contas, uma vez que lhe havia comunicado a vontade de não renovar o contrato, cujo termo estava previsto para 15/08/2015. Sem prejuízo do que provou sobre a sua vontade aquando da assinatura da mencionada declaração, aquilo que objectivamente transparece da mesma, não permite de forma alguma concluir que o A. quis renunciar ao direito de impugnar a validade dos contratos de utilização e de trabalho temporário, nem do termo aposto no contrato de trabalho celebrado a 25/07/2011, e às quantias emergentes de despedimento ilícito reclamadas na presente acção. Desde logo, nada foi alegado pela R. a respeito de ter existido uma qualquer negociação no sentido da declaração de quitação em apreço excluir o direito do A. a ver reconhecida a nulidade dos contratos de utilização e de trabalho temporários que antecederam o contrato a termo celebrado, nem de excluir a hipótese de, reputando a cessação do contrato por iniciativa do empregador como configurando despedimento ilícito, reclamar os direitos daí resultantes. Com efeito, nada foi sequer alegado no sentido de permitir concluir que, ao subscrever a declaração em causa o A. tivesse consciência e vontade de abdicar dos direitos que invoca e reclama na presente acção. Não oferece dúvidas que a primeira parte da declaração desonera a R. de todas as obrigações para com o A. emergentes da caducidade do contrato de trabalho, bem como a retribuição do mês de Agosto e os demais créditos devidos pela cessação do contrato, designadamente, proporcional de retribuição de natal e férias, férias não gozadas, descanso compensatório e formação, Trata-se, com efeito de uma declaração liberatória, uma declaração de ciência de que todas as obrigações (mesmo as não determinadas, mas determináveis) decorrentes da caducidade do contrato de trabalho a termo, estavam cumpridas. Já a parte da declaração, qual seja, aquela que diz que as partes “extinguem por remissão abdicativa todos e quaisquer eventuais créditos de que o Segundo Outorgante seja ou possa ser, ainda, credor da Primeira Outorgante, emergentes do contrato de trabalho a que estiveram ligados e da extinção do mesmo contrato, que eventualmente subsistam à presente data. (…) nada mais lhe fica a ser devido pela Primeira Outorgante seja a que título for, pelo que lhe dá quitação total e plena, nada mais dela tendo a haver ou a reclamar”, no contexto em que foi efectuada, também, objectivamente, tem de ser interpretada no sentido de abarcar apenas todos e quaisquer créditos de que o A. fosse ou pudesse ser ainda credor, emergentes do contrato de trabalho que o ligou à ré e da extinção do mesmo por caducidade que ainda subsistissem à data de 15/08/2015. Este é o sentido que um declaratário normal, mediamente inteligente, culto e sagaz, extrai da mesma declaração subscrita em 15/08/2015 e do comportamento do A.. Constitui, portanto, ainda uma declaração de ciência e não uma declaração de vontade negocial, com significado dispositivo (de renúncia a direitos)».
A recorrente rebela-se contra tal entendimento, argumentando, no essencial, que a declaração em causa abarca todos e quaisquer créditos decorrentes dos contratos de trabalho celebrados entre as partes, pelo que deverá ser entendida como remissão abdicativa.
Analisemos, então, a questão.
É sabido que a remissão constitui uma das causas de extinção das obrigações, assumindo natureza contratual: como resulta do disposto no art. 863.º, n.º 1, do Código Civil, “[o] credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor”.
Diferentemente do que se verifica com o “cumprimento”, em que a obrigação se extingue pela realização da prestação, ou com a “consignação” e a “prestação”, em que o interesse do credor é satisfeito por forma distinta da realização da prestação, na “remissão”, tal como na “confusão” ou na “prescrição”, a obrigação não chega a ser cumprida: ela extingue-se por mera renúncia do credor.
Para que se forme o contrato é necessária a verificação de duas declarações negociais: uma proferida pelo credor – declarando renunciar ao direito de exigir a prestação – e outra por banda do devedor – declarando aceitar aquela renúncia.
Porém, atente-se, o referido preceito legal não exige que o consentimento do devedor – a aceitação da proposta de remissão – seja manifestado por forma expressa, pelo que a aceitação pode ser tácita, e válida como tal nos termos dos artigos 217.º, 219.º e 234.º do Código Civil.
Acrescente-se ainda que se afigura hoje pacífico que o contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente quando as partes se dispõem a negociar a cessação do vínculo pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais.
Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-05-2005 (Revista n.º 480/05, disponível em www.dgsi.pt) «(…) tal tipo de declaração é normalmente emitida aquando do acerto de contas após a cessação do contrato de trabalho. O empregador paga determinada importância, exigindo em troca a emissão daquela declaração, a fim de evitar futuros litígios e, por sua vez, o trabalhador aceita passar essa declaração em troca da quantia que recebe, evidenciando-se, assim, um verdadeiro acordo negocial, com interesse para ambas as partes (…)».
No caso em apreço, na declaração, emitida em 15-08-2015, o autor declarou receber a compensação pela cessação do contrato a termo em 15-08-2015, a retribuição do mês de Agosto e os demais créditos devidos pela cessação do contrato, designadamente, proporcional de retribuição de natal, férias não gozadas e formação.
Ou seja, o autor declarou ter recebido da ré as retribuições, lato sensu, e compensação devidas pela cessação do contrato: trata-se, assim, de uma quitação.
Mas há uma outra declaração logo a seguir do autor: «Também pelo presente título, a Primeira Outorgante e o Segundo Outorgante, extinguem por remissão abdicativa todos e quaisquer eventuais créditos de que o Segundo Outorgante seja ou possa ser, ainda credor da Primeira Outorgante, emergentes do contrato de trabalho a que estiveram ligados e da extinção do mesmo contrato, que eventualmente subsistam à presente data».
Ora, pergunta-se: poderá esta segunda declaração ser entendida como uma remissão abdicativa?
Refira-se, desde já, que no caso se tem por inequívoca a aceitação (tácita) do devedor (aqui ré/recorrente) da (eventual) remissão, tendo em conta, até, a posição processual por ela assumida nos autos.
A expressão, ampla e abstrata, de que se «extinguem por remissão abdicativa todos e quaisquer eventuais créditos de que o Segundo Outorgante seja ou possa ser, ainda credor», parece apontar no sentido da remissão abdicativa.
Todavia, não pode deixar de se ter presente um facto – n.º 34 – que se afigura muito relevante: foi exigido ao autor que assinasse o “recibo de quitação e remissão abdicativa”, idêntico aos recibos que a ré deu a assinar a outros ex-trabalhadores, como condição para receber a compensação e os créditos.
Como é sabido, na interpretação da declaração não poderá deixar de atender-se ao que estatui o artigo 236.º do Código Civil, ou seja, que «[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante».
Acolhe este preceito a denominada doutrina objetivista da “teoria da impressão do destinatário”: a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; mas, de acordo com o n.º 2, do mesmo preceito legal, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é esta que prevalece, ainda que haja divergência entre ela e a declarada, resultante da aplicação da teoria do destinatário.
Como sublinham Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. I, 3.ª Edição, pág. 223), “[a] normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”.
Ou, no dizer de Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3.ª Edição, págs. 447-448), “[r]eleva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do destinatário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer”.
Ora, no caso, a ré exigiu ao autor, como condição de lhe pagar os créditos salariais em dívida e a compensação pela cessação do contrato de trabalho a termo, que ele emitisse e assinasse a declaração em causa.
É sabido que para um trabalhador o pagamento da retribuição constitui, se não a única, pelo menos a principal fonte de rendimentos, com a qual faz face à sua subsistência e do seu agregado familiar.
Por isso, se o autor não emitisse e não assinasse a declaração ficava sem poder dispor de uma significativa parte dos rendimentos (€ 3.429,28 de acordo com o que consta da declaração).
Assim, o autor tinha uma de duas alternativas:
i) ou emitia e assinava a declaração e, em consequência, recebia os créditos que lhe eram devidos;
ii) ou não emitia nem assinava a declaração e não recebia os créditos em causa.
O autor optou pela 1.ª alternativa: fê-lo certamente por os rendimentos/créditos em causa serem essenciais para o seu sustento (e do seu agregado familiar); e é por isso mesmo, e até porque a declaração que lhe foi dada a emitir e assinar era igual à que a ré deu a assinar a outros ex-trabalhadores, que a mesma só pode ter o alcance de uma quitação quanto à importância recebida, e não mais que isso.
Dir-se-á que no contexto em causa, em que é dada ao autor uma minuta para emitir e assinar uma declaração – igual a outras que foram dadas a emitir e assinar a outros ex-trabalhadores da ré –, e como condição para receber os créditos salariais que a ré se propunha pagar-lhe, nem sequer se pode afirmar que o autor tivesse consciência de estar a renunciar a outros eventuais créditos que lhe pudessem ser devidos, o mesmo é dizer que o autor tivesse a consciência que estava a remitir quaisquer créditos que lhe fossem devidos pela ré, para além daqueles que lhe estavam a ser pagos com tal declaração (cfr. artigo 246.º do Código Civil).
Note-se que, como decorre da declaração, os créditos que a ré pagou ao autor eram créditos, legal e objetivamente, devidos pela cessação do contrato de trabalho a termo e nem sequer houve quaisquer negociações prévias tendentes à emissão da declaração.
Como de modo assertivo se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2017 (Proc. n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), acórdão este também convocado pela Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer e que apresenta paralelismo com a situação dos autos, a«…A declaração de “nada mais ter a receber” do empregador “seja a que título for”, constante de um “acordo” assinado pelo trabalhador no dia em que cessou o contrato a termo que vigorara, não consubstancia uma remissão abdicativa se o trabalhador ao efectuá-la apenas estava a receber as quantias legalmente devidas na perspectiva do contrato a termo que vigorara, pois não tendo havido negociações prévias em que a questão da renúncia a tal impugnação tivesse sido discutida, não se pode depreender da declaração do trabalhador que fosse sua vontade renunciar à faculdade de impugnar a validade do termo do contrato, tanto mais que nenhuma quantia lhe era paga para o compensar, minimamente que fosse, da renúncia a esse direito».
Por consequência, não se verifica remissão abdicativa do autor, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
2. Da prescrição de créditos
Sustenta a recorrente nesta matéria, em síntese, que tendo o último contrato de trabalho temporário cessado em 31 de julho de 2011, quando o autor/recorrido intentou a presente ação – em 03-03-2016 – “há muito havida decorrido o prazo de prescrição de 1 ano previsto no artigo 337º do CT”.
Sobre esta problemática discorreu assim a decisão recorrida: «O contrato de trabalho do A. cessou em 15.08.2015, i.e., menos de um ano antes da propositura da causa. No que concerne aos anteriores contratos de trabalho temporário, celebrados em 2010 e 2011, o A. invoca a sua antiguidade ao momento temporal em que estes tiveram o seu início, sendo essa uma das questões de fundo que deverão ser analisadas na decisão final. Mas, para a análise da excepção de prescrição, releva apenas o momento em que o contrato de trabalho do A. com a Ré cessou, e visto que a causa foi proposta em menos de um ano após esse momento, julgo igualmente improcedente esta excepção».
Vejamos.
É pacífico que, como resulta do disposto no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, o crédito do trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte à quele em que cessou o contrato de trabalho.
Assim, tendo o contrato de trabalho a termo cessado em 15-08-2015, é manifesto que em 03-03-2016, quando o autor intentou a presente ação, não haviam prescrito os créditos decorrentes de tal contrato.
E quanto aos alegados créditos dos contratos de trabalho temporário?
Atente-se para tanto no período de vigência desses contratos:
i) o 1.º contrato de trabalho temporário iniciou-se em 30-08-2010, sendo o seu termo logo que extinto o fundamento que lhe deu origem;
ii) em 26-12-2010 foi celebrado novo contrato de trabalho temporário, com termo em 02-01-2011;
iii) em 03-01-2011 foi celebrado novo contrato de trabalho temporário, sendo o seu termo logo que extinto o fundamento que lhe deu origem;
iv) por sua vez, entre o autor e a ré foram celebrados os respetivos contratos de utilização de trabalho temporário em 30-08-2010, 26-12-2010 e 03-01-2010, ou seja, nas mesmas datas em que foi celebrado cada um dos contratos de trabalhado temporário.
E durante a execução do último contrato de trabalho temporário, bem como de utilização, foi celebrado entre a ré e o autor um contrato de trabalho a termo, objeto de renovações, o qual veio a cessar em 15-08-2015.
Da referida factualidade não se retira que tenha sequer existido qualquer hiato temporal entre a celebração dos vários contratos.
Ora, como se assinalou Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-01-2007 (Proc. n.º 7258/2006, disponível em www.dgsi.pt), entendimento também reafirmado no acórdão do mesmo tribunal de 02-07-2014 (Proc. n.º 4598/12.2TTLSB.L1, igualmente disponível em www.dgsi.pt), «[s]e se sucedem diversos contratos de trabalho a termo, intervalados entre si, o prazo de prescrição relativamente aos créditos emergentes dos contratos já cessados, sendo certo que se iniciou no dia subsequente ao da respetiva cessação (cfr. art.º 38.º nº 1 da LCT e 381.º, n.º 1 do CT), tem de considerar-se novamente suspenso a partir do momento em que, entre as partes, se celebrou novo contrato, pois a razão de ser que determinou o legislador a optar pela mencionada especificidade quanto à prescrição dos créditos laborais subsiste».
O referido entendimento é, pois, aplicável, mutatis mutandis, aos presentes autos, tendo em conta que está em causa a sucessão de contratos de trabalho temporário e um contrato de trabalho a termo a cuja prazo de prescrição se aplica do disposto no artigo 337.º, n.º 1, do CT, e que entre os contratos não existiu qualquer hiato temporal.
Importa não olvidar que durante o contrato de trabalho se verifica não só subordinação jurídica como também económica do trabalhador em relação ao empregador, pelo que aquele se encontra fortemente condicionado na liberdade de decisão, e daí que o lei (n.º 1 do artigo 337.º do CT) conceda o prazo de um ano após a cessação do contrato para o trabalhador poder reclamar os créditos emergentes do mesmo.
Ora, seria absolutamente contrário à ratio da lei que existindo sucessivos contratos de trabalho, sem qualquer hiato temporal, o trabalhador tivesse que reclamar os créditos no prazo de um ano após a cessação do respetivo contrato: isto, note-se, quando no caso está em causa a validade dos próprios contratos de trabalho e a lei determina que se considera contrato de trabalho sem termo aquele em violação, entre o mais, do disposto nos n.ºs 1, 3 ou 4 do artigo 140.º e no n.º 1 do artigo 143.º, ambos do Código do Trabalho [cfr. artigo 147.º, n.º 1, alíneas b) e d)].
Assim, face à alegação, e prova, pelo autor, de contratos de trabalho sucessivos, e tendo o último dos contratos cessado em 15-08-2015, não se verifica a prescrição de créditos.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
3. Da presunção de aceitação da cessação do contrato
Na contestação, a ré alegou, além do mais, que o contrato de trabalho a termo certo que manteve com o autor cessou no dia 15 de agosto de 2015, em virtude da comunicação de caducidade do mesmo contrato que lhe enviou em 29 de julho de 2015, e que tendo o autor recebido a compensação pecuniária no montante de € 2.575,14 pela cessação do contrato – aliás, como terá recebido anteriormente as compensações pelos anteriores contratos de trabalho temporários – presume-se que aceitou o despedimento, presunção essa que não ilidiu.
Em sede de despacho saneador o tribunal a quo julgou improcedente a referida exceção, desenvolvendo para tanto, e no que importa, a seguinte fundamentação: «A norma invocada pela Ré – o art. 366.º n.º 6 do Código do Trabalho, na redacção da Lei 69/2013, de 30 de Abril – entrou em vigor apenas a 01.10.2013, constituindo uma novidade em relação ao regime anterior. Sendo assim, no que concerne à cessação dos contratos de trabalho temporários de 2010 e 2011, tal presunção não é aplicável, por não estar prevista na legislação em vigor naquele tempo. E não se argumente que, tendo o A. proposto a acção em Fevereiro de 2016, tal presunção já lhe seria aplicável – o regime jurídico relevante para aferir da licitude do despedimento é aquele que estava em vigor ao tempo da cessação do contrato de trabalho, e o trabalhador não pode ser colocado em posição desvantajosa em relação a outros trabalhadores despedidos na mesma altura mas mais lestos na propositura da respectiva acção impugnatória do despedimento. No que concerne à cessação do contrato de trabalho a termo, em Agosto de 2015, a referida norma já estava em vigor. No entanto, concordamos com o trabalhador, quando afirma que o art. 366.º n.º 6 do Código do Trabalho, na versão actualmente em vigor, aplica-se apenas à cessação de contratos de trabalho a termo e contratos de trabalho temporários, em contexto de despedimento colectivo. O art. 366.º do Código do Trabalho regula a matéria da compensação por despedimento colectivo, como consta expressamente da respectiva epígrafe, e o seu actual n.º 6 limita-se a regular a matéria da compensação a ser paga no caso daquele despedimento englobar a cessação daquelas espécies contratuais, incluindo a matéria da presunção de aceitação, por uma questão de coerência e unidade do sistema jurídico. Destarte, decido desde já julgar improcedente a excepção de presunção de aceitação da cessação do contrato».
A recorrente insurge-se contra tal entendimento, argumentando, ao fim e ao resto, que o disposto no artigo 366.º do Código do Trabalho, maxime o seu n.º 6, na redação introduzida pela Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto, se aplica aos contratos dos autos.
Adiantando desde já a solução, diga-se que a 1.ª instância decidiu com acerto.
Com efeito, e por um lado, não se vislumbra como tendo o referido n.º 6 do artigo 366.º e na referida redação («[n]os casos de contrato de trabalho a termo e de contrato de trabalho temporário, o trabalhador tem direito a compensação prevista no n.º 2 do artigo 344.º e do n.º 4 do artigo 345.º, consoante os casos, aplicando-se, ainda, o disposto nos n.ºs 2 a 5 do presente artigo») entrado em vigor em 01-10-2013 (artigo 10.º da referida lei) e constituindo um regime jurídico inovador, possa ser aplicado aos contratos de trabalho temporário cessados anteriormente; por outro, a epígrafe do artigo 366.º é “Compensação por despedimento colectivo”, estabelecendo-se nos n.ºs 1 e 2 qual o montante da compensação por esse despedimento a que o trabalhador tem direito, e nos n.ºs 3 a 5 a responsabilidade do empregador pelo pagamento da compensação e a presunção de aceitação do trabalhador quando recebe a totalidade dessa retribuição: e é então que no n.º 6 do mesmo artigo se estatui que estando em causa um contrato de trabalho a termo ou um contrato de trabalho temporário, a compensação será a prevista no n.º 2 do artigo 344.º e no n.º 4 do artigo 345.º - e não a prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 366.º - “aplicando-se, ainda, o disposto nos n.ºs 2 a 5 do presente artigo”.
Todavia, dada a inserção sistemática do n.º 6 estamos sempre no âmbito do despedimento colectivo: e é nesse âmbito que se prevê qual o montante da compensação nos casos de contrato de trabalho a termo e de trabalho temporário e a presunção de aceitação do despedimento quando o trabalhador recebe a totalidade da compensação prevista no artigo.
De resto, aludindo-se expressamente no n.º 4 do artigo 366.º a “despedimento” e mandando o n.º 6 do mesmo artigo aplicar, tout court (não referindo qualquer expressão, como por exemplo, “com as necessárias adaptações”), o disposto no n.º 2 a 5 do mesmo artigo só pode reportar-se a situações de despedimento.
Assim, ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, conclui-se que o disposto no artigo 366.º, n.º 6, do Código do Trabalho não é aplicável ao caso em apreço e, consequentemente, que não se verifica a presunção de aceitação do despedimento.
Improcedem, pois, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
4. Quanto à validade ou não dos contratos de trabalho temporários
A 1.ª instância entendeu que o motivo justificativo para a celebração dos contratos em causa se apresenta genérico, não contendo a menção concreta dos factos que integram o aludido motivo justificativo.
Respiga-se para tanto da sentença recorrida a seguinte fundamentação: «No caso em apreço, analisando o contrato de utilização de trabalho temporário de 30/08/2010, verifica-se, em síntese, que a justificação para a contratação assentou no facto de a R. ter como único cliente a Autoeuropa, a quem fornece assentos completos para vários modelos de automóveis, estando dependente das suas encomendas, do momento de produção e de exigências de fornecimento condicionadas à instabilidade e irregularidade do mercado da indústria automóvel. Ora, salvo o devido por opinião contrária, da motivação exarada não se retira que a celebração do mesmo se tivesse fundado numa concreta necessidade temporária da empresa, nem que o contrato de utilização de trabalho temporário tivesse sido celebrado pelo tempo estritamente necessário à satisfação dessa necessidade. É certo que, como é público e resulta da matéria de facto, a produção do único cliente da R. não é sempre igual, variando no número de viaturas em produção, em função de diversos factores, designadamente das necessidades do mercado automóvel. Mas tal não permite afirmar a existência de uma concreta necessidade temporária de recorrer ao trabalho temporário e, mais ainda, que o contrato tenha sido celebrado pelo tempo estritamente necessário à satisfação dessa necessidade. Esta formulação, que supostamente estaria concretizada e seria esclarecedora, não deixando de revestir um cariz algo genérico, não permite perceber quais foram as razões que determinaram o recurso à utilização de trabalho temporário, não se alcançando como se distinguiriam as necessidades referidas no contrato em causa daquela que seria a normal actividade económica prosseguida pela R., por forma a justificar que a satisfação das necessidades de mão-de-obra fosse feita através duma medida – o trabalho temporário - que no nosso ordenamento jurídico-laboral continua a ser encarada restritivamente e a assumir natureza excepcional. Pelo contrário, o facto de se ter provado que o posto de trabalho e as funções do A. se mantiveram inalterados ao longo dos cerca de 5 anos consecutivos em que exerceu a actividade para R., evidencia que não estava em causa qualquer necessidade temporária, mas sim uma necessidade permanente. De referir que admitir que a dependência total das encomendas de um único cliente seria suficiente para concluir pela existência de necessidade temporária, legitimaria a que a R. pudesse a manter um significativo número de trabalhadores ao serviço numa situação de precariedade ou, no limite, utilizar a título precário a totalidade dos seus trabalhadores, olvidando a natureza excepcional de tal contratação. E se assim é, somos forçados a concluir que a justificação do contrato de utilização de trabalho temporário celebrado a 30/08/2010 é insuficiente e nada acrescenta à fórmula legal prevista na alínea e) do n.º 2 do art. 140.º do Código do Trabalho. Ainda que assim não se entendesse, cumpre referir que, embora o contrato de utilização datado de 26/12/2010, cuja contratação foi motivada pela “necessidade de se recuperarem assentos em falta, para cerca de 800 viaturas do modelo VW Eos, prevendo-se o início da execução para 26-12-2010 e a conclusão para o dia 02-01-2011”, se pudesse considerar devidamente justificada, com indicação dos concretos factos, certo é que a R. não provou como lhe incumbia que, naquele período tivesse de facto verificado o motivo concretamente invocado para a respectiva celebração. Por último, importa acrescentar que, no que tange ao contrato de utilização de trabalho temporário de 03/01/2011, estando apenas demonstrado que a justificação da contratação corresponde à fórmula legal prevista na alínea e) do n.º 2 do art. 140.º do Código do Trabalho, forçoso é também aqui concluir pela sua insuficiência. Nestes termos se conclui pela verificação da nulidade dos contratos de utilização de trabalho temporário celebrados em 30/08/2010, 26/12/2010 e 03/01/2011 entre a aqui R. e a Adecco – Recursos Humanos, Empresa de Trabalho Temporário, Lda. e, consequentemente, pela verificação da nulidade do contrato de trabalho temporário celebrado entre esta última empresa e o A., considerando-se o trabalho prestado por este ao abrigo de tais contratos em regime de trabalho por tempo indeterminado. Conclui-se, pois, que o A. deve considerar-se trabalhador efectivo da R. desde o início dos contratos de trabalho temporário, i.e., desde 30/08/2010 e, consequentemente, que quando celebrou o contrato de trabalho a termo certo, com início a partir de 16/08/2011, não era trabalhador à procura de primeiro emprego. Ainda que assim não fosse, importa referir que, além de considerar como único contrato aquele que seja objecto de renovação (cfr. arts. 149.º, n.º 4, e 178.º, n.º 3, do Código do Trabalho), a lei não admite a sucessão no mesmo posto de trabalho de trabalhador temporário ou de trabalhador contratado a termo, antes de decorrer um período de tempo igual a um terço da duração do referido contrato, incluindo renovações (cfr. art. 179.º, n.º 1 do Código do Trabalho). Mais, considera incluída no cômputo dos limites legais, a duração dos contratos de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho (cfr. arts. 148.º, n.º 5, e 182.º, n.º 5, do Código do Trabalho). No caso em apreço, tendo o A. sido inicialmente admitido em 30/08/2010, provou-se que se manteve sempre no mesmo posto de trabalho, exercendo sempre as mesmas funções, pelo se deve considerar a existência de um único contrato, desde 30/08/2010 até 15/08/2015, num total de quatro anos, onze meses e quinze dias. Ou seja, mesmo que se considerasse lícita a contratação do A. pela R., com a justificação de se tratar de trabalhador à procura de primeiro emprego, dúvidas não há de que foi ultrapassado o limite máximo de duração de tal contrato, incluindo as suas renovações extraordinárias, decorrente dos arts. 148.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho, 2.º, n.º 2, da Lei n.º 3/2012, de 10 de Janeiro, e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 76/2013, de 7 de Novembro, e que operou a conversão do contrato em sem termo nos termos do art. 147.º, n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho. Desta conclusão decorre que a comunicação de caducidade do seu contrato de trabalho corresponde a uma forma de despedimento ilícito, porquanto não precedido do necessário procedimento legal, nos termos do art. 381.º, alínea c) do Código do Trabalho».
Outro é o entendimento da recorrente, que sustenta, muito em resumo, que os contratos em causa se encontram devidamente justificados e que se verifica o nexo entre os motivos justificativos e a duração dos contratos.
Vejamos de que lado está a razão.
Nos termos da alínea a), do artigo 172.º, do Código do Trabalho, considera-se contrato de trabalho temporário o contrato de trabalho a termo celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar a sua atividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário.
E de acordo com o estatuído na alínea c) do mesmo artigo, considera-se contrato de utilização de trabalho temporário o contrato de prestação de serviço a termo resolutivo entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a ceder àquele um ou mais trabalhadores temporários.
É sabido que o trabalho temporário assenta numa relação triangular, em que incumbe (i) à empresa de trabalho temporário a posição jurídica de empregador, cabendo-lhe as respetivas obrigações contratuais, nomeadamente as remuneratórias, (ii) ao utilizador, por delegação da empresa de trabalho temporário, a direção e organização do trabalho (iii) e ao trabalhador temporário o acatamento das prescrições do utilizador no que respeita ao modo, lugar, duração de trabalho e suspensão da prestação de trabalho, higiene, segurança e medicina no trabalho.
Assim, o trabalhador temporário é contratado pela empresa de trabalho temporário, mas presta a sua atividade em benefício direto do utilizador.
O contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado, no que ora releva, nas situações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 140.º (por remissão do artigo 175.º, n.º1), situações que se reportam, ao fim e ao resto, a necessidades temporárias, de gestão corrente das empresas, e deve conter o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador, o que deve ser feito através da menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se o nexo entre a justificação invocada e o termo estipulado [artigo 177.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do CT).
Importa ter presente que a Lei Fundamental consagra a garantia à segurança no emprego (artigo 53.º), o que envolve, como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 711), não só o direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, mas também todas as situações que se traduzam em injustificada precariedade da relação de trabalho, para que possa ocorrer uma contratação que não garanta a referida segurança no emprego, o que impõe, além do mais que agora não releva, a existência de um motivo justificativo para essa contratação, o mesmo é dizer um requisito relacionado, na sua essência, com as situações que legitimam a celebração de contratos a termo.
Como se observou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-09-2012 (Proc. n.º 406/10.7TTVCT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “A contratação a termo, enquanto instrumento legal de vinculação precária, ditado por uma tríplice ordem de razões (de natureza económica, social e de política de emprego) assume, como é sabido, o compromisso possível entre o princípio programático do “direito à segurança no emprego”, com assento constitucional (art. 53º da C.R.P.), de interesse e ordem pública, e o princípio civilista geral da liberdade contratual”.
Na apreciação do motivo justificativo do contrato de trabalho a termo, como de modo impressivo se assinalou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-2008 (Proc. n.º 325/08, disponível em www.dgsi.pt) haverá que fazer duas análises distintas: (i) saber se o texto contratual obedece ao pressupostos legais da contratação a termo; (ii) saber se o motivo invocado e o prazo previsto têm correspondência com a realidade prestacional do trabalhador contratado e com a conjuntura laboral da empresa, sendo que, em conformidade com o n.º 1 do artigo 176.º, cabe ao utilizador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de utilização de trabalho temporário.
Ou seja, visa-se com tais exigências legais permitir a verificação ou controle da conformidade da situação concreta com a tipologia legal das situações excecionais que consentem tal contratação, da veracidade da justificação invocada e até da adequação da duração convencionada para o contrato (neste sentido, acórdão do STJ de 14-01-2015, Proc. n.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
No caso em apreciação, os contratos de trabalho foram celebrados uns ao abrigo da alínea e) [os de 30-08-2010 e de 03-01-2011], outro da alínea g) [o de 26-12-2010], ambos do n.º 2 do artigo 140.º, por remissão do artigo 175.º.
Nos termos da referida alínea e) considera-se a existência de necessidade temporária da empresa a “[a]ctividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima”; já face ao estatuído na alínea g) considera-se necessidade temporária a «[e]xecução de tarefa ocasional ou servido determinado precisamente definido e não duradouro».
De acordo com o já referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-2008, a “actividade sazonal é aquela que só surge em determinado período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade (…) Em contrapartida, o ciclo de produção legalmente atendível é o ciclo anual, tornando-se ainda mister que as suas irregularidades decorram da natureza estrutural – que não conjuntural – do respectivo mercado”
Escreve Júlio Vieira Gomes (Direito do Trabalho, 1.º Volume, 2007, pág. 595) que “[a] noção de actividades sazonais parece ter começado por cingir-se às estações do ano, em termos climatéricos e às suas repercussões em certas actividades, mormente na agricultura (colheitas, sementeiras), estendendo-se depois a outras indústrias em que a actividade também depende da estação do ano (pense-se no turismo balnear ou em certas actividades de turismo de Inverno, como as estâncias de esqui ou na produção de queijos dependente da qualidade do leite, por sua vez condicionada pelo estado dos pastos). A noção foi progressivamente ampliada, abrangendo a pouco e pouco situações cíclicas de aumentos de procura ou relativas, como a letra da lei sugere, ao abastecimento de matérias-primas”.
O que parece poder afirmar-se com segurança é que as atividades sazonais, ou outras cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respetivo mercado, ou seja, em que se verifiquem “picos de trabalho”, se deverão caracterizar como atividades que têm uma natureza cíclica, previsível e regular, excluindo-se, pois, as situações em que essas variações sejam imprevisíveis, o que pode suceder em qualquer atividade.
Não pode olvidar-se que a atividade sazonal, ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades da natureza estrutural do respetivo mercado, para justificarem a contratação a termo (ou de trabalho temporário) devem corresponder ao critério geral constante do n.º 1 do artigo 140.º quanto à admissibilidade de contratação a termo, o mesmo é dizer deve estar em causa uma necessidade temporária da empresa e o contrato ser celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade (neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pág. 270).
Ora, no caso, lendo e relendo os contratos em apreciação, o que resulta dos contratos de 30-08-2010 e de 03-01-2011 como motivo justificativo é, em síntese, que a aqui recorrente tem como único cliente a Autoeuropa, a quem fornece assentos completos para vários modelos de automóveis, estando dependente das suas encomendas e do momento de produção e que as exigências de fornecimento estão condicionadas à instabilidade e irregularidade dos mercados mundiais.
Já em relação ao contrato celebrado em 26-12-2010 invoca-se como motivo justificativo a alínea g) do n.º 2 do artigo 140.º («execução de tarefa ocasional ou serviço determinado definido e não duradouro»), face à necessidade de se recuperarem assentos em falta, para cerca de 800 viaturas do modelo VW Eos, uma vez que o modelo sofreu um facelift, o que originou a alteração dos componentes anteriormente pré-definidos, prevendo-se o início da execução para 26-12-2010 e a conclusão para o dia 02-01-2011.
Se em relação a este último contrato se pode considerar que se encontra devidamente justificado, com indicação dos concretos factos, o certo é que a ré não provou que o motivo invocado tem correspondência com a realidade.
Com efeito, não só não se provou que no período de 26/12/2010 a 02/01/2011 a ré tenha procedido à recuperação de 800 assentos em falta do modelo VW EOS (cfr. n.º v dos factos não provados), como o que resulta da matéria de facto é que o autor trabalhou sempre para a ré, na linha de produção (nos BF5), não tendo havido qualquer alteração nas funções que desempenhava, mesmo após a celebração do contrato a termo com esta.
Já em relação aos contratos celebrados em 30-08-2010 e 03-01-2011, ao abrigo da alínea e) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, o que deles resulta é que a recorrente justificou a celebração dos mesmos com o facto de ter apenas como cliente a Autoeuropa, e como o ciclo de produção de veículos por parte desta apresenta irregularidades tal reflete-se diretamente na atividade da recorrente, impossibilitando-a de ter a manutenção e planeamento dos postos de trabalho do seu quadro de efetivos estável.
Ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, tal motivação mais não representa do que a afirmação do risco genérico decorrente de uma determinada empresa – seja por estratégia empresarial, seja por qualquer outro motivo – ter um modelo de negócio com apenas um cliente, em que este pode por circunstâncias várias (crise de mercado, estratégia empresarial, etc.) reduzir ou até suspender a produção.
Da referida leitura da motivação desses contratos não se retira que a celebração dos mesmos se tivesse ancorado numa qualquer concreta necessidade temporária de empresa e que os contratos tivessem sido celebrados pelo tempo estritamente necessário à satisfação dessa necessidade: o que parece estar em causa é, não qualquer concreta necessidade temporária da empresa, mas uma espécie de “bolsa de emprego” em que a recorrente manteria ou não alguns trabalhadores conforme a maior ou menor necessidade de produção.
Atente-se que foi a ré/recorrente quem planeou o seu modelo atividade, totalmente dependente das encomendas da sua única cliente, a Autoeuropa, pelo que a eventual existência de irregularidades na produção desta se reflete na estratégia daquela, pelo que apenas a ela é imputável.
Além disso, não parece que se possa afirmar que está em causa uma atividade sazonal ou um ciclo anual de produção decorrente da natureza estrutural do mercado, assim se justificando a contratação a termo, pois o mercado automóvel não funcionará por ciclos anuais, antes impõe planeamento a mais longo prazo, tendo em conta, designadamente, as orientações e preferências do mercado e, com elas, a opção por determinadas categorias/modelos de veículos.
Aliás, não deixa de ser impressivo que, como decorre dos factos provados, ao longo dos quase 5 anos que o recorrido exerceu a atividade para a recorrente sempre se manteve no mesmo posto de trabalho e no exercício das mesmas funções.
É certo, como resulta do já referido, a produção da ré estava e está dependente das encomendas da Autoeuropa, sua cliente única, e que têm de ser feitas no método de produção just in time (afcto n.º 29) e que esta apresenta irregularidades que decorrem do próprio mercado, assim como do período em causa.
Como se afigura público e notório (artigo 412.º do Código de Processo Civil), a produção do cliente da ré/recorrente não é sempre igual, em termos quantitativos, variando no número de produção de viaturas; essa variação poderá depender, afigura-se, de diversos fatores, designadamente das necessidades do mercado automóvel: mas daí não se retira que embora dependendo a ré/recorrente apenas daquele cliente tal configure, por si só, qualquer concreta necessidade temporária dela recorrer a trabalho temporário e, mais ainda, que os contratos tenham sido celebrados pelo tempo estritamente necessário à satisfação dessa necessidade.
A admitir-se a validade dos contratos de utilização de trabalho temporário em apreciação com fundamento na existência de atividade sazonal ou atividade cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do mercado, tal equivaleria a possibilitar a manutenção de significativo número de trabalhadores ao serviço da mesma numa situação de precariedade, olvidando a natureza excecional de tal contratação: seria até uma via de anular o risco empresarial inerente à “mão-de-obra”, transferindo-o para os trabalhadores e, por uma via oblíqua, permita-se-nos a expressão, «deixar entrar pela janela o que não se quis deixar entrar pela porta», uma vez que quer a lei fundamental (artigo 53.º), quer a própria legislação laboral (artigo 140.º) apenas permitem a contratação a termo (ou através do trabalho temporário) em específicos casos, e através da interpretação dessas normas, maxime da alínea e), permitia-se, de uma forma que consideramos generalizada, o recurso à contratação a termo ou a trabalho temporário.
De resto, a aceitar-se a referida justificação dos contratos, no limite, e por absurdo, a recorrente até poderia utilizar a título precário todos os trabalhadores, na medida em que o motivo invocado – de irregularidade na produção e encomendas do cliente – poderia ser transposto para todos os contratos.
Assim, por um lado, as referidas cláusulas justificativas da celebração dos contratos de trabalho temporário não se encontram suficientemente concretizadas quanto aos contratos de trabalho temporário celebrados em 30-08-2010 e 03-01-2011; por outro, em relação ao contrato celebrado em 26-12-2010, embora se encontre concretizado o motivo, o certo é que ele não tem correspondência com a realidade, sendo que ao longo de quase 5 anos o trabalhador sempre trabalhou na mesma linha de produção da ré, no mesmo posto de trabalho, e exercendo sempre as funções de estofador de 3.ª, o que é indiciador de que estava em causa uma situação de necessidade permanente e não temporária da empresa e, assim, que esta não provou os factos que justificam a celebração dos contratos de trabalho temporário (cfr. artigos 140.º, n.º 5, e 176.º, n.º 1, do Código do Trabalho).
E assim sendo, como se entende, sendo nulos os contratos de utilização do trabalho temporário, considera-se o trabalho prestado pelo autor/recorrido à ré/recorrente em regime de contrato de trabalho sem termo, pelo que quando celebrou o contrato de trabalho a termo não podia ser considerado trabalhador à procura do 1.º emprego, sendo, pois, de considerar ilícita a cessação do contrato comunicado por esta, o que corresponde a um despedimento ilícito, por não precedido do respetivo procedimento [cfr. n.ºs 2 e 3 do artigo 176.º e 381.º alínea c), do CT].
Nesta sequência, só nos resta concluir pela improcedência, também nesta parte, das conclusões das alegações do recurso e, por consequência, pela improcedência deste.
Vencida no recurso deverá a ré/recorrente suportar o pagamento das custas respetivas (artigos 527.º do Código de Processo Civil).
V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento aos recursos interpostos por Vanpro Assentos, Lda., e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 13 de dezembro de 2018 João Luís Nunes (relator) Paula do Paço Maria Emília Costa