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DIREITO DE DEFESA
PROVA
CONTRADITÓRIO
DOCUMENTO EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA
PODERES DO JUIZ
PODERES DAS PARTES
Sumário
I – O direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal. II - As partes têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova. III – O mecanismo previsto no artigo 429º do CPC (documentos em poder da parte contrária) poderá ser utilizado tanto por quem tem o ónus da prova de determinado facto, como por quem pretenda infirmar a prova de factos cujo ónus recai sobre o detentor do documento. (sumário do relator)
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
SULREGAS – SOCIEDADE COMERCIAL DE MONTAGEM DE MOTORES E BOMBAS PARA REGA E CAPTAÇÃO DE ÁGUA, LDA., ré nos autos supra identificados, em que é autora PRIME ALMONDS, LDA., veio deduzir incidente de liquidação de sentença, nos termos do disposto no art. 358º, nº 2, do CPC.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador - no qual se decidiu não conhecer da exceção de compensação invocada pela autora/requerida -, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, bem como apreciação dos requerimentos probatórios.
Apreciando estes requerimentos escreveu-se, na parte relevante, o seguinte:
«Da requerida/autora (requerimento de oposição) –
*
- Documentos em poder de terceiro –
*
Tendo presente a finalidade, propósito e limites do presente incidente de liquidação, nos termos já expressos (e para os quais se remete) a propósito da inamissibilidade legal da invocação da exceção de compensação, afiguram-se sem qualquer relevo as informações solicitadas nos pontos 1. e 5. pela autora/requerida, no seu requerimento probatório. Com efeito, o direito da ré/requerente à indemnização em questão está decidido por sentença transitada em julgado, assim se tendo consolidando quer na ordem jurídica, quer na esfera jurídica da própria ré/requerente. Logo, não obstante o presente incidente de liquidação tenha natureza declarativa, não pode o mesmo servir para reabrir a discussão sobre se existe ou não obrigação, mas tão somente para quantifica-la. Os factos ora aduzidos pela autora/requerente deveriam ter sido deduzidos em sede de réplica, pelo que não o tendo sido (a questão da eletricidade foi, mas em sentido não totalmente coincidente com o ora alegado e, ademais, nos termos alegado, foi o facto alegado julgado não provado), mostra-se precludida tal invocação. Consequentemente a solicitação das informações em questão traduzir-se-iam em ato inútil e, portanto, legalmente inadmissível. Quanto às demais notificações requeridas em 2., 3. e 4., entende-se que recaindo o ónus probatório dos respetivos factos sobre a ré/requerida, não assiste à autora/requerente interesse, ou sequer legitimidade, para requerer a junção aos autos da respetiva documentação. Com efeito, não recai sobre a autora/requerida a contraprova de qualquer facto, assistindo à ré/requerente delinear sua estratégia probatória no que respeita aos factos cujo ónus da prova sobre si recai. Pelo exposto, indefere-se o requerido. Notifique.»
Inconformada, a autora/requerida apelou do assim decidido, tendo finalizado as alegações com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«i) Na oposição que apresentou, a Requerida e ora Apelante requereu, que fosse “notificado o “FEDER” Portugal para informar quais os valores que pagou” à ora Apelada “em 2016 e 2017” juntando cópia das facturas que suportam esses pagamentos, bem como cópia do contrato de subsídio celebrado” (ponto 1);
ii) O requerimento formulado pela Apelante (no referido ponto 1 da sua oposição) circunscreve-se à quantificação dessa obrigação - ao valor dos prejuízos sofridos - e não à existência da obrigação;
iii) Alguns dos documentos que a Apelada junta para demonstração do valor desses danos (Documentos n.ºs 1, 25, 30, e 40 juntos com a petição do incidente de liquidação) têm o carimbo “despesa co financiada pelo “Feader” (vd. artigo 24º da oposição);
iv) E se houve tal co financiamento é evidente que a totalidade desses valores não foi suportada pela Apelada, que apenas suportou parte do valor decorrente dos documentos referidos;
v) A questão atém-se aos limites do objecto do litígio na forma em que se encontram decididos pelas decisões transitadas em julgado: saber se os valores que a Apelada alega ter suportado e nos quais liquida nessa parte a obrigação de indemnização foram efectivamente por ela suportados e o requerimento de prova que foi formulado é absolutamente essencial para determinar, com enorme relevância, para a quantificação da obrigação devida, se efectivamente, a Apelada suportou tais valores;
vi) Aliás, não tendo os documentos em questão sido juntos pela Apelada antes de instaurar o incidente de liquidação, não poderia a Apelante, em sede de réplica, ou noutro momento processual sobre eles pronunciar-se e requerer, como o fez, contraprova;
vii) A Apelante requereu também fosse notificada a Apelada “para juntar cópia dos comprovativos de pagamentos feitos aos seus gerentes para liquidar ajudas de custo” (ponto 2 do seu requerimento de prova documental), o que, fez, sobretudo, por não haver qualquer prova de que os valores alegados a esse título tivessem sido pagos pela Apelada (artigo 29º da oposição).
viii) E requereu ainda que fosse notificada a “Arboles Frutales Orero, SL”, com cópias das facturas por ela emitidas e juntas aos autos para que junte as cópias das guias de transporte das árvores que constam nessas facturas” (ponto 3 do seu requerimento de prova), requerimento que tem relevância para que possa saber- e em que parcela foram plantadas as árvores cujo o custo a Apelada considera contido dentro do valor da indemnização devida (artigo 21º da oposição);
ix) Requereu também que fosse notificada a “Prest. Serv. Agro. , SL”, com cópias das facturas por ela emitidas e juntas aos autos para que junte imagem tipo dos “tutores” e “protectores” em questão (ponto 4 do seu requerimento de prova), requerimento relevante por o valor de tais equipamentos (não consumíveis) estar a ser exigido pela Apelada, como se tivessem sido destruídos caso a rega não funcionasse (artigo 16º da oposição);
x) A distribuição do ónus prova não relava para saber se os requerimentos de prova podem, ou não, ser formulados, pois, nada impede que a parte não onerada com esse ónus formule requerimentos de prova para realizar a denominada contra prova;
xi) A não ser assim, o réu, quando se limitasse a impugnar directa ou indirectamente o direito invocado pelo autor, não poderia formular quaisquer requerimentos probatório;
xii) Aliás, “no plano da prova, o princípio do contraditório exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios relevantes para o apuramento da realidade dos factos (…) da causa…” (Lebre de Freitas, “Introdução do Processo Civil”, pag. 98).
xiv) Os requerimentos de prova formulados pela Apelante têm inteira relevância para a discussão da matéria da causa de acordo os temas da prova formulados;
xv) A Apelante requereu ainda que fosse notificada a “EDP” para que juntasse o “contrato celebrado com” a Apelada e relativo ao “Montinho da Saúde”, bem como a 1.º factura emitida em relação a esse contrato com os descritivos dos consumos ponto 5 do seu requerimento de prova documental);
xvi) Os prejuízos cuja quantificação deverá ser feita no presente processo de liquidação, são apenas aqueles que resultem das deficiências do sistema de rega que são descritas nas já referidas alíneas y) a bb) e não outros;
xvii) O requerimento probatório feito pela Apelante é relevante, pois, será essencial determinar qual a data a partir da qual a parcela em causa passou a estar provida de electricidade, pois, só a partir dessa data se pode determinar, ainda que em abstracto, que o prejuízos possam decorrer da falta de rega;
xviii) A questão, respeita inequivocamente à quantificação do valor dos danos e não à obrigação, pois, não é o direito à indemnização que se visa contestar, mas, outrossim, o valor dessa indemnização, para o qual, a demonstração da data em que se iniciou o fornecimento é absolutamente relevante.
xix) Decidindo em contrário, o douto despacho violou, entre outras, as disposições dos Art.ºs 3º, 4º, 411º, 429º e 432º todas do Código de Processo Civil.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir é a de saber se deve ou não ser revogado o despacho recorrido substituindo-o por outro que admita os meios de prova indicados pela recorrente.
III - FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS
Os factos a considerar são os que constam do relatório precedente, devendo acrescentar-se, na parte que aqui importa considerar, o requerimento probatório apresentado pela recorrente do seguinte teor:
- «1. Que seja notificado o “FEADER” Portugal para informar quais os valores que pagou à Ré em 2016 e 2017, juntando cópias das facturas que suportam esses pagamentos, bem como cópia do contrato de subsídio celebrado;
2. Que seja notificada a Ré para juntar cópia dos comprovativos dos pagamentos feitos aos seus gerentes para liquidar ajudas de custo;
3. Que seja notificada a “Arboles Frutales Orero, SL”, com cópias das facturas por ela emitidas e juntas aos autos, para que junte as cópias das guias de transporte das árvores que constam nessas facturas;
4. Que seja notificada a “Prest. Serv. Agro, SL”, com cópias das facturas por ela emitidas e juntas aos autos, para que junte imagem tipo dos “tutores” e “protectores” em questão;
5. Que seja notificada a “EDP” para que junte o contrato celebrado com a Ré e relativo ao “Montinho da Saúde”, bem como a 1ª factura emitida em relação a esse contrato com os descritivos dos consumos.»
O DIREITO
Entendeu-se no despacho recorrido[1], quanto aos pontos 1. e 5. do requerimento probatório da recorrente, que o presente incidente de liquidação não pode servir para reabrir a discussão sobre se existe ou não obrigação, mas apenas para quantificá-la, pelo que os factos alegados pela autora/requerida deveriam ter sido deduzidos em sede de réplica, mostrando-se precludida tal invocação, pelo que a solicitação das informações pretendidas traduzir-se-iam em ato inútil e, portanto, legalmente inadmissível.
Contrapõe a recorrente que o que foi requerido nos aludidos pontos 1. e 5. se circunscreve à quantificação da obrigação e não à existência da mesma.
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
Alegou a recorrente no artigo 24º da oposição ao presente incidente, que os documentos n.ºs 1, 25, 30, e 40 juntos pela ré/requerente com o requerimento inicial têm um carimbo com os dizeres “despesa co financiada pelo “Feader”, o que corresponde efetivamente à verdade.
Ora, se houve tal cofinanciamento, do que não há razões para duvidar, então a totalidade dos valores indicados em tais documentos não foi suportada pela ora recorrida, que apenas terá suportada uma parte dos mesmos.
A questão encontra-se, como bem diz a recorrente, dentro dos limites do objeto do litígio na forma em que foi decidida: saber se os valores que a recorrida alega ter suportado e nos quais liquida, nessa parte, a obrigação de indemnização, foram na realidade por ela suportados.
Ademais, tendo os documentos em causa sido apenas juntos com o requerimento do presente incidente, não podia a recorrente, como é óbvio, ter-se pronunciado sobre os mesmos em sede de réplica, ou noutro momento processual e requerer, como fez agora, para contraprova dos factos alegados
Quanto à querida notificação da EDP para juntar o contrato celebrado com a recorrida relativo ao “Montinho da Saúde”, bem como a 1ª fatura emitida em relação a esse contrato com os descritivos dos consumos, importa ter presente que os prejuízos cuja quantificação tem de ser feita no presente incidente de liquidação, são apenas aqueles que resultem das deficiências do sistema de rega que são descritas nas alíneas y) a bb) do elenco dos factos provados da sentença.
A recorrida não logrou demonstrar o exato valor dos prejuízos a que se alude em tais alíneas, embora os tenha quantificado na contestação, sendo a notificação da EDP para juntar os documentos assinalados relevante, pois é importante determinar qual o momento a partir do qual a parcela em causa passou a ter eletricidade, sendo que só após tal data se pode determinar, ainda que por aproximação, quais os prejuízos causados pela falta de rega.
Ao invés do que se entendeu na decisão recorrida, a questão diz respeito à quantificação do valor dos danos a indemnizar e não à obrigação de indemnizar, sendo a demonstração da data em que se iniciou o fornecimento relevante.
Relativamente aos pontos 2, 3 e 4, entendeu-se na decisão recorrida que recaindo o ónus da prova dos respetivos factos sobre a ré/requerente, não assiste à autora/requerida, ora recorrente, «interesse, ou sequer legitimidade, para requerer a junção aos autos da respetiva documentação».
Já recorrente defende que a distribuição do ónus prova não releva para saber se os requerimentos de prova podem, ou não, ser formulados, pois, nada impede que a parte não onerada com esse ónus formule requerimentos de prova para realizar a denominada contra prova.
E, adianta-se desde já, assiste razão à recorrente.
Dispõe o artigo 429º do Código de Processo Civil [CPC]:
«1 – Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
2 – Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação.»
Prescreve, por sua vez, o artigo 432º do CPC:
«Se o documento estiver em poder de terceiro, a parte requer que o possuidor seja notificado para o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado, sendo aplicável a este caso o disposto no artigo 429.º»
Tratando-se de uma manifestação do princípio geral da cooperação material no campo da instrução do processo, o artigo 429º do CPC tem em vista a prova de factos desfavoráveis ao detentor do documento que, por isso, é notificado, a requerimento da parte contrária para o apresentar[2].
Do respetivo teor resulta que a disposição se encontra pensada primordialmente para a permitir à parte onerada com a prova de um facto a obtenção de determinado documento de que saiba encontrar-se em poder da parte contrária, para através do mesmo dar cumprimento ao ónus da prova que sobre ele incide. Daí a cominação de inversão do ónus da prova, no caso em que a falta de apresentação o documento venha a impossibilitando ao onerado a respetiva prova (cfr. art. 430º do CPC).
Contudo, em nosso entender, o âmbito da aplicabilidade de tal norma terá de buscar-se na natureza do “ónus da prova” e no âmbito do “direito à prova”.
Face ao princípio da aquisição processual (art. 413º do CPC) e ao princípio do inquisitório em matéria de prova (art. 411º do CPC), tem vindo a ser entendido que as regras sobre o ónus da prova são mais regras de decisão do que regras de distribuição de prova propriamente ditas.
Escrevem, a propósito, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[3]:
«Como um dos seus objetivos principais, o nosso sistema processual civil procura que a solução judicial seja a que melhor se ajuste à real situação que é objeto de disputa. Por isso, as regras sobre o ónus da prova dos factos contidos no art. 342º do CC têm uma feição marcadamente objetiva, significando que ao exercício da atividade jurisdicional interessa acima de tudo saber se determinado facto, está ou não demonstrado, uma vez concluída a instrução, e não tanto averiguar qual das partes estava onerada com o respetivo ónus da prova (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., p. 450). Consequentemente, no julgamento da matéria de facto, o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, independentemente da parte que alegou o facto ou da que apresentou o meio de prova: nisto consiste o princípio da aquisição processual.»
E, em comentário ao artigo 429º do CPC[4], escrevem estes mesmos autores que «[o] mecanismo previsto neste preceito poderá ser utilizado tanto por quem tem o ónus da prova de determinado facto, como por quem pretenda infirmar a prova de factos cujo ónus recai sobre o detentor do documento (…)».
Com inteira pertinência para o caso sub judice, escreveu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 21.04.2015:
«A consagração, no nº4 do artigo 20º, da Constituição da Republica Portuguesa, do direito a um processo equitativo, envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova[6] uma das dimensões em que aquele se concretiza. O direito à prova emana da necessidade de se garantir ao cidadão a adequada participação no processo e de assegurar a capacidade de influenciar o conteúdo da decisão. “O direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras[7]”. O direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal[8]. As partes têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova. Haverá que constatar que, na prática, as partes têm sempre interesse em produzir provas, seja em relação aos factos que lhe são favoráveis, seja quanto à inexistência dos factos que a podem prejudicar (contraprova ou prova contrária). E se é verdade que o ónus da contraprova só surge quando o onerado com a contraprova tenha feito prova bastante (prova livre ou não plena), cabendo então à parte contrária fazer prova que crie no espírito do juiz dúvida ou incerteza acerca do facto questionado, as restrições impostas ao momento até ao qual cada uma das partes pode apresentar a sua prova/contraprova, levam a que parte não onerada com a prova de um facto não possa ficar à espera que a contraparte faça, ou não, a prova de tal facto, para aí e só então, em caso afirmativo, apresentar a sua contraprova. Como afirma Eduardo Cambi, “as partes devem, pois, ter a oportunidade de demonstrar os fatos que servem de fundamento para as respetivas pretensões e defesas, sob pena de não conseguirem influenciar o órgão julgador no julgamento da causa. A noção de direito à prova aumenta as possibilidades das partes influenciarem na formação do convencimento do juiz, ampliando as suas chaces de obter uma decisão favorável aos seus interesses. Assim, as partes têm liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais[9]”. Concluímos, assim, que o mecanismo previsto no artigo 429º, do CPC, poderá ser utilizado não só por aquele sobre o qual recai o ónus da prova, mas igualmente para efeitos de contraprova. No entanto, como tem sido também sublinhado, o direito à prova não é um direito absoluto e incondicionado, não implicando a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis ou a imposição de condições à sua utilização, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade. A emissão de uma norma restritiva da utilização dos meios de prova, não implica necessariamente um desrespeito do direito acesso à justiça na sua vertente do direito do interessado produzir a demonstração de factos que, na sua ótica, suportam o seu direito ou a sua defesa. Tal desrespeito só se verificará quando se possa concluir que a norma em causa determina para o interessado, na generalidade das situações, a impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito. Ao juiz, enquanto “gestor” ou responsável pela direção do processo incumbe autorizar a realização das diligências que se afigurem necessárias e adequadas e indeferir as que afigurem inúteis ou meramente dilatórias.»
Assim, cabe ao juiz «controlar a pretensa idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova dos factos de que o detentor do documento tem o ónus (…), razão por que o requerente deve identificar, na medida do possível, o documento e especificar os factos que com ele quer provar»[5].
Não colhendo o argumento da decisão recorrida para rejeitar o requerimento de prova da autora/requerida nos pontos acima assinalados, também nada justifica a sua rejeição por falta de identificação e especificação dos documentos relativamente aos quais a recorrente pretende fazer contraprova, uma vez que isso foi por ela cumprido.
Acresce que, quanto ao ponto 2 do requerimento probatório da recorrente, esta pretende que a recorrida junte cópia dos comprovativos de pagamentos feitos aos seus gerentes para liquidar ajudas de custo, sendo certo que inexiste nos autos qualquer prova de que os valores alegados a esse título tivessem sido pagos pela apelada, como a recorrente fez notar no artigo 29º da oposição.
Também a requerida notificação da sociedade “Arboles Frutales Orero, SL”, para juntar aos autos as cópias das guias de transporte das árvores que constam nas faturas por ela emitidas e juntas aos autos (ponto 3 do requerimento de prova), tem relevância para que se possa saber-se em que parcela foram plantadas as árvores cujo custo a recorrida considera contido dentro do valor da indemnização devida, tal como vem alegado no artigo 21º da oposição.
Por último, a notificação da “Prest. Serv. Agro., SL”, com cópias das faturas por ela emitidas e juntas aos autos para que junte imagem tipo dos “tutores” e “protetores” em causa (ponto 4 do seu requerimento de prova), assume relevo, por o valor de tais equipamentos (não consumíveis) estar a ser reclamado pela recorrida como se tivessem sido destruídos caso a rega não funcionasse (cfr. art. 16º da oposição).
Em suma, o indeferimento do requerimento probatório da recorrente não encontra qualquer justificação, pelo que importa revogar o despacho recorrido, admitindo-se a realização da prova recusada.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, admitindo-se a realização da prova requerida pela recorrente que foi objeto de indeferimento, devendo a 1.ª instância fixar prazo para a junção dos documentos em causa.
Sem custas.
*
Évora, 14 de julho de 2021
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto)
_______________________________________________
[1] O qual, por lapso, em dois momentos confunde ré/requerente com autora/requerida: «(…) [o]s factos ora aduzidos pela autora/requerente (…)»; «(…) recaindo o ónus probatório dos respetivos factos sobre a ré/requerida, não assiste à autora/requerente interesse (…)».
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Almedina, p. 247.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, Almedina, p. 505.
[4] Ob. cit., p. 525.
[5] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. e loc. cit.