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PROCESSO TUTELAR DE MENORES
ALIENAÇÃO PARENTAL
PROVA COMPLEMENTAR
PERÍCIA
Sumário
I – Como resulta do disposto no artigo 39.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, entre outras disposições deste diploma, o processo tutelar cível não exclui a intervenção de entidades externas que complementem as equipas multidisciplinares de assessoria técnica ao tribunal, mas, em regra, o contributo destas equipas multidisciplinares é suficiente para alcançar uma decisão adequada. II – No caso concreto, colocando-se a hipótese de alienação parental promovida pelo progenitor, justifica-se o indeferimento de uma perícia destinada a averiguar tal alienação quando esta eventualidade foi denunciada nos autos pela mãe da criança e nenhuma das entidades que intervieram nos autos a sustentou como credível. III - Os direitos à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo, imparcial e equitativo não impedem a definição pelo legislador dos meios de tutela jurisdicional, daquilo que são as suas regras em termos de tramitação, dos poderes e dos ónus que recaem sobre as partes e dos poderes e deveres do julgador, não resultando dos direitos em causa a atribuição aos sujeitos processuais de um direito a poderem, livremente e de modo irrestrito, socorrer-se de todo e qualquer meio processual que considerem adequado para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. (sumário do relator)
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO C…, requerida nos autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais em que é requerente H…, notificada do despacho de 16.09.2020, proferido no apenso H, que indeferiu a realização de avaliações/perícias técnicas por equipas multidisciplinares, veio do mesmo interpor o presente recurso, apresentando as respetivas alegações que finalizou com as seguintes conclusões:
«1 - O tribunal a quo defende que a psicóloga e a pedopsiquiatra que têm seguido a menor nestes últimos anos poderão, em audiência de julgamento, no tribunal, “esclarecer a atual situação da criança ou até da existência de indícios da alegada alienação parental da mesma”
2 - Ora, parece-nos que só é possível avaliar uma síndrome tão complexa como a Alienação Parental efectuando um relatório sistemático, com observação e diálogo directos com os envolvidos, em escuta activa, realizando, uma análise cuidada e rigorosa, com uma linguagem própria e em condições de “setting” adequadas, espaço físico no qual a relação com os técnicos especializados se estabelece, com vista a ser feito um relatório profundo e fiável.
3 - Por outro lado, a psicóloga e a pedopsiquiatra a que se refere o tribunal a quo, a Dra. E…e a Dra. O…, respectivamente, são testemunhas do requerente, arroladas para a audiência de julgamento dos autos, não são conhecedoras de todos os factos e muito menos têm um enfoque sistemático do caso.
4 - O tribunal a quo também refere que, de modo a avaliar a alienação parental em audiência de julgamento, há que ouvir “as testemunhas arroladas nos autos por ambos os progenitores”, designadamente os psicólogos e psiquiatras arrolados como testemunhas pela ora recorrente.
5 - Ora, a ora recorrente alterou o rol de testemunhas, de onde foram retiradas como testemunhas apresentadas nas alegações, as Dras. L… e T…, ambas psicólogas, e o Dr. P…, pedopsiquiatra,
6 - Deste modo, não podem estes especialistas esclarecer em tribunal se a menor M… sofre de alienação parental, como promove o MP e o tribunal a quo seguiu.
7 - Ficando o depoimento dos técnicos especializados em audiência de julgamento limitado às testemunhas de defesa do recorrido, Dras. E… e O….
8 - Noutra vertente, o tribunal a quo vem dizer que “já existe abundante prova documental e até pericial, tendo já sido realizadas perícias no âmbito dos autos apensos, designadamente no Processo de Promoção e Proteção que anteriormente correu termos”.
9 - Ora, o facto é que nunca foram realizadas perícias relativas à alienação parental da menor
10 - Por sua vez, factos novos e determinantes da alienação parental são posteriores à prova documental e perícias a que o tribunal a quo alude e, como tal, necessitam de ser avaliados e sistematizados em novas perícias.
11- O tribunal a quo diz ainda que as perícias “podem prejudicar ainda mais a estabilidade emocional/psicológica da criança”
12 - Ora, em primeiro lugar os especialistas de saúde realizam as perícias de forma cada vez menos invasiva ou perturbadora para a criança, num estado de arte cada vez mais evoluído,
13 - Em segundo lugar, a Síndrome de Alienação Parental, traduzida na rejeição da mãe ou de um pai pela criança, afecta gravemente a estabilidade emocional e psicológica da menor, por vezes de forma irreversível e permanente.
14 - Por seu lado, em face da alienação parental alegada, a menor encontra-se em perigo, nos termos do artigo 1918º do CC e da Lei de Crianças e Jovens em Perigo.
15 - Nesta situação de perigo para a menor justifica-se inteiramente a realização de perícias e relatório que confirmem ou infirmem a alienação parental.
16 - Há, assim, risco de se proferir uma má decisão judicial, sem a base científica do saber psicológico, inerente às perícias que o tribunal a quo não quer realizar.
17 - Conduzindo a que o progenitor leve consigo para viver na Bélgica uma criança alienada parentalmente.
Por sua vez
18 - A pretensão do recorrido de levar a menor para a Bélgica assenta essencialmente no relatório social do Gabinete do Gabinete Médico Legal e Forense da Península de Setúbal, datado de 06.01.2017 (cujas avaliações foram efectuadas a 10 e 17 de outubro de 2016),
19 - Ora, em face da antiguidade deste Relatório, a alienação parental ora alegada impôs-se como nova realidade, o que leva a que o mesmo relatório não a avalie, esteja desfazado e tenha de ser visto a uma nova luz,
20 - nesta medida, enfermando de vícios que conduzem a que uma decisão judicial nele baseada padeça de nulidade nos termos do artigo 195º do CPC.
Por outro lado
21 - O referido relatório nunca ouviu ou avaliou a progenitora, sendo um verdadeiro depoimento de parte que não pode alicerçar a boa decisão da causa, sob pena de violação do princípio do contraditório.
22 - E tanto é um depoimento de parte que a pretensão do recorrido de levar a menor para o estrangeiro, bem como as sua causa de pedir e alegações assentam essencialmente no citado relatório social do Gabinete do Gabinete Médico Legal e Forense da Península de Setúbal, a de Setúbal de 06.01.2017 (cujas avaliações foram efectuadas a 10 e 17 de outubro),
23 - Tanto que, nos presentes autos, o recorrido sustenta as suas alegações de 14.11.2019, com a Referência Citius 4743232, essencialmente no Relatório citado de 06.01.2017
24 - Face ao supra exposto, na sua totalidade, não está garantido na esfera da requerida o direito de defesa e o princípio do contraditório, nos termos do artigo 3º do CPC, sob pena de nulidade, ao abrigo do artigo 195º do CPC, perturbando a discussão, o exame e julgamento do pleito,
25 - Está em causa a possibilidade de oferecer provas através de novas perícias e relatórios sobre a alienação parental ou mesmo contrariar, através do novo enfoque, as matérias do relatório do Gabinete Legal Forense de 06.01.2017 citado.
26 - A natureza inquisitória do procedimento em jurisdição voluntária não afasta o princípio do contraditório ou de um processo justo e equitativo.
27 - A não admissão de um novo relatório social ou de perícias para avaliar a alienação parental, nos termos expostos, está ainda ferida de inconstitucionalidade, que ora se invoca, por violação do princípio do contraditório, do direito a um processo equitativo, do princípio da igualdade de meios processuais e do princípio “pro actione”, todos firmados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, que refere: “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
28 - Existindo assim manifesta denegação da justiça, nos termos do mesmo artigo da lei fundamental.
Nestes termos deverá revogar-se o despacho de que se recorre, considerando-o nulo, nos termos expostos, nos termos do artigo 195º do CPC.»
O progenitor/recorrido apresentou contra-alegações, defendendo ser inadmissível o recurso e opondo-se à pretendida atribuição do efeito suspensivo ao recurso, pugnando ainda pela confirmação da decisão recorrida.
Contra-alegou também o Ministério Público, opondo-se igualmente à atribuição do efeito suspensivo ao recurso e defendendo a confirmação do julgado.
Em 21.06.2021 o relator proferiu despacho a julgar admissível o recurso e a confirmar o efeito devolutivo atribuído ao mesmo pela Sr.ª Juíza a quo.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões essenciais a decidir consubstancia-se em saber se a Sr. Juíza a quo, no âmbito dos seus poderes de direção do processo, pode recusar a realização de diligências probatórias requeridas pelas partes, e se, in casu, se impunha ou não a realização da avaliação a alienação parental, a que a progenitora entende que se encontra sujeita a sua filha Margarida, por parte do progenitor.
III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS
A matéria factual é, neste caso, de natureza processual e consta do relatório que antecede, havendo ainda a acrescentar que a decisão recorrida é do seguinte teor.
«A requerida veio pedir a realização de perícias técnicas para avaliar a alienação parental a que alegadamente a menor se encontra sujeita, a cargo de equipas multidisciplinares com diversos conhecimentos, nomeadamente psiquiatras, psicólogos, sociólogos e pedopsiquiatras (Refª 5219879 e 5246306). O progenitor opõe-se à realização de tais perícias (Refª 5273472), dizendo que a Margarida tem sido acompanhada por profissionais, nomeadamente uma psicóloga e uma pedopsiquiatra designadas pelo Tribunal, profissionais essas que se encontram arroladas pelo requerente, como testemunhas e que, melhor que ninguém, uma vez que acompanham a menor há mais de 5 anos, poderão aferir das condições psicológicas em que a M… se encontra, podendo designadamente comprovar da existência, ou não, da suposta alienação parental, de que a requerida acusa o requerente. Também a Digna Magistrada do Mº Pº se pronunciou, sendo de entendimento que, atenta a indicação das testemunhas supra referidas, designadamente a psicóloga e a pedopsiquiatra que têm acompanhado a criança nestes últimos cinco anos, deve ser indefira a realização da avaliação /perícias técnicas à criança. Estamos no âmbito de um processo tutelar cível, onde já existe abundante prova documental e até pericial, tendo já sido realizadas perícias no âmbito dos autos apensos, designadamente no Processo de Promoção e Proteção que anteriormente correu termos, havendo ainda que ouvir as testemunhas arroladas nos autos por ambos os progenitores, nomeadamente a psicóloga e a pedopsiquiatra que têm seguido a criança nestes últimos anos, e que certamente melhor poderão esclarecer a atual situação da criança ou até da existência de indícios da alegada alienação parental da mesma, pelo que, atento o estado dos autos, já com audiência de julgamento marcada, não se considera necessário nem adequado determinar nesta altura a realização de novas perícias. Além disso, conforme a Digna Magistrada do Mº Pº muito bem defendeu, havendo oposição do progenitor relativamente à realização dos pretendidos exames periciais, sujeitando a criança a novas avaliações por psiquiatras, psicólogos, sociólogos e pedopsiquiatras, como a progenitora pretende, podendo prejudicar ainda mais a estabilidade emocional/psicológica da criança, não deverão tais perícias ser determinadas. Pelo exposto, indefere-se a realização de avaliações/perícias técnicas por equipas multidisciplinares, requeridas pela progenitora nestes autos.»
O DIREITO
A lei confere ao juiz o poder de dirigir o processo de molde a atingir um desfecho célere, com respeito pelos direitos processuais das partes, onde se incluem designadamente a realização de diligências de prova necessárias.
Como é sabido, a prova é a atividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos, atividade que incumbe à parte onerada, que não obterá uma decisão favorável se não satisfizer esse ónus (arts. 341º, 342º e 346º do Código Civil e 414º do CPC).
Para cumprir um tal ónus, a parte tem de utilizar um dos meios de prova legalmente ou contratualmente admitidos ou não excluídos por convenção das partes (art. 345º do Código Civil).
Atenta a importância do cumprimento do ónus de prova para o proferimento de uma decisão favorável – e acentuando os deveres correlativos que decorrem desse ónus – fala-se de um direito à prova, que constitui uma dimensão ineliminável do direito constitucional a um processo equitativo (art. 20º, nº 4, da CRP) e, como se afigura claro, o direito à prova não se esgota no direito à sua proposição, antes se concretiza, sobretudo no tocante às provas constituendas, no direito à sua produção.
Contudo, os atos relativos à produção da prova, como qualquer outro ato processual, estão submetidos, por inteiro, a um princípio da utilidade ou de economia: no processo não podem ser praticados, pelas partes ou pelo tribunal, atos inúteis, isto é, que sejam desnecessários para a tutela da situação jurídica invocada em juízo (arts. 130º e 534º, nº 1, 1ª parte, e 2, do CPC)[1].
No caso concreto, estamos perante um processo tutelar cível, de jurisdição voluntária, como resulta do disposto no artigo 12.º da Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro (Regime Geral do Processo Tutelar Cível - RGPTC), onde se dispõe que «[o]s processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária».
Ora, nestes processos, «[o] tribunal pode (…) investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias» - n.º 2 do artigo 986.º do CPC.
Sobre a matéria da produção de provas neste tipo de processos, tendo em consideração as disposições processuais em vigor à época, mas de teor substancialmente idêntico às atuais, escrevia o Prof. Alberto dos Reis:
«…o artigo 1448.º concede ao juiz a faculdade latitudinária de recusar a produção de quaisquer provas, requeridas ou oferecidas pelas partes, quando as julgue desnecessárias.
Também neste ponto se nota uma ampliação considerável dos poderes do juiz em matéria de jurisdição contenciosa. O juiz pode repelir o que for impertinente ou meramente dilatório (art. 266.º); pode recusar a junção de documentos impertinentes ou desnecessários (art. 556.º); mas não lhe é lícito, no processo comum, privar a parte do direito de produzir prova por depoimento de parte, por arbitramento, por testemunhas, a título de que essas provas não são necessárias.
Vê-se, pois, que, de um modo geral, o juiz goza na jurisprudência voluntária, em matéria de facto, de poderes mais extensos do que na jurisdição contenciosa».[2]
O juiz pode, pois, recusar a produção das provas que não considere necessário produzir.
Contudo, há que ter ainda em consideração a especificidade do processo tutelar cível de regulação das responsabilidades parentais no âmbito do RGPTC.
Assim, «[s]e os pais não chegarem a acordo, o juiz notifica as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos;» e «[f]indo o prazo das alegações previsto no número anterior e sempre que o entenda necessário, o juiz ordena as diligências de instrução, de entre as previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 21.º» - cfr. nºs 4 e 5 do artigo 39º.
As referidas alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 21.º dispõem do seguinte modo:
«1. Tendo em vista a fundamentação da decisão, o juiz:
a) (…);
b) (…);
c) Toma declarações aos técnicos das equipas multidisciplinares de assessoria técnica;
d) Sem prejuízo da alínea anterior, solicita informações às equipas multidisciplinares de assessoria técnica ou, quando necessário e útil, a entidades externas, com as finalidades previstas no RGPTC, a realizar no prazo de 30 dias;
e) Solicita a elaboração de relatório, por parte da equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos previstos no n.º 4, no prazo de 60 dias».
Como se vê pelo teor da alínea d), a lei prevê perícias a realizar por entidades externas, como os serviços médico-legais ou outras entidades, mas apenas a título subsidiário, quando as equipas multidisciplinares de assessoria técnica que coadjuvam os tribunais se mostram insuficientes para esclarecer a problemática que estiver em questão.
Pode, pois, concluir-se que no processo tutelar cível de regulação das responsabilidades parentais, o juiz, ao abrigo do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 39.º do RGPTC, pode indeferir a realização de uma perícia médico-legal destinada a averiguar se se verifica no caso um processo de alienação parental em relação a um dos progenitores.
E foi precisamente isso que fez a Sr.ª Juíza a quo, quando consignou na decisão recorrida que «já existe abundante prova documental e até pericial, tendo já sido realizadas perícias no âmbito dos autos apensos, designadamente no Processo de Promoção e Protecção que anteriormente correu termos (...)».
Será que é assim? É o que veremos de seguida.
Para que o tribunal decida da necessidade de realizar perícias para verificar se existe uma situação de alienação parental, tal situação há de ter sido previamente detetada como «problema» pelas equipas multidisciplinares de assessoria técnica, porquanto se afigura excecional que exista num processo de regulação/alteração das responsabilidades parentais uma questão relevante nesta matéria e que tenha passado despercebida a tais equipas multidisciplinares.
Não se pode excluir, é certo, que tal situação tenha passado despercebido às referidas equipas, mas, neste caso, tal «problema» há de ser suscetível de ser detetado, de modo claro, face à matéria que consta dos autos, ainda que com a ajuda da argumentação produzida pelo requerente[3].
No caso vertente, verifica-se que a hipótese da alienação parental, tendo por objeto passivo a mãe da criança M… e como protagonistas ativo o progenitor, nunca foi colocada como credível pelas equipas multidisciplinares de assessoria técnica.
Sucede que nenhuma entidade com intervenção no processo (como os técnicos da Segurança Social, psicólogos, mediação familiar ou Ministério Público) colocou tal hipótese como suscetível de corresponder à realidade.
Por conseguinte, a hipótese de a situação de alienação parental não ter correspondência na realidade é elevada, o que, aliás, veio a ser confirmado posteriormente de forma inequívoca na perícia médico-legal realizada à criança Margarida, determinada no âmbito do apenso J por despacho aí proferido em 16.12.2020, «com vista a “avaliar a Alienação Parental da menor”, eventualmente praticada pelo pai», podendo ler-se no respetivo relatório, em sede de “Discussão/Conclusões”, o seguinte:
«No caso em apreço, verifica-se que a menor foi informada pelo pai dos motivos de ter sido retirada à guarda da mãe e entregue à guarda do pai, aos 5 anos, motivos que consistiram em violência doméstica da mãe e da avó maternas sobre a menor, nomeadamente, sujeitando-a a idas frequentes a hospitais para tentar provar uma acusação de abuso sexual perpetrado pelo pai sobre a criança, daqui decorrendo condenação da mãe e da avó a prisão com pena suspensa. Assim sendo, não se trata de uma difamação do pai contra a mãe, mas uma informação baseada em factos dados como provados em sede judicial – o que permite descartar, à partida, uma Alienação Parental operada pelo progenitor. Nos anos subsequentes, a menor tem vindo a recusar estar com a mãe, alega medo e insegurança na casa da mãe, mostra-se evasiva sobre eventuais aspetos positivos da sua relação com a mãe, denota um distanciamento afetivo em relação a esta, chega a alegar, de modo vago e inconsistente, maus-tratos físicos sofridos na primeira infância às mãos dos avós maternos, e mostra uma adesão à perspetiva do pai e da madrasta. Reunindo de modo crítico e compreensivo todos os elementos disponíveis, conclui-se como muito provável que a menor opere esta recusa e forneça estas justificações como formas de racionalizar uma dinâmica que escapa à sua compreensão consciente, dinâmica que se resumiria a uma conflitualidade grave entre o pai e a madrasta, por um lado, e a mãe, por outro, disputando a guarda da criança, e a um apego emocional ao pai e à madrasta como compensador de um afastamento emocional da mãe, tomando claramente o partido do pai e da madrasta, suas principais figuras de vinculação e modelos de identificação, com a vantagem de estabilizar o ambiente psicológico em que vive e evitar o mal-estar e o stresse inerentes a um conflito de lealdade.» (sublinhado nosso)
A alienação parental, utilizando a definição de José Manuel Aguilar, «…é um distúrbio caracterizado pelo conjunto de sintomas resultantes do processo pelo qual um progenitor transforma a consciência dos seus filhos, mediante diferentes estratégias, com o objectivo de impedir, obstaculizar ou destruir os seus vínculos com o outro progenitor, até a tornar contraditória em relação ao que devia esperar-se da sua condição»[4]-[5].
A simples experiência quotidiana mostra que existem afastamentos de filhos em relação a um ou aos dois progenitores que sendo afastamentos não podem ser incluídos na síndrome de alienação parental.
É perfeitamente adequado que um filho não queira estar junto ou ao alcance de um progenitor que está frequentemente alcoolizado, que abusou sexualmente de si ou é sujeito ativo de ações de violência doméstica.
Nestes e noutros casos menos graves, o afastamento (alienação) do filho em relação ao progenitor tem origem em causas que nada têm a ver com a manipulação de um filho por parte do outro progenitor (ou de terceiro), com o fim de alterar um vínculo parental afetivo, existente até então, entre esse filho e o outro progenitor, qualificável como bom ou normal (de amor), num vínculo negativo (de ódio)[6].
Como refere José Manuel Aguilar, «[a] rejeição que um filho expressa face a um dos seus progenitores, por ter sido vítima dos seus abusos ou agressões sexuais, não deve ser identificada com a SAP. O abuso parental – físico, sexual e emocional – pode gerar uma Alienação Parental, mas o diagnóstico de SAP deve apenas ter lugar se existir uma campanha injustificada por parte de um dos progenitores contra o outro, a que se juntem as contribuições do filho alienado»[7].
No caso em apreço, na data em que foi proferida a decisão recorrida nada nos autos indiciava a existência de SAP, tendo a perícia realizada posteriormente, no âmbito do apenso J, afastado esse cenário, o que só veio comprovar o acerto daquela decisão.
Ademais, como bem refere a Sr.ª Juíza a quo, mostram-se arroladas testemunhas pelos progenitores, nomeadamente a psicóloga acima mencionada e a pedopsiquiatra que acompanham a M… há mais de cinco anos, e outras testemunhas, nomeadamente as indicadas pela recorrente, que em sede de audiência de discussão e julgamento não deixarão de esclarecer a situação atual da criança e, eventualmente, da existência de indícios da alegada alienação parental que a referida perícia médico-legal não descortinou.
Por último, não tem razão de ser a invocada infração ao disposto no artigo 20º da CRP, por não ter sido admitido um novo relatório social ou de perícias para avaliar a alienação parental, «por violação do princípio do contraditório, do direito a um processo equitativo, do princípio da igualdade de meios processuais e do princípio “pro actione”, (…)» (conclusão 27).
Na verdade, «importa ter presente, como primeira nota, que se é certo que a CRP consagra nos seus arts. 20.º e 268.º, n.º 4, os direitos à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo, imparcial e equitativo, o qual postula, designadamente, que «[a] todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos», temos que a definição dos meios de tutela jurisdicional desses direitos e interesses, daquilo que são as suas regras de tramitação, os poderes e os ónus que recaem sobre as partes e poderes do julgador, carecem de consagração e concretização legal, não resultando dos direitos em referência a atribuição aos cidadãos de um direito a livremente poderem socorrer-se de todo e qualquer meio processual que considerem adequado para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, (…)»[8].
No caso em apreço inexiste uma qualquer ofensa ao comando do artigo 20º da CRP em crise e aos direitos/princípios convocados nele insertos, porquanto à recorrente se mostrou e mostra assegurada em pleno, com a apresentação das respetivas alegações e exercício na ação dos seus direitos e faculdades, o seu direito à tutela jurisdicional efetiva, na certeza de que tal conclusão não é infirmada, minimamente, pelo facto de o Tribunal a quo lhe haver negado a realização da avaliação/perícia em causa.
Por conseguinte, o recurso improcede.
Vencida no recurso, suportará a requerida/recorrente as respetivas custas - artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Évora, 14 de julho de 2021
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto).
_______________________________________________
[1] Cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 16.04.2013, proc. 3234/09.9T2AGD-C.C1, in www.dgsi.pt.
[2] Processos Especiais, Vol. II, reimpressão. Coimbra Editora, 1982, pp. 399-400.
[3] Cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 21.05.2019, proc. 1262/12.6TBGRD-C.C2, in www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto.
[4] Síndrome de Alienação Parental, Caleidoscópio, 2008, p. 33.
[5] Maria Saldanha Pinto Ribeiro, citada no acórdão da Relação de Coimbra mencionado supra, na nota 3, define SAP como «…a criação de uma relação de carácter exclusivo entre a criança e um dos progenitores com o objectivo de excluir o outro» - Amor de Pai. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2006, p. 30.
[6] Cfr. o acórdão da Relação de Coimbra de 21.05.2019 a que vimos aludindo.
[7] Ibidem, p. 63.
[8] Cfr. acórdão do STA de 11.07.2019, proc. 01403/18.0BELSB, in www.dgsi.pt.