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LIBERDADE DE EXPRESSÃO
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Sumário
I - A decisão de indeferimento da providência cautelar não produz qualquer efeito preclusivo e não impede a propositura de uma nova providência cautelar, a qual, naturalmente, deverá basear-se em circunstâncias supervenientes ou argumentos jurídicos que não pudessem ser invocados com a propositura da anterior providência cautelar. II - As excepções ao direito de liberdade de expressão – consagrado no artigo 10º, nº1 do CEDH – “têm de ser interpretadas muito restritamente e sempre atendendo à existência de uma «necessidade social imperiosa»”
Texto Integral
Processo n.º 338/20.0T8ESP.P1
ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. RELATÓRIO
B…, S.A., pessoa coletiva n.º ……., com sede na Rua …, N.º .., …, …-… AMADORA, veio, nos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 391.º e seguintes do Código de Processo Civil,intentar procedimento cautelar não especificado sem audição prévia do requerido contra C…, contribuinte número …….., residente na Rua …, n.º …, em Espinho, pedindo: .que seja determinado, sem audição prévia do Requerido, que o mesmo se encontra impossibilitado de fazer declarações públicas,designadamenteatravésde publicações(textoeimagem) na rede social Facebook ou em qualquer outra rede social de natureza semelhante, sobre a Requerente e o negócio celebrado entre o Requerido e a Requerente.
. a condenação do Requerido no pagamento da quantia de € 250,00 por cada publicação ou comentário que venha a fazer na rede social Facebook ou em qualquer outra rede social de natureza semelhante que denigra a imagem da Requerente, a título de sanção pecuniária compulsória.
Por despacho de 28/08/2020, foi entendido não dispensar o contraditório, pelo que, foi determinada a citação do requerido.
Citado o requerido, o mesmo não apresentou contestação, nem constituiu mandatário nos autos.
De seguida, foi proferida sentença no dia 26.10.2020 que ,julgou procedente o presente procedimento cautelar cujo teor se reproduz: 1º-Determino que o requerido C… se abstenha de fazer declarações públicas, designadamente através de publicações (texto e imagem) na rede social Facebook ou em qualquer outra rede social de natureza semelhante, sobre o mesmo e a Requerente B…, S.A e o negócio celebrado entre ambos. 2º-Fixo a título de sanção pecuniária compulsória a pagar pelo requerido a quantia de €250,00 [duzentos e cinquenta euros] por cada publicação ou comentário que venha a fazer na rede social Facebook ou em qualquer outra rede social de natureza semelhante que denigra a imagem da Requerente.
Inconformado, o requerido, com apoio judiciário e através de patrono nomeado recorreu da sentença e concluiu nos seguintes termos que se reproduzem: 1º- Violação do art.º 362º nº 4 do CPC, há a violação desta norma, pois que foi proferida Decisão no Proc. n.º 57/20.8T8ESP- Juiz 1, do mesmo Tribunal de 1ª Instância, que julgou o mesmo pedido, da requerente improcedente- Doc. 1. 2º- E, a presente Decisão, não deve ser admissível, face ao art.º 362º n.º 4 do CPC. 3º- Está violado na Sentença, o art.º 625º nº 1 do CPC, o que expressamente invocamos. 4º- Havendo decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se o que se passou em julgado em primeiro lugar. O que invocamos expressamente. 5º- Reconhecendo V.as Ex. as, que com a presente Decisão, se mostra violado o art.º 625º nº 1 do CPC, o que constitui nulidade, que se invoca eficazmente. 6º- Como, está violado o art.º 581º do CPC, o que invocamos perante, este Tribunal, que declare. 7º- O ponto 21 do relatório (Cfr. Sentença ), expressa erroneamente, que o cheque não tinha, que entrar na esfera do requerido - na Agência Funerária D…, como foi negociado, e isto constitui, um facto fundamental de toda a questão. Ao invés, do que foi acordado entre as partes, esse cheque tinha que entrar na esfera da Agência Funerária/ do Requerido. 8º- A liberdade de expressão está prevista na Lei Fundamental - CRP. 9º- O STJ AC de 13/07/2017, expressa neste sentido que ocorrendo conflito entre esta liberdade e os direitos fundamentais à honra, ao bom nome, não deve conferir-se em abstrato precedência a qualquer um deles. Deve haver uma formulação de juízo de concordância. 10º- Sendo direitos na categoria dos direitos, liberdades e garantias pessoais, é-lhes aplicado o art.º 18º n.º 2 da CRP. 11º- E, o n.º 2 deste art.º 18º, tem expresso o Princípio da Proporcionalidade ou Proibição do Excesso. O que, se aplica à Sentença em causa, que não aplicou, este Princípio Constitucional. 12º- O TEDH, tem defendido uma doutrina de liberdade de expressão. E, os Tribunais Portugueses não poderão deixar de acolher o paradigma europeu dos direitos humanos. 13º- O TC no AC n.º 292/08 refere: “ (...) Como escreve José Carlos Vieira de Andrade: “ O princípio da concordância prática executa-se através de um critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito (...) . “ 14º- Entendemos que, não deverá ser admissível a limitação do direito à liberdade de expressão, pois que deste prisma, a Sentença, viola o Art.º 18º nº 2 da CRP. 15º-Por outro lado, se assim este Tribunal, não entender, o montante da sanção pecuniária compulsória é exagerado, não proporcional à economia do país, tendo o Tribunal fixado o valor que a requerente pediu - 250,00€ por cada publicação. 16º- Tendo sido fixado, o valor de cada publicação, em 250,00€ parece-nos que não foi adequada, a Decisão. O que invocamos, que seja reduzida, em pecuniário dessa última instância, o valor da sanção. 17º-O art.º 10º nº 2 da Convenção (CEDH) é um pilar não apenas de reconhecimento de direitos individuais, mas muito mais relevante de reconhecer que há direitos individuais que são o cimento de um determinado tipo de sociedade, a sociedade democrática, juridicamente Estado de Direito. 18º- A liberdade de expressão, só pode ser sujeita a restrições nos termos claros e restritivos do art.º 10 n.º 2 da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, pelo que as restrições e sanções à liberdade de expressão devem ser estabelecidas, corresponderem a uma necessidade imperiosa e interpretativa restritivamente. 19º- A vinculação dos juizes nacionais à CEDH e à jurisprudência consolidada do TEDH implica a necessidade de refexão e inflexão da jurisprudência nacional, assente no entendimento até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão. 20º- O TEDH tendo em consideração, o que decorre da CEDH, tem vindo a dar particular relevo à liberdade de expressão, enquanto fundamento essencial de uma sociedade democrática. 21º - Está a correr queixa crime no DIAP, apresentada pelo requerido, ainda não está deduzida acusação. 22º- Queixa que, tem correlação com o estado de espírito do requerido em relação ao negócio celebrado, com a requerente. 23º-Faltam apurar factos, que entende, o requerido serem lesivos/ fortemente lesivos, no negócio em causa, seria útil e fundamental atender, ao desfecho do processo crime. 24º- Nos procedimentos cautelares a prova é sumária, não menos certo, é que está a correr processo crime, em que o requerido é denunciante. 25º - Se o processo crime avançar, e for deduzida acusação, e, sentença condenatória, fica a dúvida se o teor das publicações, refletem ou não factos que serão, dados como provados em Sentença crime.
Foram apresentadas contra-alegações cujas conclusões se reproduzem: 1.Nos termos do presente processo cautelar, o ora Recorrente foi condenado, através de sentença com data de 19-10-2020, a abster-se de fazer declarações públicas em redes sociais sobre si e a Recorrida e sobre o negócio celebrados por ambos. 2.Para o efeito, o Tribunal fixou ainda uma sanção pecuniária compulsória no valor de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada comentário ou publicação que ofendam o bom nome e a imagem da Recorrida. 3.O ora Recorrente, não se conformando com a solução adotada, apresentou alegações de recurso sem, no entanto, note-se, contestar a verificação dos requisitos de que o n.º 1 do artigo 368.º do Código de Processo Civil faz depender o decretamento de uma providência cautelar. 4.Mas, mesmo que assim não fosse, sempre se dirá que não assiste razão ao Recorrente, conforme se irá explicar em diante. 5.Alega o Recorrente que está em causa a violação do n.º 4 do artigo 362.º do Código de Processo Civil, uma vez que já teria sido proferida, pelo mesmo Tribunal, uma decisão no procedimento cautelar n.º 57/20.8T8ESP que julgou improcedente o (no entender do Recorrente) mesmo pedido agora formulado. O procedimento cautelar n.º 57/20.8T8ESP foi interposto com base numa publicação que o ora Recorrente fez na sua página de Facebook mo dia 23-01-2020. 7.O Tribunal não decretou a providência cautelar, porque estaria em causa uma situação isolada e que, portanto, não estaria preenchido o requisito da probabilidade séria da existência do direito. 8.Posteriormente a esta situação, o Recorrente fez duas novas publicações na sua página de Facebook, cada uma com centenas de visualizações, e demonstrou outras atitudes atentatórias do bom nome da Recorrida, conforme melhor descrito no requerimento inicial e dado como provado pelo Tribunal a quo. 9.Posto isto, a Recorrida iniciou um novo procedimento cautelar, cuja sentença lhe veio a dar razão, reconhecendo que a primeira publicação não teria sido um ato isolado e que, antes pelo contrário, estavam em causa comportamentos regulares atentatórios do bom nome e da imagem da Recorrida que justificavam o decretamento da providência cautelar. 10.Ora, nos termos do n.º 4 do artigo 362.º do Código de Processo Civil, e atendendo à jurisprudência sobre esta matéria, não existe repetição de providências cautelares quando a causa de pedir é diferente, quando são alegados factos novos a integrar a respetiva causa de pedir. No caso em discussão nos presentes autos, a causa de pedir do requerimento cautelar interposto pela Recorrida é substancialmente diferente da que constava do requerimento cautelar interposto no processo n.º 57/20.8T8ESP. 12.Se no primeiro procedimento cautelar está em causa uma única publicação, já no segundo está em causa um comportamento regular do ora Recorrente, constituído por várias publicações e outras atitudes ofensivas do bom nome da Recorrida. 13.Por outro lado, caso restassem dúvidas, note-se que o Tribunal a quo não decretou a requerida providência cautelar nos termos do primeiro processo por se considerar que a dita publicação era um ato isolado. 14.Abrindo assim, de forma clara e inequívoca,a porta para se decretar uma providência cautelar caso o comportamento do Recorrente se mantivesse, o que veio a acontecer, conforme resulta da prova indiciária indicada na sentença. 15.Neste sentido, também não existe qualquer violação do disposto no n.º 1 do artigo 625.º do Código de Processo Civil. Para existir caso julgado é necessário, termos do disposto no artigo 581.º do Código de Processo Civil, que se verifique, nas duas ações, além de uma identidade de sujeitos e de pedido, uma identidade da causa de pedir. 17.Conforme já se deixou exposto, não existe qualquer identidade de causa de pedir, porquanto o procedimento cautelar se baseia em novas publicações feitas pelo Recorrente após o indeferimento da primeira providência cautelar. 18.Posto isto, não existe qualquer violação do n.º 4 do artigo 362.º ou do artigo 625.º do Código de Processo Civil, devendo o recurso ser considerado improcedente e manter-se a decisão recorrida. 19.Por outro lado, o Recorrente alega ainda que está em causa a violação do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que a limitação do direito constitucional à liberdade de expressão não estaria de acordo com o princípio da proporcionalidade. 20.Alegadamente, estariam em conflito os direitos fundamentais ao bom nome, previsto no n.º 1 do artigo 26.ºda Constituição da República Portuguesa,e à liberdade de expressão, previsto no n.º 1 do artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa. 21.Perante a colisão de dois direitos fundamentais deve atender-se ao princípio da proporcionalidade que está implicitamente previsto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa que, por sua vez, de acordo com a jurisprudência, se subdivide em três princípios: princípio da adequação, princípio da exigibilidade e princípio da proporcionalidade em sentido estrito. 22.No que respeita ao princípio da adequação, a medida restritiva adotada pelo Tribunal é a única que consegue restringir os ataques ao bom nome da Recorrida perpetrados pelo Recorrente. 23.Relativamente ao princípio da exigibilidade, para além de não existir nenhuma outra medida que consiga proteger o bom nome da Recorrida, deve atender-se ao facto de a mera existência do primeiro procedimento cautelar não ter impedido o Recorrente de ter continuado a publicar ofensas, 24.Nem tão pouco o impediu a circunstância de saber que a providência cautelar não tinha sido decretada apenas porque o Tribunal tinha considerado a mencionada publicação como um ato isolado. 25.No que toca ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito, sempre se dirá que a medida adotada pelo Tribunal apenas restringe o direito de liberdade de expressão na justa medida do necessário, ou seja, relativamente apenas e só às publicações feitas em redes sociais sobre a Recorrida e sobre o mencionado negócio celebrado entre as partes. 26.O Tribunal a quo ponderou os valores em jogo e considerou que a liberdade de expressão não é um direito absoluto que prevaleça sobre outros direitos. 27.Para além do mais, o Recorrente não demonstrou, nem ao longo do procedimento cautelar, nem em sede de alegações de recurso, a utilidade das suas publicações, o que faz com que as mesmas configurem um exercício ilegítimo do direito à liberdade de expressão, atentatórias do bom nome e da imagem da ora Recorrida. 28.Por outro lado, alega ainda o Recorrente que foi apresentada uma queixa-crime relacionada com a matéria em discussão nos presentes autos e que, caso viesse a ser deduzida acusação e sentença condenatória, os factos que daí resultariam poderiam ter implicações no decretamento da providência cautelar que ora se discute. 29.Sobre isto, sempre se dirá que o uso de expressões como “associação criminosa” e “assalto” para caracterizar, respetivamente, a Recorrida e o negócio que as partes celebraram, não está em discussão no referido processo crime. 30. Por outras palavras, os factos que possam vir a ser dados como provados no âmbito do processo-crime em curso, o que se admite como mera hipótese de raciocínio, não tornam legítimos os ataques ao bom nome e à imagem da Recorrida. 31.Se bem percebemos a alegação do Recorrente, a existência do processo-crime já mencionado, levaria a uma suspensão do procedimento determinada pela sua dependência de uma outra ação em curso, nos termos do n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil. 32.Este mecanismo não tem cabimento nos procedimentos cautelares, desde logo pela natureza urgente que contrasta com o andamento próprio de um processo crime. 33.Por outro lado, a prova necessária para o decretamento de uma providência cautelar é indiciária. 34.Não obstante, a prova carreada pela ora Recorrida é inequívoca e os indícios que dela resultam nunca foram postos em causa pelo Recorrente. 35.Posto isto, também nesta matéria deve improceder o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida. 36.Alega ainda o Recorrente que o montante da sanção pecuniária compulsória fixado pelo Tribunal a quo, no valor de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada publicação, é “exagerado, não proporcional à economia do país”. 37.Este valor foi fixado com base em critérios de razoabilidade, nos termos do n.º 2 do artigo 829.º-A do Código Civil, 38.E não foi fixado em função da sua proporcionalidade em relação ao estado da economia, mas sim em função da sua natureza dissuasora. 39.Ora, atendendo a que o próprio Recorrente entende que o valor fixado é “exagerado”, significa isto que o mesmo cumpre a sua função legal de inibição de comportamentos contrários à sentença. 40.Posto isto, deve improceder o recurso, mantendo-se o montante da sanção pecuniária compulsória fixado na sentença recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelantes é a seguinte a questão solvenda:
. apreciar se está verificada uma situação de caso julgado, ou, uma repetição da providência já julgada improcedente;
. em caso negativo, apreciar e decidir do mérito da decisão proferida nesta providência cautelar.
3. FUNDAMENTAÇÃO DE FATO. 3.1.Na sentença recorrida foram julgados provados, sem impugnação, os seguintes factos.
A-Factos indiciariamente provados:
1º-A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de agência funerária, com implementação no mercado português há cerca de 20 anos.
2º-O Requerido era titular do capital social da sociedade AGÊNCIA FUNERÁRIA D…, LDA., pessoa coletiva com o número ………, com sede e estabelecimento em Espinho, sendo uma das duas únicas agências funerárias existentes nesta cidade.
3º-Por contrato de cessão de quotas celebrado entre a Requerente, por um lado, e o Requerido, por outro lado, em 31/10/2018, este transmitiu à Requerente a integralidade do capital social da mencionada sociedade.
4º-O mencionado contrato previa que o preço a pagar pela cessão de quotas seria composto por uma parte fixa e uma parte variável, consoante os resultados que a sociedade vendida viesse a apresentar.
5º-Mais se previa, na Cláusula Sétima do contrato outorgado, uma obrigação de não concorrência por parte do Requerido por um período de 5 anos.
6º-Em complemento desta obrigação de não concorrência, foi estabelecida uma obrigação de permanência do Requerido pelo prazo de 3 (três) anos, obrigação esta definida e concretizada no contrato de consultoria celebrado entre as partes, onde foi estabelecida entre as partes uma relação de colaboração comercial mútua, que decorreu de forma tranquila e pacífica até agosto do ano passado.
7º-Nessa altura, o Requerido começou a suscitar questões referentes aos pagamentos que foram efetuados e retidos pela Requerente em cumprimento do contrato de cessão de quotas, inclusivamente devolvendo pagamentos que lhe foram feitos pela Requerente no âmbito do contrato de consultoria.
8º-Não obstante as diversas explicações que lhe foram transmitidas, o Requerido reportou a diversos colaboradores da B… que achava que estava a ser enganado.
9º-O requerido enviou à requerente e-mails ameaçando com ações judiciais e participações criminais.
10º-A queixa crime cuja minuta foi enviada à Requerente em anexo ao email de 18 de janeiro de 2020, deu efetivamente entrada no Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, tendo dado origem ao processo nº 1206/20.1T9PRT, a correr termos na 3ª Secção.
11º-Os juízos, imputações e acusações do Requerido contra a B…, alegando ter sido enganado, passaram a ser por si difundidas junto do público em geral no mês de janeiro.
12º-Nomeadamente no passado dia 23/01/2020, o Requerido fez uma publicação na sua página pessoal da rede social Facebook, com o seguinte teor: “Sirvo-me deste meio para informar que já nada me liga à Funerária D… (B…). A B… não passa de uma associação criminosa! Se assim entender, e para justificar as minhas palavras, lançarei aqui certos documentos, que já se encontram na posse do Ministério Público! Perdoe-se-me o excesso de linguagem!”.
13º-Não obstante o perfil do Requerido ser privado, a mencionada publicação, menos de 24 horas após ter sido colocada na mencionada rede social, contava já com 161 reações, 100 comentários e uma partilha.
14º-Ao tomar conhecimento desta publicação, a Requerente apresentou de imediato procedimento cautelar contra o Requerido pedindo que fosse determinado que o mesmo se encontrava impossibilitado de proferir outros comentários semelhantes ao que havia publicado.
15º-Requerimento que deu origem ao procedimento cautelar nº 57/20.8T8ESP, o qual veio a ser considerado improcedente por o Tribunal ter entendido que inexistia periculum in mora por se tratar de uma situação isolada.
16º-A mencionada publicação acabou por não ser um caso isolado, tendo o Requerido persistido na publicação de comentários depreciativos da honra e do bom nome da Requerente e dos seus responsáveis naquela rede social, numa conta que, apesar de privada, tem um enorme alcance já que o Requerido é bastante conhecido na cidade de Espinho,nomeadamente:
17º-No passado dia 26 de junho, o Requerido fez nova publicação no Facebook, com o seguinte teor: “Em tom de desabafo: porque a Agência Funerária D…, que eu criei com tanto amor, me foi tomada de assalto, bastaria que a justiça fosse célere para que já estivesse fechada a cadeado e as suas linhas telefónicas desativadas. É desumano!”.
18º-A mencionada publicação, cerca de 3 dias após ter sido feita, contava com 207 reações e 101 comentários
19º-Três dias após a mencionada publicação, o Requerido fez nova publicação, desta vez acompanhada de uma fotografia, sendo que, nessa mesma publicação podia ler-se o seguinte: “Eis o mote da discórdia! Este cheque, tal como consta do contrato de cessão de quotas, tinha de ser depositado numa conta da Agência Funerária D…, pois o mesmo visava regularizar o caixa (que, premeditadamente, foi empolado!) Agora, e tendo em conta as diligências levadas a cabo pelo Ministério Público, sabe-se que o cheque não foi depositado numa conta da Agência Funerária D…, que fui burlado! Acresce (pasmem-se) que para o Ministério Público, este cheque teria que ter dado entrada na minha esfera patrimonial, pois o mesmo serviria para pagar a Agência Funerária D…, que era só minha!
Mas há mais maroscas!
Muito gostaria de ter cumprido com o prazo de exclusividade, pois fui sempre escravo da minha palavra, mas para tal impunha-se honestidade!
Acreditei que ao vender, passaria a ter vida própria, pois a minha liberdade, derivado à minha profissão, foi sempre muito condicionada e que sempre me iria reformar a trabalhar para a Agência Funerária D…, mas estava enganado! Estragaram a minha vida!
Só Deus sabe o quanto me custa expor-me desta forma, pois vais literalmente contra os meus princípios!”.
20º-A referida publicação é acompanhada de uma imagem do cheque emitido pela ora Requerente, em cumprimento do acordado no contrato de cessão de quotas, constando da imagem do cheque a identificação do número de conta da Requerente junto do Banco E…, e, bem assim, as assinaturas dos seus dois procuradores, que por esta forma foram publicitadas.
21º-Foi o próprio Requerido que alertou a Requerente, no momento da aquisição, de que haveria uma falha de caixa na sociedade Agência Funerária D…, e que o mesmo sabe que lhe foi explicado que contabilisticamente o cheque a que alude não tinha que ser depositado na conta da Agência Funerária D… em face da posterior fusão, por incorporação, desta na Requerente.
22º-Sabe o requerido que o Ministério Público não fez (nem podia fazer pois o processo encontra-se a correr os seus termos), qualquer afirmação no sentido de que o Requerido havia sido enganado pela Requerente ou que o cheque deveria ter sido incorporado no património do Requerido, sendo que até ao presente não foi deduzida pelo Ministério Público proferido despacho final.
23º-A queixa crime referida em 10º, para além de ser sido deduzida contra Requerente, foi também deduzida contra o Senhor Dr. F…, Diretor Financeiro da Requerente.
24º-O Requerido e a própria Requerente e os seus responsáveis ainda não foram ouvidos no referido inquérito.
25º-A publicação referida em 19 recolheu 81 reações e 37 comentários em cerca de apenas 3 horas após a publicação.
26º-No passado dia 21 de julho, o Requerido dirigiu uma mensagem de correio eletrónico a G…, que foi consultor e intermediário no contrato de cessão de quotas celebrado com a Requerida, com o seguinte teor: “O dr G… pecou por não me ter dito que eu estava a lidar com os melhores ladrões com vigaristas e com a mais pura escumalha que existe à superfície da terra. Os senhores estragaram a minha vida. Malditos.”.
27º-Alguns dos comentários às publicações descritas em 17º e 19º aconselhavam o Requerido a não expor estas situações nas redes sociais, num reconhecimento de que se tratam de elementos.
28º-Mas também comentários afirmando que o Requerido não terá negociado com gente séria.
B-Factos não indiciariamente provados:
Não há factos alegados que não tenham sido indiciariamente dados por provados, sendo certo que algo que tenha sido alegado e não conste dos factos provados, corresponde a argumentos conclusivos e a argumentos jurídicos. 3.2.- Por relevarem para a decisão, ao abrigo do nº4 do art. 607ºdo CPC, ex vi, nº2 do art 663º do mesmo diploma e com fundamento nos elementos constantes do processo nº 57/20.8T8ESP- Juiz 1, do mesmo Tribunal de 1ª Instância, ao qual, nos foi dado acesso via electrónica, julgamos indiciariamente provados os seguintes fatos:
1.No dia 3 de Fevereiro de 2020 a ora recorrida e aí requerente instaurou providência cautelar não especificada contra C…, peticionando que seja determinado que o mesmo se encontra impossibilitado de fazer declarações públicas – seja de viva voz ou através de meios de publicidade ou de redes sociais – sobre a requerente, designadamente comunicações depreciativas sobre a conduta ética e profissional da requerente; e, bem assim, a condenação do requerido no pagamento da quantia de €250,00, por cada publicação ou comentário que venha a fazer na rede social facebook que denigra a imagem da requerente a titulo de sanção pecuniária compulsória.
Para tanto, alegou, em síntese, que é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de agencia funerária com implementação no mercado português há cerca de 20 anos, e que o requerido, tendo sido titular de capital social da sociedade, cedeu as suas quotas em 31.10.2018, tendo previsto o referido contrato que o preço a pagar pela cessão de quotas seria composto por uma parte fixa e uma parte variável, consoante os resultados que a sociedade vendida viesse a apresentar, e bem assim, um acordo de obrigação de não concorrência.
Alegou que em 23.01.2020 o requerido fez uma publicação na sua página pessoal da rede social Facebook, a qual gerou uma sucessão de reações que denigrem o bom nome e imagem da requerente, lesando o seu direito a esse mesmo bom nome e à sua imagem. Entende, pois, que o requerido deve ser proibido de tecer tais comentários sobre pena de a requerente sofrer elevados prejuízos, pois que só existem duas funerárias na cidade de Espinho, sendo imprescindível manter uma boa imagem que obste a um desvio de clientela para a outra agência, direta concorrente, o que, a acontecer poderá levar a um manifesto rombo nos proveitos da requerente.
Juntou prova documental e arrolou testemunhas.
Pediu ainda que fosse decretada a providência sem audição prévia do requerido, o que foi indeferido por despacho proferido a 04.02.2020.
2.Devidamente citado, o requerido não deduziu oposição.
3.Nesses autos de providência cautelar não especificada foram julgados indiciariamente provados, com fundamento na falta de contestação do requerido, os seguintes fatos:
1. A Requerente B…, SA, é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de agência funerária, com implementação no mercado português há cerca de 20 anos.
2. O Requerido era titular do capital social da sociedade AGÊNCIA FUNERÁRIA D…, pessoa coletiva com o número ……….
3. Sociedade com sede e estabelecimento em Espinho, sendo uma das duas únicas agências funerárias existentes nesta cidade.
4. Por contrato de cessão de quotas celebrado, em 31.10.2018, entre a Requerente e o Requerido, este transmitiu à Requerente a integralidade do capital social da mencionada sociedade.
5. O contrato de cessão de quotas referido em 4. previa que o preço a pagar pela cessão de quotas seria composto por uma parte fixa e uma parte variável, consoante os resultados que a sociedade vendida viesse a apresentar.
6. Mais se previa, na Cláusula Sétima do contrato outorgado, uma obrigação de não concorrência por parte do Requerido por um período de 5 anos, assim como, na Cláusula Oitava do mencionado contrato, foi estabelecida uma obrigação de permanência do Requerido pelo prazo de 3 (três) anos, obrigação esta definida e concretizada no contrato de consultoria celebrado entre as partes.
7. A partir de agosto de 2019 o requerido começou a suscitar questões referentes aos pagamentos que foram efetuados e retidos pela Requerente em cumprimento do contrato de cessão de quotas.
8. Inclusivamente devolvendo pagamentos que lhe foram feitos pela Requerente no âmbito do contrato de consultoria.
9. E, não obstante as diversas explicações que lhe foram transmitidas, reportou a diversos colaboradores da B… que achava que estava a ser enganado.
10. Tendo inclusivamente enviado e-mails declarando o seu descontentamento e referido que iria propor ações judiciais e participações criminais.
11. Sendo certo que a queixa crime cuja minuta foi enviada à Requerente em anexo ao email de 18 de janeiro de 2020, já deu entrada no Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, tendo dado origem ao processo n.º 1206/20.1T9PRT, a correr termos na 3.ª Secção.
12. No dia 23.01.2020, o Requerido fez uma publicação na sua página pessoal da rede social Facebook, com o seguinte teor: “Sirvo-me deste meio para informar que já nada me liga à Funerária D… (B…). A B… não passa de uma associação criminosa! Se assim entender, e para justificar as minhas palavras, lançarei aqui certos documentos, que já se encontram na posse do Ministério Público! Perdoe-se-me o excesso de linguagem!.”.
13. O perfil do Requerido é privado.
14. A publicação referida em 12., menos de 24 horas após ter sido colocada na rede social, contava já com 161 reações, 100 comentários e uma partilha.
15. Tendo sido objeto de comentários como:
- “Estou admirado! O meu amigo não merece o mal que pelos vistos de que foi alvo…”;
- “Abraço C…. Tudo se vai resolver. O seu bom nome e profissionalismo não o vão abandonar. Força.”;
- “Há muito que tinha um ‘bad feeling’sobre a idoneidade dessa empresa por outros casos de que ouvi falar casualmente. Foi uma lástima o amigo ter sido pelos vistos, mais uma ‘vítima’. Que se faça justiça e força para um novo projecto. Grande abraço.”;
-“ Então andaste a vender roeram a corda”;
- “Algo de grave se terá passado. O C… homem sensato e sério pode estar tranquilo pois as pessoas que o conhecem vão poder continuar a contar com ele. Dos fracos não reza a história.”;
-“Boa noite C… força vá enfrente os seus clientes estarão com sigo ! O meu irmão faleceu e fomos bem explorados por essa empresa a D… vai ajudar vos muita força bjs
16. O requerido respondeu aos comentários, afirmando que: “Só Deus sabe o quanto me custa expor-me desta forma, pois busquei sempre a discrição, todavia senti que tinha de agir que tinha de fazer algo, não só pela fraude que o negócio da venda da funerária, mas também pelo quão destratado fui!”.
17. Revela-se imprescindível manter uma boa imagem que obste a um desvio de clientela para a outra agência, direta concorrente, desvio esse que, considerando o público alvo e a área geográfica que o mesmo abrange – apenas o concelho de Espinho – pode levar a um manifesto rombo nos proveitos da Funerária D…, adquirida pela Requerente.
Consigna-se que não se dá resposta ao demais alegado por ser irrelevante e/ou consubstanciar matéria de direito e/ou conclusiva.
4.Nesses autos foi proferida sentença cujo teor se reproduz: Em face do exposto, por não se verificarem os respetivos pressupostos legais, julga-se improcedente a presente providência cautelar comum intentada por B…, SA contra C….
5. Em sede de fundamentos jurídicos, no essencial, o tribunal entendeu : “Ora, salvo devido respeito por opinião contrária, o pedido formulado nos autos é vago e impreciso, na medida em que proibir-se de fazer declarações públicas – seja de viva voz, ou através de meios de publicidade ou redes sociais, sobre a requerente, designadamente comunicações depreciativas sobre a conduta ética e profissional da requerente, é manifestamente indefinido, desconhecendo-se o que poderá caber, em concreto, dentro de tal pedido, sendo um conceito indeterminado e suscetível de várias interpretações. Em segundo lugar, afigura-se-nos que inexiste perigo in mora porquanto compulsados os factos dados como suficientemente indiciados resulta que o requerido apenas fez (1) uma única publicação de no seu facebook, (2) numa conta que é privada e não pública e ainda (3) que não foi, em última instância tal publicação que causou ou pode causar prejuízo à requerente na medida em que, compulsadas as alegadas reações que tal publicação teve, nas mesmas já resultava opiniões que a requerente pretende evitar, mormente, “Há muito que tinha um ‘bad feeling’sobre a idoneidade dessa empresa por outros casos de que ouvi falar casualmente. Foi uma lástima o amigo ter sido pelos vistos, mais uma ‘vítima’, (…)”, e, “Boa noite C… força vá enfrente os seus clientes estarão com sigo ! O meu irmão faleceu e fomos bem explorados por essa empresa a D… vai ajudar vos muita força bjs”. Ou seja, não é por ter feito uma única publicação no seu facebook, numa conta que não é pública, que não se pode concluir que o requerido manterá igual conduta, tanto mais que até já o poderia ter feito anteriormente, (a relação terá começado a deteriorar-se há já mais de meio ano, (cfr. facto alegado no artigo 9.º da petição inicial)) e não o fez. Mais, a única publicação que fez, não se tratou de uma pura e gratuita “depreciação da imagem da requerente”, antes pelo contrário, insere-se numa publicação em que o próprio requerido se visa proteger do que o julga ser uma má imagem para si, na medida em que começa por afirmar que a publicação serve para informar que já nada o liga à requerente, e é nesse contexto que profere a única expressão que poderá afetar a requerente. É, ainda, de referir, que o próprio requerido já intentou a respetiva queixa crime, tendo dado origem ao processo n.º 1206/20.1T9PRT, a correr termos na 3.ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto. Em terceiro e último lugar, julgar procedente a presente providencia cautelar, tal como pretendido pela requerente seria limitar, de forma injustificada e ilegal a liberdade de expressão, constitucionalmente consagrada. Na verdade, não se olvida, como se disse, que as pessoas coletivas têm direito á honra e ao bom nome. Sucede, porém, que existe igualmente o direito à liberdade de expressão, opinião. Sobre tais questões, foram já vários os arestos dos tribunais superiores que se pronunciaram.(…) E, nesta busca de realização de uma satisfatória concordância prática entre os direitos, atenta a matéria de facto apurada, verifica-se que o exercício da liberdade de expressão se conteve dentro dos limites que se devem ter por admissíveis numa sociedade democrática hodierna, aberta e plural, atentos os aludidos critérios de ponderação e o referido princípio da proporcionalidade, o que exclui a ilicitude da lesão da honra do requerente, tanto mais que o requerido, apenas fez uma única pública; limitou-a ao seu facebook que é uma conta privada; e ainda apresentou a respetiva queixa crime contra a requerente, pelos factos que publicitou, não resultando que tal facto isolado qualquer perigo concreto de que o volte a fazer e em que termos. Mais, a única ameaça que fez aos funcionários da requerente é que irá apresentar as respetivas queixas/processos e não que continuará a fazer publicações. Ou seja, não se verifica ser legalmente admissível a limitação do direito de expressão do requerido, nos termos requeridos e conforme supra explanamos. A providência cautelar é assim, julgada improcedente.”
4. FUNDAMENTOS DE DIREITO.
4.1.Da alegada verificação do caso julgado formado pela decisão proferida nos autos de providência cautelar não especificada sob o processo nº 57/20.8T8ESP- Juiz 1, do mesmo Tribunal de 1ª Instância.
Desde já se afirma que a figura do caso julgado não é adequada ao caso das providências cautelares.
Como afirma Lebre de Freitas[1] «…o efeito do caso julgado é próprio duma decisão de mérito, como tal definidora das situações jurídicas das partes. A preclusão consistente na indiscutibilidade da solução dada às questões por ele abrangidas pressupõe o acertamento definitivo dessas situações jurídicas, só possível num processo que tenha por objecto a afirmação da sua existência e a solicitação da tutela judiciária adequada a esse acertamento. O juízo sobre a probabilidade da existência do direito que tem lugar no procedimento cautelar (o simples fumus boni iuris) afasta, por definição, a ideia de acertamento definitivo que o caso julgado pressupõe (art. 386.º do CPC). Quanto ao juízo sobre o periculum mora, não envolve qualquer decisão sobre a relação de direito material, pelo que, não integrando uma decisão de mérito, não poderia dar lugar ao efeito de caso julgado; por outro lado, ao inverso do juízo sobre o fumus boni iuris, está condicionado pelas circunstâncias de facto ocorrentes ao tempo da sua emissão, constituindo um juízo temporalmente limitado. Finalmente, o juízo sobre a adequação da providência cautelar solicitada é um juízo de carácter tipicamente processual (cf. art. 199.º CPC).
O preceito do artigo 387.º-1 do C.P.C. explica-se pela inadequação do conceito de caso julgado à figura da providência cautelar: por ele é proibida a repetição do requerimento de providência quando esta for julgada injustificada ou caducar porque, de outro modo, da não atribuição da eficácia de caso julgado à decisão proferida resultaria a admissibilidade do requerimento de nova providência, ainda que com o mesmo objecto»
Assim, a decisão tomada na providência cautelar não tem autonomia, dependendo do processo principal. Por isso, não se trata de uma decisão sobre o mérito da causa, porquanto, é meramente provisória, (devendo o juiz contentar-se com uma probabilidade séria da existência do direito em vez da prova inequívoca do direito, e, em vez da demonstração do perigo do dano invocado, bastará que o requerente mostre ser fundado –justificado- o receio da sua lesão), destinando-se a acautelar os efeitos úteis da acção, enquanto a decisão definitiva não é tomada.[2]
Afirma ainda aquele autor:« que devido à inaplicabilidade do conceito de caso julgado ao campo das providências cautelares, o disposto no n.º 4 do artigo 381.º do Código de Processo Civil, recorre a um conceito de repetição da providência cautelar semelhante ao do artigo 498.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (repetição da causa), «…o que implica que só não pode ter lugar um novo procedimento cautelar entre os mesmos sujeitos e com o mesmo objecto (pedido idêntico fundado em idêntica causa de pedir)» [3]
Face ao que fica referido, é de afastar a figura do caso julgado, pois o legislador pretendendo alcançar os mesmos efeitos práticos, senão todos, pelo menos alguns, previu a figura da repetição da providência no n.º 4 do artigo 362.º do Código de Processo Civil,[4] onde se diz que «Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado».
4.2.Cumpre, pois, verificar se há repetição da providência.
A utilização do termo “ repetição” na letra do nº4 do art 362º do CPC, leva a concluir que este regime só será aplicável nos casos em que, atento o disposto no art 598º do CPC, se verifique uma identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.[5]
E conforme assinala Rui Pinto[6] na tutela cautelar a causa de pedir traduz-se no « periculum para o direito» e o pedido consiste na providência cautelar concretamente requerida.
Por isso, afigura-se-nos correcto afirmar, na esteira de Marco Carvalho Gonçalves[7] que verificando-se uma alteração relevante e superveniente ao encerramento da causa das circunstâncias de fato quanto ao fumus boni iuris ou ao periculum in mora, será admissível a repetição de uma providência cautelar que anteriormente tenha sido julgada injustificada, já que essa alteração pode “ qualificar como justificada uma providência que dantes não o era, devendo então prevalecer o interesse do requerente na tutela jurisdicional efectiva do seu direito, sem que o tribunal se confronte com a alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior, porque não se repetem os fundamentos da providência.
Este entendimento justifica-se porque apenas os fatos supervenientes ao encerramento da casa é que não puderam ser analisados e valorados pelo julgador que julgou a providencia cautelar inicial injustificada.
É este também o entendimento de Miguel Teixeira de Sousa.[8]
Neste sentido, não obstante não se ignorar que no ordenamento jurídico italiano existe solução diversa [9], no nosso sistema jurídico, o entendimento jurídico mais consistente , ao qual aderimos, é aquele que afirma que a decisão de indeferimento da providência cautelar não produz qualquer efeito preclusivo e não impede a propositura de uma nova providência cautelar, a qual, naturalmente, deverá basear-se em circunstâncias supervenientes ou argumentos jurídicos que não pudessem ser invocados com a propositura da anterior providência cautelar[10].
Por último, no que concerne ao significado da locução “ pendência da mesma causa” , importa assinalar, na esteira de a nossa jurisprudência tem vindo a considerar que tal não obriga a que estejamos necessariamente no domínio da “ mesma acção ou meio processual” bastando que se trate do « mesmo litigio ou questão a decidir»[11]
4.2.1.Posto isto, analisemos se no caso se verifica uma repetição de providências cautelares com relação ao processo nº 57/20.8T8ESP- Juiz 1, do mesmo Tribunal de 1ª Instância.
As partes são as mesmas.
Na providência cautelar inicial instaurada que correu termos sob o Proc. nº 57/20.8T8ESP a ora requerente peticionou: que seja determinado que o mesmo se encontra impossibilitado de fazer declarações públicas – seja de viva voz ou através de meios de publicidade ou de redes sociais – sobre a requerente, designadamente comunicações depreciativas sobre a conduta ética e profissional da requerente; e, bem assim, a condenação do requerido no pagamento da quantia de €250,00, por cada publicação ou comentário que venha a fazer na rede social facebook que denigra a imagem da requerente a titulo de sanção pecuniária compulsória.
Para tanto, alegou, em síntese, que é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de agencia funerária com implementação no mercado português há cerca de 20 anos, e que o requerido, tendo sido titular de capital social da sociedade, cedeu as suas quotas em 31.10.2018, tendo previsto o referido contrato que o preço a pagar pela cessão de quotas seria composto por uma parte fixa e uma parte variável, consoante os resultados que a sociedade vendida viesse a apresentar, e bem assim, um acordo de obrigação de não concorrência. Sucede, porém, que em 23.01.2020 o requerido fez uma publicação na sua página pessoal da rede social Facebook, a qual gerou uma sucessão de reações que denigrem o bom nome e imagem da requerente, lesando o seu direito a esse mesmo bom nome e à sua imagem. Entende, pois, que o requerido deve ser proibido de tecer tais comentários sobre pena de a requerente sofrer elevados prejuízos, pois que só existem duas funerárias na cidade de Espinho, sendo imprescindível manter uma boa imagem que obste a um desvio de clientela para a outra agência, direta concorrente, o que, a acontecer poderá levar a um manifesto rombo nos proveitos da requerente.
No essencial, o tribunal entendeu que inexistia fundamento de facto e de direito para deferir a requerida providência, por três ordens de razões:
1.º o pedido formulado no requerimento inicial é vago, impreciso e por isso inepto;
2.º inexiste periculum in mora;
3.º a liberdade de expressão e a honra conformam dois direitos fundamentais, que, dada a sua relevância, mereceram a consagração constitucional, tendo o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstracta entre si, importando, assim, recorrer ao princípio da concordância prática ou da harmonização, sendo que, no caso, atenta a matéria de facto apurada, o exercício da liberdade de expressão se conteve dentro dos limites que se devem ter por admissíveis numa sociedade democrática hodierna, aberta e plural, atentos os aludidos critérios de ponderação e o referido princípio da proporcionalidade, o que exclui a ilicitude da lesão da honra do requerente, tanto mais que o requerido, apenas fez uma única pública, ocorrida a 23.01.2020; limitou-a ao seu facebook que é uma conta privada; e ainda apresentou a respetiva queixa crime contra a requerente, pelos factos que publicitou, não resultando que tal facto isolado qualquer perigo concreto de que o volte a fazer e em que termos.
E no tocante à presente providência cautelar verificamos que o pedido formulado é essencialmente o mesmo que foi formulado na primeira providência. Assim, a requerente pede: «que seja determinado, sem audição prévia do Requerido, que o mesmo se encontra impossibilitado de fazer declarações públicas, designadamente, através de publicações(texto e imagem) na rede social Facebook ou em qualquer outra rede social de natureza semelhante, sobre a Requerente e o negócio celebrado entre o Requerido e a Requerente»
Mais requereu a condenação do Requerido no pagamento da quantia de €250,00 por cada publicação ou comentário que venha a fazer na rede social Facebook ou em qualquer outra rede social de natureza semelhante que denigra a imagem da Requerente, a título de sanção pecuniária compulsória. Concluímos assim que em ambas as providências cautelares a providência cujo decretamento foi requerido tem o mesmo conteúdo.
No que se refere à causa de pedir, traduzida nos factos alegados para sustentar o pedido, verificamos que, no essencial, os fatos alegados em cada uma das providências são distintos, isto é, as providências baseiam-se em factos cuja localização espácio-temporalmente é distinta.[12] Concretizando.
Na primeira providência a publicação feita no facebook pelo requerido ocorreu no dia 23.01.2020.
Na presente providência cautelar, instaurada a 27.08.2020, os factos alegados directamente ligados à requerente não são os mesmos, isto é, os factos que se referem directamente à requerente respeitam a duas publicações feitas no facebook no período ocorrido entre 26.06.2020 e 29.06.2020.
Ora, esse período é posterior àquele da data do encerramento da causa da anterior providência, isto é, à data em que foi proferida a sentença do processo nº 57/20.8T8ESP- Juiz 1, do mesmo Tribunal de 1ª Instância, 02.03.2020.
Logo, podemos afirmar que as duas publicações feitas no facebook pelo requerido nos dias 26.06.2020 e 29.06.2020 traduzem uma alteração factual superveniente ao encerramento da causa e, nessa sequência, não equivalem para efeito do disposto no nº4do art 362º do CPC a uma repetição nessa parte da causa de pedir.
Acresce que relativamente à mensagem de correio electrónico a que se refere o ponto 26 dos fatos provados não resulta dos autos que esta mensagem tenha sido colocada no facebook, tratando-se de uma mensagem particular enviada a 21 de Julho de 2020 pelo requerido-recorrente para o endereço electrónico de pessoa com ligação profissional estrita com a requerente, tudo no seguimento da queixa crime cuja minuta foi enviada à Requerente em anexo ao email de 18 de janeiro de 2020 e que deu efetivamente entrada no Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, tendo dado origem ao processo nº 1206/20.1T9PRT, a correr termos na 3ª Secção.
De qualquer modo, esta última mensagem traduz factualidade distinta daquela que foi apreciada na anterior providência, a revelar que também por esta razão a presente providência não traduz repetição da anterior providência.
Em face do exposto, concluímos que relativamente às duas publicações a que se referem os pontos de facto nºs 12º a 25º e relativamente à mensagem de correio electrónico referida no ponto 26 dos fatos provados, porque esses factos ocorreram em data posterior à prolação da sentença nos autos de providência cautelar inicial que correram termos sob o nº 57/20.8T8ESP- Juiz 1, do mesmo Tribunal de 1ª Instância, esses factos, podiam ser valorados pelo tribunal recorrido porque são factos supervenientes ao encerramento da causa, pelo que, a sentença recorrida não traduz qualquer violação do princípio da proibição de repetição de providência cautelar.
4.2.2. Importa agora analisar e decidir se as duas publicações no facebook feitas pelo requerido a 26.06.20220 e 29.06.2020 e se a mensagem electrónica enviada pelo recorrente-requerido para terceira pessoa constituem fatos supervenientes que se revelam idóneos para justificar o deferimento da presente providência cautelar. Assim, coloca-se a seguinte questão:
A estabilidade da decisão cautelar de indeferimento proferida no dia 02.03.2020 poderá ser afectada em consequência das duas publicações feitas no facebook e em consequência do envio daquela mensagem electrónica a 21.07.2020? A resposta impõe que revisitemos os fundamentos jurídicos invocados naquela decisão proferida na providência cautelar anterior e que foram o antecedente lógico do dispositivo final.
Escreveu-se naquela decisão: « No entanto, cremos que inexiste fundamento de facto e de direito para deferir a requerida providência, por três ordens de razões: 1.º o pedido formulado no requerimento inicial é vago, impreciso e por isso inepto; 2.º inexiste periculum in mora; 3.º a liberdade de expressão e a honra conformam dois direitos fundamentais, que, dada a sua relevância, mereceram a consagração constitucional, tendo o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstracta entre si, importando, assim, recorrer ao princípio da concordância prática ou da harmonização, sendo que, no caso, atenta a matéria de facto apurada, o exercício da liberdade de expressão se conteve dentro dos limites que se devem ter por admissíveis numa sociedade democrática hodierna, aberta e plural, atentos os aludidos critérios de ponderação e o referido princípio da proporcionalidade, o que exclui a ilicitude da lesão da honra do requerente, tanto mais que o requerido, apenas fez uma única pública; limitou-a ao seu facebook que é uma conta privada; e ainda apresentou a respetiva queixa crime contra a requerente, pelos factos que publicitou, não resultando que tal facto isolado qualquer perigo concreto de que o volte a fazer e em que termos. Concretizemos. Desde logo e, em primeiro lugar, o pedido formulado nos autos é manifestamente vago, impreciso e por isso, inepto. Na verdade, a requerente requer, “que seja determinado que o requerido se encontra impossibilitado de fazer declarações públicas – seja de viva voz, ou através de meios de publicidade ou redes sociais, sobre a requerente, designadamente comunicações depreciativas sobre a conduta ética e profissional da requerente”. Ora, dois dos requisitos do pedido são, precisamente, precisão e determinação. “Não basta concluir pela necessidade de formulação do pedido. A lei processual impõe também que o pedido seja formulado de modo claro e inteligível e que seja preciso e determinado.” (…) “A indeterminabilidade ou a ambiguidade do objeto do processo constitui uma falha tão grave quanto as referidas anteriormente, devendo o autor expressar a sua vontade de forma que possa ser facilmente apreendida por terceiros e de modo a permitir a definição dos contornos do direito no caso concreto, quando tiver se der proferida sentença. (…) De igual modo, não é convenientemente satisfeita a exigência legal quando, através da providência cautelar se pretende que o tribunal intime o requerido de abster-se de praticar “qualquer acto ou operação lesivos, (…)”, (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, I. Vol., 2.ª edição, pág., 121, 127, e nota de rodapé n.º 174). Ora, salvo devido respeito por opinião contrária, o pedido formulado nos autos é vago e impreciso, na medida em que proibir-se de fazer declarações públicas – seja de viva voz, ou através de meios de publicidade ou redes sociais, sobre a requerente, designadamente comunicações depreciativas sobre a conduta ética e profissional da requerente, é manifestamente indefinido, desconhecendo-se o que poderá caber, em concreto, dentro de tal pedido, sendo um conceito indeterminado e suscetível de várias interpretações.
Em segundo lugar, afigura-se-nos que inexiste perigo in mora porquanto compulsados os factos dados como suficientemente indiciados resulta que o requerido apenas fez (1) uma única publicação de no seu facebook, (2) numa conta que é privada e não pública e ainda (3) que não foi, em última instância tal publicação que causou ou pode causar prejuízo à requerente na medida em que, compulsadas as alegadas reações que tal publicação teve, nas mesmas já resultava opiniões que a requerente pretende evitar, mormente, “Há muito que tinha um ‘bad feeling’sobre a idoneidade dessa empresa por outros casos de que ouvi falar casualmente. Foi uma lástima o amigo ter sido pelos vistos, mais uma ‘vítima’, (…)”, e, “Boa noite C… força vá enfrente os seus clientes estarão com sigo ! O meu irmão faleceu e fomos bem explorados por essa empresa a D… vai ajudar vos muita força bjs”. Ou seja, não é por ter feito uma única publicação no seu facebook, numa conta que não é pública, que não se pode concluir que o requerido manterá igual conduta, tanto mais que até já o poderia ter feito anteriormente, (a relação terá começado a deteriorar-se há já mais de meio ano, (cfr. facto alegado no artigo 9.º da petição inicial)) e não o fez. Mais, a única publicação que fez, não se tratou de uma pura e gratuita “depreciação da imagem da requerente”, antes pelo contrário, insere-se numa publicação em que o próprio requerido se visa proteger do que o julga ser uma má imagem para si, na medida em que começa por afirmar que a publicação serve para informar que já nada o liga à requerente, e é nesse contexto que profere a única expressão que poderá afetar a requerente. É, ainda, de referir, que o próprio requerido já intentou a respetiva queixa crime, tendo dado origem ao processo n.º 1206/20.1T9PRT, a correr termos na 3.ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto. Em terceiro e último lugar, julgar procedente a presente providencia cautelar, tal como pretendido pela requerente seria limitar, de forma injustificada e ilegal a liberdade de expressão, constitucionalmente consagrada. Na verdade, não se olvida, como se disse, que as pessoas coletivas têm direito à honra e ao bom nome. Sucede, porém, que existe igualmente o direito à liberdade de expressão, opinião. Sobre tais questões, foram já vários os arestos dos tribunais superiores que se pronunciaram. (…) E, nesta busca de realização de uma satisfatória concordância prática entre os direitos, atenta a matéria de facto apurada, verifica-se que o exercício da liberdade de expressão se conteve dentro dos limites que se devem ter por admissíveis numa sociedade democrática hodierna, aberta e plural, atentos os aludidos critérios de ponderação e o referido princípio da proporcionalidade, o que exclui a ilicitude da lesão da honra do requerente, tanto mais que o requerido, apenas fez uma única pública; limitou-a ao seu facebook que é uma conta privada; e ainda apresentou a respetiva queixa crime contra a requerente, pelos factos que publicitou, não resultando que tal facto isolado qualquer perigo concreto de que o volte a fazer e em que termos. Mais, a única ameaça que fez aos funcionários da requerente é que irá apresentar as respetivas queixas/processos e não que continuará a fazer publicações. Ou seja, não se verifica ser legalmente admissível a limitação do direito de expressão do requerido, nos termos requeridos e conforme supra explanamos. A providência cautelar é assim, julgada improcedente»
Feita esta transcrição parcial dos fundamentos jurídicos utilizados na sentença proferida na providência cautelar anterior, resulta para nós, numa apreciação objectiva, que as duas publicações no facebook feitas pelo requerido e a mensagem electrónica enviada pelo requerido a terceiro não são idóneas para deferir a presente providência cautelar. Vejamos.
Como referido na sentença recorrida: “É hoje reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência que uma sociedade comercial tem direito ao bom nome e reputação, em termos de honorabilidade, independentemente dos prejuízos materiais que a sua má fama possa acarretar, direitos esses equiparáveis ao direito personalidade do artigo 70º do Código Civil.
Na verdade, ainda que não exista na personalidade coletiva uma consciência ética que possa ser afetada, o certo é que, em termos éticos, tal tipo de personalidade é uma emanação da personalidade singular, aqui do direito de empresa, pelo que, em última instância a referida má fama duma sociedade comercial é, reflexamente, uma violação do direito ao bom nome dos titulares deste último direito. Assim, o imperativo ético de proteger o bom nome duma sociedade radica no pressuposto de que todas as atuações sociais se reconduzem honorabilidade da cidadania (veja-se, em sentido convergente, o Acórdão do STJ de 09/02/2006, processo nº 05B4048)
Isto porque, dúvidas não pode haver de que as pessoas coletivas são portadoras de determinada imagem, que transmitem para o exterior relativamente à forma como se organizam, funcionam e prestam serviços ou fornecem bens que constituem o seu escopo.
Trata-se de um direito análogo ao direito de personalidade reconhecido constitucionalmente aos indivíduos, sendo que as pessoas coletivas têm todo o interesse em defender o seu bom nome no universo dos seus negócios comerciais (crédito comercial), o prestígio de que gozam ou o conceito positivo em que são tidas no meio social em que se integram [veja-se, nomeadamente, o Acórdão do TRL de 12/07/2018, processo nº 672/13.6 TBSCR-G.L1-1].
Acresce que, na tutela cautelar civil dos direitos de personalidade [artigo 70º do Código Civil], como o direito à honra, assumem especial relevância, pela maior maleabilidade e adequação, as providências cautelares inominadas, visando garantir o efeito útil tanto das ações especiais, em processo de jurisdição voluntária como das ações de responsabilidade civil [Acórdão do TRC de 15/05/2012, processo nº 322/12.8T2AVR.C1]”
O artigo 11º da Carta Dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sobre a epígrafe “Liberdade de expressão e de informação” determina “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras”. Este artigo corresponde ao artigo 10º da CEDH [Convenção Europeia dos Direitos do Homem] com a seguinte redacção: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras” (…) “2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providência necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial”.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem sustentado que as excepções ao direito de liberdade de expressão – consagrado no artigo 10º, nº1 do CEDH – “têm de ser interpretadas muito restritamente e sempre atendendo à existência de uma «necessidade social imperiosa»”
Nos termos do artigo 37º da Constituição da República Portuguesa (CRP) “1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. 2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. 3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei. 4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos”.
Aceita-se, na verdade, que relativamente a interesses particulares, como é o caso, resultem alguns constrangimentos ou condicionamentos no exercício da liberdade de expressão, e que «os limites da crítica aceitável» sejam aqui mais apertados do que os aplicáveis aos políticos ou a outras figuras públicas».
.Feita esta introdução e considerando os pressupostos necessários ao decretamento do procedimento cautelar previstos no artigo 362, nº1, do CPC:
( a) Probabilidade séria (“fumus boni juris”), embora colhida a partir de análise sumária (“summaria cognitio”) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor;b) Fundado e suficiente receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável (“periculum in mora”) a tal direito (portanto, que a lesão não se tenha consumado);c) Concreta adequação (ou potencialidade) da providência (como medida de tutela provisória) para remover a situação de lesão eminente e assegurar a efectividade do direito ameaçado;d) Não existência na lei de outro tipo de providência específica que o acautele (princípio da legalidade das formas processuais);e) Que o prejuízo dela resultante para o requerido não exceda consideravelmente o dano que o requerente através dela pretende evitar)
.afigura-se-nos que os fatos apurados não permitem o deferimento da presente providência cautelar. Concretizando.
No caso em apreço, as publicações feitas no facebook a que aludem os itens 12º a 25º dos fatos indiciariamente apurados, bem como, a mensagem electrónica referida no item 26 dos fatos provados, surgem no seguimento de um determinado conflito existente entre as partes a propósito de um contrato de cessão de participações sociais de uma determinada sociedade cujo titular único era o recorrente, conflito esse que reveste gravidade suficiente ao ponto de levar à apresentação de queixa –crime pelo recorrente contra a recorrida, a qual, é anterior às duas publicações e à mensagem electrónica em causa.
A significar que essas duas publicações e essa mensagem, não traduzem, na expressão usada na sentença proferida nos autos nº57/20.8T8ESP “ uma pura e gratuita depreciação da imagem da requerente”.
Assim, para se poder concluir que o requerido violou o direito da requerente-sociedade ao bom nome e a determinada imagem é relevante analisar todo o circunstancialismo que rodeou o referido e-mail.
Na verdade, todas as acções/actuações do homem têm, em princípio, uma razão de ser ou uma «explicação» que cumpre ao Julgador analisar e ponderar [quando solicitado a resolver um conflito de interesses] tendo em vista alcançar a verdade material e a realização da justiça.
Assim, verificamos que as partes continuam vinculadas por um contrato de consultadoria, estão em conflito aberto por causa desse e daquele contrato de cessão de quotas entre elas celebrado, afigurando-se-nos razoável entender que não se encontram entre si no plano do cidadão comum. Afinal, o requerido-recorrente é um prestador de serviços perante a recorrida e está em conflito com esta por causa dos contratos celebrados entre ambos.
Em consequência, colocando-nos nós na posição de um normal declaratário (artigo 236º, nº1 do C. Civil) diremos o seguimos, relativamente às duas publicações feitas no facebook:
Na publicação de 26.06.2020, feita em conta que é privada, o requerido não cita o nome da requerente-recorrida, mas apenas se refere à sua anterior agência, traduzindo essa publicação apenas no essencial um desabafo de um “ utilizador” do facebook” que se sente frustrado com negócios por si celebrados relativos a participações de uma sociedade e a obrigações de confidencialidade e de colaboração daí decorrentes.
Relativamente à publicação de 29.06.2020 mais uma vez se verifica que o requerido não cita o nome da requerente revelando o texto publicado que no essencial trata-se de desabafo de um “ utilizador” do facebook” que se sente frustrado com negócios em que interveio relativos a um agência funerária.
Assim, estas publicações traduzem no essencial um desabafo de um “ utilizador” do facebook” que se sente frustrado com negócios por si celebrados relativos a participações de uma sociedade e a obrigações de confidencialidade e de colaboração daí decorrentes.
Pelo que, colocando-nos nós na posição de um normal declaratário (artigo 236º, nº1 do C. Civil), afigura-se-nos que também estas duas publicações feitas no facebook, não são susceptíveis de lesar a imagem e o bom nome da requerente.
E no que concerne ao fato da segunda publicação ser acompanhada de uma imagem do cheque emitido pela requerente-recorrida, esse facto não constitui fato lesivo do direito à imagem ou à honra da requerente-recorrida, sendo apenas susceptível, em abstracto, de relevar para efeito de verificação eventual de violação da obrigação de confidencialidade a que as partes se obrigaram.
No que concerne à mensagem de correio electrónico enviada a G… no da 21 de Julho de 2021, da leitura do referido email – colocando-nos nós na posição de um normal declaratário (artigo 236º, nº1 do C. Civil) – sem se acrescentar outros elementos, não é possível concluir que o recorrente-requerido se esteja a referir à recorrida quando ali se escreve: “O dr G… pecou por não me ter dito que eu estava a lidar com os melhores ladrões com vigaristas e com a mais pura escumalha que existe à superfície da terra. Os senhores estragaram a minha vida. Malditos.”.
Trata-se de correio electrónico trocado entre duas pessoas singulares.
Ignora-se qual foi o modo como a requerente-recorrida teve acesso ao correio electrónico de terceiro.
Na referida mensagem não é feita qualquer alusão à requerente cujo nome não é sequer citado.
E nessa mensagem o recorrente-requerido, dirigindo-se a terceiro, lamenta que este não o tenha advertido que estaria a lidar com “ladrões, vigaristas e escumalha”.
Assim, não havendo qualquer referência à requerente-recorrida, não existindo quaisquer fatos na mensagem, a questão que se coloca é saber se a mesma é susceptível de ofender o direito à honra e ao nome da requerente/recorrida
Objetivamente, focando-nos no significado objectivo dos adjectivos ladrão e vigaristas resulta que o primeiro significa “ Que ou quem rouba ou furta” e o segundo “indivíduo que visa enganar outros por meios ardilosos” (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/vigarista [consultado em 24-05-2021])
E a palavra “escumalha” pode ter várias significados, dependendo do contexto em que é usada: “1. Matérias que se separam dos metais durante a fusão. = ESCUMALHO2. [Figurado] Grupo considerado de baixa condição moral, cultural e social. = RALÉ
Pelo que, na mensagem enviada o requerido-recorrente não imputa quaisquer fatos a outrem. Trata-se de comentários em modo de juízos de valor correspondentes ao que o requerente pensa.
Logo, pela referida mensagem electrónica o recorrente emite juízos de valor descontextualizados, o que, aliado à ausência de menção à requerente e à ausência de fatos relativos à reacção do destinatário na sequência dessa mensagem não nos permite concluir, ainda que indiciariamente, que esses juízes de valor, se referem à requerente-recorrida, se serão reiterados pelo recorrente-requerido, nomeadamente em meios públicos ou nos meios sociais e, por isso, se serão susceptíveis de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da requerente-recorrida para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que goza a requerente ou o bom conceito em que ela é tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que exerce a sua actividade.
Acresce que, ainda que objectivamente, o uso dessas palavras possa ser considerado ofensivo da honra e da consideração devidas à requerente-recorrida, no pressuposto do recorrente se referir à requerente-recorrida, independentemente da veracidade dos fatos nos quais se sustenta esse uso, certo é que no caso dos autos, não resulta em termos indiciários que tal facto isolado constitua qualquer perigo concreto de que o recorrente vai repetir essa conduta e em que termos.
Assim, resulta para nós que no caso presente o exercício pelo recorrente-requerido da liberdade de expressão através das duas publicações no facebook se conteve dentro dos limites que se devem ter por admissíveis numa sociedade democrática hodierna, aberta e plural, atentos os aludidos critérios de ponderação e o referido princípio da proporcionalidade, o que exclui a ilicitude da lesão da honra da recorrida-requerente.
E no tocante à mensagem electrónica, enviada após a apresentação de queixa-crime contra a requerente, o recorrente-requerido apenas trocou um email com terceiro, ignorando-se o meio pelo qual a requerente teve acesso á mensagem não resultando em termos indiciários que tal facto isolado constitua qualquer perigo concreto de que o volte a fazer e em que termos.
Apesar da mensagem privada de 21/07/2020 poder ser difamatória da imagem da requerente atento o uso de termos ofensivos, não é causal da proibição pretendida por não faz supor que possa vir a existir igual atuação em termos públicos e nos meios sociais.
De qualquer modo, supondo que nesse email o recorrente se referia à recorrida, como dissemos, a matéria de facto apurada permite precisamente compreender a razão de ser do teor do e-mail, assim lhe retirando, como já atrás referimos, toda a carga injuriosa e ofensiva que a Requerente lhe pretende colocar, a revelar que o referido e-mail não se traduziu num «ataque» gratuito, sem qualquer fundamento, visando apenas «insultar» a Requerente e provocar a «desestabilização» na requerente.
Ora, a matéria de facto apurada permite precisamente compreender a razão de ser do teor do e-mail, assim lhe retirando, como já atrás referimos, toda a carga injuriosa e ofensiva que a Requerente lhe pretende colocar.
Assim, recorrendo às regras da experiência, neste momento não vislumbramos no caso a «necessidade social imperiosa» a que se refere o TEDH, justificativa da derrogação da liberdade de expressão.
Nestes termos, não estando verificada a probabilidade séria da existência do direito que com o procedimento cautelar a recorrida quis proteger, e porque, são cumulativos os requisitos para o decretamento da providência cautelar não especificada, fica prejudicada a análise e apreciação dos restantes requisitos.
A significar que o recurso merece procedência, com a consequente revogação da sentença recorrida.
Sumário.
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5. DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelo apelante, e, assim, revogam a sentença recorrida.
As custas deste recurso serão pagas pela recorrida.
Porto, 27.05.2021
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
João Venade
___________________ [1] In, “Repetição de providência e caso julgado e desistência do pedido de providência cautelar”-Revista da Ordem dos Advogados, 1997, pág 473/475; [2] Na doutrina, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Noa, Manual de Processo Civil. Pág 24-25, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985; Lebre de Freitas, “ Repetição de providência e caso julgado e desistência do pedido de providência cautelar-Revista da Ordem dos Advogados, 1997, pág 473/475; na jurisprudência, entre outros, Acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 22.03.2011 de 22.03.2011, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018. [3] Ob. cit. pág. 480. [4] Esta norma reproduz, sem alterações, o anterior nº4 do art. 381º na redacção do DL nº 180/96, de 25.09. [5] Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, pág 391 e ss. [6] Pinto, Rui, A questão do mérito da tutela cautelar-A obrigação Genérica de não ingerência e os limites da responsabilidade Civil, pág 283. [7] Ob. Citada, pag. 392. [8] In Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, pp 245 e 246. [9] Conforme dá nota Marco Carvalho Gonçalves, na obra citada, nota de rodapé nº 1370, p.p 393-394. [10] Neste sentido, Marco Carvalho Gonçalves, ob citada, pág. 395, onde para o efeito, convoca, entre o mais, Sentença proferida a 02.03.2009, no Tribunal de Bari. [11] Ac do TRL de 03.05.2012, proc 2737711.0TBXL-B.L2-6, in www.dgsi.pt [12] Ver, a este propósito, Marques, J.P.Remédio, Acção Declarativa à luz do Código Revisto, p. 157.