SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
FISCAL ÚNICO
REGIME DE DESIGNAÇÃO E SUBSTITUIÇÃO
Sumário

1 – O regime de designação e substituição dos membros do conselho fiscal e/ou fiscal único revela uma lacuna cuja consequência poderia ser o prosseguimento da atividade da sociedade sem qualquer fiscalização, um resultado contrário às finalidades e objetivo da própria existência de fiscalização, pelo que tal lacuna deve ser integrada com recurso à norma do nº4 do art. 391º do CSC, solução que o próprio legislador adotou para a comissão de auditoria e para o conselho geral e de supervisão: embora designados por prazo certo, os membros do órgão de fiscalização mantêm-se em funções após o decurso desse prazo até nova designação.
2 – A redação dada pelo legislador societário de 2006 ao art. 64º do CSC demarcou-se da discussão doutrinária entre as teses contratualistas e institucionalistas, que continua em aberto, somando-se agora as conceções pluralistas que dão prevalência aos interesses dos sócios, mas atribuindo alguma relevância aos interesses de outros sujeitos envolvidos na empresa, emergindo igualmente uma visão fragmentada de “interesses sociais”, conforme sejam erigidos em padrão de comportamento dos sócios, da administração ou dos titulares de órgãos de fiscalização.
3 – Numa sociedade sem administração há mais de 60 dias, na qual não houve cooptação e não ocorreu qualquer assembleia anual, desenrolando-se abertamente um litígio sobre a titularidade das ações da sociedade, o interesse coletivo dos acionistas de longo prazo e dos diversos interessados que se impunha ao titular do orgão de fiscalização prosseguir era designar um administrador, nos termos do disposto no art. 393º nº3, al. c) e 423º-A do CSC e não de aguardar a eventual iniciativa de uns ou outros acionistas.
4 – Esta decisão do fiscal único dificilmente é suscetível de ser abusiva porque qualquer benefício ou prejuízo que cause são afastados ou assumidos por deliberação da assembleia geral, nos termos do nº4 do art. 393º do CSC, e qualquer intenção que encerre esbarra na vontade maioritária dos sócios reunidos na mesma, não sendo posta em causa a competência dos acionistas reunidos em assembleia geral para a nomeação de administradores.

Texto Integral

Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
P, Limited intentou o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra G SGPS, SA, pedindo, seja decretada a suspensão da deliberação social consubstanciada na decisão do Fiscal Único de 01.07.2020, de nomear como Administradora Única da sociedade ATC.
Alegou, em síntese, ser acionista única da requerida, a qual foi administrada por TTC até 02/11/2019, data do seu falecimento. Não foi imediatamente nomeada administração, tendo a sociedade AB, SROC, arrogando-se a qualidade de fiscal único da requerida, procedido à nomeação de ATC como administradora única em 01/07/2020, decisão de que apenas teve conhecimento em 06/07/2020. A requerida é uma SGPS, que detém participações sociais em sociedades operacionais nas quais RTC assume há largos anos o cargo de administrador, sendo este a pessoa sobre quem recaía a escolha da requerente para administrador da requerida, do que o representante da identificada SROC tinha conhecimento quando tomou a referida decisão que é considerada, para todos os efeitos, uma deliberação social. A deliberação é nula, nos termos do disposto na alínea d) do nº1 do art. 56º do CSC, porquanto a referida SROC foi nomeada para o triénio de 2015/2017, tendo cessado o seu mandato a 31/12/2017 e assumido funções a suplente HD, SROC, pelo que a deliberação foi tomada por quem não tinha competência para o efeito. Ainda que assim se não entendesse, sempre tal deliberação seria nula por ter agido em situação de conflito de interesses e de forma abusiva, violando preceitos legais imperativos ou sendo, pelo menos anulável, nos termos da al. b) do nº1 do art. 58º do CSC, dado que o representante daquela SROC foi demandado pela ora nomeada em procedimento cautelar não especificado, que o intimava bem como à requerida a permitir à mesma o exercício dos direitos sociais referentes às suas participações sociais na requerida e às da herança de TTC, nenhum dos dois sendo acionista da sociedade aqui requerida. A nomeada de imediato nomeou-se administradora das sociedades integralmente detidas pela requerida e a aceder ao seu património e movimentar as respetivas contas bancárias, o que é suscetível de causar prejuízos à requerida.
Citada a requerida veio esta deduzir oposição, excecionando a ilegitimidade ativa da requerente, por não ser sócia da requerida, pedindo seja declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, sem prejuízo, pedindo seja julgada improcedente a suspensão de deliberação social requerida pela requerente.
Alegou, em síntese, que a requerente não é acionista da requerida e que os títulos juntos, por se tratarem de títulos ao portador cuja conversão foi imposta pela Lei nº 15/2017 de 03/05, não titulam o direito que se arroga, estando a requerida vinculada ao cumprimento da decisão proferida na providência cautelar decretada pelo Juiz 3 deste tribunal no processo nº 11269/20.4T8LSB. Mais resulta dos documentos de prestação de contas da requerente que é uma sociedade dormente e sem atividade. Ainda que assim se não entenda, a lide é supervenientemente inútil dado que no dia 17/08/2020 foi realizada assembleia geral da requerida na qual foi nomeada administrador única ATC até ao final do mandato em curso, ratificando assim a deliberação do fiscal único. Sem prejuízo, alega que não tendo havido nova nomeação de fiscal único, efetivo ou suplente para o mandato subsequente ao triénio 2015/2017, ambos se mantiveram em funções até nova designação, nos termos do nº4 do art. 391º do CSC, aplicáveis ao fiscal único e aos membros do conselho fiscal. Inexiste qualquer situação de conflito de interesses entre o representante do fiscal único e a requerida, inexistindo qualquer ilegalidade da deliberação.
A requerente veio responder à exceção e questão prévia suscitadas na oposição, pedindo a respetiva improcedência.
Após algum processado e tendo o tribunal, por despacho de 01/12/2020, advertido ter sido arguida matéria de exceção que poderia determinar a prolação de decisão final por escrito, foi proferida em 29/03/2021 decisão final, nos seguintes termos:
 “Pelo exposto, o Tribunal julga o presente procedimento improcedente e, consequentemente, indefere a pretensão de suspensão da deliberação social consubstanciada na decisão do fiscal único de 01-07-2020, de nomear como Administradora Única da sociedade ATC.   
A taxa de justiça paga pelas partes será atendida a final na ação principal, nos termos do artigo 539.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Após trânsito, comunique para efeitos do disposto na alínea h) do artigo 9.º do Código do Registo Comercial.”
Inconformada, apelou a requerente, pedindo a revogação da decisão final recorrida e a sua substituição por outra que, conhecendo do presente recurso, ordene a suspensão da deliberação objeto dos presentes atos, ou no limite, ordene o prosseguimento dos autos para produção de prova para o apuramento dos factos essenciais ao conhecimento pelo Tribunal a quo de todas as questões jurídicas suscitadas nos autos, formulando as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso tem por objeto a Douta Sentença proferida nos autos de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais à margem identificado por meio do qual o Douto Tribunal a quo julgou improcedente o procedimento cautelar, indeferindo a pretensão de suspensão da deliberação social consubstanciada na decisão do alegado Fiscal Único de 01-07-2020, de nomear como Administradora Única da sociedade ATC.
B. Posto isto, entendeu o Douto Tribunal a quo que, a deliberação do pretenso Fiscal Único é válida e merece tutela, pelo que decidiu indeferir a presente providência cautelar.
C. Contudo, não podendo a ora Recorrente conformar-se com a presente decisão, vem dela interpor o presente recurso, pois os pressupostos da presente providência cautelar de suspensão de deliberações sociais estão inteiramente verificados, uma vez que a deliberação foi tomada por quem não tinha poderes para o efeito.
D. No entanto, e ainda que assim não fosse (o que só por cautela de patrocínio se equaciona) sempre estaria o suposto Fiscal Único inibido proferir a deliberação objeto dos presentes autos, por se encontrar numa situação de manifesto conflito de interesses entre os interesses da sociedade Recorrida e os interesses da Exma. Sra. ATC. Ademais, também não pode proceder o argumento de que estamos perante uma inutilidade superveniente da lide, nem tão pouco se pode considerar que a ratificação de uma deliberação que padece de um vício de nulidade lhe devolve eficácia.
E. Sendo que a referida Sentença proferida pelo Tribunal a quo não fez correta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis, violando, nomeadamente, o disposto nos arts.º 56.º, n.º 1, 58.º, n.º 1, al. b) e 415.º, n.º 3 e 416.º todos do CSC, os arts.º 154.º, 615.º, n.º 1, al. b) e 367.º, n.º 1 do CPC, o art.º 61.º, n.º 2 do EOROC, bem como o art.º 9.º do CC.
F. Ora, em primeiro lugar, a Douta Sentença Recorrida é nula por falta de fundamentação, de acordo com os arts.º 154.º e 615.º, n.º 1, al. d) ambos do CPC, na parte em que conhece do invocado vício de deliberação tomada em manifesta situação de conflito de interesses e consubstanciando uma deliberação abusiva.
G. O Tribunal a quo no que toca a este vício limita-se a aderir aos fundamentos alegados pela Requerida (Recorrida) na sua Oposição, para concluir pela improcedência do argumento invocado pela ora Recorrente.
H. Além do Tribunal a quo desconsiderar factos determinantes nesta matéria, alegados pela ora Recorrente no seu Requerimento Inicial, não se descortina do teor da fundamentação aduzida quais as razões objetivas e/ou subjetivas em que aquele Douto Tribunal funda aquela sua convicção, nem os factos que, tendo sido alegados pela ora Recorrida, o levaram a concluir (erradamente) que inexistia conflito de interesses e que a deliberação em causa não é abusiva.
I. Também peca por falta de fundamentação, na Sentença ora aqui recorrida, a parte que conhece da inutilidade superveniente da lide, pois, por um lado, o Tribunal a quo limita-se a afirmar que estão verificados os pressupostos do art.º 277.º, al. e) do CPC, por outro, não se compreende, de acordo com o teor da Sentença Recorrida, quais as razões objetivas e/ou subjetivas em que o Tribunal fundou a convicção de que a pendência do procedimento de suspensão de deliberação social e ação de anulação que têm por objeto a deliberação que procedeu à ratificação da deliberação que é objeto dos presentes autos lhe permite concluir de que se encontram reunidos os pressupostos da extinção da instância.
J. A Douta Sentença Recorrida também violou o art.º 367.º, n.º 1 (contrario sensu)  do CPC, porquanto existia uma impossibilidade de conhecimento de mérito, na presente fase processual, que o Tribunal a quo não respeitou. Assim, mal andou este Tribunal por considerar ser possível proferir um juízo de mérito sobre a causa, sendo desnecessário proceder à produção de prova.
K. Ora, os vícios invocados pela Recorrente relativamente à deliberação impugnada (ser proferida por quem atuava em manifesto conflito de interesses com a sociedade que alegadamente representa e, bem assim, porque tal deliberação resulta abusiva) não se esgotam, como se assumiu na Sentença recorrida, na alegação de que o referido JQ era parte, na posição de Requerido, na providência cautelar cujo decretamento invocou para justificar a sua tomada de deliberação.
L. A Recorrente também alegou, para além do referido no ponto anterior, que o dito JQ atuou em conflito de interesses e abusivamente pela atuação melhor descrita nos arts.º 14.º, 15.º, 50.º e 51.º do Requerimento Inicial. Sendo que estes factos trazidos a juízo careciam de prova, na medida que permanecem controvertidos.
M. Ainda que assim não se entenda, o que só à cautela se equaciona, sempre será a Douta Sentença Recorrida nula, por omissão de pronúncia, uma vez não conhece dos vícios invocados, limitando-se a conhecer da alegada atuação em conflito de interesses e atuação abusiva, fundada na qualidade do pretenso Fiscal Único JQ ser Requerido no procedimento cautelar a que se alude na al. 10) dos Factos Indiciariamente Provados.
N. Ademais, o pretenso Fiscal Único que tomou a deliberação objeto da presente lide já tinha cessado as suas funções, pois só tinha sido eleito para o Triénio para 2015/2017.
O. Pelo que na data da deliberação – 01.07.2020 –, o Sr. JQ não se encontrava munido da devida qualidade de Fiscal Único, porquanto o seu mandato já tinha cessado, por caducidade.
P. Qualidade esta que pertencia – à data da deliberação aqui impugnada – ao Fiscal Único Suplente da Requerida, i.e., a Sociedade HD, SROC., por força do art.º 423.º-A, n.º 3 e 4 do CSC.
Q. Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao considerar aplicável, nos autos, o art.º 391.º, n.º 4 do CSC, pois além de no caso sub judice o Administrador Único já ter falecido e, por isso, a sociedade Recorrida não estava munida de qualquer órgão de administração, não faz sentido aplicar tal preceito quando existe uma norma que regula especificamente tal matéria, no que diz respeito ao órgão de fiscalização – art.º 415.º, n.º 3 e 4 do CSC – e que é expressamente aplicável ao Fiscal Único, por força do art.º 423.º-A do mesmo Código.
R. Mas ainda que se considerasse que o mandato do Fiscal Único e do Fiscal Único Suplente cessaram simultaneamente a 31.12.2017, por caducidade (o que só à cautela se equaciona) não é legitima a conclusão da aplicabilidade ao caso da norma prevista no art.º 391.º n.º 4 do CSC, por interpretação extensiva, como se conclui na Douta Sentença Recorrida, ou até mesmo por interpretação analógica. Ora, o legislador previu expressamente o regime aplicável em caso de falta definitiva do órgão de fiscalização (art.º 415.º n.º 3 e 4 CSC) ou, ainda que assim não se entenda, nos casos em que a sociedade adota o modelo de governo clássico simples, veio prever a nomeação oficiosa do Revisor Oficial de Contas (art.º 416.º do CSC).
S. De acordo com o art.º 414.º do CSC, seja o modelo de fiscalização escolhido pela sociedade o de Fiscal Único ou de Conselho Fiscal, o órgão de administração terá sempre de integrar um ROC, sendo que no caso de se ter escolhido um Fiscal Único estas entidades acabam por coincidir.
T. Ora, na falta definitiva do Fiscal Único – ROC da sociedade deve o mesmo ser nomeado oficiosamente, cf. art.º 416.º do CSC. Tendo em consideração este preceito, mal andou o Tribunal a quo ao aplicar o art.º 391.º, n.º 4 do CSC ao Fiscal Único, e nisto pressupondo que o legislador disse menos do que queria dizer, sendo que a letra da lei ficou aquém do espírito, da intenção do legislador. Oral tal conclusão não corresponde à realidade, uma vez que o legislador não chamou, podendo fazê-lo e tendo-o feito por diversas vezes ao longo do código, à colação o regime previsto para a designação e substituição dos administradores. Muito pelo contrário, veio o legislador prever expressamente o modelo de substituição oficiosa daquele que, por lei, é o elemento essencial do órgão de fiscalização – o ROC (cf. art.º 416.º, n.º 1 do CSC).
U. Deste modo, recaía sobre qualquer membro dos órgãos sociais – porque não o próprio Fiscal Único – cessante, tomando conhecimento da situação irregular da sociedade e na ausência de comunicação pelo órgão social ainda em exercício de funções, a obrigação de proceder à comunicação a que alude este preceito, despoletando a nomeação oficiosa de ROC /Fiscal Único à Sociedade ora Recorrida – o que não sucedeu!
V. Assim, à data de 01.07.2020, JQ, não ocupava o cargo de Fiscal Único da Recorrida e não dispunha de poderes para deliberar, como deliberou, nos termos do disposto nos arts.º 393.º, n.º 3, al. c) e 423.º-A ambos do CSC. A aplicação de tais preceitos constitui uma violação da teleologia dos arts.º 415.º, n.º 3 e 416 ambos do CSC, bem como uma violação do art.º 9.º do Código Civil.
W. Caso ainda assim não se entendesse, o que só à cautela se equaciona, o alegado Fiscal Único estaria sempre impedido de nomear para o cargo de Administradora Única, a Exma. Sra. ATC, porquanto o Exmo. Sr. JQ, apresenta-se como o representante da Sociedade AB, S.R.O.C. na deliberação que é objeto dos presentes autos, tendo procedido à dita nomeação, e é nessa mesma qualidade que é Requerido no procedimento cautelar a que se alude na al. 10) dos Factos Indiciariamente Provados.
X. O Exmo. Sr. JQ encontrava-se numa numa situação de manifesto conflito de interesses entre os interesses da sociedade aqui Recorrida e os interesses da aludida ATC, Requerente nos autos do dito procedimento cautelar, pois não tendo sido obrigado por tais autos a nomear a referida Sra. para o cargo de Administradora Única, (mas sim a reconhecer a ATC o direito a exercer direitos sociais de que aquela (não) é titular na ora Recorrida), não podia por autorrecriação ter nomeado ter nomeado tal Senhora, que assumia a posição de contraparte da sociedade naqueles autos.
Y. Ademais, quando o órgão de fiscalização designa o órgão de administração, atua em representação da sociedade, sendo o ato imputável à própria sociedade, de tal modo que carece de ratificação, nos termos do disposto no art.º 393.º, n.º 4 do CSC. Ora, a sociedade (aqui Recorrida) também é parte nos autos de procedimento cautelar referidos no ponto 10 dos Factos Indiciariamente Provados, tendo a qualidade de Requerida e estando, por isso, em situação de conflito de interesses face à administradora nomeada.
Z. Portanto, a nomeação proferida resultaria sempre comprometida, pois mete em causa a imparcialidade e integralidade do suposto Fiscal Único, pois este encontra-se numa posição – aparentemente – frágil em relação à ali Recorrente, ATC. Não se sabendo se o dito procedimento cautelar instaurado contra o Fiscal Único não serviu de mecanismo para o intimidar e aliciar a proceder à referida deliberação objeto dos presentes autos. Pois que outra razão existiria para que o aludido JQ nomeasse como Administradora Única da Sociedade aquela a que o Tribunal havia acabava de reconhecer a qualidade de acionista – ainda que provisoriamente – e que, por isso, podia muito bem exercer os alegados direitos sociais, como convocar assembleia geral para proceder à eleição dos órgãos sociais.
AA. Assim, outra conclusão não pode ser de que a deliberação aqui em causa foi tomada no interesse e benefício do referido JQ (que conseguiu obviar ao litígio com a Administradora Única que acabou a escolher nomear) e no interesse e benefício da Sra. ATC, conferindo-lhe, por este meio, uma vantagem injustificada e injustificável, em prejuízo, em primeiro lugar da Sociedade aqui Recorrida e, em segundo lugar, da sua legitima acionista, a ora Recorrente.
BB. Resultando, deste modo, evidente que o único interesse que a deliberação ora em crise manifestamente não visou prosseguir, foi o interesse da sociedade Recorrida, que apenas teria resultado acautelado se ao invés de proferir a deliberação ora em crise, o JQ tivesse aguardado, como deveria, que a dita ATC em exercício dos direitos cujo reconhecimento requereu ao Tribunal, convocasse uma Assembleia Geral da sociedade Requerida para ali, e somente ali, deliberarem os acionistas, nomeadamente os que ali viessem a demonstrar essa qualidade, a nomeação dos órgãos sociais.
CC. A tudo isto acresce que o dito Fiscal Único, JQ, atuou em manifesto abuso de direito pois bem sabia que a deliberação que estava a tomar era contrária aos interesses da ora Recorrente (verdadeira acionista da Recorrida), bem sabendo aquele quais os planos que esta tinha para o futuro da Sociedade Recorrida, cf. alegado em sede de Requerimento Inicial, mais concretamente nos arts.º 14.º, 15.º e 50.º.
DD. Também mal andou o Tribunal a quo na adesão ao argumento da ora aqui Recorrida, ao considerar que os fundamentos supra referidos se encontravam afastados, tendo-se limitado para o efeito a citar o n.º 2 e 11 do art.º 71.º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (“EOROC”), sem fundamentar devidamente o porquê de considerar que não estamos perante uma situação de conflito de interesses pessoais.
EE. Ora, face a tudo o que já foi supra exposto e de acordo com o art.º 61.º, n.º 2 do EOROC, é inegável que a conduta e, neste caso, a deliberação tomada pelo pretenso Fiscal Único da Sociedade Recorrida, demonstra, no mínimo, senão dolo, pelo menos, uma total falta de independência, pois nomeia à revelia de quem bem sabe que é acionista e ao arrepio dos interesses sociais, um Administrador Único, conferindo-lhe vantagem manifestamente injustificada.
FF. Termos em que se deverá concluir pela nulidade da deliberação impugnada, à luz do disposto no art.º 56.º do CSC, porquanto viola preceitos legais imperativos, como sejam o disposto no art.º 61.º, n.º 2 do EOROC ou, caso assim não se entenda, pela sua anulabilidade à luz do disposto no art.º 58.º, n.º 1 al. b) do CSC.
GG. Por último, vem ainda o Tribunal a quo alegar que sempre se consideraria a presente instância extinta, por inutilidade superveniente da lide, porquanto já foi impugnada pela ora aqui Recorrente a deliberação que veio ratificar a deliberação objeto dos presentes autos, no âmbito do procedimento cautelar n.º 19.22/20.5T8LSB, entretanto apensada ao processo de anulação de deliberações sociais com o n.º 20.989/20.2T8LSB.
HH. No entanto, a deliberação que vem ratificar a ora aqui impugnada não retira qualquer efeito útil a esta, uma vez que se aquela deliberação vier a ser suspensa, não implica que a presente deliberação também o seja, dado que aquilo que a ora Recorrida teria de fazer seria deliberar novamente e proceder a mais uma tentativa de ratificação.
II. Deste modo, se alguma deliberação for prejudicial à outra, sempre seria aquela deliberação à ora aqui discutida nos autos e nunca o contrário, pelo que não pode – e não deve – proceder o argumento da inutilidade superveniente da lide dos presentes autos, nos termos do art.º 277.º, al. e) do CPC.
JJ. Termos em que, julgando procedente o presente recurso deve revogar-se a Douta Sentença Recorrida, substituindo-a por Acórdão que, conhecendo do presente recurso, ordene a suspensão da deliberação objeto dos presentes atos, ou no limite, ordene o prosseguimento dos autos para produção de prova para o apuramento dos factos essenciais ao conhecimento pelo Tribunal a quo de todas as questões jurídicas suscitadas nos autos.”
A requerente. apresentou contra-alegações, pedindo seja negado provimento ao recurso e apresentando as seguintes conclusões:
“A. Veio a Recorrente recorrer da Douta sentença proferida nos autos de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais à margem identificado, por meio do qual o Douto Tribunal a quo julgou improcedente o procedimento cautelar por si intentado, indeferindo a pretensão da Recorrente em ver suspensa a deliberação tomada a 1.07.2021 pelo Fiscal Único da Sociedade, através do qual este último procedeu à nomeação como Administradora Única da G a Exma. Senhora ATC.
Da (falta) de fundamentos do presente recurso
B. A Recorrente não logrou demonstrar, nem sequer provisoriamente, ser titular da totalidade do capital social da Recorrida, nem tão pouco e sobretudo tal ficou demonstrado nos presentes autos.
C. Com efeito, e bem ao contrário do alegado, não foi provado um único facto nesse sentido. De outra forma, foi considerado provado, respetivamente nos factos 10) e 11) da Sentença proferida, exatamente o contrário, conforme resulta do respetivo texto, sentença que foi igualmente confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ora junto como Doc. n.º 1.
Da alegada nulidade por falta de fundamentação da sentença Recorrida
D. Alega a Recorrente que a Douta Sentença recorrida é nula por falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 154.º e 615.º n.º 1 alínea b) ambos do CPC.
E. Tal raciocínio padece, porém, de evidente (e deliberada) falta de atenção ao teor da decisão ora objeto de recurso. Basta ler a sentença proferida pelo Tribunal a quo para concluir que a mesma se encontra fundamentada, e bem fundamentada, não padecendo de qualquer falta de fundamentação e sendo possível concluir qual o raciocínio e motivos pelos quais o Tribunal decidiu como decidiu.
F. A fundamentação da decisão proferida não constitui uma mera adesão aos fundamentos da Recorrida. O que constitui é uma concordância a tais fundamentos, o que naturalmente não está vedado ao Tribunal, aliás, sendo esse o seu papel – apreciar de forma crítica a posição fatual e jurídica de cada uma das partes e posicionar-se de um ou outro lado – ou de nenhum dos lados, conforme o que entende serem os factos provados e os fundamentos de direito aplicáveis.
G. A mera circunstância de o Tribunal, na sua fundamentação de direito, referir que os seus fundamentos vão ao encontro dos invocados pela Recorrida não constitui, como aliás a Recorrente bem sabe, uma adesão aos fundamentos da Recorrida, pois o Tribunal justifica, a cada passo – ou seja fundamenta – porque decidiu como decidiu.
H. Por sua vez, e quanto ao alegado conflito de interesses do Fiscal Único, não existe igualmente uma adesão aos fundamentos da Recorrida, pois que o tribunal, por meio de reflexão própria, entendeu que o Fiscal Único se limitou a cumprir o artigo 393.º, n.º 3, alínea c), e 423.º-A do Código das Sociedades Comerciais, não tendo resultada demonstrada qualquer ilegalidade na sua atuação.
I. Por sua vez, e quanto à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, também o Tribunal a quo fundamentou, de forma clara e precisa, em que se ancora: a ratificação da decisão do fiscal único por deliberação social que é objeto de impugnação no âmbito do procedimento cautelar n.º 19.220/20.5T8LSB, entretanto apensa ao processo de anulação de deliberações sociais n.º 20.989/20.2 T8LSB.
J. A Recorrente pode não concordar com a decisão proferida, não pode é afirmar que a mesma padece de falta de fundamentação ou que não compreende quais as razões objetivas em que o tribunal se baseou e que se repetem: “ratificada esta decisão do fiscal único por deliberação social que é objeto de impugnação no âmbito do procedimento cautelar n.º 19.220/20.5 T8LSB, entretanto apensa ao processo de anulação de deliberações sociais n.º20.989/20.2 T8LSB”
K. O que permite concluir que o tribunal entendeu que o presente processo deveria ser extinto por inutilidade superveniente da lide posto que a deliberação cuja suspensão se requer fora ratificada por outra, a qual se encontra a ser discutida.
L. Assim, mesmo que se considerasse que a fundamentação poderia ser deficiente ou insuficiente – o que, como já vimos acima, não é o caso – sempre se dirá que a sentença não é nula, pois só a absoluta falta de fundamentação poderá integrar a previsão da al b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (Assim, a mero título de exemplo, veja-se o que decidiu a esse propósito o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 2.06.2016, no Proc. N.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).
M. Seria assim necessário, para que se possa considerar pela nulidade da sentença por falta de fundamentação, que tal inexistência de fundamentação seja em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
N. O que desde logo não se verifica no caso concreto, por serem absolutamente percetíveis e percebidas as razões de facto e de direito em que a decisão se baseou, ainda que o Recorrente com elas não concorde.
O. Deve, assim, ser julgada improcedente a invocada nulidade por falta de fundamentação da Sentença recorrida.
Da alegada (e falsa) impossibilidade de conhecimento de mérito/nulidade por omissão de pronúncia
P. Vem alegar a Recorrente, a este respeito, e em suma, que “o conhecimento dos vícios de conflito de interesses e natureza abusiva da deliberação objeto dos autos, tal como a ora Recorrente configurou o presente procedimento cautelar, i.e., de acordo com as soluções plausíveis de direito por esta equacionadas, carecem do conhecimento dos factos elencados supra, na medida em que permanecem controvertidos, carecendo de prova”.
Q. Em particular, sustenta a Recorrente que alegou que JQ atuou em conflito de interesses e abusivamente também pela atuação alegada nos artigos 14.º, 15.º, 50.º e 51.º do Requerimento Inicial.
R. Não tem, mais uma vez, a Recorrente, qualquer razão no que alega. Com efeito, compulsado o teor de tais artigos, conclui-se com facilidade que todos os factos aí contidos já encontram respaldo na decisão proferida pelo tribunal a quo, quando entendeu inexistir conflito de interesses ou deliberação abusiva.
S. Precisamente quanto a esses factos, o Tribunal entendeu conforme já exposto no artigo 23.º acima, que aqui se reproduz integralmente.
T. Como vem sendo unanimemente entendido pela jurisprudência, a omissão de pronúncia significa ausência de decisão sobre questões que a lei impõe sejam conhecidas, que abrange quer as questões de conhecimento oficioso, quer as questões colocadas à apreciação do tribunal pelos sujeitos processuais.
U. A omissão de pronúncia geradora de nulidade é apenas aquela que não trata da questão colocada e não também a que não responde a cada um dos motivos, argumentos, usados pelo interveniente. Porém, neste caso, efetivamente o tribunal pronunciou-se sobre a questão colocada – existência de conflito de interesses e de deliberação abusiva baseada nos factos alegados pela Recorrente (no mesmo sentido, veja-se Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 03-10-2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 - 1.ª Secção Alexandre Reis (Relator):
V. Face ao exposto, e ao contrário do que sustenta a Recorrente, inexiste qualquer omissão de pronúncia por banda do Tribunal a quo, tendo-se o mesmo pronunciado sobre todas as questões que lhe foram colocadas, mormente sobre os artigos 14.º, 15.º, 50.º e 51.º do RI.
Do alegado (e falso) vício de nulidade da deliberação por ter sido tomada por quem não tinha poderes para o efeito – a caducidade do mandato do Fiscal Único
W. Vem a Recorrente sustentar que, ao contrário do decidido na Douta sentença ora recorrida, o referido JQ, na qualidade de pretenso “Fiscal Único” nos autos em causa já tinha, aquela data, cessado as suas funções, dado que só havia sido eleito para o Triénio 2015/2017.
X. Não tem, mais uma vez, a Recorrente razão no que alega. Desde logo, quanto ao argumento da ilegalidade da deliberação social de 01.07.2020, por falta de competência do fiscal único decorrente da cessação do seu mandato em 31.12.2017, este assenta numa incorreta compreensão por parte da Recorrente do direito aplicável às cessações de funções dos órgãos societários, nomeadamente no tocante ao órgão de fiscalização.
Y. O fiscal único da Recorrida, AB – S.R.O.C., foi eleito para o triénio 2015/2017, assim como o suplente do fiscal único, HD, S.R.O.C. Não houve nova nomeação nem do fiscal único nem do suplente do fiscal único para o mandato seguinte ao do triénio de 2015/2017.
Z. A estranha teoria da Recorrente não tem qualquer fundamento jurídico racional, nem qualquer acolhimento na lei, na doutrina ou na jurisprudência, uma vez que todos os titulares de funções de fiscalização são designados, originariamente, com um mandato de idêntica duração.
AA. Consagra o artigo 415.º, n.º 3, do CSC que “[o]s membros efectivos do conselho fiscal que se encontrem temporariamente impedidos ou cujas funções tenham cessado são substituídos pelos suplentes, mas o suplente que seja revisor oficial de contas substitui o membro efectivo que tenha a mesma qualificação.”
BB. Ambas as nomeações, do fiscal único e do seu suplente, são para o mesmo período, ficando a substituição pelo suplente temporalmente limitada ao período que mediar até ao termo do mandato do substituído.
CC. Ao que acresce que, se findo o mandato do fiscal único e do seu suplente não são nomeados novos membros dos órgãos de fiscalização de uma sociedade, mantêm-se ambos em funções até nova designação.
DD. Lembre-se, o que dispõe o 391.º, n.º 4, do CSC: “Embora designados por prazo certo, os administradores mantêm-se em funções até nova designação, sem prejuízo do disposto nos artigos 394.º, 403.º e 404” (destaques e sublinhados nossos).
EE. Ainda que este artigo 391.º, n.º 4, do CSC seja diretamente aplicável aos administradores, a título de interpretação declarativa, a doutrina e jurisprudência especializadas são bastante consensuais quanto à perfeita adequação de uma extensão teleológica daquela norma, no sentido de se afirmar que o fiscal único se mantém em funções nos mesmos termos em que se mantêm os membros do conselho de administração, após o final do seu mandato (nesse sentido, veja-se, para além da doutrina citada, o Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa (Rel. Urbano Dias), em acórdão de 05.08.2003, proferido no processo n.º 2587/2003-6,
FF. Destarte, no tocante ao caso dos presentes autos, sempre dispunha JQ de todos os poderes legais necessários para proceder à nomeação de ATC como administradora única da Recorrida, o que efetivamente sucedeu, pelo que sempre seria absolutamente improcedente o argumento de que é ilegal, e, por isso, nula a deliberação social em causa nos presentes autos.
Do alegado (e falso) conflito de interesses e da alegada (e falsa) ausência de independência do Fiscal Único
GG. Quanto à alegada situação de conflito de interesses, na qual a Recorrente entende que o fiscal único se encontrava por ter assumido este a posição de requerido no procedimento cautelar sob o n.º 11269/20.4T8LSB, ela é puramente ficcionada.
HH. Ainda que o representante do fiscal único tenha sido um dos requeridos no procedimento cautelar acima mencionado, não se vislumbra qualquer situação de conflito de interesses entre os interesses da ora Recorrida e os de ATC, requerente nos autos acima identificados, quando é esta acionista (com 2.329 ações) e, simultaneamente, cabeça-de-casal da herança com 6.670 ações, num total de 10.000 ações.
II. Tal é ainda o que consta do artigo 71.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (“EOROC”) e, também, no número 11 do artigo 71.º, do EOROC. Ora, não existindo qualquer interesse financeiro próprio ou conflito de interesses pessoais no sentido que lhe é dado pelo artigo 71.º, n.º 11, do EOROC, o facto de o representante do fiscal único ter sido contraparte num procedimento cautelar em que era requerente ATC não impede a nomeação desta como administradora por parte do fiscal único.
JJ. JQ apenas foi requerido naquele procedimento cautelar uma vez que se recusou prestar informações à então requerente ATC, com fundamento no seu desconhecimento sobre os titulares do capital social.
KK. A Recorrente insiste que, na sentença prolatada no procedimento cautelar com o n.º 11269/20.4T8LSB, “em momento algum ali é ordenado a JQ que proceda à nomeação de quem quer que seja para exercer a administração da sociedade” (cf. ponto 46.º do Requerimento).
LL. Mas, ainda que tal não esteja diretamente incluído no dispositivo, bastando-se o Tribunal com a injunção de que sejam reconhecidos a ATC o direito de exercer todos os direitos sociais referentes às suas participações sociais na ora Recorrida, a sentença também dispõe que:
Sucede que, actualmente a Requerida G SGPS, S.A. não tem nenhum administrador em funções. À primeira vista, a questão da alienação das participações sociais nem se colocaria por inexistência de quem represente e vincule a sociedade.
Contudo, em caso de falta definitiva de administrador, o artigo 393.º, n.º 3, alínea c) do Código das Sociedades Comerciais permite ao fiscal único substituir o Administrador (sendo que no caso vertente inexistem suplentes, nem é possível a cooptação de administradores). Ora, ficou indiciariamente provado que o fiscal único, o Requerido JQ, se recusou a colaborar com a Requerente e a prestar informações sobre a sociedade.
(…)
Por outras palavras, apenas após a entrega das acções, a Requerente pode desencadear os procedimentos tendentes à regularização da administração da sociedade. No ínterim, é possível não só que o Fiscal Único nomeie um administrador, mas também que as participações sociais possam ser transmitidas por quem detenha os respectivos títulos, caso estes se mantenham igualmente como ao portador”.
MM. Diz, por fim, a ora Recorrente que a deliberação de nomeação de ATC como administradora única foi tomada “à revelia do que sabia ser a decisão da Requerente relativamente à escolha da administração”, porém, adecisão da ora Recorrente relativamente à escolha da administração é perfeitamente irrelevante para Recorrida.
NN. O fiscal único da Recorrida limitou-se a cumprir o disposto no artigo 393.º, n.º 2, alínea c), e 423.º-A do CSC e a nomear como administradora quem sabia, atendendo à decisão do Tribunal naqueloutro procedimento cautelar, que os verdadeiros acionistas nomeariam, sem necessidade de recurso a uma assembleia geral.
OO. Assim sendo, também nunca procederia o argumento de conflito de interesses ou atuação manifestamente abusiva que a Recorrente imputa ao fiscal único, não estando ferida de qualquer nulidade ou anulabilidade a deliberação em causa nos presentes autos.
Da inutilidade superveniente da lide
PP. Ainda que não se entenda que o Requerimento Inicial não deva proceder com fundamento na ilegitimidade ativa da Recorrente – o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio –, sempre seria a presente lide supervenientemente inútil, devendo extinguir-se a instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC.
QQ. A Recorrente pretende ver suspensa a deliberação do fiscal único que nomeou ATC como administradora única da Recorrida, invocando a falta de competência do fiscal único para tal nomeação e considerando, ainda, que aquele atuou de forma manifestamente abusiva por se encontrar em conflito de interesses.
RR. No dia 17.08.2020, foi realizada assembleia geral da Recorrida, na qual a administradora única ATC foi nomeada pelos acionistas (cf. ata de 17.08.2020 que se juntou como Doc. n.º 9 da oposição), que ratificaram a sua escolha até final do mandato em curso.
SS. A nomeação como administradora única de ATC pelo fiscal único ocorrida em 01.07.2020, através da deliberação social ora em causa, apenas serviu por um curto período, o estritamente necessário para respeitar o prazo para a convocatória da Assembleia Geral realizada no referido dia 17.08.2020.
TT. Assim sendo, no momento presente está completamente ultrapassada a relevância da nomeação operada pelo fiscal único, a qual é inócua, sendo igualmente destituída de sentido útil a discussão sobre a sua validade, por tal nomeação ter, entretanto, sido ratificada pelos acionistas em Assembleia Geral realizada no dia 17.08.2020.
UU. A ratificação da nomeação de ATC como administradora única da Recorrida, pelos acionistas em assembleia geral, foi já sujeita a registo comercial.
VV. Como dispõe o artigo 277.º, alínea e), do CPC, “a instância extingue-se com […] a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”. Encontrando-se ratificada a deliberação do fiscal único de 01.07.2020, em conformidade com o artigo 393.º, n.º 4, do CSC, deixa de ter utilidade o presente procedimento cautelar, devendo a instância ser julgada extinta
WW. Termos em que deve a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido ser mantida, negando-se provimento ao recurso interposto pela Recorrente, pois só assim se fará justiça..”
O recurso foi admitido por despacho de 06/06/2021 (ref.ª 406069682), no qual se fez constar:
“Venerandos Senhores Juízes Desembargadores,
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se vislumbra que a decisão recorrida padeça das nulidades invocadas.
Entende-se que a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade, nada havendo, portanto, a suprir (artigo 617º nº 1 do Código de Processo Civil).
Vossas Excelências, porém, com mais elevado critério, farão a habitual Justiça.”
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
*
2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes, por ordem de conhecimento, as questões a decidir:
- como questão prévia, a admissibilidade do documento junto pela requerida com as suas alegações;
- nulidade da sentença;
- aferição de se se encontram reunidos os requisitos para a suspensão da deliberação social de nomeação de administradora única à requerida.
*
3. Fundamentos de facto
Foi proferida, em 1ª instância, a seguinte decisão relativa à matéria de facto:
“A. Factos Indiciariamente Provados
1) A Requerida é uma sociedade anónima que tem por objeto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas – cfr. certidão permanente da Requerida junta aos autos a 10-02-2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) A Requerida tem um capital social de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), repartido por 10.000 (dez mil) ações com o valor nominal de € 5,00 (cinco euros) cada, registadas com natureza nominativa ou ao portador – cfr. certidão permanente da Requerida junta aos autos a 10-02-2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) A administração da sociedade foi exercida por TTC, seu Administrador Único, até 02-11-2019, data em que esta veio a falecer, no estado de casado com ATC – cfr. certidão permanente da Requerida junta aos autos a 10-02-2021 e certidão do assento de óbito junto como documento n.º 2 do requerimento inicial.
4) Após a morte do Administrador TTC não foi de imediato nomeada uma nova administração para a sociedade.
5) No dia 01.07.2020, a sociedade AB – S.R.O.C., representada por JQ, arrogando-se a qualidade de Fiscal Único da Requerida, procedeu à nomeação de ATC como Administradora Única da Requerida, conforme “Decisão do Fiscal Único da Sociedade G – SGPS, S.A.”, do seguinte teor:
“AB – SOCIEDADE DE REVISORES OFICIAIS DE CONTAS, com sede na Rua …, n.º …, 1.º, sala 1, Porto, sociedade civil sob a forma comercial, inscrita na lista da Ordem de Revisores Oficiais de Contas, sob o n.º XX, pessoa coletiva n.º xxx xxx xxx, neste ato devidamente representada pelo Revisor Oficial de Contas JQ, com domicílio profissional na mesma morada, com o número de identificação fiscal xxx xxx xxx, na qualidade de Fiscal Único da G – SGPS, S.A., sociedade anónima com sede na Rua …., n.º …, 1.º, Lisboa, matriculada junto da Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva xxx xxx xxx, com o capital social de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) (“Sociedade”), no seguimento da sentença proferida pelo Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no passado dia 21 de junho de 2020, em sede de procedimento cautelar (Processo n.º 1169/20.4T8LSB), e atendendo a que por morte do anterior Administrador Único, Dr. TTC, ocorrida em 2 de novembro de 2019, a Sociedade deixou de ter quem a administrasse, não havendo tão pouco presidente da mesa da Assembleia Geral designado, à presente data, DECIDIU, nos termos do disposto no artigo 393.º, n.º 3, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais, o seguinte:
Com efeitos a partir da presente data, designar como Administradora Única da Sociedade ATC, viúva, residente em Rue …, …, Suíça, com domicílio em Portugal na Rua …, … Lisboa – Portugal, titular do Cartão de Cidadão com o n.º xxxxx, válido até ../../.., com o número de identificação fiscal xxx xxx xxx, para exercer o cargo até ao final do mandato em curso (2018-2020).
Porto, 1 de julho de 2020
O Fiscal Único
“AB – SROC”
Representada por:
(assinatura manuscrita)_______________________
JC – ROC n.º xxx”
– cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial (ainda que no articulado a numeração dos documentos seja diversa, atendeu-se à numeração constante do formulário Citius), aqui integralmente reproduzido.
6) A Requerida não tem Conselho Fiscal constituído - cfr. certidão permanente da Requerida junta aos autos a 10-02-2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7) A sociedade AB – S.R.O.C. foi nomeada para o cargo de Fiscal Único para o triénio de 2015/2017, conforme consta da Ap. 6 e 7/20150701, tendo sido nomeada como suplente do Fiscal Único a sociedade HD, SROC, para o mesmo mandato, não tendo havido nova nomeação para tais cargos para o mandato seguinte ao do triénio de 2015/2017 – cfr. certidão permanente da Requerida junta aos autos a 10-02-2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8) A 01-06-2020, ATC instaurou procedimento cautelar a que foi atribuído o n.º 11269/20.4 T8LSB, distribuído ao Juiz 3 do Tribunal do Comércio de Lisboa, contra:
i. RTC
ii. G – SGPS, S.A.
iii. GL, S.A.
iv. IPG, S.A.
v. CP, S.A., e
vi. JQ.
9) No âmbito do procedimento identificado em 8), peticionou a requerente ATC que o tribunal decretasse a providência e:
i. intime o 1.º e o 6.º Requeridos para que entreguem à Requerente os títulos representativos do capital social da 2.ª Requerida das ações que pertencem à Requerente, bem como, os Títulos pertencentes a TTC na 2.ª Requerida, ou que informe sobre se os mesmos foram emitidos;
ii. reconheça à Requerente o direito de exercer todos os direitos sociais e económicos referentes às suas participações sociais na 2.ª Requerida, independentemente da situação formal dos respetivos títulos;
iii. reconheça à Requerente o direito de exercer todos os direitos sociais e económicos referentes às participações sociais da herança de TTC na 2.ª Requerida, independentemente da situação formal dos respetivos títulos;
iv. ordene a manutenção da posse das ações que a Requerente e de TTC detêm na 2.ª Requerida com a Requerente até à decisão definitiva;
v. ordene que a 2ª Requerida, bem como as sociedades 3.ª a 5.ª Requeridas, por aquela maioritariamente detidas, fiquem proibidas de praticar quaisquer atos de disposição quer das ações representativas do seu capital, quer dos bens imóveis que detêm ou de administração não-corrente, enquanto não forem eleitos novos órgãos sociais e cumpridas as obrigações de conversão das ações e registo de beneficiário efetivo da 2.ª Requerida;
vi. ordene que o 1.º Requerido seja impedido de realizar quaisquer atos de disposição e de venda de bens imóveis que se encontrem registados em nome das participadas da 2.ª Requerida.
10) Com dispensa do contraditório prévio dos Requeridos, o tribunal procedeu à produção da prova indicada pela Requerente no âmbito do aludido procedimento cautelar e proferiu decisão datada de 21-06-2020, cujo dispositivo é do seguinte teor:
“(…) julga-se o presente procedimento cautelar parcialmente procedente e em consequência determina-se que:
a) O Requerido RTC entregue à Requerente os títulos representativos do capital social da Requerida G – SGPS, S.A. das 2.329 ações que pertencem à Requerente, bem como, os títulos das 6.670 pertencentes à Herança aberta por óbito de TTC;
b) Os Requeridos RTC, G – SGPS, S.A. e JQ reconheçam à Requerente o direito de exercer todos os direitos sociais e económicos referentes às suas participações sociais na Requerida G – SGPS, S.A., independentemente da situação formal dos respetivos títulos;
c) Os Requeridos RTC, G – SGPS, S.A. e JQ reconheçam à Requerente o direito de exercer todos os direitos sociais e económicos referentes às participações sociais da herança de TTC na Requerida G – SGPS, S.A., independentemente da situação formal dos respetivos títulos;
d) as ações referidas em a) se mantenham na posse da Requerente até à prolação de decisão na ação principal ou até à revogação da presente providência;
e) a Requerida G – SGPS, S.A. se abstenha de praticar quaisquer atos de disposição das ações representativas do capital das Requeridas GL, S.A., IPG, S.A. e CP, S.A. até à eleição do Conselho de Administração ou do Administrador Único da Requerida G – SGPS, S.A.;
f) as Requeridas GL, S.A. e CP, S.A. se abstenham de praticar quaisquer atos de disposição bens imóveis que detêm até à eleição do Conselho de Administração ou do Administrador Único da Requerida G – SGPS, S.A.;
g) que o Requerido RTC se abstenha de realizar quaisquer atos de disposição e de venda de bens imóveis que se encontrem registados em nome das participadas da Requerida G – SGPS, S.A. até à eleição do Conselho de Administração ou do Administrador Único da Requerida G – SGPS, S.A.;
h) No demais absolvem-se os Requeridos do pedido.”
11) Notificados os requeridos para darem cumprimento à providência decretada e nos termos e para os efeitos previstos no artigo 372.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, veio o requerido RTC deduzir oposição, na sequência do que teve lugar a audiência de julgamento e, a 08-11-2020, proferido despacho final que julgou improcedente a aludida oposição e, em consequência, manteve a decisão que determina que:
a) o Requerido RTC entregue à Requerente os títulos representativos do capital social da Requerida G – SGPS, S.A. das 2.329 ações que pertencem à Requerente, bem como, os títulos das 6.670 pertencentes à Herança aberta por óbito de TTC;
b) Os Requeridos RTC, G – SGPS, S.A. e JQ reconheçam à Requerente o direito de exercer todos os direitos sociais e económicos referentes às suas participações sociais na Requerida G – SGPS, S.A., independentemente da situação formal dos respetivos títulos;
c) Os Requeridos RTC, G – SGPS, S.A. e JQ reconheçam à Requerente o direito de exercer todos os direitos sociais e económicos referentes às participações sociais da herança de TTC na Requerida G – SGPS, S.A., independentemente da situação formal dos respetivos títulos;
d) as acções referidas em a) se mantenham na posse da Requerente até à prolação de decisão na ação principal ou até à revogação da presente providência;
e) a Requerida G – SGPS, S.A. se abstenha de praticar quaisquer atos de disposição das ações representativas do capital das Requeridas GL, S.A., IPC, S.A. e CP, S.A. até que a nomeação do Conselho de Administração ou do Administrador Único da Requerida G – SGPS, S.A. se mostre definitiva, i.e. que sejam decididos (com trânsito em julgado) os procedimentos cautelares e ações de impugnação das deliberações de nomeação ou até à decisão na ação principal;
f) as Requeridas GL, S.A. e CP, S.A. se abstenham de praticar quaisquer atos de disposição bens imóveis que detêm até que a nomeação do Conselho de Administração ou do Administrador Único da Requerida G – SGPS, S.A. se mostre definitiva, i.e. que sejam decididos (com trânsito em julgado) os procedimentos cautelares e ações de impugnação das deliberações de nomeação ou até à decisão na ação principal;
g) que o Requerido RTC se abstenha de realizar quaisquer atos de disposição e de venda de bens imóveis que se encontrem registados em nome das participadas da Requerida G – SGPS, S.A. até que a nomeação do Conselho de Administração ou do Administrador Único da Requerida G – SGPS, S.A. se mostre definitiva, i.e. que sejam decididos (com trânsito em julgado) os procedimentos cautelares e ações de impugnação das deliberações de nomeação ou até à decisão na ação principal.
12) Interposto recurso de apelação desta decisão, foi o mesmo admitido com efeito meramente devolutivo, tendo os autos subido ao Tribunal da Relação de Lisboa a 21-01-2021.
13) A 21-09-2020, P LIMITED instaurou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra G – SGPS, S.A., peticionando a suspensão das seguintes deliberações sociais da Requerida tomadas em Assembleia Geral de 17-08-2020:
i. designação como fiscal único efetivo da sociedade o Senhor AB – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, representado pelo senhor JQ, e como fiscal único suplente o Sr. Dr. Alberto Gaspar Soares, até ao final do corrente mandato (2018/2020);
ii. ratificação da designação feita por decisão do Fiscal Único de 01.07.2020 de Senhora ATC como Administradora Única para o mandato corrente correspondente ao triénio 2018/2020, com dispensa de caução e sem remuneração;
iii. designação como membros da mesa da assembleia geral para o corrente mandato (2018/2020), como Presidente: MM; como Secretário: RG.
14) Este procedimento cautelar foi apensado a 15-03-2021 à Ação de Anulação de Deliberações Sociais que corre termos no Juiz 2 do Tribunal do Comércio de Lisboa, sob o número 20.989/20.2 T8LSB, ainda não tendo sido proferida decisão.
15) O escrito denominado “Ata Avulsa da Assembleia Geral G – SGPS, S.A.” tem o seguinte teor:
“No dia 17 do mês de agosto de 2020, pelas 11 horas, reuniu na Rua …, … Lisboa, a Assembleia Geral da G – SGPS, S.A., sociedade anónima com sede Rua .., n.º … Lisboa, …, com o capital social de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), e registada junto da Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva XXX XXX XXX (a “Sociedade”).
A assembleia foi convocada para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto Um: Ratificar a designação da Administradora Única da G – SGPS, S.A., efetuada ao abrigo do disposto no artigo 393.º, n.º 3, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais.
Ponto Dois: Designar os membros da Mesa da Assembleia Geral, para exercerem o cargo até final do corrente mandato.
Ponto Três: Reconduzir o Fiscal Único (efetivo) e o suplente do Fiscal Único até ao final do corrente mandato.
Presidiu à reunião o Senhor Dr. JQ, representante do Fiscal Único (efetivo) da Sociedade que convocara a presente reunião.
Encontrava-se presente a administradora única, Senhora Dra. ATC.
O Presidente em funções verificou estarem presentes ou devidamente representados acionistas detentores de 95% do capital social, conforme lista de presenças e cartas de representação que serão arquivadas na Sociedade com referência a esta ata, tendo a lista de presenças sido elaborada tendo presente a decisão do tribunal no procedimento cautelar instaurado contra a sociedade e outros, no Proc. N.º 11269/20.4 T8LSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juiz de Comércio de Lisboa – Juiz 3, quanto ao exercício dos direitos sociais relativos a 89,99% das ações da sociedade pela Senhora Dra. ATC e pela Herança do Dr. TTC que lhes é reconhecida independentemente da situação formal dos títulos e, quanto a MTC e MHG como um dos acionistas fundadores da sociedade. Disse ainda que a assembleia tinha sido convocada para local diverso da sede social face à impossibilidade de se aceder à mesma, e que fora convocada por aviso publicado no Portal do Ministério da Justiça (http://publicacoes.mj.pt), no dia 15 de julho de 2020 quanto aos dois primeiros pontos da agenda e, quanto ao ponto terceiro, que havia sido incluído na agenda a pedido da acionista Senhora Dra. ATC, nos termos do artigo 378.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, fora publicado anúncio, no mesmo portal, no passado dia 31 de julho.
O Presidente em funções declarou assim aberta a sessão, convidando a Sra. Dra. IF, que se encontrava presente, para o secretariar.
Disse então que se mantinha no cargo desse o anterior mandato para que fora eleito e que, desde a morte do administrador único da sociedade, passar a ser o único membro dos órgãos sociais em funções. Disse ainda que, nessa qualidade e na sequência e dado o conteúdo da decisão do Tribunal a que se alude acima, havia designado a titular reconhecida dos direitos relativos a 89,99%, como administradora única da sociedade o que fizera ao abrigo do disposto no artigo 393.º, n.º 3, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais, decisão que carece de ratificação nos termos da lei, pela Assembleia Geral da sociedade.
Antes de entrar na ordem de trabalhos foi proposto pela acionista Senhora dra. ATC, e aprovado por unanimidade, alterar a ordem de trabalhos sendo discutido em primeiro lugar o ponto três da agenda, tendo sido então lida a seguinte proposta subscrita pela mesma acionista, com o seguinte teor:
“Reconduzir o Fiscal Único (efetivo) da sociedade, AB – SOCIEDADE DE REVISORES OFICIAIS DE CONTAS, representado pelo Senhor Dr. JQ, e não reconduzir o anterior suplente do Fiscal, designando em sua substituição, o Senhor Dr. MS, casado, com domicílio profissional na Rua … Lisboa, titular do Cartão de Cidadão n.º xxxxxx, válido até ../…/…, com número de identificação fiscal xxx xxx xxx e inscrito na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas sob o n.º xxx, ambos para o corrente mandato, correspondente ao triénio 2018/2020”.
Ninguém querendo usar da palavra a proposta foi colocada à votação e a proposta aprovada por unanimidade e assim deliberado designar como Fiscal Único (efetivo) da sociedade, AB – SOCIEDADE DE REVISORES OFICIAIS DE CONTAS, representado pelo Sr. Dr. JQ, e como fiscal único suplente o Senhor Dr. JQ, casado, ambos até final do corrente mandato.
Discutiu-se de seguida o ponto a que na agenda tinha o número um da ordem de trabalhos, tendo o presidente em funções apresentado a proposta subscrita pela representante da herança do Dr. TTC, com o seguinte teor:
“Aprovar a ratificação da designação, mediante decisão do Fiscal Único (efetivo), em 1 de julho de 2020, nos termos do artigo 393.º, n.º 3, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais, da Senhora Dra. ATC enquanto Administradora Única para o mandato corrente, correspondente ao triénio 2018/2020, e deliberar para que exerça o cargo com dispensa de caução e sem auferir remuneração.”
Não havendo quem quisesse fazer uso da palavram foi a proposta submetida a votação e aprovada por unanimidade a designação da Senhora Dra. ATC como Administradora Única da sociedade até final do mandato em curso, com dispensa de caução e sem auferir remuneração.
De seguida, entrou-se na discussão do ponto que tinha o número dois da ordem de trabalhos, o presidente em funções leu a proposta subscrita pela acionista Senhora Sra. ATC, com o seguinte teor:
“Designar como membros da Mesa da Assembleia Geral, para o corrente mandato, correspondente ao triénio 2018/2020:
Presidente: MM, residente na Travessa … Lisboa, titular do Cartão de Cidadão n.º xxxxx, válido até ../../.., e com o número de identificação fiscal xxx xxx xxx; e
Secretário: RG, residente na Rua … Lisboa, titular do Cartão de Cidadão n.º xxxxxxx, válido até ../../.., e com o número de identificação fiscal xxx xxx xxx.”
Colocada a votação foi também esta proposta aprovada por unanimidade e designados os indicados Presidente e Secretário da mesa até final do mandato em curso.
Concluída a Ordem de Trabalhos, e não pretendendo nenhum dos presentes usar da palavra, o Senhor Dr. JQ, presidente em funções na presente Assembleia, agradeceu a colaboração dos presentes e deu a sessão por encerrada, pelas 11:30 horas, tendo sido lavrada a presente ata avulsa, que vai assinada e pela secretária da reunião, e que será oportunamente transcrita no livro de atas da Sociedade, nos termos do número 4 do artigo 63.º do Código das Sociedades Comerciais.”
- cfr. documento n.º 9 junto com a oposição, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.”
*
4. Questão prévia: admissibilidade da junção de documentos requerida pela apelada com a resposta ao recurso
A recorrida juntou, com as suas alegações de recurso acórdão proferido no dia 23/03/2021, por este Tribunal e secção no processo 11269/20.4 T8LSB, referido nos nºs 8 a 12 da matéria de facto indiciariamente apurada, no qua se decidiu “Por todo o exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso interposto e, em consequência, confirma-se a Sentença Recorrida.”
Estabelece o artigo 651.º do CPC, sob a epígrafe “Junção de documento e de pareceres:
«1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2. As parte podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.»
A jurisprudência e a doutrina, de forma unânime, consideram que a junção de documentos em fase de recurso é de natureza excecional e ocorre mediante a alegação e demonstração de um de dois tipos de situações:
- a impossibilidade, objetiva ou subjetiva, de junção anterior, reportada ao momento temporal que se situa depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, nos termos do art. 425º do CPC;
- quando a junção apenas se mostre necessária em virtude do julgamento proferido[1].
Na sua materialidade, o documento cuja junção se requer não se analisa em parecer de jurisconsulto, pelo que o nº2 do preceito não é aplicável.
Trata-se de decisão de segunda instância proferida em procedimento cautelar conexo, ao qual foi dado relevo nestes autos (pela requerente que o identificou como parte da sua alegação de ilegalidade de determinada deliberação por abuso de direito, pela requerida, que se defendeu de tal alegação, e pelo tribunal que extratou como factos os momento relevantes conhecidos do mesmo), e cuja decisão foi proferida seis dias antes da decisão final sob recurso nestes autos.
Trata-se, assim, de documento objetivamente posterior à fase dos articulados e cuja junção – num juízo de experiência do tribunal, pelo conhecimento que detém do processado da baixa dos recursos – anterior à prolação da decisão proferida não seria possível.
É, assim, de admitir a requerida junção, nos termos do disposto nos arts. 651º nº1 e 425º do CPC, aditando-se, em consequência, à matéria de facto indiciariamente provada como facto nº 12-A, nos termos dos arts. 662º nº1, 663º nº 2 e 607º nº 3, do CPC, o seguinte facto processual:
12-A – Tal recurso foi julgado integralmente improcedente por acórdão de 23/03/2021.
*
5. Fundamentos do recurso
5.1. Nulidade da sentença
A recorrente alega ter sido violado o disposto no nº1 do artigo 615.º do Código de processo Civil.
Dispõe o n.º 1 do art. 615º do CPC:
«1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.»
O art. 615º do CPC prevê o elenco taxativo de nulidades que podem afetar a sentença.
Como é uniformemente prevenido pela doutrina e jurisprudência, importa sempre distinguir as nulidades de processo e as nulidades de julgamento, sendo que o regime deste preceito apenas se aplica às primeiras.
Argumenta a recorrente ter sido cometida a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do art. 615º, nos seguintes termos:
- na parte em que é conhecido o vício da deliberação respeitante ao conflito de interesses entre o fiscal único e a sociedade requerida, dado que o tribunal se limitou a aderir aos fundamentos alegados pela requerida na oposição, desconsiderando os argumentos da requerente/apelante, não se descortinando quais as razões em que o tribunal funda a sua convicção ou que factos alegados pela recorrida terão levado o tribunal a tal conclusão, o que, conjugado com o nº2 do art. 154º do CPC, consubstancia nulidade por falta de fundamentação;
- na parte em que é conhecida a inutilidade superveniente da lide, na medida em que o tribunal se limita a afirmar que estão verificados os pressupostos do art. 277º, al. e) do CPC, não sendo alcançáveis as razões de tal conclusão;
Argumenta ainda, noutro ponto das suas alegações, ter sido cometida a nulidade por omissão de pronúncia, que corresponderá à nulidade prevista na al. d) do mesmo nº1 do art. 615º do CPC por não terem sido conhecidos todos os fundamentos alegados pela requerente quanto à deliberação abusiva, já que conheceu da matéria relativa ao conflito de interesses, mas não dos demais factos alegados para o efeito, nos nºs 14, 15, 50 e 51 do requerimento inicial, que careciam de prova;
A requerida e ora apelada respondeu defendendo não ter sido cometida nenhuma das nulidades por falta de fundamentação apontadas, estando a sentença em causa devidamente fundamentada de facto e de direito e que a fundamentação aduzida não constitui uma mera adesão aos fundamentos da Recorrida, antes uma concordância com tais fundamentos, o que não está vedado ao Tribunal. Defende que a mera circunstância de o Tribunal, na sua fundamentação de direito, referir que os seus fundamentos vão ao encontro dos invocados pela Recorrida não constitui uma adesão aos fundamentos da Recorrida, pois o Tribunal justifica, a cada passo porque decidiu como decidiu, por meio de reflexão própria.
Quanto à nulidade por omissão de pronúncia refere que o tribunal se pronunciou sobre tal factualidade, transcrevendo, e alega que ainda que assim se não considerasse, a omissão de pronúncia geradora de nulidade é apenas aquela que não trata da questão colocada e não também a que não responde a cada um dos motivos, argumentos, usados pelo interveniente, citando jurisprudência nesse sentido.
Apreciando:
Quanto à previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC relativa à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, importa ter em conta que a elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art. 607º do CPC.
O nº 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, acrescentando o nº 4 a exigência de análise crítica das provas.
Esta obrigação de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão reflete o dever de fundamentação das decisões imposto pelo nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa (nos termos do qual «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei»), também regulamentado no art. 154º do CPC.
O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece:
“1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, o que lhes permitirá avaliar a mesma e ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade de esclarecimento das partes e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível dependerá tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros[2], a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
Tem vindo também a ser entendido de forma pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da sentença, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva - neste sentido, entre muitos outros, os Acs.[3] STJ de 10/05/2021 (Henrique Araújo), 06/07/2017 (Nunes Ribeiro), de 10/07/2008 (Sebastião Póvoas) e os Acs. TRL de 11/03/2021 (Inês Moura) e de 05/11/2020 (Carlos Castelo Branco)[4].  
A fundamentação da sentença deve ser de facto e de direito: com a indicação dos factos provados e não provados e com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim poderá ser compreensível pelos destinatários.
Assim, além da total ausência ou inexistência de fundamentação, esta nulidade ocorre também se a referida fundamentação, pela sua formulação não permite apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção, não sendo possível aferir as razões que levaram a decidir de um determinado modo, colocando em crise a construção do silogismo judiciário (e não o erro de julgamento, que leva à alteração ou revogação e não à nulidade).
O tribunal recorrido entendeu não se verificar a causa de anulabilidade invocada pela aqui recorrente nos termos da al. b) do nº1 do art. 58º do CSC, nos seguintes termos:
“Por outro lado, importa considerar que também não merece acolhimento o entendimento da autora no sentido de a decisão ora impugnada ser anulável por manifestamente abusiva, por entender que o fiscal único, ou melhor o representante do fiscal único, atuou em situação de conflito de interesses (entre os interesses da sociedade Requerida e os interesses de ATC) por ser requerido no processo melhor identificado na factualidade provada que corre termos sob o n.º 11.269/20.4 T8LSB, e com manifesto abuso por ter atuado à revelia do que sabia ser a decisão da Requerente relativamente à escolha da administração que iria ser levada a cabo na assembleia geral de aprovação de contas que estava a ser organizada e se realizaria no prazo que, para 2020, e por força da situação de pandemia mundial de Covid-19 havia sido prorrogado para 30.06.2020.
Conforme também alegado pela Requerida na sua oposição, em posição que aqui se reproduz por merecer integral acolhimento:
«(…) atente-se no artigo 71.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (“EOROC”): “Os revisores oficiais de contas e as sociedades de revisores oficiais de contas tomam todas as medidas adequadas para garantir que, no exercício das suas funções, a sua independência não é afetada por conflitos de interesses existentes ou potenciais nem por relações comerciais ou outras relações diretas ou indiretas que os envolvam e, se aplicável, que envolvam a sua rede, os seus gestores, auditores, empregados, qualquer outra pessoa singular cujos serviços estejam à disposição ou sob o controlo do revisor oficial de contas ou da sociedades de revisores oficiais de contas ou qualquer pessoa ligada direta ou indiretamente ao revisor oficial de contas ou às sociedades de revisores oficiais de contas por uma relação de domínio”. E, também, no número 11 do artigo 71.º, do EOROC, que determina entender-se existir “«Risco de Interesse Pessoal» , quando a independência do revisor oficial de contas ou da sociedade de revisores oficiais de contas possa ser ameaçada por um interesse financeiro próprio ou por um conflito de interesses pessoais de outra natureza, designadamente, em virtude de uma participação financeira direta ou indireta no cliente ou de uma dependência excessiva dos honorários a pagar pelo cliente pela revisão legal das contas ou por outros serviços”. Não existindo qualquer interesse financeiro próprio ou conflito de interesses pessoais no sentido que lhe é dado pelo artigo 71.º, n.º 11, do EOROC, o facto de o representante do fiscal único ter sido contraparte num procedimento cautelar em que era requerente ATC não impede a nomeação desta como administradora por parte do fiscal único, não se vislumbrando em tal ato de nomeação qualquer conflito de interesses. (…) A Requerente insiste que, na sentença prolatada no procedimento cautelar com o n.º 11269/20.4T8LSB, “em momento algum ali é ordenado a JQ que proceda à nomeação de quem quer que seja para exercer a administração da sociedade”. Mas, ainda que tal não esteja diretamente incluído no dispositivo, bastando-se o Tribunal com a injunção de que sejam reconhecidos a ATC o direito de exercer todos os direitos sociais referentes às suas participações sociais na ora Requerida, a sentença também dispõe que: “Sucede que, atualmente a Requerida G SGPS, S.A. não tem nenhum administrador em funções. À primeira vista, a questão da alienação das participações sociais nem se colocaria por inexistência de quem represente e vincule a sociedade. Contudo, em caso de falta definitiva de administrador, o artigo 393.º, n.º 3, alínea c) do Código das Sociedades Comerciais permite ao fiscal único substituir o Administrador (sendo que no caso vertente inexistem suplentes, nem é possível a cooptação de administradores). Ora, ficou indiciariamente provado que o fiscal único, o Requerido JQ, se recusou a colaborar com a Requerente e a prestar informações sobre a sociedade. É certo que, perante a falta definitiva do Administrador Único, o que os acionistas devem fazer é nomear um novo Conselho de Administração ou um Administrador Único. Todavia tal pressupõe a realização de uma assembleia geral, para o que a Requerente necessita de comprovar a titularidade das ações. Acresce que, não se encontrando nomeado os membros da mesa da assembleia geral, será o fiscal quem terá competência para a respetiva convocação artigos 374.º e 377.º do Código das Sociedades Comerciais. Por outras palavras, apenas após a entrega das ações, a Requerente pode desencadear os procedimentos tendentes à regularização da administração da sociedade. No ínterim, é possível não só que o Fiscal Único nomeie um administrador, mas também que as participações sociais possam ser transmitidas por quem detenha os respetivos títulos, caso estes se mantenham igualmente como ao portador”.
Conclui-se, pois, que o fiscal único da Requerida limitou-se a cumprir o disposto no artigo 393.º, n.º 3, alínea c), e 423.º-A do Código das Sociedades Comerciais ao nomear como administradora ATC, não se vislumbrando qualquer ilegalidade ou irregularidade na sua atuação.”
Como resulta claramente do trecho transcrito, pese embora decisão recorrida tenha transcrito larga passagem da oposição, fê-lo deixando claro que fazia seus estes argumentos, não se limitando a uma mera adesão não motivada a uma posição.
Referiu com clareza que concluiu pela inexistência de conflito de interesses pelo mero facto de o representante da SROC, JQ, ser requerido num procedimento cautelar, concordando com a requerida quando esta havia deixado alegado não estar preenchido o nº11 do art. 71º do EOROC.
E na verdade, neste particular, foi esta a única matéria alegada pela recorrente e que foi traduzida integralmente na matéria de facto: o representante da SROC é requerido num procedimento cautelar em que a sociedade é também requerida e é requerente a pessoa ora nomeada administradora, o teor da decisão proferida nesse procedimento cautelar (arts. 42 a 48 do requerimento inicial) e isso configura um conflito de interesses entre a ali requerente e ora administradora e a sociedade (presume-se por figurarem de lados opostos daquela lide cautelar), no qual o representante do SROC excedeu o que lhe foi ordenado em procedimento cautelar.
As únicas alusões a um interesse pessoal contraposto do próprio representante da SROC surgem apenas nas alegações de recurso, nos arts. 84º a 87º e 89º, sem qualquer concretização (posição frágil ante a administradora nomeada, intimidação com o procedimento cautelar anterior, evitar um litigio sem indicação de outro motivo que não a lide cautelar identificada e um insinuado interesse pessoal na renovação da nomeação da representada do representante como fiscal único) e não foram alegadas nem apreciadas na decisão recorrida, por esse óbvio motivo[5].
Ou seja, o tribunal conheceu integralmente da questão e fundamentou a sua conclusão, pese embora apontando para as regras legais para as quais a recorrida havia apontado. Assumiu como seus aqueles argumentos num percurso em que se escusou a traduzir em palavras equivalentes as razões que se ajustavam à situação e que já haviam sido trazidos aos autos pela recorrida. O tribunal não se limitou a referir que inexistia conflito de interesses pelas razões invocadas pela recorrida, fez um introito, transcreveu esses argumentos e juntou-lhe a sua própria conclusão, coincidente.
O nº2 do art. 154º não proíbe o juiz de citar os argumentos das partes e de com eles concordar. Não impõe a inventariação de argumentos originais. Apenas proíbe o juiz de não ponderar esses argumentos e de não expor claramente o seu raciocínio, o que, no caso, foi feito, possibilitando, aliás, o recurso de mérito dessa parte da decisão por parte da recorrente.
Nesta parte, não se surpreende assim, qualquer nulidade na decisão recorrida.
No tocante à questão da inutilidade superveniente da lide, convém frisar, antes de mais, que se tratou apenas de um argumento do tribunal, que apreciando o pedido e concluindo pela respetiva improcedência que declarou no decreto judicial (segmento decisório), acrescentou que, ainda que assim não fosse, sempre a instância deveria ser extinta por inutilidade superveniente da lide. Fê-lo apenas ilustrando um raciocínio, o que resulta óbvio do facto de o procedimento cautelar ter sido julgado improcedente e não extinta a respetiva instância por inutilidade superveniente da lide.
O tribunal adiantou este argumento, apenas na fundamentação, nos seguintes termos:
“Ainda que assim se não entendesse e sendo certo que, ratificada esta decisão do fiscal único por deliberação social que é objeto de impugnação no âmbito do procedimento cautelar n.º 19.220/20.5 T8LSB, entretanto apensa ao processo de anulação de deliberações sociais n.º 20.989/20.2 T8LSB, sempre deveria considerar-se extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.”
Não se tratando, na ótica do tribunal, de uma questão a resolver com precedência sobre a questão de mérito[6] não se impunha o detalhe na respetiva fundamentação que uma questão cujo conhecimento se reveste de impacto direto na decisão imporia.
Os factos com relevância para a questão resultam da matéria de facto indiciariamente provada (factos nºs 5, 13, 14 e 15) e a conclusão que o tribunal enunciou sucintamente foi que sendo esta uma deliberação que carecia de ratificação e tendo já sido ratificada por outra deliberação e exercido o direito de impugnação desta por quem se achou prejudicado, sempre não haveria qualquer utilidade no prosseguimento desta lide.
Pensamos que, embora expresso de forma sintética, se mostra alcançável por um destinatário médio da decisão (no caso as partes) e não se impunha outro tipo de detalhe (por exemplo, discorrer sobre a natureza das deliberações ratificativas ou sobre o efeito destas sobre as deliberações ratificadas, sobre o esgotamento do conteúdo de uma deliberação instrumental, enfim, um largo número de questões interessantes que se poderiam colocar mas que, no concreto, em nada adiantariam ou adiantarão para a decisão tomada), não se surpreendendo, igualmente, nesta parte, qualquer nulidade.
Passemos à análise da nulidade prevista na alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC.
Quando se comina com nulidade a sentença, em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” referem-se as questões que constituem o objeto da sentença. Também a alínea d) do nº1 do art. 615º deve ser conjugado com o artº 608º, com vista à determinação das questões a resolver na sentença. Essas questões, aquelas que se impõe ao juiz resolva na sentença são, em primeira linha as questões de forma, alegadas pelas partes ou de conhecimento oficioso e finalmente as questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das exceções e ainda as que o juiz deva conhecer oficiosamente – cfr. nº2 do art. 608º.
Na lição de Ferreira de Almeida[7] “Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento total ou parcial do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes.”
Trata-se, aliás, de questão pacífica na jurisprudência, como nos apontam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa[8] - o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.
Neste ponto diremos, como aponta a recorrida, que o tribunal não omitiu a apreciação sobre este argumento. O tribunal disse, com clareza, no segmento já transcrito, que este argumento improcedia[9].
Esta apontada nulidade, na argumentação da recorrente intrinca com a violação do art. 376º nº1 do CPC, em raciocínio que, clarificado, se analisa no seguinte:
- a recorrente alegou, nos arts. 14º, 15º, 50º e 51º do requerimento inicial, como fundamento para a sua alegação de que a deliberação foi abusiva, que o representante do fiscal único sabia não ser a pessoa nomeada a escolha da acionista única para a administração, que iria ser nomeada em assembleia anual, adiada devido à pandemia;
- tal matéria, alega, permanece controvertida e, ao proferir a decisão recorrida sem produção de prova (sobre este facto) o tribunal recorrido violou o disposto no nº1 do art. 367º do CPC a contrario do CPC;
- tendo omitido a realização de audiência final e proferindo decisão sem estes factos, ocorreu omissão de pronúncia.
Compulsada a oposição verifica-se que tais factos foram, no relevante, impugnados (arts. 83º a 85º e 89º da oposição) essencialmente mediante a negação de que a requerente seja acionista da requerida, matéria que o tribunal não conheceu, justificando essa sua decisão, como resulta do tratamento dado ao primeiro pressuposto de mérito (“Justificação, por parte do requerente, da qualidade de sócio ou de associado da pessoa coletiva em questão”).
Pese embora a omissão de realização de audiência final não consubstancie, por regra, uma nulidade da sentença e antes, a verificar-se, uma nulidade processual consubstanciada na omissão de um ato cuja prática a lei prescreve (195º nº1 do CPC), que teria que ser reclamada no tribunal recorrido, ela irá ser percorrida enquanto parte do percurso para o conhecimento da apontada nulidade por omissão de pronúncia.
Nos termos do nº1 do art. 367º do CPC «Findo o prazo da oposição, quando o requerido haja sido ouvido, procede-se, quando necessário, à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz.»
Relativamente ao segmento quando necessário, ensina-nos a doutrina mais autorizada que, com esta formulação, se pretende deixar claro que também no caso de exercício do contraditório prévio o juiz pode determinar a produção oficiosa de prova e que só quando necessário são produzidas as provas que as partes propõem. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto[10] notam que a regra tem que ser lida à luz do princípio de que basta a probabilidade séria de existência do direito e o fundamento suficiente do perigo de lesão, e que se devem valorar a prova documental, por confissão, admissão por acordo, seja para os requisitos de precedência, seja em sentido contrário, que já se possam dar por assentes.
Abrantes Geraldes[11], refere que “se o juiz já tiver elementos para conhecer, com segurança, a questão de fundo, nada obsta a que proceda à emissão da correspondente decisão, de modo semelhante ao que ocorre âmbito do processo declarativo e independentemente de a decisão ser favorável ao requerente ou ao requerido.” E conclui que, face ao teor da regra, “o juiz apenas passará à fase seguinte, ou seja, àquela em que se vão apresentar e discutir as provas oferecidas, quando isso se revelar “necessário”, o que significa que pode antecipar para o momento oportuno a decisão de mérito, dando acolhimento efectivo aos princípios da celeridade e da economia processual.”
Assim, e mantendo presente que a Sra. Juíza a quo advertiu as partes para a possibilidade de decisão “por escrito”, ou seja, sem produção de prova (cfr. despacho ref.ª 399381962 de 01/12/2020), esta foi claramente uma situação em que foi entendida pelo juiz a desnecessidade de produção da prova requerida (cinco testemunhas arroladas pela requerente e cinco testemunhas arroladas pela requerida).
E a única factualidade que a recorrente aponta como necessitando de instrução probatória é o conhecimento que o representante do fiscal único teria de que requerente, que se arroga única acionista da requerida desejava nomear outra pessoa. Não tendo sido alegado qualquer benefício para o “deliberante” na não nomeação dessa concreta pessoa, sendo percetível dos autos que existe um conflito quanto a quem são os acionistas da sociedade requerida e sendo o prejuízo apontado referente à pessoa da administradora nomeada, cabe referir que estamos sempre ante uma decisão de um órgão social provisória por natureza, sucedânea e que caduca na primeira assembleia geral seguinte se não for ratificada (cfr. nº4 do art. 393º do CSC). Este cenário legal torna altamente improvável que esta deliberação seja apropriada para obter benefícios para sócios ou terceiros em prejuízo da sociedade ou para prejudicar sócios ou a sociedade pelo simples motivo que a existência desta decisão de nomeação causa a intervenção, precisamente, da assembleia geral e dos sócios, no mínimo na assembleia anual seguinte. Basta os acionistas, sejam quem forem e desde que demonstrem essa qualidade, reunirem em assembleia geral e esta nomeação desaparece ou é confirmada.
Este cenário pode efetivamente ter carater abusivo, mas não apenas por a pessoa que representa a entidade que decide ter conhecimento que outrem desejava nomear uma pessoa diferente. Isto porque se esse outrem for, efetivamente, (a única) acionista da sociedade, basta-lhe reunir em assembleia geral e deliberar a nomeação de outra pessoa como administrador.
E tanto basta para concluir, com o tribunal recorrido, que este facto não carecia de prova, na economia das alegações das partes, porque mesmo provado, não seria suscetível de formar o traço abusivo que a lei exige para os efeitos do disposto na al. b) do nº1 do art. 58º.
Assim sendo, a decisão do tribunal de proferir decisão final mostra-se correta e não violou o disposto no art. 1 do art. 367º e a omissão destes factos, como provados ou não provados, na decisão final, não acarreta nulidade por omissão de pronúncia, não se verificando, assim, a nulidade prevista na al. d) do nº1 do art. 615º do CPC.
*
Improcedem, assim, integralmente, as arguidas nulidades da sentença.
*
5.2. Requisitos de procedência da suspensão da deliberação social
No caso concreto é pedida a suspensão da decisão do Fiscal único que, nos termos do disposto nos arts. 393º nº3, al. c) e 423º-A do CSC designou administrador único da sociedade requerida.
Para tanto a requerente alegou ser a única sócia da sociedade requerida, que o Fiscal único cessou funções por caducidade no termo do prazo do mandato para que foi nomeado (31/12/2017), não detendo assim, esta competência, pelo que, como equivalente a uma deliberação social, esta decisão é nula nos termos do art. 56º do CSC e, ainda que assim se não entenda, abusiva, nos termos da al. b) do nº1 do art. 58º do mesmo diploma, dado que foi tomada pelo representante do fiscal único em conflito de interesses e com conhecimento de que a pessoa nomeada é diversa da que a requerente pretendia nomear, beneficiando terceiros e prejudicando a sociedade. Como dano alegam que a pessoa nomeada – que desconhece a sociedade requerida, sendo de prever que não cumpra as respetivas obrigações – se autonomeou administradora das sociedades controladas pela requerida e ganhou imediato acesso ao património e disponibilidades das referidas sociedades.
A requerida opôs-se, negando a qualidade de acionista da requerente, pugnando pela manutenção em funções do Fiscal único após o termo do respetivo mandato e negando a existência de abuso de direito. Alegou ainda ter já ocorrido a assembleia geral ratificativa desta deliberação.
O tribunal recorrido, na decisão final proferida considerou que o fiscal único se mantinha em funções, sendo aplicável, por interpretação extensiva, o disposto no art. 391º nº4 do CSC, com base no que julgou improcedente a arguida nulidade da decisão do fiscal único. Afastou igualmente o carater abusivo da deliberação, por entender não existir conflito de interesses e não ser relevante a atuação à revelia dos interesses da requerente, relacionando a decisão tomada com a procedência do procedimento cautelar que a nomeada havia intentado previamente, entre outros, contra a sociedade e o representante do Fiscal Único.
As conclusões do recurso colocam em crise a aplicabilidade do nº4 do art. 391º do CSC ao conselho fiscal e ao fiscal único, na essência com os seguintes argumentos:
- a sociedade requerida estava sem administrador desde 02/11/19, mas o mandato do fiscal único cessou por termo do prazo pelo qual foi eleito (triénio), em 31/12/2017;
- a regra do nº4 do art. 391º do CSC não tem aplicação ao órgão de fiscalização, uma vez que o legislador previu expressamente a substituição do fiscal único pelo fiscal único suplente nos termos em caso de cessação de mandato do primeiro nos termo dos nºs 3 e 4 do art. 415º do mesmo diploma;
- assim o fiscal único cessou funções e o suplente assumiu as mesmas, mantendo-se no cargo até à primeira assembleia anual, nos termos d nº4 do mesmo art. 415º do CSC, que ainda não havia ocorrido à data em que foi tomada a decisão impugnada;
- assim, a decisão foi tomada por quem não tinha poderes para o fazer por não se encontrar em exercício de funções;
- mesmo que se considere que o mandato do suplente também cessou em 31/12/2017, ainda assim não seria aplicável a regra do nº4 do art. 391º do CSC, dado que o legislador previu completamente o regime de substituição do órgão de fiscalização nos nºs 3 e 4 do art. 415º CSC e, caso assim se não entenda, nos termos do art. 416º do mesmo diploma que prevê a nomeação oficiosa do Revisor Oficial de contas, qualidade que o fiscal único deve revestir, obrigatoriamente;
- assim, em 01/07/2020, o representante daquele fiscal único não estava em funções, pelo que a decisão por si tomada está ferida de nulidade, sendo a interpretação diversan violador da teleologia dos arts. 415º nº3 e 416º do CSC e 9º do Código Civil, nos termos da al. d) do nº1 do art. 56º do CSC.
A recorrida sustenta posição inversa, em síntese por:
- todos os titulares de funções de fiscalização são designados para um mandato de idêntica duração pelo que a substituição pelo suplente fica temporalmente limitada ao período até ao termo do mandato do substituído;
- a aplicabilidade do nº4 do art. 391º do CSC ao órgão de fiscalização colhe amplo consenso na doutrina e já foi acolhida na jurisprudência, não parecendo aceitável outra alternativa dado que a sociedade continuaria a exercer a sua atividade sem fiscalização;
Apreciando:
Os requisitos de que a lei faz depender o decretamento da providência de suspensão de deliberação social, nos termos do disposto nos arts. 380º e 381º do Código de Processo Civil, são a qualidade de sócio do requerente relativamente à sociedade que tomou a deliberação, a ilegalidade da deliberação (por violação da lei ou dos estatutos), a existência de dano apreciável resultante da execução da deliberação e ainda que o prejuízo da suspensão seja inferior ao prejuízo da execução, requisitos cumulativos.
Basta que um deles não se encontre verificado para que a providência não possa ser decretada, tendo o tribunal recorrido centrado a sua análise na ilegalidade da deliberação, único requisito em causa, face à delimitação dos temas a recurso.
*
5.2.1. O mandato do fiscal único – aplicabilidade do disposto no nº4 do art. 391º do CSC aos membros do conselho fiscal e fiscal único
Começando pela análise da nulidade arguida, nos termos do disposto no mesmo art. 56º, nº1, al. d) do Código das Sociedades Comerciais, são nulas as deliberações dos sócios cujo conteúdo, seja ofensivo de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.
Ensina a melhor doutrina que este preceito se dirige, genericamente, à violação de normas imperativas, embora não se circunscreva necessariamente a esta[12].
Frisa-se, ainda nesta ilustre companhia, que não basta que a deliberação seja violadora de regra imperativa, porquanto a violação das normas imperativas respeitantes ao processo de formação das deliberações não conduz à nulidade, mas antes à anulabilidade – apenas para o conteúdo da deliberação vigora esta regra[13].
Os exemplos apontados pela doutrina ajudam à destrinça, nem sempre fácil que divide a nulidade nestes termos e a anulabilidade nos termos do art. 58º, nº1, al. a) do Código das Sociedades Comerciais (São anuláveis as deliberações que violem disposições da lei, quando ao caso não caiba a nulidade). Assim deliberações cujo conteúdo ofende regras imperativas serão as que protegem interesses públicos ou da generalidade dos sócios, como as normas de proteção de interesses de terceiro, as que versem e afetem os direitos indisponíveis e irrenunciáveis[14], deliberações versando aquisição ilícita de quotas ou ações próprias, elejam membros do conselho fiscal feridos de incapacidade ou de incompatibilidade, a liquidação de parte da sociedade não dissolvida se a situação líquida da sociedade, por esse facto, se tornar inferior ao capital social[15], distribuição aos sócios de lucros fictícios, alteração nos estatutos de prestações suplementares sem fixação do montante, alteração nos estatutos de regra que preveja convocação de assembleias gerais por carta registada expedida com a antecedência mínima de oito dias, designação de administradores por um período de 5 anos, destituição de membros de órgão de fiscalização sem justa causa[16].
Como refere Menezes Cordeiro[17] pode dizer-se que uma regra é imperativa quando integre a ordem pública, incluindo a ordem pública societária, quando concretize princípios injuntivos e quando institua ou defenda posições de terceiros. Quanto à distinção entre nulidade e anulabilidade[18] quando se tratam de vícios de forma ou de omissão de formalidades as hipóteses previstas no art. 56º nº1, als. a) e b) geram nulidade; todas as demais anulabilidade. Ainda aqui só haverá anulabilidade “…quando a falha verificada possa influenciar o sentido da deliberação.” E exemplifica: "a violação de normas imperativas de (mero) procedimento, por oposição ao conteúdo, gera simples anulabilidade, tal como o caso do aumento de capital votado sem atingir a maioria dos ¾ dos votos correspondentes ao capital social;”
Temos grande dificuldade em enquadrar neste preceito o vício arguido pela recorrente, na hipótese de procedência. Na verdade, o órgão de fiscalização pode, nos termos do art. 393º, al. c) do CSC, designar o substituto para a falta definitiva de administrador. O que vem arguido é que a concreta pessoa que procedeu nos termos permitidos por lei já não detinha a qualidade que lhe permitiria proceder a tal designação, o que é diverso de violação de regra imperativa. O conteúdo do ato é válido, o que se ataca é a competência, não do órgão fiscal único, mas de quem ao tempo desempenhava tal cargo.
Não estamos, sequer, note-se, no possível campo de aplicação da al. c) do nº1 do art. 56º do CSC (com as devidas adaptações). Não se discute e não é colocado em causa se o órgão de fiscalização, no caso o fiscal único, tinha competência para designar um administrador nos termos em que o fez. Põe-se em crise que aquele específico fiscal único, eleito para um triénio já integralmente decorrido, revestisse ainda aquela qualidade e o pudesse fazer.
Aliás, a tese da incompetência no sentido da invasão pela assembleia da esfera de competência de outros órgãos é apenas uma das que parte da doutrina defende ser a previsão da alínea c) do nº1 do art. 56º do CSC[19], vendo outros no preceito a consequência para atos fisicamente impossíveis[20] e uma terceira posição que encontra aqui a sanção para atos alheios à capacidade da sociedade[21].
Assim, importa à partida advertir que, a ser procedente a tese da recorrente, estaremos ante uma anulabilidade, nos termos da alínea a) do nº1 do art. 58º do CSC, por violação dos preceitos que indica, e não ante uma nulidade.
Passemos à análise do regime de designação e substituição do fiscal único.
Nos termos do art. 413º nºs 1, 3 e 6 do CSC[22], quando a fiscalização compita a um fiscal único, este será ou revisor oficial de contas ou uma sociedade de revisores oficiais de contas, terá sempre um suplente, também revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas e rege-se pelas disposições legais respeitantes ao revisor oficial de contas e subsidiariamente pelo disposto quanto ao conselho fiscal e seus membros.
São eleitos pela assembleia geral, nos termos do nº1 do art. 415º do CSC, podendo também ser designados no pacto ou na assembleia constitutiva, pelo mandato previsto no pacto, mas nunca superior a quatro anos.
O nº3 do preceito estabelece o regime de chamada de suplentes no caso de impedimento temporário e de cessação de funções dos efetivos. No entanto o código não cuidou de sistematizar as causas de cessação de funções dos órgãos de fiscalização, diferentemente do que foi feito para outros órgãos sociais[23] as quais se encontram dispersas na regulamentação.
Assim, são causas de cessação de funções do órgão de fiscalização:
- a destituição, sempre com justa causa, nos termos do nº1 do art. 419º do CSC, sendo necessário procurar as diretrizes de aplicação do conceito indeterminado de justa causa no nº4 do art. 403º do mesmo diploma[24], que pode ser deliberada pela assembleia geral, mas que quanto aos membros judicialmente nomeados, apenas pelo tribunal pode ser decretada (cfr. nºs 1 e 3 do referido preceito);
- a destituição de membro judicialmente nomeado antes do termo normal das funções dos membros eleitos, pelo tribunal, a pedido dos acionistas que requereram a nomeação (418º nº 3 do CSC);
- a destituição do membro judicialmente nomeado, pelo tribunal, com justa causa, a pedido do conselho fiscal, dos acionistas que requereram a nomeação ou do conselho de administração, em caso de inexistência do conselho fiscal (418º nº4 do CSC);
- por caducidade:
- por superveniência de motivo de incompatibilidade (414º-A nº1 do CSC);
- falta de prestação de caução (arts. 396º nº4 e 418º-A nº1 do CSC);
- eleição de membros do conselho fiscal pela assembleia geral é causa de caducidade quanto ao membro judicialmente nomeado (417º nº2);
- não assistência, durante o exercício, a duas reuniões do conselho, ou falta de comparência a uma assembleia geral ou a duas reuniões do conselho de administração (422º nº4 do CSC);
- por renúncia, não previsto, mas aplicável aos membros da Comissão de Auditoria (423º-H e 404º do CSC);
- por acordo, igualmente não previsto, mas não proibido.
A estas causas acrescerá ou não, de acordo com a posição que se adote quanto ao tema da aplicabilidade do nº4 do art. 391º do CSC, a caducidade pelo decurso do período do mandato para que foi eleito.
Fazemos esta enumeração, seguindo a proposta de Soveral Martins[25] com o fito de apontar que existem várias causas de cessação, nomeadamente por caducidade, não relacionadas com o mero decurso do tempo, que justificam plenamente a regra de substituição pelo suplente e ainda que o legislador não foi exaustivo no tratamento do regime dos órgãos de fiscalização, o que implica um recurso quase constante à disciplina de outros órgãos sociais, como a administração.
Começando por analisar o pressuposto primeiro da tese da recorrente – que o fiscal único efetivo cessou funções, por caducidade, no termo do mandato, mas o respetivo suplente não, assumindo este o lugar de efetivo – diremos com Gabriela Figueiredo Dias[26] que regra não escrita mas incontornável “é a de que todos os titulares de funções de fiscalização sejam designados, originariamente, com um mandato de idêntica duração”[27]. Não necessita esta regra de ser escrita, já que um suplente, por natureza é aquele que substitui a falta de outrem[28] logo valendo a suplência enquanto vale a efetividade.
O único argumento adiantado pela recorrente neste particular é a letra dos nºs 3 e 4 do art. 415º quando refere a substituição dos membros que tenham cessado funções, sem indicar a respetiva causa, e a previsão de que se manterão no cargo até à primeira assembleia geral anual, que procederá ao preenchimento das vagas.
Ora como ficou demonstrado pela enumeração das possíveis causas de cessação, há muitas possibilidades de cessação antes do termo do mandato, mesmo por caducidade, que justificam a regra. Mais faz sentido se pensarmos que o prazo supletivo para a duração do mandato são quatro anos – e no caso concreto eram três, ou seja, um período que abarca várias assembleias gerais anuais.
Se se defender que o mandato do fiscal único efetivo caducou pelo termo do prazo de eleição, em 31/12/2017, não pode deixar de se considerar que o mandato do suplente, eleito pelo mesmo período, igualmente caducou.
Chegamos, assim, à questão substantiva central.
Toda a doutrina que se pronunciou sobre este tema, o fez no sentido da aplicação por analogia ou extensiva do nº4 do art. 391º do CSC aos membros do conselho fiscal e ao fiscal único.
Assim, Gabriela Figueiredo Dias[29] começa por notar a existência de uma verdadeira lacuna, já que a lei não prevê a circunstância de o mandato chegar ao fim sem que se haja procedido à designação dos titulares dos órgãos de fiscalização. E avança com a solução da aplicação analógica do nº4 do art. 391º do CSC, ou seja, embora designados por prazo certo, os membros do órgão de fiscalização mantêm-se em funções até nova designação, sem prejuízo de nomeação judicial, se aplicável, destituição restrita a justa causa ou renúncia. E refere: “Outra solução não parece aceitável: única alternativa seria a de considerar terminado o mandato, o titular de um cargo de .fiscalização deveria cessar de imediato funções, por quebra do vínculo e da legitimidade jurídica que o ligavam à sociedade, com as consequências desastrosas que daí adviriam, de a sociedade continuar a exercer a sua atividade sem qualquer fiscalização, até ao momento em que ocorresse a designação de novos órgãos de fiscalização – o que constituiria uma consequência inaceitável, atentos os riscos que uma circunstância deste tipo criaria para a sociedade, os seus stakeholders e o mercado em geral.”
Não podemos tornear o facto de a fiscalização servir para garantir os interesses internos da sociedade – de apoio e correção da informação de apoio à gestão e de reporte aos acionistas -, mas também visar a garantia de confiança instrumental ao exercício de funções de auditoria e fiscalização[30] que constituem o núcleo da sua função e que têm reflexos externos à esfera das entidades a que respeita a informação – no mercado, nos clientes, nos credores, nos trabalhadores, na administração tributária, etc.
Também Alexandre Soveral Martins defende esta posição[31], juntando um outro argumento de ordem literal. A remissão expressa existe para os demais órgãos de fiscalização, a comissão de auditoria e o conselho geral e de supervisão (arts. 423º-C, 1 e 435º nº2 do CSC) o que patenteia a lacuna no mais vulgar órgão de fiscalização do panorama societário português.
E também José Pedro Ferreira Gomes[32], na anotação ao art. 415º do CSC orientada por Menezes Cordeiro expressa a mesma e exata opinião, rematando: “a sociedade não pode ficar sem órgão de fiscalização.”
A tese da recorrente é que não existe qualquer lacuna: o legislador disse tudo o que queria dizer e tanto o fez que regulou de modo completo a substituição, nos nºs 3 e 4 do art. 415º e no art. 416º, prevendo a nomeação oficiosa de revisor oficial de contas.
Quanto aos nºs 3 e 4 do art. 415º, como já vimos, o mecanismo de suplência só funciona enquanto houver efetivo. Se se entender que o efetivo permanece em funções, o suplente permanece igualmente como suplente e, na falta do primeiro, pode vir a ser chamado à efetividade. Se se entender que o efetivo cessa funções no termo do mandato, a mesma sorte tem o suplente, não havendo regulação para a substituição em tal situação.
O nº1 do art. 416º tem por pressuposto a falta de designação do ROC, ou seja, que o mesmo não se encontre em funções. Longe de poder ser visto como um argumento acaba por ser também ele uma consequência da posição que se assuma, em nada contribuindo para a resolução da questão, verdadeiramente omissa. Para quem entenda que o ROC permanece em funções até nova designação pelo órgão competente, não haverá «falta de designação» que é pressuposto do funcionamento desta norma e do disposto nos arts. 66º e 67º do EOROC[33].
Ainda que assim se não entendesse, temos que convir que o caso presente ilustra bem a necessidade de aplicação analógica da regra do nº4 do art. 391º do CSC. Não havia ninguém para fazer a comunicação à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas: o administrador único faleceu, o fiscal único, na tese da requerente, cessou funções, bem como o seu suplente e a assembleia geral não se realizou devido a situação de pandemia que vivemos. Na inatividade dos acionistas, em concreto, a sociedade teria estado sem fiscalização desde 31/12/2017. Mas porque de facto existe uma lacuna e se aplica o nº4 do art. 391º aos membros do conselho fiscal e ao fiscal único, a sociedade teve, desde então, fiscalização, exercida pela revisora de contas, representada pelo identificado JQ.
Aqui chegados diremos que esta não é uma matéria que tenha tido ecos na jurisprudência, mas há que notar o Ac. STJ de 25/03/2004 (Ponce de Leão)[34], citado pela recorrida, que, pese embora a propósito da caducidade e manutenção em funções do Presidente da Mesa da Assembleia geral (outro órgão social relativamente ao qual não foi regulada a cessação de funções e ao qual se aplicou a regra do nº4 do art. 391º do CSC) nega o carater excecional do nº4 do art. 391º, permitindo, assim, a sua aplicação por analogia,  e afirma a sua aplicabilidade ao termo dos mandatos dos órgãos sociais “e isso porque não se pode ignorar o desfasamento entre as datas da caducidade do mandato e da época própria para a sua renovação ou extinção, que ocorre, em condições de normalidade, com a assembleia geral de aprovação de contas…”, tendo nessa sequência sido sumariado que a norma do nº4 do artigo 391º do CSC “é de aplicação extensiva a todos os órgãos sociais, coo decorre do disposto nos arts. 376º e 377º do CSC”.
A conclusão impõe-se, o regime de designação e substituição dos membros do conselho fiscal e/ou fiscal único revela uma lacuna cuja consequência poderia ser o prosseguimento da atividade da sociedade sem qualquer fiscalização, um resultado contrário às finalidades e objetivo da própria existência de fiscalização, pelo que tal lacuna deve ser integrada com recurso à norma do nº4 do art. 391º do CSC, solução que o próprio legislador adotou para a comissão de auditoria e para o conselho geral e de supervisão: embora designados por prazo certo, os membros do órgão de fiscalização mantêm-se em funções após o decurso desse prazo até nova designação.
Improcedem, assim, as conclusões da requerente relativas à nulidade da decisão adotada pelo fiscal único.
*
5.2.2. Abuso de direito
Prescreve o art. 58º, nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais que são anuláveis as deliberações que «Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.»
Discute-se se, neste preceito o legislador se limitou a consagrar o princípio do abuso de direito plasmado no art. 334º do Código Civil relativamente às deliberações dos sócios, consistindo o abuso, em traços gerais, no exercício de um direito quando o seu titular excede o fim social ou económico desse direito.
No caso das deliberações sociais e como resulta do citado preceito legal a sanção da anulabilidade aplica-se, segundo Pinto Furtado, não “à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, a sociedade ou terceiros, mas àquela que a estas características acrescente a feição excessiva, i. e., abusiva”; “se não houver no caso concreto o traço de um excesso nas vantagens especiais aprovadas, não será esta alínea que determinará a anulabilidade da deliberação respectiva, ainda que todo o restante quadro se suponha, por hipótese, preenchido.”[35].
Acrescenta ainda o mesmo autor que “Não será, pois, sem mais, abusiva a deliberação da maioria apenas susceptível de causar um dano à Sociedade ou aos sócios na prossecução de vantagens especiais, mas aquela que traduza esta ideia na forma ou na dimensão de um excesso manifesto, abrindo margem à situação de clamorosa injustiça de que falam os autores e quanto à qual, só verificada ela, poderá fazer-se disparar a eficácia reparadora do abuso de direito.”[36].
A redação do preceito legal em análise é algo infeliz já que parece fazer recair o abuso no voto quando, em rigor, o que é abusivo é a deliberação. Com efeito, “o voto exprime-se por um sim ou por um não a uma concreta proposta de deliberação. Enquanto aprova ou reprova a proposta, o sentido que vai exprimindo serve unicamente para estruturar o conteúdo final da deliberação – e só esse poderá, pela regulamentação de interesses que envolve, vir a traduzir-se no excesso manifesto que é o abuso: não há, portanto, votos abusivos; pode é haver deliberações abusivas.”[37].
Menezes Cordeiro defende um ponto de vista diverso, propondo que a violação do art. 334º do CC mantém a sua autonomia e não é consumido pelo art. 58º nº1, al. b) do CSC, que se queda “pelo exercício danoso do voto com propósitos extra-societários” desde que reunidos os requisitos objetivos e subjetivos[38].
Paulo Olavo Cunha defende também que as deliberações abusivas são aquelas “pelas quais se vai prosseguir um interesse particular, prejudicando-se o interesse dos sócios sem que isso corresponda ao interesse da sociedade.”[39] enumerando os seguintes requisitos para que a deliberação seja abusiva:
- a deliberação assegure vantagens especiais para o sócio ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outro sócio – requisito objetivo;
- a deliberação vise prejudicar a sociedade ou outro sócio – requisito subjetivo;
- a não verificação da cláusula de salvaguarda (requisito negativo).
Adiantando desde já que não se vislumbram, nesta concreta decisão, prevista por lei, possível, tomada por quem tem competência para tal e exigindo ratificação, que tenha sido excedido o fim social ou económico do direito, nos termos do art. 334º do CC, importa analisar se os dois feixes de razões alegados como integradores desta decisão como abusiva preenchem os respetivos requisitos.
A recorrente alegou a existência de conflito de interesses consubstanciado no facto de o representante do fiscal único ser demandado, nessa qualidade, em procedimento cautelar intentado também contra a sociedade por ATC, no qual se pedia (e foi decretado e confirmado) que aquele reconhecesse todos os direitos sociais e económicos da requerente referentes às participações sociais na sociedade requerida, próprias e da herança de TTC.
Tudo o que é alegado se reconduz ao conflito de interesses entre acionistas da requerida não se vislumbrando qualquer interesse pessoal do representante do fiscal único, qualquer benefício para si, nem tanto tendo sido sequer alegado nos articulados. O mero facto de a pessoa designada ser parte contrária à sociedade num procedimento cautelar não transforma a sua designação num prejuízo para a sociedade. Nem a falta de experiência de tal pessoa nem o facto de, sendo administradora, ter acesso aos meios e património da administrada são, em abstrato, como foram alegados, prejuízos para a sociedade.
A recorrente refere agora como argumento que esta deliberação foi tomada no interesse e benefício do representante do fiscal único que assim obviou ao litígio com a administradora que escolheu nomear, tanto assim que veio a ser investido a posteriori como fiscal único da sociedade.
Para além da questão já acima enunciada, de que se trata de matéria não levada à apreciação do tribunal recorrida na decisão sob recurso, acresce que o litigio documentado (entre a nomeada e o representante) era exclusivamente relativo à sociedade requerida, sem qualquer hipótese de responsabilização ou prejuízo pessoal do referido representante. Também não se mostra possível, em abstrato, concluir que a nomeação de uma SROC, cuja dimensão e universo de clientes é desconhecido, como fiscal único de uma sociedade seja um benefício para o respetivo representante.
Também dos contornos do litígio que opõe os envolvidos – retratado na matéria de facto indiciariamente provada pela extratação dos processos judiciais em curso – não se consegue retirar que a nomeação de ATC seja um benefício para a própria estranho à sociedade. Nomear um administrador a uma sociedade que está há meses sem administração não se qualifica como não correspondendo aos interesses da sociedade. Por outro lado, não prejudica os interesses de quaisquer (putativos) acionistas, dado que despoleta o mecanismo de ratificação pela assembleia geral, órgão e local a propósito do qual todos os direitos e disputas quanto à composição acionista da sociedade requerida devem ser feitos valer.
O argumento da introdução de um estranho na sociedade esquece a natureza de capitais da sociedade anónima e a preferência da lei pela gestão profissional, pelo que não se qualifica, por qualquer forma como revelador de abuso (mesmo que se apurasse).
De facto, não é numa designação provisória e sujeita a ratificação que vai ser resolvida a magna questão de quem é acionista da sociedade e muito menos pelo fiscal único da mesma.
Alega ainda a requerida que o representante do fiscal único sabia que a escolha da sociedade requerente – que alega ser acionista única da requerida – para o cargo de administrador recaía sobre pessoa diversa (RTC) e que essa decisão ia ser tomada na assembleia anual cujo prazo foi prorrogado para 30/06/2020, pelo que a decisão que tomou não visou, claramente, prosseguir o interesse da sociedade, que impunha que aquele representante aguardasse que a dita ATC convocasse uma assembleia geral e ali deliberassem os acionistas que viessem a demonstrar essa qualidade, a nomeação de órgãos sociais.
A recorrida responde que tal conhecimento sempre seria irrelevante dado que a requerente não é acionista da requerida.
Trava-se, ainda hoje, uma interessante discussão relativa ao interesse da sociedade.
O interesse da sociedade surge referido expressa ou implicitamente em vários preceitos legais, nomeadamente do Código das Sociedades Comerciais[40] de que se destacam pela sua importância os arts. 64º, 6º nº3 e 58º nº1, al. b). Está presente o mesmo conceito nos preceitos que regulam a proibição de concorrência por parte dos sócios e gestores (180º, 254º, 398º e 477º), no direito à exclusão do sócio incumpridor (186º, 204º, 241º e 242º), na obrigação de prestações acessórias, na utilização pelo sócio do direito à informação, na matéria do direito aos lucros, de impedimentos de voto, de amortização de quotas ou acções, situações de aumento de capital e de supressão de direito de preferência, entre outros e ainda as situações de transmissão das participações sociais, quer inter vivos quer mortis causa. “Nestes casos, procurou-se conciliar em termos equitativos o interesse da sociedade, através da figura do consentimento desta em certos casos, com o interesse dos sócios, sendo que a regra proibitiva da transmissão sacrificaria em medida, talvez inaceitável, em ordem ao princípio da livre cedibilidade das participações sociais.”[41].
Resulta de várias disposições legais não serem os interesses dos sócios os únicos representados na formação da vontade social. No entanto os contratualistas (doutrina clássica) consideram ser à maioria dos sócios que compete a decisão sobre o interesse da sociedade, doutrina que, com algumas variações, é acolhida pela maioria da doutrina portuguesa. Pelas teses institucionalistas o interesse da sociedade é dissociado dos interesses dos sócios ou grupos de sócios, sendo a sociedade concebida como uma estrutura jurídica de empresa, como sujeito de um interesse não recondutível aos interesses dos associados mas que, de algum modo, representa o ponto de convergência dos interesses dos sócios actuais, dos sócios futuros, dos gestores, dos trabalhadores, dos consumidores e até da própria colectividade.
Dentro das teses contratualistas encontramos várias teses – as que defendem o interesse da sociedade como o interesse comum dos sócios actuais e futuros, as que defendem ser o interesse social apenas o dos sócios actuais, os que vêm o interesse no sócio médio, os que o atribuem a um objectivo abstracto, entre outros.
O que de facto ressalta, da perspectiva do julgador é que o interesse da sociedade – abstractamente presente em todas as deliberações sociais – tem que ser passível de ser apreciado de mérito, o que afasta desde logo todas as concepções que o transformam em algo em permanente mutação, ao sabor da vontade da maioria presente dos sócios.
Também releva o facto de o interesse da sociedade ter que ser avaliado de tantas formas e em tantas ocasiões – ao avaliar o direito de informação, quando o sócio minoritário o invoca como fundamento de anulabilidade contra deliberação tomada pela maioria, ao avaliar o comportamento do gestor, ao fixar o prazo de devolução de suprimentos, etc. - que a sua eleição, pela lei, em critério, tem necessariamente que ser suportada numa realidade objectiva e avaliável de uma perspectiva externa e imparcial que olha para a sociedade vendo um ser jurídico diverso dos respectivos sócios e com interesses não necessariamente coincidentes com estes.
A reforma de 2006 pareceu tomar partido nesta temática com o legislador a consagrar, no art. 64º do CSC, ainda sem definir interesse social, na al. b) do nº1 do preceito, “Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como trabalhadores, clientes ou credores”.
O legislador parece ter optado pela menção da tese contratualista corporizada pelos interesses de longo prazo dos sócios, sem arredar os contributos institucionalistas, ou seja, demarcou-se da discussão doutrinária corrente.
Ou seja, a discussão entre as teses contratualistas e institucionalistas continua em aberto[42], sem bem que se assinale, nesta redação do art. 64º do CSC, a negação de qualquer das teses tradicionais “puras”, somando-se agora as conceções pluralistas que dão prevalência aos interesses dos sócios, mas atribuindo alguma relevância aos interesses de outros sujeitos envolvidos na empresa[43].
O que emergiu desta interessante discussão foi também uma visão fragmentada do interesse social, ou melhor, de “interesses sociais”[44], conforme seja erigido em padrão de comportamento dos sócios ou da administração[45], que se pode, com as devidas adaptações, estender aos orgãos de fiscalização, atento o aditamento a que se procedeu em 2006  ao artigo 64º do CSC que dispõe agora no nº3 que «Os titulares de orgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade.»
Tendemos a concordar com as conceções pluralistas e fragmentadas que valoram devidamente a posição dos protagonistas no tecido societário, concordando assim que o interesse da sociedade privilegia, em primeira linha os interesses dos sócios de longo prazo, orientados para a a duração e saúde do projeto, sem descurar os interesses dos stakeholders que serão, as mais das vezes, determinantes para o sucesso da empresa.
Estendendo aos titulares dos orgãos de fiscalização a perspetiva de interesse societário que a função lhes exige, teremos, assim, como padrão de conduta no caso concreto, para o fiscal único, que satisfaz os interesses de longo prazo dos acionistas, sejam eles quem forem, a obrigação de designar um administrador e não de aguardar a eventual iniciativa de uns ou outros acionistas.
A sociedade estava sem administração desde novembro de 2019. Em 1 de julho de 2020 já haviam decorrido mais de 60 dias sobre a falta, não tinha ocorrido cooptação, não tinha ocorrido assembleia anual, desenrolava-se abertamente um litígio sobre a titularidade das ações da sociedade requerida, pelo que o interesse coletivo dos acionistas de longo prazo e dos diversos interessados era, obviamente, na designação de um administrador, nos termos do disposto no art. 393º nº3, al. c) e 423º-A do CSC.
O ponto seguinte é a específica pessoa designada. Como já fomos deixando expresso, dada a natureza da decisão sob apreciação, a pessoa escolhida não se afigura determinante, por não ser, por si, suscetível de influenciar o desenrolar dos capítulos do litigio pelo controlo da requerida que, claramente, se está a travar. Esta decisão exige ratificação na assembleia geral seguinte, pelo que, num cenário como o dos autos, é aí que a discussão sobre a pessoa a nomear deve ser travada.
Concordamos com Ricardo Costa[46] quanto à qualificação do administrador cooptado ou nomeado pelo orgão de fiscalização no período que medeia entre a aceitação e a ratificação (ou caducidade) como um administrador a título próprio, sujeito a um regime especial caraterizado, precisamente pela exigencia de ratificação. Sem qualquer diminuição do respetivo papel ou função, este administrador é provisório[47] no sentido temporal do termo. Qualquer assembleia geral que se lhe siga tem efeitos neste vínculo, ratifique ou simplesmente ignore a nomeação (caso em que caduca).
E é neste enquadramento que se compreende a referência feita pelo tribunal recorrido à extinção da instância por inutilidade da lide, enquanto argumento – essa assembleia já se realizou e é a propósito dessa deliberação que tudo deve ser discutido: os acionistas, a pessoa designada, enfim todos os assuntos que os sócios regularmente desejem debater.
Se quisermos, vista a questão por outro prisma, que se afigura mais correto, a decisão, aqui equiparada a deliberação que designou administrador único a esta sociedade consumou-se, deixando de ter qualquer efeito que pudesse ser suspenso, no momento em que foi ratificada pela assembleia geral, ns termos do nº4 do art. 393º do CSC. Não se trata, esclareça-se, de um novo fundamento, de um argumento jurídico original não debatido com e entre as partes (que não foi, de resto) que o tribunal vá usar para julgar o recurso a juízo. Estamos apenas a ilustrar a natureza peculiar desta específica “deliberação”, enquanto posseguimos na análise da legalidade da mesma.
Como já referimos acima, dificilmente este tipo de decisão é suscetível de ser abusiva, porque benefício ou prejuízo que cause são afastados ou assumidos por deliberação da assembleia geral e qualquer intenção que encerre esbarra na vontade maioritária dos sócios reunidos em assembleia geral.
O que foi alegado como prejuízo refere-se à designação de qualquer pessoa como administrador, pelo que, neste quadro, surge absolutamente indiferente que o representante do fiscal único soubesse ou não que um dos putativos acionistas da sociedade queria que fosse nomeada outra pessoa. Isto porque a competência para a nomeação de administradores pelos sócios, reunidos em assembleia geral não foi, por qualquer forma posta em causa por esta decisão do fiscal único, que, tomando-a, fez o que se lhe exigia e deu a palavra ao orgão competente, a assembleia geral.
Não podemos senão concluir, embora com fundamentação acrescida e diversa, com a conclusão do tribunal recorrido pela inexistência de abuso de direito com fundamento, seja em conflito de interesses, seja em conhecimento de outra intenção da requerente.
*
5.2.3. Independência do fiscal único
Resta analisar o argumento final da recorrente e que se prende com a falta de independência do fiscal único. Se bem entendemos o alegado, na decisão sob escrutínio o representante do fiscal único teria atuado em violação do dever de independencia que o respetivo estatuto prescreve, por ter designado como administrador à revelia de quem sabe ser acionista e ao arrepio dos interesses sociais, conferindo a essa pessoa uma vantagem injustificada.
Não temos qualquer dúvida que o art. 71º do EOROC, que densifica o dever de independência dos revisores oficiais de contas enunciado no nº2 do art. 61º do mesmo estatuto, é uma norma imperativa.
Não mencionámos este ponto acima, quando enunciámos o nº3 do art. 64º do CSC, mas, com alguma clareza, o interesse da sociedade que deve ser tido em conta pelo orgão de fiscalização que seja um ROC não é o mesmo que guia os sócios, ou sequer os administradores.
Diferentemente da opção que fez para os membros dos orgãos colegiais dos orgãos de fiscalização das grandes sociedades anónimas ou cotadas, o legislador societário deixou para o respetivo regime profissional os requisitos de independência e causas de incmpatibilidade dos ROC[48] e deste (Lei nº 140/2015 de 7 de setembro) resulta que os ROC estão obrigados a atuar com independência, designadamente em relação às entidades para quem prestam serviços (art. 71º nº1 do EOROC)[49].
Assim sendo, os ROC não podem prosseguir o interesse da sociedade que seja o interesse de todos ou de alguns sócios, mesmo de longo prazo, se esse interesse colidir com o seu dever de independência. A “independência do ROC serve o interesse da necessidade de confiança no seu trabalho e no que atesta ou certifica, e dessa forma faz diminuir o receio quanto à existência de erros ou manipulação.” “…é vista como garantia da objetividade no exercício das suas funções.”[50]
A sentença recorrida percorreu o art. 71º EOROC e não encontrou qualquer vestígio de violação do dever de independência e os elementos enunciados pela aqui recorrente foram já todos analisados (e afastados) a propósito do abuso de direito.
O que verdadeiramente não se pode imputar ao fiscal único com esta específica designação (de ATC) é uma violação do dever de independência para com os acionistas, dado que, como já se frisou, ao dar cumprimento ao disposto no art. 393º nº3 al. c) do CSC, o fiscal único deu a palavra aos acionistas nos termos do nº4 do mesmo preceito.
Não procede, assim, qualquer dos argumentos da apelante, devendo a decisão final proferida, embora com diversa e mais extensa fundamentação, ser confirmada.
A presente apelação improcede, assim, integralmente.
*
A apelante, porque vencida, suportará integralmente as custas do presente recurso que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e este não envolveu diligências geradoras de despesas – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[51].
*
6. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar integralmente improcedente a apelação, decidindo-se manter a decisão final recorrida.
Custas de parte na presente instância recursiva pela recorrente.
Notifique.
*
Lisboa, 13 de julho de 2021
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
_______________________________________________________
[1] Cfr. Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pg. 242 e, entre muitos outros o Ac. STJ de 17/10/2019 relatado por Rosa Maria Ribeiro Coelho, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Em Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pgs. 72 e 73.
[3] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Este último com exaustiva citação de doutrina e jurisprudência.
[5] Os recursos são, por natureza, meios de impugnação de decisões judiciais, apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo incidir sobre questões novas. Em regra, e exceção feita às questões de conhecimento oficioso, os tribunais superiores “…apenas devem ser confrontados com as questões que as partes discutiram nos momentos próprios.” (Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, 2018, pg. 119) – entre outros Acs. STJ de 07/07/16 e TRC de 08/11/2011, em www.dgsi.pt.
[6] Foi a requerida e ora recorrida que alegou a inutilidade superveniente da lide no seu articulado de oposição – arts. 29º a 36º - pelo que quanto a esta questão, só esta poderia ter, abstratamente, legitimidade para a impugnação da decisão que não a declarou. E dizemos abstratamente porque, no concreto, não o poderia fazer dado que obteve ganho de causa por via do mérito. O que significa que, nesta parte, a decisão proferida está coberta pelo caso julgado.
[7] Em Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, pg. 371.
[8] Em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pg. 738.
[9] Que se transcreve novamente, com sublinhado nosso, para melhor compreensão: “Por outro lado, importa considerar que também não merece acolhimento o entendimento da autora no sentido de a decisão ora impugnada ser anulável por manifestamente abusiva, por entender que o fiscal único, ou melhor o representante do fiscal único, atuou em situação de conflito de interesses (entre os interesses da sociedade Requerida e os interesses de ATC) por ser requerido no processo melhor identificado na factualidade provada que corre termos sob o n.º 11.269/20.4 T8LSB, e com manifesto abuso por ter atuado à revelia do que sabia ser a decisão da Requerente relativamente à escolha da administração que iria ser levada a cabo na assembleia geral de aprovação de contas que estava a ser organizada e se realizaria no prazo que, para 2020, e por força da situação de pandemia mundial de Covid-19 havia sido prorrogado para 30.06.2020.”
[10] Em Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pgs. 30 e 31, em anotação ao preceito idêntico da anterior versão do CPC (art. 386º nº1).
[11] Em Temas da Reforma do Processo Civil, 5 – Procedimento cautelar comum, III Vol., 2ª edição, Almedina, 2000, pg. 186.
[12] Pinto Furtado em Deliberações dos sócios, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, pgs. 340 a 345.
[13] – autor e loc. cit. pg. 346.
[14] Paulo Olavo Cunha em Deliberações sociais – Formação e impugnação, Almedina, 2020, pg. 235.
[15] Pinto Furtado, local citado, pg. 378.
[16] Coutinho de Abreu in Curso de Direito Comercial, vol. II, pgs. 663 e 664.
[17] Manual de Direito das Sociedades, I vol., Almedina 2004, pg. 651.
[18] Menezes Cordeiro, local citado na nota anterior, pg. 656.
[19] Lobo Xavier, Raúl Ventura e Paulo Olavo Cunha são alguns dos autores que seguem esta tese.
[20] Pinto Furtado, local citado, pgs. 316 a 323.
[21] Menezes Cordeiro, com citação dos vários autores que subscrevem as várias posições, incluindo a sua, em Código das Sociedades Comerciais Anotado – Códigos Comentados da Clássica de Lisboa, Almedina, 2020, pg. 296.
[22] Ver também o nº 1do art.414º do CSC.
[23] A crítica é de Alexandre Soveral Martins em Sobre a Fiscalização de Sociedades Anónimas – Os órgãos de fiscalização – o ROC, Almedina, 2010, pg. 64.
[24] Neste sentido Alexandre Soveral Martins, local citado na nota anterior, Pinto Furtado em Competências e Funcionamento dos Órgãos de Fiscalização das Sociedades Comerciais, em AAVV. – Nos 20 anos do Código das Sociedades Comerciais, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pg. 606 e Gabriela Figueiredo Dias em Comentário ao art. 419º no Código das Sociedades Comerciais em Comentário, IDET, Almedina, 2013, pg. 613.
[25] Local já citado, pgs. 64 a 66.
[26] Local citado, pg. 575.
[27] No mesmo sentido José Ferreira Gomes em Código das Sociedades Comerciais Anotado – Códigos Comentados da Clássica de Lisboa, Almedina, 2020, pg. 1366.
[28] Entre outros infopedia.pt/dicionários/língua-portuguesa/suplente, dicionário.priberam.org/suplente e o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado, Círculo de Leitores, 1997, vol. VI, SEGR-ZZZ, pg. 185.
[29] Local citado, pgs. 575 e 576.
[30] Cfr. arts. 41º e 42º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.
[31] Em Sobre a Fiscalização de Sociedades Anónimas…, pg. 65.
[32] Código das Sociedades Comerciais Anotado …, pg. 1366.
[33] Aprovado pela Lei nº 140/2015, de 7 de setembro.
[34] Disponível em www.dgsi.pt.
[35] Em Deliberações dos Sócios, pgs. 388 e 389.
[36] Local citado, pg. 389.
[37] Idem, pgs. 403 e 404.
[38] Em Código das Sociedades Comerciais Anotado…, pg. 304 e, mais desenvolvidamente em Manual de Direito das Sociedades, vol. I, Das sociedades em geral, Almedina, 2004, pgs. 664 a 666.
[39] Em Deliberações Sociais, já citado, pg. 238.
[40] Ver sobre o tema José Nuno Marques Estaca in O Interesse da Sociedade nas Deliberações Sociais, Almedina, 2003.
[41] – autor e local citados, pgs. 78 e 79.
[42] Por exemplo, João Regêncio em Do interesse social, RDS V (2013), 4, 801-818, disponível em http://www.revistadedireitodassociedades.pt/files/RDS%202013-04%20(801-818)%20-%20Doutrina%20-%20Jo%C3%A3o%20Reg%C3%AAncio%20-%20Do%20interesse%20social.pdf, analisando já a redação de 2006 aponta, porém, que a função do art. 64º é ainda e apenas o de lembrar que os stakeholders são importantes para o sucesso da empresa, optando por uma tese contratualista em que o interesse social corresponde ao “interesse comum dos sócios em lucrar através da actividade desenvolvida pela sociedade (…).” um “interesse social-quadro, a exigir concretização a cada momento pelos órgãos sociais”, “operada pelo princípio maioritário” e que não pode ultrapassar os limites impostos pelo referido interesse social quadro.
[43] Ver mais em detalhe Pedro Caetano Nunes em Dever de Gestão dos Administradores de Sociedades Anónimas, Almedina, Teses, 2018 (reimpressão), pgs. 450 a 455.
[44] A expressão é de Coutinho de Abreu em Deveres de Cuidado e de Lealdade e Interesse Social, em Reformas do Código das Sociedades, IDET, Colóquios, nº3, Almedina, Março de 2007, pgs. 17 e ss.
[45] A questão surge essencialmente discutida a propósito dos administradores, como se vê do texto citado na nota anterior ou da abordagem de Pedro Caetano Nunes, na obra também já citada.
[46] Em anotação ao artigo 393º do CSC, em Código das Sociedades Comerciais em Comentário, já citado, pgs. 278 a 285.
[47] Pese embora dogmaticamente não seja a designação mais correta adverte Ricardo Costa na anotação citada na nota anterior.
[48] Cfr. Gabriela Figueiredo Dias em A fiscalização societária redesenhada, Reformas do Código das Sociedades, IDET, Colóquios, nº3, Almedina, Março de 2007, pg. 290.
[49] Alexandre Soveral Martins, em Sobre a Fiscalização…, pg. 155.
[50] Idem, pg. 170.
[51] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.